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O Estado de Natureza em Hobbes e Rousseau

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O Estado de Natureza em Hobbes e Rousseau | o homem, a liberdade e o Estado
Tanto Thomas Hobbes como Jean-Jacques Rousseau são considerados contratualistas, isso é, compreendem que a sociedade é uma criação racional do homem e que, portanto, houve um momento anterior a sociedade a ponto dela ter sido posteriormente criada. Esse momento é chamado de Estado de Natureza. O Estado de Natureza é, como já dito, um momento anterior a sociedade civil, anterior a criação do Estado (ente político), onde o homem vivia na plenitude de sua natureza. A natureza do homem, porém, é ponto de divergência entre os teóricos do contratualismo. Ao abordamos Hobbes e Rousseau, um dos elementos que mais os distancia um do outro é a noção de natureza humana. Essa divergência é crucial para compreendermos como o raciocínio posteriori de ambos acabou os levando para passos deveras divergentes.
A investigação sobre o Estado de Natureza possui em seu caráter uma atmosfera mitológica na sua forma de explicação do mundo. As conclusões e preceitos partem de puro exercício imaginativo e dedutivo, pois não há, de fato, a capacidade de se ter uma demarcação empírica do Estado de Natureza stricto sensu, apenas, porém, uma crença dedutiva de sua existência. Um ponto interessante a ser ressaltado é como a noção de Estado de Natureza consegue ser semelhante a releituras da queda de Adão e Eva no livro de Gênesis. A noção de que havia uma natureza x e que determinado acontecimento trouxe um estado de ser a essa natureza, pode ser encontrada em todos os teóricos do contratualismo, assim como faz parte da narrativa do pecado original no enredo bíblico. Os contratualistas, por assim dizer, idealizam o seu próprio Adão e através disso fundamentam suas teorias acerca da criação do Estado e da sociedade civil como um todo, investigando os motivos, deveres e consequências que essa relação indivíduo-povo-estado possui em sua estrutura.
O filósofo político britânico Sir Isaiah Berlin, aponta em seu ensaio Two Concepts of Liberty a existência de dois tipos de liberdade: liberdade negativa e liberdade positiva. A diferença consiste no que, enquanto a liberdade negativa se refere a ausência de coerção, onde não há um terceiro que exerça poder sobre o outro, permitindo o exercício da vontade, a liberdade positiva se refere ao aumento e a adesão de poder de exercício, onde o indivíduo busca cada vez mais se tornar o próprio mestre de seu caminho. Essa duas concepções de liberdade foram avaliadas por Berlin com o intuito de demonstrar como a liberdade como elemento abstrato pode, no fim, representar aspectos até mesmo conflituosos. A liberdade em Hobbes e Rousseau possui um papel importante tanto que no que tange a noção de natureza humana, quanto no próprio funcionamento da sociedade civil, e entender essas duas concepções se faz necessário para entendermos todo o processo de suas teorias.
Thomas Hobbes, filósofo, matemático e um dos principais teóricos da política moderna, tem como destaque em sua carreira a primeira idealização da teoria contratualista e sua defesa do absolutismo na obra ‘O Leviatã’. Em suas reflexões, Hobbes elabora a noção de uma natureza humana que é, antes de tudo, caótica. Hobbes enxergava que todos os homens nasceram iguais e que no Estado de Natureza eles eram plenamente livres. Voltando a noção de Berlin, o homem natural de Hobbes era dotado de liberdade negativa. Não havia, portanto, uma entidade legitimada a coagir e exercer influência sobre a ação humana que tinha como elemento guia, a própria vontade. Ao mesmo tempo em que eram livres, eram, como já citado, iguais, não havendo uma ordem hierárquica.
Partindo desse pressuposto, Hobbes compreendida que tal condição se residia em meio a um conflito eterno. Ora, se homens iguais são plenamente livres e são guiados por suas vontades, em algum momento tais vontades irão entrar em conflito. Para Hobbes, não era apenas em alguns momentos, mas era constante. O estado de guerra era a vigência no ambiente, pois a todo instante um potencial conflito pudera surgir. Ao comentar a obra de Hobbes em 10 Livros que Estragaram o Mundo, o eticista Benjamin Wiker analisa a noção de liberdade do homem hobbesiano, demonstrando a soberania do desejo instintivo do homem:
“Você agora está inteiramente livre de toda contradição interna em relação a todo e qualquer desejo seu. Os muros de separação, que você costumava associar a algo chamado “consciência”, simplesmente não existem mais. Como você logo percebe, uma vez que essas barreiras desapareceram, seus pensamentos e desejos vagueiam livremente por territórios jamais conhecidos e desbravados. Totalmente sem consciência. Nenhuma distinção entre o certo e o errado, o bem e o mal, a luz e a escuridão. As distinções deixaram de ter qualquer sentido real – ou melhor, tomaram um sentido novo. Bom é tudo aquilo que você quer, e mau é aquilo que se coloca no seu caminho e o impede de alcançar o que você quer. Você é agora o homem natural hobbesiano, o homem como ele verdadeiramente é em sua condição natural.”
É a partir do entendimento de que a liberdade negativa do homem natural existe em grau absoluto que Hobbes passa a teorizar o surgimento do Estado. A começar pelo fato de que o Estado nasce a partir de um contrato onde a própria liberdade é, em parte, rejeitada. O homem, então, a sair de seu Estado de Natureza por ter abrido mão de parte de sua liberdade, se submete a um ente absoluto, legitimamente hierárquico e capaz de exercer o monopólio da violência. O objetivo? a paz. Hobbes definia o Estado de tal maneira:
“[..] uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum”.
Essa liberdade que o homem natural possuíra, portanto, não trazia o bem comum e resultava no caos constante, sendo a única solução se abdicar de tal liberdade, afinal, como diria Thomas Jefferson, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”, e será que todos querem estar atentos e vigilantes a todo instante? O cientista político João Pereira Coutinho discorda,
"Uma das grandes mentiras da política moderna é a crença ingênua de que a liberdade é uma paixão universal. Não é. A liberdade significa também um fardo de responsabilidade que nem todos estão dispostos a suportar”,
diz ele em sua coluna na Folha de São Paulo.
Hobbes tem em seu pensamento duas características: medo e esperança. Categorizando a noção de liberdade em Hobbes, enxerga-se as duas dimensões, pois o seu pensamento basicamente pode ser resumido em: medo da liberdade, esperança em sua inibição. Que o Leviatã faça bom uso dela!
Jean-Jacques Rousseau, filósofo iluminista, teórico político e músico, foi o que pode-se chamar de o último dos contratualistas. Ele que é considerado o pai da mentalidade revolucionária, busca trazer um novo conceito de contrato, onde em rejeição aos contratualistas anteriores, alega que há, no contrato, uma problemática, que faz do mesmo, algo ilegítimo. Para entender tal coisa é preciso voltar lá no ínicio, no homem natural de Rousseau. Sendo um contratualista, a ideia de se teorizar um estado anterior a sociedade civil é ponto em comum com Hobbes, de tal maneira que faz parte de sua obra pensar uma natureza humana e toda a problemática que levaria a criação artificial do Estado, que antes não existiria, como compreende todos os contratualistas. O homem de Rousseau, porém, é na verdade a antítese do homem hobbesiano, pois enquanto em Hobbes o homem é lobo do homem, em Rousseau, o homem natural é, na verdade, uma ovelha. Não nessas palavras, é claro! mas a ideia consiste justamente no entendimento de uma natureza mansa, benigna e fadada a boa convivência. É o que se denomina por mito do bom selvagem: “O homem nasce bom, a sociedade o corrompe”, dizia Rousseau. Mas o que ele queria dizer com a sociedade o corrompe? Rousseau enxerga que o processocivilizacional era responsável por afastar o homem de seu Estado de Natureza benigno, onde se havia a liberdade e a igualdade, e onde o bom selvagem vivia de maneira virtuosa, longe dos vícios e problemas que, para Rousseau, não adivinham da natureza humana, mas da própria estrutura criada a partir de uma fuga dela.
As artes, a ciência e o conhecimento em geral era, para Rousseau, a maior representação desse processo de corrupção humana. Na sua análise do Estado de Natureza, o homem bom assim o deixaria de ser no momento em que passasse a ter contato com o conhecimento. Tal como no mito da queda, quando o homem come da árvore do conhecimento do bem e do mal, ele conhece a morte. A diferença, porém, é que para Rousseau a natureza do homem era apenas inibida diante a corrupção da civilização, já na teologia cristã ocidental, a natureza do homem se torna em própria corrupção e as mazelas da civilização são resultados da própria natureza, e não o contrário. Rousseau enxergava que o conhecimento corrompia, pois ele era monopolizado por poucos, criando os fundamentos da desigualdade.
“Enquanto o governo e as leis promovem a segurança e o bem-estar dos homens na coletividade, as ciências, as letras e as artes, menos despóticas e mais poderosas talvez, estendem guirlandas de flores sobre as cadeias de ferro que eles carregam, sufocam neles o sentimento dessa liberdade original para a qual pareciam ter nascido, fazem-nos amar sua escravidão e formam assim os chamados povos policiados”,
diz Rousseau.
Esse monopólio fez com que um pacto podre fosse imposto pela minoria iluminada em cima da maioria. A correção só poderia vir na distribuição do conhecimento e na elevação de todos à soberania estatal, onde se cria o conceito do povo como soberano da democracia moderna. Rousseau, aqui, demonstra ter grande apreço por aquilo que no entendimento de Isaiah Berlin se chama por liberdade positiva. Não há, para Rousseau, como haver a justiça sem que aqueles que não possuem o conhecimento assim passem a possuir para que possam ascender em domínio do exercício de suas ações. Sua visão romântica do homem foi influência principal para a Revolução Francesa, muitos autores, ainda, alegam que Rousseau pode ser considerado não apenas o pai da Revolução Francesa, mas o pai da mentalidade revolucionária per si, que iria surgir posteriormente em movimentos socialistas e semelhantes ao longo da história.
É de grande riqueza a forma como ambos os autores, mesmo partindo da mesma tradição de pensamento, enxergam o próprio contexto de suas premissas de maneira que os levam para lugares tão distantes. Enquanto em Hobbes há o medo da própria natureza e uma visão negativa (em duplo sentido) da liberdade, em Rousseau a natureza é o ponto de referência moral e a liberdade é o que permite a expressão de tal natureza benigna. Enquanto em Hobbes o soberano é um ser a parte, no qual os homens se submetem, em Rousseau, o soberano é o próprio homem. Seja qual for a visão que mais agrada, é fato que há um pouco de Hobbes e um pouco de Rousseau em cada um de nós. Ora, não temos nós medo da responsabilidade que a liberdade traz? Em tempo que desejamos e buscamos ser soberanos. É a dupla liberdade de Isaiah Berlin apresentando suas facetas perante mentes tão diferentes e tão próximas ao mesmo tempo, levando-nos a compreensão acerca do homem, da própria liberdade e do Estado como conhecemos.
Victor Oliveira é graduando em Relações Internacionais.
Bibliografia:
Bíblia, livro de Gênesis. NVI|PT, 2000.
Berlin, Isaiah - Four Essays on Liberty. Oxford University Press, 1969.
Wiker, Benjamin - 10 Livros que Estragaram o Mundo e Outros Cinco que não Ajudaram em Nada. Tradução de Thomaz Perroni. Vide Editorial, 2015.
Hobbes, Thomas - Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997.
Coutinho , João Pereira - O novo autoritarismo tem mais hipóteses de sucesso do que o antigo: Folha de São Paulo, 2017.
Rousseau, Jean-Jacques - Do Contrato Social. Editora Martin Claret, 2007.
Rousseau, Jean-Jacques - Discurso sobre A Origem da desigualdade. Tradução de Maria Lacerda de Moura. Edição Ridendo Castigat Mores, 1754.
Rousseau, Jean-Jacques - Discurso sobre as ciências e as artes. Edição Ridendo Castigat Mores, 1749.

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