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Super-Heróis e o Perigo Nuclear

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SUPER-HERÓIS E O PERIGO NUCLEAR 
ANALISE DA MENTALIDADE AMERICANA NA GUERRA FRIA 
ATRAVÉS DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS 
 
 
VICTOR HARABURA DE FREITAS 
 
 
RESUMO 
O presente artigo propõe-se a fazer uma breve análise da história das revistas 
em quadrinhos de super-heróis norte americanas, relacionando o contexto 
histórico em que foram criadas, a mentalidade e o cotidiano dos leitores 
estadunidenses. Examinando com maior atenção à era nuclear, Guerra Fria, 
período conhecidos como a Era de Prata dos quadrinhos americanos, momento 
que são criados os super-heróis cientistas. 
 
PALAVRAS-CHAVE 
Super-herói, histórias em quadrinhos, guerra, Guerra Fria, americanos e Estados 
Unidos. 
 
 
 
Dentre os procedimentos teórico-metodológicos utilizados para a análise 
das histórias em quadrinhos de super-heróis criadas no período da Guerra Fria, 
optamos pela História Social da Linguagem, de Peter Burke (BURKE, 1997). 
Mesmo que o método de Burke não esteja interessado com imagens ou a 
articulação entre imagens e texto, a História Social da Linguagem pode nos ser 
válido ao fornecer instrumentos para trabalhar com as fontes, “desde que sejam 
feitas as devidas considerações” (RODRIGUES, 2011, p.2). Ao observar alguns 
conjuntos de linguagem empregados na organização das obras conseguimos 
adentrar no universo de nosso estudo. Os super-heróis das histórias em 
quadrinhos não existem fora do universo da linguagem, como Rodrigues 
demonstra, adquirindo vida através das narrativas, se expressando através das 
falas, gestos e figuras de pensamento. Desse modo, torna-se indispensável 
observar como as histórias em quadrinhos se configuram através de suas 
próprias ferramentas. Mais do que impor conceitos, podemos analisar os 
quadrinhos como fontes históricas, na tentativa de sinalizar nelas traços que 
simbolizam o mundo social a que se referem, já que 
 
 “As Histórias em Quadrinhos, como todas as formas de arte, fazem parte do 
contexto histórico e social que as cercam. Elas não surgem isoladas e isentas de 
influências. Na verdade, as ideologias e o momento político moldam, de maneira 
decisiva, até mesmo o mais descompromissado dos gibis” (DUTRA, 2002 p.8). 
 
Portanto, os HQs “podem ser considerados como indicadores de práticas sociais, 
valores, ideias e distintas formas de percepção de problemas e de 
encaminhamentos de suas soluções” (RODRIGUES, 2011, p.3). 
A Guerra Fria, como define Eric Hobsbawn em seu livro Era Dos 
Extremos, foi um período peculiar na história do século XX, os dois aliados que 
combateram os nazistas na Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União 
Soviética, emergem do conflito como as duas superpotências do mundo, porém 
não mais aliados, inimigos ideológicos e políticos, o globo terrestre foi dividido 
entre duas áreas de influência, o lado norte americano que defendia as leis do 
capitalismo, e o restante do mundo, sobre o domínio do exército vermelho, que 
pregava o socialismo. As pessoas de ambos os lados viviam sob constante 
medo de um apocalipse bélico, as duas potências haviam alcançado a 
capacidade de produzir bombas atômicas, em 1986, entre as duas potências, 
havia cerca de 70 mil ogivas, quantidade suficiente para destruir o mundo inteiro 
dezenas de vezes. Um confronto direto nunca existiu, pois ambas sabiam das 
consequências de uma guerra nuclear, esse mútuo medo de ataque e contra-
ataque, ficou conhecido como “equilíbrio do terror”. Contudo algumas guerras 
aconteceram com a ajuda soviética e participação direta dos EUA, como a da 
Guerra da Coreia, Guerra do Vietnã e outros conflitos no Oriente Médio. As 
histórias em quadrinhos norte americanas não estavam isentas da influência 
ideológica e política, podemos observar como os super-heróis nasceram e 
carregaram os traços marcantes do período. 
Para compreendermos como foram criados os super-heróis e as histórias 
em quadrinhos no momento da Guerra Fria, faz-se necessário, para melhor 
entendimento das estruturas de criação dos personagens, uma breve 
observação da história das revistas de heróis, pois importantes personagens, 
que combatem os comunistas e a ameaça nuclear, nasceram com outros 
propósitos, o de levar a “paz” aos confins do espaço sideral e lutar contra os 
nazis, na Segunda Guerra Mundial. Essa rápida análise nos ajudará a entender 
melhor os super-heróis. 
As Histórias em quadrinhos começam surgir no início do século XX1 como 
uma nova alternativa para comunicação e expressão gráfica e visual. No início 
os quadrinhos, em sua maioria, eram humorísticos, narrando brincadeiras e 
travessuras de animais e crianças, por isso até os dias de hoje as histórias em 
quadrinhos são chamadas em inglês de comics (cômico). 
Após a Primeira Guerra Mundial o mundo estava em aparente paz 
política, os Estados Unidos projetava-se como um dos principais centros 
culturais do mundo ocidente, na década de 1920, ser americano “era ser 
civilizado, pujante e comprometido” (MARANGONI, 2011, p.2). Porém essa grande 
virtude estadunidense foi testada com a quebra da bolsa de Nova York em 1929. 
O crack da bolsa foi um fator importante para as histórias em quadrinhos, 
os americanos com a moral enfraquecida, decorrente da depressão econômica 
causadora de inúmeros prejuízos, falências e até suicídios, procuravam ícones 
para se inspirar, nada melhor que heróis. Na década de 1930 os quadrinhos 
começaram a invadir o gênero aventura, dá-se a origem dos heróis nas histórias 
em quadrinhos. Os personagens Flash Gordon, de Alex Raymond, Dick Tracy, 
de Chester Gould e a adaptação de Hal Foster de o Tarzan (para os quadrinhos) 
de E.R. Borrougns. Eram heróis que levavam os ideais americanos, de liberdade, 
democracia, patriotismo engenhosidade e tradição, para os confins da galáxia, 
no coração da selva africana e no becos das metrópoles. “Esse heróis são 
conhecidos como o início da Era de Ouro (Golden Age)” (JARCEM, 2007, p.3). 
Em 1933, surgi o primeiro super-heróis com identidade secreta, 
Superman de Siegel e Shuster. Publicado somente em 1938, quando a dupla 
vendeu os direitos autorais para a DC Comics, na revista Action Comics 1. 
Muitos críticos consideram Superman como “o personagem que marca o inicio 
da Era de Ouro” (JARCEM, 2007, p.3). 
Com o surgimento da ameaça nazista, a Era de Ouro tem um impulso 
considerável com o início da Segunda Guerra Mundial. O nazismo derruba a 
ilusão de paz política, e transformar em realidade os cenários de guerra e horror 
que qualquer super-herói queria combater, como ditaduras, dominação mundial, 
destruição e genocídios, a 2ª Guerra era o palco perfeito da luta do bem contra o 
mal. Os heróis teriam que se transformar, de militantes pacifistas, em soldados 
no front de batalha. Antes do ataque a Pearl Harbor em dezembro de 1941, 
marco que simboliza a início da campanha dos EUA na 2ª Guerra, os heróis dos 
quadrinhos já combatiam os nazistas na Europa, em uma batalha que os 
americanos ainda não haviam se envolvidos. 
 
1
 Alguns críticos consideram The Yellow Kid escrita por Richard Fenton Outcalt, no ano de 1896, 
como a primeira história em quadrinhos. Outclat introduz um novo elemento aos desenhos 
sequenciais: o balão, que é utilizado como espaço para colocar as falas dos personagens. 
Em 1939 surgiu o personagem Namor, o Príncipe Submarino, criado por 
Bill Everest, o vilão nasceu para ser o inimigo da humanidade. Para combater o 
super-vilão foi criado o Tocha Humana, que na verdade era um robô, apareceu 
pela primeira vez na Marvel Comics 1, historia escrita e desenhada por Carl 
Burgos. Era a batalha entre água e fogo que o público adorava. 
Com a popularidade de Namor e Tocha Humana, os comics chamaram 
a atenção do governo norte americano, que percebe um promissor meio de 
comunicação de massas. O presidente Franklin Delano Roosevelt“’convocou’ 
todos os heróis... e super-heróis para o esforço bélico do país” (JARCEM, 2007, 
p.4). Com isso, os dois personagens passaram a aparecer nas histórias como 
aliados, passando a lutar juntos contra os nazistas e japoneses. 
Entre “1940 e 1945 foram criados aproximadamente quatrocentos 
super-heróis” (JARCEM, 2007, p.4), porém nem todos eles sobreviveram. Dentre 
os que resistiram podemos citar: Batman, criado por Bob Kane em 1939; Capitão 
Marvel, de C.C, beck; e o principal super-herói da Segunda Guerra, Capitão 
América, de Jack Kirby e Joe Simon. O franzino recruta, Steve Rogers, passa 
por uma experiência do exército, que tenta criar um “supersoldado”, recebe um 
soro que amplia seus músculos, sua agilidade e reflexos, de um simples recruta, 
Rogers se transforma no Capitão América. Na capa da primeira edição o herói 
está dando um soco, “POW!”, no rosto de Adolf Hitler. 
Após a explosão das duas bombas atômicas, sobre as cidades de 
Hiroshima e Nagasaki, em setembro de 1945, fato esse representando no 
mangá2 Gen Pés Descalços escrito por Keiji Nakazawa, os super-heróis vencem 
as forças do eixo (Roma-Berlim-Tóquio), porém a glória não durou muito, com o 
fim da guerra o interesse dos jovens em heróis nacionalista diminuiu, o grande 
“BOOM” que a Segunda Guerra criou de cenários e histórias paras os HQs, o 
período subsequente é marcado como o pior “refluxo criativo” (MARANGONI, 
2011, p.5) dos quadrinhos. 
A década de 1950, o governo do norte americano começou a caçar 
“qualquer risco de dissensão cultural e politica” (MARANGONI, 2011, p.5). Os EUA 
com medo dos malvados comunista, começam a procurar nos mais variados 
setores da sociedade o menor sinal da ameaça vermelha. A mente indefesa da 
juventude, era um bom alvo para lavagem cerebral socialista. O psiquiatra 
Frederic Wertham escreveu o livro A Sedução do Inocente (The Seduction of the 
Innocente) “onde ele acusava os quadrinhos de corrupção e delinquência 
 
2
 Mangá é o termo usado para as histórias em quadrinhos feitas no estilo japonês, os traços mais 
marcantes do estilo são: a forma de leitura, onde os quadros são lidos no sentido da direita para a 
esquerda (sentido empregado na escrita japonesa) e os olhos grandes e expressivos (PERCÍLIA, 
2012). 
juvenis” (JARCEM, 2007, págs. 5 e 6), por isso em 1954, editores, escritores e 
desenhistas de HQs estabeleceram “Código de Ética” (Comics Code) para a 
produção de quadrinhos. O código impunha, como aponta Gonçalo Junior no 
livro A Guerra dos Gibis, que o bem sempre deveria vencer o mal, era proibido 
usar as palavras horror e terror, os crimes deveriam representar atitudes 
sórdidas, não poderia haver qualquer menção ou insinuação de sexo e os gibis 
deveriam estimular o respeito as autoridade e a família. 
A aplicação do Comics Code gerou uma homogeneização nas histórias 
em quadrinhos de super-heróis na década de 1950, a incapacidade, por parte 
das editoras, de renovar e criar novas tramas gerou um grande desinteresse em 
um número elevado de leitores. Porém, anos depois, uma corrida tecnológica 
capaz de gerar o fim do mundo, seria um rico material que inspiraria os 
quadrinhos. 1960 a Era de Prata dos HQs começava. 
A Guerra Fria, como a 2ª Guerra Mundial, proporcionou uma explosão 
de inúmeros novos super-heróis, porem os heróis na Era de Prata tinha um 
posicionamento politico mais sutil, mas não deixando de lado os seus traços 
nacionalistas. Como afirma Adriano Marangoni, a nova geração de heróis, e os 
sobreviventes da 2ª Guerra, para compensar a “falta” de patriotismo possuíam 
traços de uma complexa subjetividade. Os super-heróis, pela primeira vez tinha 
problemas humanos. 
Um dos personagens mais importantes da Marvel Comics, Hulk criado 
por Stan Lee, é uma representação direta da Era Nuclear. Dr. Bruce Banner, um 
brilhante cientista e inventor de uma nova arma, a “Bomba Gama”, foi atingido 
acidentalmente por raios gama, após salvar um adolescente, que estava próximo 
à área de testes, Bruce Banner transformava-se no Hulk, uma criatura horrenda, 
um humanoide gigante, dotado de uma incrível força e o intelecto reduzido, a 
transformação ocorria toda vez Bruce que sofria um estresse físico ou mental. O 
super-herói é caçado pelas forças armadas americana, que procuram uma forma 
de recriar um “supersoldado” a partir do sangue de Banner, durante as 
perseguições Hulk devastava cidades inteiras para fugir dos seus caçadores, 
com isso ele é muitas vezes visto como um anti-herói. Porem o personagem, 
Hulk, foi criado como um super-herói, no meio desse caos, o herói protegia 
pessoas indefesas de criaturas tão monstruosas quanto ele próprio. 
A trama principal da história de Hulk é a eterna batalha entre o “médico 
e o monstro”, a angustia de Bruce Banner, em tentar não se transformar, e 
quando isso ocorre, a de controlar a criatura bestial Hulk. 
Outro grande personagem de Stan Lee, e de Steve Ditko nasce em 
1962, Homem-Aranha, alter-ego de Peter Parker, surgiu como Hulk, de um 
acidente, durante uma demonstração de equipamentos emissores de radiação. 
Peter é picado por uma aranha que foi exposta aos raios radioativos, a picada 
provocou mutações genéticas, o jovem adquire força sobre humana, a habilidade 
de pressentir quando coisas ruins vão acontecer, o “sensor aranha”, e a 
capacidade de escalar paredes. 
No começo Peter só pensa em fazer dinheiro com os seus 
superpoderes, mas com a morte de seu tio Ben, que poderia ter sido evitada se 
Peter não tivesse pensamentos individualistas, os quais deixa escapar um ladrão 
que depois viria a matar o seu tio, Parker motivado por um sentimento de culpa 
decide se tornar o super-herói Homem-Aranha. 
Além de combater o crime, Peter Parker precisa ajudar financeiramente 
sua tia idosa e viúva, Homem-Aranha é o primeiro super-herói a ter problemas 
financeiros e ganhar dinheiro com seus poderes, Parker vende as fotos do 
Homem-Aranha para o jornal Clarim Diário. O personagem com problemas 
humanos levou a se tornar um dos super-heróis mais populares, alcançando o 
nível de Superman e Batman. 
Com a criação da Liga da Justiça da América, da DC Comics, composta 
por Superman, Batman, Mulher Maravilha, Aquaman e Flash, o homem mais 
rápido do mundo, que também adquire seus superpoderes em um acidente de 
laboratório. O diretor da Atlas Comics, convida Jack Kirby e Stan Lee, para criar 
personagens que pudesse combater os super-heróis concorrentes. Stan Lee e 
Jack kirby criam o Quarteto Fantástico (Fantastic Four), a equipe de heróis não 
possuíam identidades secretas e eram uma família. Johnny, o novo Homem 
Tocha, e Sue Storm eram irmãos, Reed Richard, com o poder de esticar e torcer 
o corpo, era noivo de Sue, que conseguia ficar invisível e criava campos de 
força, e Bem Grimm, o Coisa, um humanoide com o corpo rochoso, era amigo da 
família. Eles representavam os quatro elementos: fogo, ar, água e terra 
respectivamente. Os heróis adquirem os super poderes através da exposição à 
radiação cósmica, em uma viagem espacial. O Quarteto Fantástico foi criado no 
auge da Guerra Fria e a paranoia anticomunista. 
Em 1961, a União Soviética lança o cosmonauta Yuri Gagarin, que se 
tornando o primeiro homem a alcançar o espaço. No auge da Guerra Fria, a 
notícia causa um grande temor nos Estados Unidos, o presidente John Kennedy 
jura aos americanos que os EUA chegariam a Lua até o fim da década, 
vencendo a Corrida Espacial. 
O Quarteto Fantástico foi à resposta dos quadrinhos ao apelo do 
presidente americano. A equipe era personificação da era espacial, “na qual 
seus heróis estavam dispostos a arriscar tudo, até a própria vida, para estar um 
passo adiante da ameaça vermelha” (JARCEM, 2007, p.7). Na primeira edição, 
Sue ao tentar convencer Ben a pilotar a nave espacial criada por Richards, eladiz: “Ben, nós temos que tentar! A não ser que você queira que os comunistas 
cheguem na frente”. 
A Guerra do Vietnã é um dos grandes marcos do período da Guerra 
Fria, também estaria nas histórias em quadrinhos. O EUA ao ver que o 
socialismo estava avançando no Extremo Oriente, decide interferir diretamente 
na guerra civil entre o Vietnã do Norte e Vietnã do Sul, apoiando os sulistas 
contra o norte socialista, do mesmo modo, anos antes, como havia interferido na 
Guerra da Coreia. Os Estados Unidos entra na guerra em 1965, porem anos 
antes, como na 2ª Guerra, os super-heróis já estavam engajados no combate, 
agora contra os vietcongues. 
 Tony Stark, gênio da engenharia e da física, é dono de uma empresa 
multinacional bélica, herdada de seus pais mortos em um acidente de carro. 
Stark, um playboy arrogante, vive uma vida de luxo e conforto, com muitos 
momentos de embriaguez. Tony Stark também conhecido como Homem de 
Ferro, outro personagem de Stan Lee, nasce durante o conflito do Vietnã (1962). 
Tony é ferido gravemente por estilhaços de uma granada, os quais ficam 
alojados próximo ai seu coração, o acidente ocorre durante a demonstração de 
armas produzidas pela sua companhia bélica. O herói é aprisionado por um líder 
vietcongue, que exige do refém a criação de um arsenal de armas. Debilitado, 
Stark cria uma poderosa armadura, que serve para mantê-lo vivo e fugir do 
cativeiro do vilão. O cativeiro desperta a consciência moral do super-herói, Tony 
Stark toma “para si a responsabilidade de caçar os inimigos da paz e da 
liberdade” (MARANGONI, 2011, p.9), surgi assim o Homem de Ferro. 
 O personagem é voltado para o público infantil, como um “conselheiro 
militar” antes do início da guerra, criado em 1962, três anos antes do 
envolvimento direto dos Estados Unidos na guerra, Homem de Ferro é um 
registro da especulação popular americana de se envolver no conflito da 
Indochina. 
 Talvez a história em quadrinhos mais importante do período da Guerra 
Fria foi criada por Alan Moore, a minissérie Watchmen, publicada em 1986 e 
1987, ao mesmo tempo em que Frank Miller publicava pela mesma editora, DC 
Comics, Batman: The Dark Knight Returns. A história de Watchmen se passa em 
uma realidade alternativa no outubro de 1985 – em três semanas em que o 
mundo estaria à beira de uma guerra nuclear. 
 A trama da história começa com a investigação de um assassinato, 
Edward Blake é atirado do prédio onde morava em Nova York por uma pessoa 
desconhecida, a polícia não consegui solucionar o caso. Um vigilante 
mascarado, Rorschach, resolve investigar o mistério e descobre que Blake era 
na verdade o Comediante, outro vigilante, que havia trabalhado para o governo 
americano desde a Segunda Guerra Mundial. Rorschach, personagem 
paranoico, descobre uma rede conspiratória, que pode causar ou impedir 
diretamente um confronto direto, nuclear, entre as duas superpotências. Durante 
a minissérie outras conspirações cruzam com a trama principal. 
 Os super-heróis, nessa realidade paralela, existem desde a década de 
1930, moldando diretamente a história dos Estados Unidos. O presidente 
Richard Nixon permanece no poder depois de seu segundo mandado, com a 
grande popularidade que havia conseguido por ter vencido a Guerra do Vietnã, 
graças à ajuda de Doutor Manhattan – personagem com tamanho poder, que é 
considerado Deus - que interfere no conflito. Com o consentimento do povo, 
Nixon consegue anular a Ementa da constituição americana que limita o 
presidente a dois mandados de quatro anos. O caso Watergate nem sequer 
chegou acontecer, pois, a mando do presidente, o Comediante assassinou os 
dois jornalistas que descobriram o escândalo. 
 O Comediante é responsável por fazer o ““trabalho sujo” do governo 
norte-americano” (RODRIGUES, 2011, p.5), sendo usado em todos os conflitos 
internacionais americanos durante o século XX, atuando em operações secretas, 
que iriam de assassinatos e estabelecer regimes autoritários na América Latina, 
como Rodrigues afirma, “seria ele a metáfora da postura belicista de EUA” 
(RODRIGUES, 2011, p.5). Além do assassinato dos dois repórteres, o Comediante 
estava envolvido na morte do presidente Kennedy. Moore teria usado o episódio 
sem respostas do assassinato, já que Lee Harvey Oswald, o acusado pelo crime 
se dizia inocente, gerando lacunas para várias teorias conspiratórias, algumas 
pessoas acreditavam que a morte teria sido encomendada pela CIA, outros pelo 
FBI e possivelmente pela KGB, porque Kennedy estaria interessado no fim da 
Guerra Fria. 
 Alan Moore ao citar tais fatos demonstra, mesmo de forma fantasiosa, 
que a seleção dos acontecimentos tem uma conotação política. Isso fica claro 
quando o personagem Comediante está conversando com Doutor Manhattan 
logo após a vitória no Vietnã, o Comediante acredita que se os Estados Unidos 
perdessem a guerra, os americanos ficariam sem rumo. “Quero dizer, se 
perdêssemos esta Guerra. Eu não sei. Acho que ficaríamos um Tanto loucos, 
sabe? Como um país”. Com esta fala irônica, Moore dá sinais de que a derrota 
dos EUA contribuiu, posteriormente, para uma série de crises, que levariam a 
população a um descrédito para com o governo. 
 Em Watchmen, o fim das divergências entre União Soviética e os 
Estados Unidos se dá quando ocorre uma falsa invasão alienígena. 
Ozzymandias, um dos anti-heróis da HQ, cria um suposto ser extraterrestre e 
teletransporta a criatura para a cidade de Nova York, o teletransporte em 
Watchmen não era uma tecnologia perfeita fazendo com que o alienígena 
exploda matando aproximadamente três milhões de pessoas. Isso faria com que 
as duas superpotências deixassem de lado as suas desavenças e lutassem 
juntas contra um inimigo maior. 
 Marcio Rodrigues aponta que o falso alienígena é criado para 
determinados fins e adquire uma simbologia na narrativa, ele representaria o 
“mal-estar diante do clima de disputa entre as superpotências e, ao mesmo 
tempo, assinalando a perspectiva pessimista de que a humanidade precisa 
encontrar um inimigo para justificar suas disputas” (RODRIGUES, 2011, p.9). 
 Uma possível leitura da Guerra Fria, através da leitura de Watchmen é 
que o conflito entre União Soviética e Estados Unidos foi na realidade uma 
disputa bélica e tecnológica, os ideais, capitalistas e comunistas, serviram 
apenas de justificativa para a ambição da hegemonia do globo. 
 Como vimos os super-heróis nascem a partir da necessidade do público 
em interagir com os fatos e momentos históricos em que o mundo vive. Desde a 
origem os heróis são criados com propósitos e justificativas como: após a 
Primeira Guerra Mundial, levando os ideais americanos para os confins do 
mundo; no conflito da Segunda Guerra Mundial, heróis tornando-se soldados 
contra o nazismo; e na Guerra Fria, surgindo de acidentes radioativos e 
impedindo o avanço comunista. Algumas histórias em quadrinhos são tão bem 
fundamentadas em uma pesquisa bibliográfica, como no caso de Watchmen, 
que deveriam receber o titulo de trabalho historiográfico, já que buscam construir 
um entendimento de períodos da humanidade. 
 
 
 
VICTOR HARABURA DE FREITAS, SUPER-HEROES AND THE NUCLEAR 
THREAT - ANALYSIS OF THE AMERICA’S COLD WAR MINDSET THROUGH 
COMICS 
 
 
RESUME 
This article intends to give a brief review of the America’s superheroes comic 
books history, relating the historical context in which they were created, the 
American readers everyday and mentality. Examining more closely the nuclear 
age, Cold War, period known as the Silver Age of the American comics, moment 
when scientist superheroes were created. 
 
KEYWORDS 
Super-heroes, comic books, war, Cold War, American, United States. 
 
 
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
BURKE, Peter. História social da linguagem. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 
1997. 
DUTRA, Joaquim Preis. História & História em Quadrinhos – a utilizaçãodas HQs como 
fonte histórica político-social. Santa Catarina: 2002. 
HOBSBAWM, Eric, Era Dos Extremos – O breve século XX 1914-1991. São Paulo: 
Companhia das Letras, 1994. 
GONÇALO Jr. A Guerra dos Gibis. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 
JARCEM, René Gomes Rodrigues. História das Histórias em Quadrinhos, 2007, 
Disponível em <<http://www.historiaimagem.com.br/edicao5setembro2007/06-historia-hq-
jarcem.pdf>>, Acessado em 03/11/2012. 
MARANGONI, Adriano. Super-Heróis e as Guerras do Século XX – uma digressão sobre 
a mentalidade americana, São Paulo: 2011. 
PERCÍLIA, Eliene. Mangá. Disponível em: <<http://www.brasilescola.com/artes/o-que-e-
manga.htm>>. Acessado em 03/11/2012. 
RODRIGUES, Márcio dos Santos. Figurações da Guerra Fria – As histórias em 
quadrinhos de Alan Moore na década de 1980, São Paulo: 2011.

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