Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Questionário de Filosofia e Ética AV1 1.O que é a Filosofia? A filosofia é um pensar racional sobre os acontecimentos e que busca ir além das suas aparências, o filósofo pode pensar a ciência, os valores morais, pode pensar a religião, a arte e o próprio homem em sua vida cotidiana, incluindo sua própria postura ética. É ela que permite o distanciamento para a avaliação dos fundamentos dos atos humanos e dos fins a que eles se destinam, é a possibilidade de transcendência humana, ou seja, a capacidade que o homem tem de superar a sua imanência (que significa a situação dada e não escolhida). Por isso a Filosofia é importante, cabe a ela fazer a investigação dos fundamentos do conhecimento e da ação humana, refletindo, O filósofo reflete sobre a condição humana atual e sobre que tipo de homem é desejável no futuro, por isso reflete sobre a escola, para saber que tipo de homem essa escola está formando, se um ser criativo, político e participante ou um ser conformado com o status quo. A Filosofia vai além da realidade como ela se apresenta, procurando entender os problemas profundamente, para depois propor alternativas de mudanças. 2.Por que a Filosofia nasceu na Grécia? A Filosofia, entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego. Os historiadores da Filosofia dizem que ela possui data e local de nascimento: final do século VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor (particularmente as que formavam uma região denominada Jônia), na cidade de Mileto. E o primeiro filósofo foi Tales de Mileto. Além de possuir data e local de nascimento e de possuir seu primeiro autor, a Filosofia também possui um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de duas outras: cosmos, que significa mundo ordenado e organizado, e logia, que vem da palavra logos, que significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Assim, a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza, donde, cosmologia. 3.Quais são as condições históricas para o surgimento da filosofia? a. As viagens marítimas, que permitiram aos gregos descobrir que os locais que os mitos diziam habitados por deuses, titãs e heróis eram, na verdade, habitados por outros seres humanos; b. A invenção do calendário, que é uma forma de calcular o tempo segundo as stações do ano, as horas do dia, os fatos importantes que se repetem, revelando, com isso, uma capacidade de abstração nova, ou uma percepção do tempo como algo natural e não como um poder divino incompreensível; c. A invenção da moeda, que permitiu uma forma de troca que não se realiza através das coisas concretas ou dos objetos concretos trocados por semelhança, mas uma troca abstrata, uma troca feita pelo cálculo do valor semelhante das coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova capacidade de abstração e de generalização; d. O surgimento da vida urbana, com predomínio do comércio e do artesanato, dando desenvolvimento a técnicas de fabricação e de troca, e diminuindo o prestígio das famílias da aristocracia proprietária de terras, por quem e para quem os mitos foram criados; além disso, o surgimento de uma classe de comerciantes ricos, que precisava encontrar pontos de poder e de prestígio para suplantar o velho poderio da aristocracia de terras e de sangue (as linhagens constituídas pelas famílias), fez com que se procurasse o prestígio pelo patrocínio e estímulo às artes, às técnicas e aos conhecimentos, favorecendo um ambiente onde a Filosofia poderia surgir; e. A invenção da escrita alfabética, que, como a do calendário e a da moeda, revela o crescimento da capacidade de abstração e de generalização, uma vez que a escrita alfabética ou fonética, diferentemente de outras escritas - como, por exemplo, os hieróglifos dos egípcios ou os ideogramas dos chineses -, supõe que não se represente uma imagem da coisa que está sendo dita, mas a idéia dela, o que dela se pensa e se transcreve; f. A invenção da política, que introduz três aspectos novos e decisivos para o nascimento da Filosofia: a ideia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana que decide por si mesma o que é melhor para si e como ela definirá suas relações internas, o aspecto legislado e regulado da cidade da polis, que servirá de modelo para a Filosofia propor o aspecto legislado, regulado e ordenado do mundo como um mundo racional e o surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso, diferente daquele que era proferido pelo mito. Agora, com a polis, isto é, a cidade política, surge a palavra como direito de cada cidadão de emitir em público sua opinião, discuti-la com os outros, persuadi-los a tomar uma decisão proposta por ele, de tal modo que surge o discurso político como a palavra humana compartilhada, como diálogo, discussão e deliberação humana, isto é, como decisão racional e exposição dos motivos ou das razões para fazer ou não fazer alguma coisa. A política, valorizando o humano, o pensamento, a discussão, a persuasão e a decisão racional , valorizou o pensamento racional e criou condições para que surgisse o discurso ou a palavra filosófica. 4. Quais são os quatro grandes períodos da Filosofia Grega? Os quatro grandes períodos da Filosofia grega, nos quais seu conteúdo muda e se enriquece, são: 1. Período pré-socrático ou cosmológico, do final do século VII ao final do século V a.C., quando a Filosofia se ocupa fundamentalmente com a origem do mundo e as causas das transformações na Natureza. 2. Período socrático ou antropológico, do final do século V e todo o século IV a.C., quando a Filosofia investiga as questões humanas, isto é, a ética, a política e as técnicas (em grego, ântropos quer dizer homem; por isso o período recebeu o nome de antropológico). 3. Período sistemático, do final do século IV ao final do século III a.C., quando a Filosofia busca reunir e sistematizar tudo quanto foi pensado sobre a cosmologia e a antropologia, interessando-se sobretudo em mostrar que tudo pode ser objeto do conhecimento filosófico, desde que as leis do pensamento e de suas demonstrações estejam firmemente estabelecidas para oferecer os critérios da verdade e da ciência. 4. Período helenístico ou greco-romano, do final do século III a.C. até o século VI depois de Cristo. Nesse longo período, que já alcança Roma e o pensamento dos primeiros Padres da Igreja, a Filosofia se ocupa sobretudo com as questões da ética, do conhecimento humano e das relações entre o homem e a Natureza e de ambos com Deus. 5. Em termos antropológicos, podemos, então, definir a Cultura como tendo três sentidos principais? Em termos antropológicos, podemos, então, definir a Cultura como tendo três sentidos principais: 1. criação da ordem simbólica da lei , isto é, de sistemas de interdições e obrigações, estabelecidos a partir da atribuição de valores a coisas (boas, más, perigosas, sagradas, diabólicas), a humanos e suas relações (diferença sexual e proibição do incesto, virgindade, fertilidade, puro-impuro, virilidade; diferença etária e forma de tratamento dos mais velhos e mais jovens; diferença de autoridade e formas de relação com o poder, etc.) e aos acontecimentos (significado da guerra, da peste, da fome, do nascimento e da morte, obrigação de enterrar os mortos, proibição de ver o parto, etc.); 2. criação de uma ordem simbólica da linguagem, do trabalho, do espaço, do tempo, do sagrado e do profano,do visível e do invisível. Os símbolos surgem tanto para representar quanto para interpretar a realidade, dando-lhe sentido pela presença do humano no mundo; 3. conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições pelas quais os humanos se relacionam entre si e com a Natureza e dela se distinguem, agindo sobre ela ou através dela, modificando-a. Este conjunto funda a organização social, sua transformação e sua transmissão de geração a geração. Em sentido antropológico, não falamos em Cultura, no singular, mas em culturas, no plural, pois a lei, os valores, as crenças, as práticas e instituições variam de formação social para formação social. Além disso, uma mesma sociedade, por ser temporal e histórica, passa por transformações culturais amplas e, sob esse aspecto, antropologia e História se completam, ainda que os ritmos temporais das várias sociedades não sejam os mesmos, algumas mudando mais lentamente e outras mais rapidamente. A esse sentido histórico-antropológico amplo, podemos acrescentar um outro, restrito, ligado ao antigo sentido de cultivo do espírito: a Cultura como criação de obras da sensibilidade e da imaginação – as obras de arte – e como criação de obras da inteligência e da reflexão – as obras de pensamento. É esse segundo sentido que leva o senso comum a identificar Cultura e escola (educação formal), de um lado, e, de outro lado, a identificar Cultura e belas-artes (música, pintura, escultura, dança, literatura, teatro, cinema, etc.). 6. Distinguir Ética de Moral. O conceito de moral diz respeito ao conjunto de valores morais e princípios que norteiam a conduta humana na sociedade. A moral é construída por uma sociedade com base nos valores históricos e culturais. Por sua vez o conceito de ética se refere ao ponto de vista da Filosofia, pois a Ética é uma ciência prática que examina e estuda os valores e princípios morais de uma sociedade e seus grupos ou a Ética é uma disciplina filosófica que reflete sobre os valores morais. 7 Quem institui a moral o indivíduo ou a sociedade? Toda cultura e toda sociedade institui uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válidos para todos os seus membros. Os costumes, porque são anteriores ao nosso nascimento e formam o tecido da sociedade em que vivemos, são considerados inquestionáveis e quase sagrados. Culturas e sociedades fortemente hierarquizadas e com diferenças muito profundas de castas ou de classes podem até mesmo possuir várias morais, cada uma delas referida aos valores de uma casta ou de uma classe social. 8. Em relação à etimologia da palavra ética, o que podemos dizer? A palavra grega ethos encerra dois significados: 1. Os valores éticos ou morais da coletividade, transmitidos de geração a geração), 2.As disposições de caráter como as características pessoais, sentimentos, atitudes, condutas individuais que levavam alguém a respeitar ou a transgredir os valores da cidade. 9. Qual é a função social da moral? A moral tem uma função social que se baseia na ordenação regulada das relações entre os homens com o intuito de sustentar ou transformar uma determinada ordem social, preservando a sociedade, bem como a integridade de um grupo social. A moral faz com que os indivíduos se mantenham harmonizados em suas condutas através da conjugação dos seus interesses pessoais com os interesses da coletividade. O fenômeno moral tem caráter histórico e social, já que os indivíduos se submetem aos princípios, normas ou valores, que foram socialmente estabelecidos e que normatizam aquelas condutas e que podem acarretar consequências para os demais membros do corpo social. Da mesma forma as transformações do fenômeno moral suscitam necessariamente a adesão de demais membros do corpo social aquela nova conduta proposta para que essa nova conduta possa ser estabelecida como uma conduta aprovada socialmente pelos demais, formatando assim novos princípios, valores ou interesses morais que passam a ser considerados como legítimos. 10. Reconhecer os elementos que compõem o ato moral. Para que um ato seja considerado um ato moral, ele deve pressupor que o sujeito que o pratica seja dotado de consciência moral, ou seja, que ele seja capaz de internalizar as normas estabelecidas pela comunidade e de se comportar de acordo com elas. 11. Quais são as duas fases da moral? A moral pode ser compreendida como tendo duas faces, a primeira é a da esfera teórica da moral que se constitui dos princípios, dos valores e das normas, essa dimensão seria o plano normativo da moral. Entretanto a moral possui também a dimensão factual, na qual se encontram os atos humanos, as condutas humanas, essa é a esfera do ato moral propriamente dito, é o conjunto dos atos morais humanos 12. Em que consiste a responsabilidade moral? Podemos responder a essa pergunta explicando que responsabilidade quer dizer que uma pessoa deve ser capaz de prestar contas por suas ações e pelas consequências que delas decorrem. Assim sendo só pode responder por suas ações o indivíduo capaz de possuir a liberdade de escolha, então somente quando o indivíduo é capaz de escolher conscientemente, ele será responsável moralmente por suas ações. Somente o ser humano que conhece as normas morais de uma sociedade pode ser responsabilizado moralmente por suas ações, pois esse ser humano será capaz de escolher, decidir e agir de maneira consciente. Assim sendo quem é ignorante dos códigos morais não poderá ser responsabilizado moralmente por suas ações. Para que se possa falar em responsabilidade moral é necessário que o indivíduo tenha sua vontade livre e não aja por conta de uma coação externa ou de uma coação interna. 13. O que é coação externa e interna? . Por coação interna podemos discernir as patologias mentais que impedem o indivíduo de discernir entre o certo e o errado. Por coação externa podemos discernir as ameaças e os constrangimentos impostos por terceiros a alguém que então se vê obrigado a agir de uma forma que não escolheu livremente. 14. Disserte sobre o que é determinismo, livre arbítrio e liberdade de escolha.. . Determinismo: É o termo científico empregado, a partir do século XIX, para referir-se ás relações causais necessárias que regem a realidade conhecida e controlada pela ciência e, no caso da ética, para referir-se ao ser humano como objeto das ciências naturais. Necessidade, fatalidade,determinismo significam que não há lugar para a liberdade, porque o curso das coisas de nossa vida ja esta fixado, sem que nelas possamos interferir. Livre-arbítrio: Aquele que tem em si mesmo o princípio para agir e não agir, isto é ,aquele que é causa interna de sua ação ou da decisão de não agir. Quando o indivíduo está impedido de agir livremente em suas ações, ou seja, quando as determinações internas ou externas impedem alguém de decidir com seu livre- arbítrio como nas coações externas e internas. Liberdade de escolha:É a auto- determinação. Assim como é conservada a idéia de que é livre aquele que age sem ser forçado nem constrangido por nada ou por ninguém, e portanto age espontaneamente por uma força interna própria. Não somos livres para escolher tudo, mas o somos para fazer tudo que esteja de acordo com nosso ser e nossa capacidade de agir; graças ao conhecimento que possuímos de nos mesmos e das circunstâncias em que vamos agir. 15. Quais são os três aspectos principais da ética grega? 1. o racionalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a razão, que conhece o bem, o deseja e guia nossa vontade até ele; 2. o naturalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com a Natureza (o cosmos) e com nossanatureza (nosso ethos), que é uma parte do todo natural; 3. a inseparabilidade entre ética e política: isto é, entre a conduta do indivíduo e os valores da sociedade, pois somente na existência compartilhada com outros encontramos liberdade, justiça e felicidade. Portanto, a ética, portanto, era concebida como educação do caráter do sujeito moral para dominar racionalmente impulsos, apetites e desejos, para orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade, e para formá- lo como membro da coletividade sociopolítica. Sua finalidade era a harmonia entre o caráter do sujeito virtuoso e os valores coletivos, que também deveriam ser virtuosos 16. As questões socráticas inauguram a ética ou filosofia moral, porque definem o campo no qual valores e obrigações morais podem ser estabelecidos, ao encontrar seu ponto de partida: a consciência do agente moral. O que venha ser a ser esse ponto de partida? A perspectiva de que existe um sujeito ético moral e é somente ele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais, daí Sócrates afirmar que apenas o ignorante é vicioso ou incapaz de virtude, pois quem sabe o que é o bem não poderá deixar de agir virtuosamente. 17. Quem definiu o campo das ações éticas e qual foi a sua contribuição? Aristóteles foi quem definiu o campo das ações éticas e a sua contribuição está no fato de que as virtudes não são só definidas pela virtude, pelo bem e pela obrigação, mas também pertencem àquela esfera da realidade na qual cabem a deliberação e a decisão ou escolha. Em outras palavras, quando o curso de uma realidade segue leis necessárias e universais, não há como nem por que deliberar e escolher, pois as coisas acontecerão necessariamente tais como as leis que as regem determinam que devam acontecer. Não deliberamos sobre as estações do ano, o movimento dos astros, a forma dos minerais ou dos vegetais. Não deliberamos e nem decidimos sobre aquilo que é regido pela Natureza, isto é, pela necessidade. Mas deliberamos e decidimos sobre tudo aquilo que, para ser e acontecer, depende de nossa vontade e de nossa ação. Não deliberamos e não decidimos sobre o necessário, pois o necessário é o que é e o que será sempre, independentemente de nós. Deliberamos e decidimos sobre o possível, isto é, sobre aquilo que pode ser ou deixar de ser, porque para ser e acontecer depende de nós, de nossa vontade e de nossa ação. Aristóteles acrescenta à consciência moral, trazida por Sócrates, a vontade guiada pela razão como o outro elemento fundamental da vida ética. O sujeito ético ou moral não se submete aos acasos da sorte, à vontade e aos desejos de um outro, à tirania das paixões, mas obedece apenas à sua consciência – que conhece o bem e as virtudes – e à sua vontade racional – que conhece os meios adequados para chegar aos fins morais. A busca do bem e da felicidade são a essência da vida ética. 18. O cristianismo introduz duas diferenças primordiais na antiga concepção ética, quais são elas? ● em primeiro lugar, a idéia de que a virtude se define por nossa relação com Deus e não com a cidade (a polis) nem com os outros. Nossa relação com os outros depende da qualidade de nossa relação com Deus, único mediador entre cada indivíduo e os demais. Por esse motivo, as duas virtudes cristãs primeiras e condições de todas as outras são a fé (qualidade da relação de nossa alma com Deus) e a caridade (o amor aos outros e a responsabilidade pela salvação dos outros, conforme exige a fé). As duas virtudes são privadas, isto é, são relações do indivíduo com Deus e com os outros, a partir da intimidade e da interioridade de cada um; ● em segundo lugar, a afirmação de que somos dotados de vontade livre – ou livrearbítrio – e que o primeiro impulso de nossa liberdade dirige-se para o mal e para o pecado, isto é, para a transgressão das leis divinas. Somos seres fracos, pecadores, divididos entre o bem (obediência a Deus) e o mal (submissão à tentação demoníaca). Em outras palavras, enquanto para os filósofos antigos a vontade era uma faculdade racional capaz de dominar e controlar a desmesura passional de nossos apetites e desejos, havendo, portanto, uma força interior (a vontade consciente) que nos tornava morais, para o cristianismo, a própria vontade está pervertida pelo pecado e precisamos do auxílio divino para nos tornarmos morais. Qual o auxílio divino sem o qual a vida ética seria impossível? A lei divina revelada, que devemos obedecer obrigatoriamente e sem exceção. O cristianismo, portanto, passa a considerar que o ser humano é, em si mesmo e por si mesmo, incapaz de realizar o bem e as virtudes. Tal concepção leva a introduzir uma nova idéia na moral: a idéia do dever. Portanto, o cristianismo introduz a ideia de interioridade e de dever 19. É verdadeiro afirmar que a partir do Renascimento, a filosofia moral distancia-se da idéia do dever? Não, mesmo quando, a partir do Renascimento, a filosofia moral distancia-se dos princípios teológicos e da fundamentação religiosa da ética, a idéia do dever permanecerá como uma das marcas principais da concepção ética ocidental. Com isso, a filosofia moral passou a distinguir três tipos fundamentais de conduta: 1. a conduta moral ou ética, que se realiza de acordo com as normas e as regras impostas pelo dever; 2. a conduta imoral ou antiética, que se realiza contrariando as normas e as regras fixadas pelo dever; 3. a conduta indiferente à moral, quando agimos em situações que não são definidas pelo bem e pelo mal, e nas quais não se impõem as normas e as regras do dever. Juntamente com a idéia do dever, a moral cristã introduziu uma outra, também decisiva na constituição da moralidade ocidental: a idéia de intenção. 20. O cristianismo introduz a idéia do dever para resolver um problema ético, qual seja, oferecer um caminho seguro para nossa vontade, que, sendo livre, mas fraca, sente-se dividida entre o bem e o mal. No entanto, essa idéia cria um problema novo. Se o sujeito moral é aquele que encontra em sua consciência (vontade, razão, coração) as normas da conduta virtuosa, submetendo-se apenas ao bem, jamais submetendo-se a poderes externos à consciência, como falar em comportamento ético por dever? Este não seria o poder externo de uma vontade externa (Deus), que nos domina e nos impõe suas leis, forçando-nos a agir em conformidade com regras vindas de fora de nossa consciência? Em outras palavras, se a ética exige um sujeito autônomo, a idéia de dever não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho a nós? Quem e de que maneira soluciona este problema? Um dos filósofos que procuraram resolver essa dificuldade foi Rousseau, no século XVIII. Para ele, a consciência moral e o sentimento do dever são inatos, são “a voz da Natureza” e o “dedo de Deus” em nossos corações. Nascemos puros e bons, dotados de generosidade e de benevolência para com os outros. Se o dever parece ser uma imposição e uma obrigação externa, imposta por Deus aos humanos, é porque nossa bondade natural foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade privada e os interesses privados, tornando-nos egoístas, mentirosos e destrutivos. O dever simplesmente nos força a recordar nossa natureza originária e, portanto, só em aparência é imposição exterior. Obedecendo ao dever (à lei divina inscrita em nosso coração), estamos obedecendo a nós mesmos, aos nossos sentimentos e às nossas emoções e não à nossa razão, pois esta é responsável pela sociedade egoísta e perversa. Uma outra resposta, também no final do século XVIII, foi trazidapor Kant. Opondose à “moral do coração” de Rousseau, Kant volta a afirmar o papel da razão na ética. Não existe bondade natural. Por natureza, diz Kant, somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos, cruéis, ávidos de prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos. É justamente por isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais. Não somos seres morais apenas. Também somos seres naturais, submetidos à causalidade necessária da Natureza. Nosso corpo e nossa psique são feitos de apetites, impulsos, desejos e paixões. Nossos sentimentos, nossas emoções e nossos comportamentos são a parte da Natureza em nós, exercendo domínio sobre nós, submetendo-se à causalidade natural inexorável. Quem se submete a eles não pode possuir a autonomia ética. A Natureza nos impele a agir por interesse. Este é a forma natural do egoísmo que nos leva a usar coisas e pessoas como meios e instrumentos para o que desejamos. Além disso, o interesse nos faz viver na ilusão de que somos livres e racionais por realizarmos ações que julgamos terem sido decididas livremente por nós, quando, na verdade, são um impulso cego determinado pela causalidade natural. Agir por interesse é agir determinado por motivações físicas, psíquicas, vitais, à maneira dos animais. Visto que apetites, impulsos, desejos, tendências, comportamentos naturais costumam ser muito mais fortes do que a razão, a razão prática e a verdadeira liberdade precisam dobrar nossa parte natural e impor-nos nosso ser moral. Elas o fazem obrigando-nos a passar das motivações do interesse para o dever. Para sermos livres, precisamos ser obrigados pelo dever de sermos livres.
Compartilhar