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Ética Empresarial O que é Ética? Prof. Me. Laerci Jansen Rodrigues Ética Empresarial | O que é Ética? 2 Olá! Sejam bem-vindos! Antes de iniciar a nossa aula, assista ao vídeo a seguir para conhecer os temas que serão abordados. Introdução Nesta primeira aula, pensaremos sobre a importante e cada vez mais necessária questão da ética, relacionando os conceitos éticos ao mundo empresarial. Conheceremos o que significa esse termo e como as concepções éticas podem nortear o mundo dos negócios. Além disso, aprenderemos a construir uma nova ética empresarial, baseada no respeito mútuo entre indivíduo e instituição. Bom início de curso a todos! O Que é Ética? Certa vez, foi perguntado ao índio mais velho de uma tribo: - Quem é o responsável pelos impulsos bons e maus que nos invadem a alma? O índio refletiu por um instante e respondeu da seguinte forma: - Dentro de nós, existem dois lobos: um deles é cruel e mau, o outro é pacífico e muito bom. Os dois estão sempre medindo forças. Então lhe foi perguntado: - Qual dos lobos é o mais forte? O índio respondeu: - Aquele que você alimentar. Ética Empresarial | O que é Ética? 3 Essa parábola ilustra bem uma das condições existenciais dos seres humanos, sempre tensionados em suas escolhas entre o bem e o mal, o certo e o errado, o justo e o injusto. Por isso, devemos nos questionar: Sobre quais parâmetros baseamos nossas decisões? Que referências temos do bem e do mal? Bem e mal são categorias objetivas ou subjetivas? O que nos motiva na escolha entre um e outro? Somos verdadeiramente livres para fazer escolhas? O que é liberdade? Essas e outras questões são estudadas e debatidas quando nos debruçamos para pensar a respeito da ética. Enquanto disciplina, a ética se debruça sobre um elemento: a conduta humana. Assim, encontramos a seguinte definição de Vasquez (2011): Outro autor faz uma definição similar e a descreve da seguinte maneira: Etimologicamente, a palavra ética deriva do termo grego “ethos”, que designa o modo de ser, o caráter ou a morada humana. Ao considerar essa concepção, Leonardo Boff tece o seguinte comentário: Ethos – ética, em grego – designa a morada humana. O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente. [...] Ético significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia saudável: materialmente sustentável, psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda. (BOFF, 2001, p. 26). A partir disso, podemos procurar entender mais aproximadamente esse “modo de ser” e esse “caráter”, compreendendo a maneira como se estabelecem os juízos humanos sobre a realidade e, então, fundamentar os critérios sobre os quais estabelecemos os princípios da ética. “A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência de uma forma específica de comportamento humano.” (VASQUEZ, 2011, p. 20) “Ética é a reflexão sobre a ação humana, para extrair dela o conjunto excelente de ações.” (PONCHIROLLI, 2011, p. 12). Ética Empresarial | O que é Ética? 4 Juízos de Fato e de Valor Uma das principais características da consciência humana é a capacidade de formular juízos sobre todos os fenômenos que a alcança. A princípio, podemos distinguir tais juízos em duas formas ou modalidades: Na Filosofia, a parte que estuda os juízos de fato é chamada de Gnosiologia − ou Teoria do Conhecimento −, e a parte que estuda os juízos de valor é chamada de Axiologia, que tem como um de seus ramos a Ética. Antes de continuarmos, assista ao vídeo a seguir para elucidar alguns elementos vistos até aqui. Veja mais sobre a ética e as questões fundamentais abordadas nesta disciplina, lendo o capítulo 1 do livro “O que é Ética”, disponível em: <http://www.fara.edu.br/site/servicos/downloads/colecao/etica.pdf> Juízos de fato − São as apreensões de nossa consciência que nos dão constatações objetivas, físicas e imediatas de um fenômeno. Por exemplo: está chovendo, a cortina é azul, o rio está cheio. Juízos de valor − São atribuições qualitativas com as quais determinamos a conveniência do fenômeno em relação ao que julgamos ser bom ou mal, justo ou injusto, certo ou errado, verdadeiro ou mentiroso. Ética Empresarial | O que é Ética? 5 Princípios da Ética Para que determinada conduta possa permitir o julgamento ético, é necessário levar em consideração três princípios básicos: 1. Consciência 2. Liberdade 3. Responsabilidade do sujeito da ação Moralmente falando, não se pode imputar qualquer responsabilidade sobre uma pessoa que não tenha, em sua ação, a consciência dos fins a serem alcançados e a liberdade de escolha diante das opções que a realidade lhe dispõe. Assim sendo, uma criança que se machuca por estar brincando com um objeto cortante não pode ser responsabilizada pelas consequências, por não ter consciência do risco e, consequentemente, não ter liberdade para escolher entre o bem e o mal. Quando a consciência do sujeito é limitada por circunstâncias insuperáveis ou quando alguém sofre algum tipo de coerção, seja externa ou interna (provocada por alguma patologia ou hipnose, por exemplo), não se pode aplicar um juízo de valor, responsabilizando-o com o mesmo rigor que se faria a alguém plenamente consciente e livre pelos seus atos. Assim, o juízo ético pressupõe que o indivíduo tenha consciência de si mesmo, do seu lugar e do papel que ocupa no mundo, dos outros e das coisas que o rodeiam, estando apto para discernir sobre a melhor forma de atuar sobre esses elementos. “A consciência moral é (...) consciência do fim desejado, dos meios adequados para realizá-lo e do resultado possível”, segundo Vasquez (2011), para, então, finalmente decidir sobre como e por que realizar determinada ação. A consciência e a liberdade delegam ao sujeito da ação total responsabilidade pelos seus atos. Responsabilidade, porém, não se resume apenas em responder por seus atos e assumi-los com todas as suas consequências, mas também tem o sentido de cumprir com suas obrigações e, Ética Empresarial | O que é Ética? 6 ainda, de zelar pelo meio e pela integridade das pessoas, estejam elas perto ou longe. Em suma, toda ação que tiver esses três elementos presentes − a consciência, a liberdade e a responsabilidade − será necessariamente ética, pois estará sempre de acordo com aquilo que se espera do ethos, do modo de ser da conduta humana em todo lugar e em qualquer tempo. Ética e Moral Enquanto a ética deriva do termo grego “ethos”, a palavra moral tem origem no termo “mores”, do latim, e significa costumes, no sentido de normas e regras provenientes do conjunto construído pelas tradições, crenças e hábitos que constituem a forma de ser de um grupo ou de uma cultura. Assim, toda moral está alicerçada ou referenciada na “visão de mundo” de uma coletividade, que prescreve normas e regras de convivência dentro da sociedade. Segundo Ponchirolli (2007), “é uma reflexão teórica que analisa e critica ou legitima os fundamentos e princípios que regem um determinado sistema Essa característica faz com que a ética possa julgar a própria moral. Na verdade, muitos autores concordam que a ética é uma teoria sobre a prática moral. Cada um de nós é responsável pelo lugar emque vive e é igualmente responsável pelo bem-estar de todos que compartilham esse lugar conosco. Ética Empresarial | O que é Ética? 7 moral, isto é, a dimensão prática de nossa vida.” Portanto, a moral é um fenômeno localizado em um determinado meio social. Em contrapartida, por não estar localizada nessa ou naquela sociedade ou grupo, mas no modo de ser do homem enquanto espécie consciente, livre e responsável, a ética se distancia da moral e pode julgá-la se está de acordo ou não com o que pede a dignidade humana. Acompanhe a reportagem a seguir, da Revista Superinteressante, para ver um exemplo disso: A retirada do clitóris é comum na África Por Tânia Menai, de Nova York É verdade que, em algumas regiões do mundo, se retira o clitóris das mulheres? Sim. A clitoridectomia, como é chamada, é um ritual de passagem, ou iniciação, praticado na África, Oriente Médio e sudeste asiático há 2000 anos. O objetivo é evitar que a mulher tenha prazer sexual. As vítimas em geral são bem jovens – entre uma semana e 14 anos – e os tipos de extirpação variam. Pode ser retirado desde uma parte do clitóris até os pequenos lábios da vagina. As operações são seguidas de muita dor e sangramento. Como são feitas em condições precaríssimas de higiene, com tesouras, facas e navalhas, o número de infecções é muito grande e boa parte das mulheres operadas torna-se estéril. Está provado também que a prática não traz nenhum benefício para o organismo feminino. A Organização Mundial de Saúde estima que entre 80 e 114 milhões de mulheres já passaram por esse ritual macabro. É uma prática ligada aos costumes dos povos, sem relação direta com a religião. Não é verdade que o Alcorão (a bíblia islâmica) defenda o costume. Para o Ocidente essa prática é chocante. Mas não é assim nas regiões onde é praticada. A mulher é totalmente submissa e os povos que fazem a clitoridectomia acreditam que ela ajuda a manter a virgindade das solteiras. Além disso, reforçaria a identidade do grupo. (REVISTA SUPERINTERESSANTE, julho-1997, disponível em: <http://super.abril.com.br/saude/retirada-clitoris-comum-africa-437071.shtml>). O costume relatado na reportagem é categorizado como um processo moral dentro da sociedade em que é realizado. Analisado sob o enfoque da ética, a questão que se coloca vai além do gênero masculino ou feminino − estamos diante de um ser humano e podemos expor as seguintes questões: A dignidade e a integridade da pessoas estão sendo respeitadas? O ato é responsável para com a pessoa que a sofre? Ética Empresarial | O que é Ética? 8 Como a resposta é evidentemente negativa, a prática é moral, por estar em um contexto cultural; porém antiética, por ferir o princípio da dignidade humana. Para saber mais sobre os elementos que compõem a consciência, a liberdade e a responsabilidade, além da distinção entre ética e moral, assista ao vídeo a seguir e fique por dentro! As Diferentes Concepções Éticas Existem inúmeras concepções éticas, as quais buscam dar respostas à complexa tarefa de encontrar a razão de ser da conduta humana. Vejamos agora algumas dessas concepções e em quais princípios cada uma delas se fundamenta. A concepção platônica Platão nasceu em Atenas, provavelmente em 427 ou 428 a.C. Para entendermos o pensamento desse filósofo, é necessário sabermos que Platão era um filósofo dualista, ou seja, ele entendia a existência das coisas marcada por uma dupla realidade: Realidade sensível – aquela que podemos captar pelo uso dos cinco sentidos; essa realidade física tem como principal característica o engano, a ilusão, a efemeridade e a superficialidade, ou seja, o mundo sensível é um mundo de sombras, no qual não podemos encontrar a verdade essencial das coisas, apenas suas aparências. Realidade inteligível ou cognoscível − corresponde ao mundo das ideias, mas não quaisquer ideias, aquelas que são perfeitas, eternas e imutáveis; nesse nível, o entendimento das coisas é verdadeiro e absoluto, o indivíduo Ética Empresarial | O que é Ética? 9 que ama a verdade (que supera as aparências) deve se esforçar para se libertar dos enganos do mundo sensível e contemplar, através do diálogo racional (por isso todos os escritos de Platão tem a forma de diálogo), o conhecimento essencial de todas as coisas. Uma vez entendido o dualismo platônico, fica relativamente simples compreender sua concepção ética. Segundo esse filósofo, todo mal e todo vício é sempre fruto da ignorância, ou seja, as pessoas que cometem erros e injustiças o fazem por estarem mergulhados e ludibriados pelas aparências do mundo sensível. Da mesma forma, todo bem e toda virtude é fruto do conhecimento verdadeiro e essencial das coisas. Ao contemplar o mundo cognoscível, o indivíduo se torna necessariamente bom e virtuoso, impossibilitado de praticar o mal. Vamos entender esse processo: A concepção aristotélica Aristóteles nasceu em 384 a.C., na cidade de Estagira, na Macedônia, e morreu em 322 a.C. Foi para Atenas aos 17 anos, onde se tornou discípulo de Platão. Embora tenha tido Platão como mestre, Aristóteles se contrapôs a muitos elementos fundamentais da filosofia platônica: uma delas foi a divisão da realidade em sensível e cognoscível. Platão defende que todo ser humano, ao agir, busca a felicidade, mas não raramente suas escolhas acabam por torná-lo infeliz; isso acontece por causa dos erros cometidos nas escolhas cotidianas, os quais são resultado da ignorância que o mundo das aparências nos provoca. Se eliminarmos a ignorância e não nos deixarmos levar pelas aparências, faremos sempre escolhas virtuosas, que nos levarão necessariamente à felicidade e à paz interior. Ética Empresarial | O que é Ética? 10 Ao se concentrar sobre a questão da ética, Aristóteles parte do princípio que o fim último, a razão e o objetivo da existência humana é a felicidade. Segundo ele, a felicidade seria a realização plena daquilo que caracteriza o homem e o diferencia dos outros animais − no caso a própria racionalidade. Sendo assim, o homem que deseja se realizar e viver bem, feliz, deve viver sempre segundo a razão. O indivíduo que é capaz de viver segundo sua racionalidade se torna necessariamente virtuoso, segundo esse filósofo. Mas qual é, efetivamente, a distinção da concepção aristotélica em relação à platônica? Aristóteles considera que a virtude é adquirida com o hábito. Em seu livro “Ética a Nicômaco”, essa concepção está bem explicada: As coisas que temos de aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as – por exemplo, os homens se tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo moderadamente, e corajosos agindo corajosamente. (ARISTÓTELES in MARCONDES, 2007, p. 53). A fórmula que faz um indivíduo ser virtuoso é simples em Aristóteles: a pessoa se utiliza da razão para suplantar seus impulsos instintivos e, nessa medida, se esforça para ser virtuoso, se deixando guiar por sua racionalidade e praticando a virtude em seu dia a dia até que ela se torne um hábito. Assim, o homem encontra o bem, a felicidade e a realização pessoal. A virtude é, então, a justa proporção, o meio-termo entre a deficiência e o excesso de um atributo. Em outras palavras, é a justa medida entre dois vícios opostos. Segundo Aristóteles, o mundo sensível não nos dá apenas enganos e verdades aparentes, mas é a fonte privilegiada de conhecimento real sobre tudo que existe. Ética Empresarial |O que é Ética? 11 Observe o quadro a seguir, que ilustra essa definição: DEFICIÊNCIA MEIO-TERMO EXCESSO Covardia Coragem Temeridade Avareza Prodigalidade Esbanjamento Negligência Prudência Precipitação Nesses termos, o homem está sempre diante de uma escolha e, quando escolhe pela mediania, é porque foi capaz de contemplar a situação e colocar em primeiro plano a sua razão como referência e fundamento de sua decisão. Já que a meta final do homem é a felicidade e que essa condição acontece no interior da sociedade, Aristóteles compreende que a política é uma prática que, necessariamente, deve estar ligada ao bem do individuo e da coletividade. Ética e política, portanto, caminham juntas para o bem e para a realização humana. Outro elemento que não podemos deixar de citar é a ação prática do homem no interior da pólis (cidade): para Aristóteles, o homem é um animal político, portanto é dentro da pólis, da sociedade, que a possibilidade de realização do indivíduo acontece. Ética Empresarial | O que é Ética? 12 Para ter esclarecida ainda mais a concepção ética de Platão e de Aristóteles, assista ao próximo vídeo. As Concepções Contratualistas O contratualismo é a doutrina da filosofia que defende a instauração do Estado de direito a partir de um pacto entre os indivíduos. Portanto, tal pacto é visto como a própria justificativa para a existência política do Estado. Seus principais representantes são Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Colocado sobre o ponto de vista da ética, a noção de contrato pressupõe “a doutrina em que a moralidade é parte de um contrato social, portanto, de uma convenção social que pode ser alterada como consequência de uma luta pelo poder.” (BUNGE, 2002) Thomas Hobbes (1578-1679) O pensamento contratualista do filósofo inglês Thomas Hobbes foi exposto em sua principal obra: “Leviatã”. O leviatã é um monstro mitológico e, no livro, Hobbes faz uma analogia deste com a figura do Estado enquanto instituição dominadora, centralizadora e controladora − à qual o homem espontaneamente entrega sua liberdade e sua vontade individual. Ética Empresarial | O que é Ética? 13 O que justificaria tal entrega? Segundo esse filósofo, os seres humanos têm como característica natural o desejo de aumentar o seu poder e a sua influência sobre as outras pessoas. A essa característica, soma-se o fato de que, para alcançar seus objetivos, o homem tem poderes similares uns aos outros, ou seja, genericamente, ninguém é muito mais forte ou muito mais habilitado − física ou racionalmente − que possa imprimir certa superioridade intransponível aos outros indivíduos que o rodeiam. “O ponto de partida do raciocínio é, assim, a ideia de igualdade – mais precisamente a ideia de uma igualdade de poder entre os homens, entendendo por poder a capacidade que cada um tem para realizar o que deseja.” (MARÇAL, 2009, p. 341). Assim sendo, se dois homens desejam algo que não podem ter igualmente ao mesmo tempo, acabam se tornando inimigos. “Neste estado, não há lugar para o trabalho, para o comércio, para a ciência, para as artes. Não há justiça nem lei. O medo e o perigo regem uma vida humana solitária, pobre, desagradável, brutal e curta.” (THIRY- CHERQUES, 2008, p. 57) E, nessa condição, afirma Hobbes, o homem é o lobo do homem, ou seja, somos predadores uns dos outros. Em uma situação como essa, o que aconteceria se não houvesse leis, regras ou normas para referenciar a ação dos indivíduos? Qual seria o resultado se cada um seguisse livremente o próprio juízo? Viveríamos em estado de guerra constante, em que o temor e o medo da morte violenta estariam sempre presentes. Ética Empresarial | O que é Ética? 14 É exatamente para dar à vida uma condição mais favorável, a fim de que as pessoas possam se sentir seguras e menos ameaçadas, é que se justifica a fundação do Estado, por meio de um contrato em que os indivíduos renunciam a sua liberdade e a entregam nas mãos de um soberano, tornando-se a ele submissos. A resignação às normas de convivência é o preço que cada homem tem que pagar para ter a possibilidade de realização da própria existência. John Locke (1632-1704) O filósofo britânico John Locke esboçou suas ideias contratualistas a partir do princípio dos direitos naturais. Tais direitos estão fundamentados naquilo que o homem traz como inalienável desde o início de sua vida. Ora, mas o que pertence ao homem no momento de seu nascimento? Quem responde essa pergunta é Locke: Em um sentido mais geral, o contrato que dá origem ao Estado político e retira o homem de seu “estado de natureza” tem por princípio a defesa absoluta da propriedade privada, a começar pela vida e pela liberdade e, em O Estado irá reger a vida pública e privada, prescrevendo as normas e as regras de socialização, mediando conflitos, julgando e punindo aqueles que, inadvertidamente ou deliberadamente, desrespeitarem o contrato. A vida, a liberdade e a própria pessoa. Portanto, todo homem tem direito natural a esses elementos e ninguém possui nenhuma prerrogativa para retirar tais direitos dele. O papel do Estado se justifica e se legitima na medida em que defende e protege prioritariamente esses interesses. Ética Empresarial | O que é Ética? 15 seguida, estendendo-se a toda propriedade conquistada pelo homem por meio de seu trabalho. Por que o trabalho deve ser fonte de constituição de propriedade? O argumento de Locke é simples e convincente: Deus, através de seu trabalho, criou todo o cosmos e tudo o que existe nele, e o produto dessa atividade pertence ao próprio Criador. O universo é, assim, propriedade privada e inalienável de Deus. Seguindo essa lógica, é justo que o fruto do trabalho humano também gere para ele propriedade inalienável. É interessante notar que a concepção de Locke sobre o estado de natureza humano é bem diferente da concepção de Hobbes: “o estado natural do ser humano não é o do estado de guerra de todos contra todos, mas o da inocência e retidão. A sociedade dos homens iguais, o estado onde a lei (natural) permanece na mão dos indivíduos, não da comunidade.” (THIRY- CHERQUES, 2008, p. 61). Assim, no estado de natureza, o indivíduo possui uma referência ética também natural, que é estabelecida a partir dos direitos básicos de autoconservação. O contrato social, segundo Locke, surgiu com a evolução das formas de organização humanas e os conflitos que as mudanças no interior da sociedade provocaram. O contrato se fez necessário para conciliar tais conflitos e para a preservação do bem comum, entendido aqui como a garantia da propriedade privada. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) Ao contrário de Hobbes, Rousseau entende o homem em estado de natureza como um ser benevolente, autêntico, generoso e compassivo. O que o distingue dos animais são sua liberdade e sua capacidade de se aperfeiçoar e de se adaptar às circunstâncias. Entre o estado de natureza e o estado de sociedade há vários estágios, na concepção de Rousseau; o mais feliz é quando o homem vive em pequenas sociedades, ainda sem o estabelecimento da propriedade privada. Ética Empresarial | O que é Ética? 16 É exatamente quando se instaura a propriedade que surge a sociedade fundamentada no contrato − a necessidade de preservar a propriedade faz com que o homem em estado de sociedade se corrompa, tornando-seegoísta, malicioso, preconceituoso e ganancioso. O contrato intuído por Rousseau é uma tentativa de recriação da sociedade em novas bases, em que a liberdade e a igualdade possam imperar. O que lhe permite pensar a liberdade na sociedade é o fato de seu contrato não ser feito entre indivíduos particulares, mas entre indivíduos e soberano − sendo que o soberano é o povo, do qual o próprio indivíduo faz parte. Assim nasce o conceito de vontade geral, que não deve ser confundido como a soma das vontades particulares. A vontade geral é, na verdade, aquilo que pode ser generalizado em cada vontade particular, na medida em que considera os objetos que interessam a todos os cidadãos. Em suma, só pode ser considerada vontade geral aquela que está de acordo com o bem de toda coletividade. A liberdade moral e a civil só se sustentariam tendo como fundamento instituições erigidas por cidadãos livres e iguais entre si. Não se deve, porém, confundir a liberdade resultante do contrato com a liberdade que o homem tinha em estado de natureza. O objetivo do contrato é justamente extinguir a liberdade natural e instaurar a liberdade civil, pois a permanência da liberdade natural dentro do estado de sociedade é uma das causas dos males políticos, já que, quando alguém se comporta como se tivesse direito a tudo e sem nenhum dever dentro da sociedade, torna-se um risco para os que vivem de acordo com o contrato estabelecido. Na concepção de Rousseau, o homem nasce bom, porém a sociedade o corrompe. Ele entendia que “o grande mal dos tempos modernos era a civilização burguesa, com sua moral mercantil de favorecimento dos hábitos de luxo e de criação de desejos artificiais.” (COMPARATO, 2006, p. 233) Ética Empresarial | O que é Ética? 17 Assista ao vídeo a seguir para saber mais a respeito do contratualismo. A Ética do Dever Immanuel Kant (1724-1804) Kant considera que o princípio fundamental de toda concepção ética deve ter como referência o homem. Na visão do filósofo, o ser humano existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio do qual uma ou outra vontade pode se servir arbitrariamente. O que faz do homem ser um fim em si mesmo é o fato de nenhum ser humano ter preço. “O preço é o valor daquilo que pode ser substituído por outra coisa. Mas os homens em geral, e cada homem em particular, são propriamente insubstituíveis na vida.” (COMPARATO, 2006, p. 296). A liberdade, juntamente com a impossibilidade de calcular o valor do ser humano, forma o cabedal característico da dignidade humana. A liberdade, no sentido kantiano, não está ligada à ideia de se fazer o que quiser de maneira indiscriminada, mas pela condição racionalmente determinada de se agir sem ser induzido por fatores alheios à sua autonomia e à racionalidade. A medida da liberdade humana é a capacidade de contrariar seus impulsos naturais e, através de sua razão, optar pelo seu dever. Essa compreensão acentua o reconhecimento do dever como uma expressão da racionalidade humana − a legítima raiz da moralidade. Dessa constatação, Kant (1993) elabora o que ele denominou na obra “Fundamentação da metafísica dos costumes” de imperativo categórico: “Age apenas segundo um princípio tal qual possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT, 1993). Esse princípio é imperativo porque deve Ética Empresarial | O que é Ética? 18 ser observado em qualquer ato ou decisão tomada pelo homem. Portanto, se uma ação não puder ser universalizada, certamente não será moralmente correta, e as eventuais ações contrárias a esse imperativo só acontecerão como exceção, jamais como regra. A Ética Utilitarista A concepção utilitarista, formulada pelos pensadores ingleses Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873), defende que a ação humana, para ser moral, deve estar alicerçada na busca do bem maior para o maior número possível de pessoas. Nesse sentido, uma ação será correta se promover a felicidade não apenas do agente da ação, mas da maior parte da coletividade. Então, o que determina se uma ação é certa ou errada, para além da intenção do agente, seriam também as circunstâncias na qual ela se deu e os impactos que ela causou, pois pode ser que uma conduta que tenha uma motivação má acabe resultando em uma coisa boa e vice-versa. Nesse caso, o indivíduo que se encontra diante de uma situação que exige uma tomada de decisão deve discernir sobre qual escolha vai promover o maior bem-estar ou o menor nível de sofrimento possível para ele e para a maioria das pessoas. O utilitarismo considera que as normas são provisórias. Por exemplo: mentir é considerado um ato imoral, porém sob determinadas circunstâncias, mentir talvez seja exatamente a coisa certa a se fazer para a preservação da felicidade e do bem-estar de si mesmo e dos outros; roubar também é errado, mas se alguém está faminto e não tem outra alternativa, não estará errando ao cometer esse ato. Ao postular o dever como norma universal, a ética kantiana ganha o status de formal, pois se configura na forma necessária da conduta ética. Ética Empresarial | O que é Ética? 19 Assim, “não existe nada que, a priori, possa informar com segurança sobre a correção de uma ação.” (THIRY-CHERQUES, 2008, p. 97). Sob essa perspectiva, a utilidade é um bem em si mesma, pois ela está relacionada com a felicidade − lembrando sempre que esta deve ser buscada não de maneira egoísta, pois o mais desejável é que todos possam alcançá-la. Síntese Assista ao vídeo a seguir, que trata da ética do dever e da ética utilitarista e faz, ainda, um apanhado geral sobre os principais tópicos abordados nesta aula. Ética Empresarial | O que é Ética? 20 Leia o texto a seguir para responder às duas questões que serão apresentadas: Supondo que um administrador descobre que seus colegas estão participando de algumas fraudes contábeis. Ele resolve relatar o fato aos seus superiores, porém estes não tomam nenhuma providência. Inconformado com a inação dos superiores e sem concordar com a prática dos colegas, ele resolve denunciar o esquema à Receita Federal. (SROUR, 2000) 1. Partindo de uma perspectiva aristotélica, podemos afirmar que a sua denúncia foi motivada: a. Por acreditar que cada indivíduo deve agir conforme os valores hegemônicos da sociedade. b. Por entender que a excelência individual ou empresarial só pode ser alcançada através da prática habitual das virtudes. c. Por compreender que a falta de virtudes nos companheiros era provocada pela ignorância deles; então, agindo corretamente, eles teriam acesso à verdade, o que leva a uma boa conduta. d. Sua decisão se justificaria a partir do princípio da não contradição às leis da macrocomunidade. Ética Empresarial | O que é Ética? 21 2. Partindo de uma perspectiva kantiana, sua decisão teria a seguinte justificativa: a. Ele teria cumprido o seu dever, pois essa decisão, por mais difícil que seja, cumpre com aquilo que se espera da dignidade humana. b. Sua decisão se justificaria a partir do princípio de fidelidade total às leis do governo e do Estado. c. Sua decisão teve como principio o postulado “diz com quem andas e eu te direi quem és”. Para não ficar no nível dos corruptos, a solução foi entregá-los. d. Por acreditar que cada indivíduo deve agir conforme os valores pautados na soberania social. Ética Empresarial | O que é Ética? 22 Referências BOFF, L. A águia e a galinha. Petrópolis: Vozes,2005. BUNGE, M. Dicionário de Filosofia (Tradução de Gita K. Guinsburg). São Paulo: Perspectivas, 2002. COMPARATO, F. K. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Cia. das Letras, 2006. KANT, E. Fundamentos da metafísica dos costumes (Tradução de Lourival de Queiroz Henkel). São Paulo: Ediouro, 1993. MARCONDES, D. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. MARÇAL, J. (org.). Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009 PONCHIROLLI, O. Ética e responsabilidade social empresarial. Curitiba: Juruá, 2011. LUCCA, N. Ética geral à ética empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2009. THIRY-CHERQUES, H. R. Ética para executivos. Rio de Janeiro: FGV, 2008. SANCHEZ VAZQUEZ, A. Ética. 32. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011. SROUR, R. H. Ética empresarial. Rio de Janeiro: Campus, 2000. _____. Casos de ética empresarial: chaves para entender e decidir. São Paulo: Campus, 2011.
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