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Fichamento/resumo - Parte 4 - FEB - Celso Furtado

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ 
FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, ATUÁRIA E CONTABILIDADE 
DEPARTAMENTO DE TEORIA ECONÔMICA 
CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS 
 
 
 
 
 
 
ELIZABETH DA COSTA HENRIQUE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHAMENTO: FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL – CELSO FURTADO 
PARTE IV – ECONOMIA DE TRANSIÇÃO PARA O TRABALHO ASSALARIADO 
SÉCULO XIX 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FORTALEZA 
2018 
 
CAPÍTULO XVI 
O MARANHÃO E A FALSA EUFORIA DO FIM DA ÉPOCA COLONIAL 
 
O que foi e como se desenrolou a “falsa euforia” da economia brasileira 
no fim do período colonial? Quais suas repercussões na região maranhense? 
 
Nos último quarto do século XVIII, a economia brasileira declina com a queda 
no valor das exportações: o açúcar enfrenta novas dificuldades e o valor total de suas 
vendas chega a níveis baixíssimos; da mesma forma, as exportações de ouro também 
conferem pouco rendimento à colônia. Por conseguinte — e dado o aumento 
populacional, com cerca de 2 milhões de pessoas livres e 1 milhão de escravos —, ao 
final do século XVIII, a renda per capita brasileira chega ao nível mais baixo de todo o 
período colonial. Nessa época, a economia brasileira se concentrava em dois polos 
principais: o do açúcar, ao qual se ligava — cada vez mais frouxamente — a 
pecuária nordestina, e o do ouro, ao qual se ligava mais intensamente o 
hinterland pecuário sulino — que se estendia de São Paulo ao Rio Grande. Furtado, 
salienta que através do Rio São Francisco, a pecuária se beneficiava na busca por 
melhores preços. 
 
No norte se localizavam os centros autônomos do Maranhão e do Pará. O 
Pará se manteve como um núcleo totalmente isolado das demais formas 
econômicas da colônia, vivendo exclusivamente da “economia extrativista florestal 
organizada pelos jesuítas com base na exploração da mão de obra indígena”; 
tendo esse sistema, aparentemente próspero, entrado em “decadência com a 
perseguição que sofreu na época de Pombal”. O Maranhão articulava-se com a 
região açucareira através da periferia pecuária, constituindo o único centro 
econômico principal que ainda conheceu uma efetiva prosperidade no fim do 
século XVIII, pois — empenhado em destruir a Ordem dos jesuítas — Pombal deu 
especial atenção a esta região, dado que os colonos maranhenses eram adversários 
tradicionais dos jesuítas na luta pela escravização dos índios. Pombal ajudou os 
colonos do Maranhão “criando uma companhia de comércio altamente 
capitalizada” a fim de financiar o desenvolvimento da região. Outras condições 
altamente propícias beneficiaram a região: as modificações no mercado mundial 
de produtos tropicais, provocadas pela guerra de independência dos EUA e, 
posteriormente, pela Revolução Industrial inglesa. Aproveitando-se 
acertadamente do crescimento na procura por algodão e notando a falta de restrição 
em pactos coloniais ao arroz produzido nas colônias inglesas e principalmente 
consumido no sul da Europa, os dirigentes da companhia trataram de concentrar seus 
recursos na produção desses dois artigos. Assim, o Maranhão — que antes era o 
centro econômico mais pobre da colônia — foi altamente beneficiado pela guerra de 
independência das colônias inglesas da América do Norte, dado que o principal centro 
produtor de arroz foi excluído temporariamente do mercado mundial — seu porto que 
antes recebia de um a dois navios por ano, passou a receber de cem a 150 navios por 
ano, chegando a exportar 1 milhão de libras. 
 
 
Enquanto isto, no fim do século XVIII, o restante da colônia sofre forte 
prostração econômica. A decadência da economia aurífera, que se estende até a 
primeira metade do século XIX, afeta indiretamente a região pecuária do sul 
provocando prolongado período de dificuldades internas. Contudo, no início do 
século XIX, fatores circunstanciais dão uma aparência de prosperidade à 
colônia, e a transferência do governo metropolitano, assim como a abertura dos 
portos, em 1808, criam um clima geral de otimismo. 
 
Dentre tais fatores circunstâncias temos os acontecimentos políticos, 
ocorridos entre o último quartel do século XVIII e as duas primeiras décadas do 
século XIX, que modificaram os mercados mundiais de produtos tropicais, tais 
como: 
• A guerra de independência dos EUA, que favoreceu o desenvolvimento 
maranhense como já foi citado; 
• a Revolução Francesa e os subsequentes transtornos nas produções tropicais 
de suas colônias — em 1789, a revolta dos escravos no Haiti, grande colônia 
açucareira francesa, desembocou na destruição por estes de grande parte da 
riqueza ali acumulada, modificando o mercado de açúcar mundial e culminando 
num novo período de prosperidade para a região açucareira do Brasil 
• guerras napoleônicas — que mais que duplicaram o valor das exportações 
de açúcar brasileiro —, com o bloqueio e o contra bloqueio da Europa, e a 
desarticulação do vasto império espanhol da América — cujas dificuldades 
surgidas nestas colônias também repercutem no mercado de produtos tropicais 
e couros, favorecendo os centros produtores brasileiros com aumento 
temporário dos preços destes produtos no mercado mundial. 
 
A intensa atividade industrial na Inglaterra durante esses anos de guerra 
também é um importante fator para a prosperidade brasileira neste período, 
dada a forte procura por algodão, favorecendo tanto o Maranhão como o 
Nordeste, que passa a dedicar recursos à produção desse artigo. 
 
A precariedade desta prosperidade se dá por esta ser fundamentada em 
anomalias no mercado mundial de produtos tropicais. Assim, nas primeiras 
décadas de vida como nação politicamente independente, superadas as condições de 
anomalia, o Brasil enfrenta sérias dificuldades para defender sua posição nos 
mercados dos produtos que tradicionalmente exportava. 
 
CAPÍTULO XVII 
PASSIVO COLONIAL, CRISE FINANCEIRA E INSTABILIDADE POLÍTICA 
 
Como o passivo colonial provocou crise financeira e instabilidade política 
no Brasil recém independente? 
 
Embora os acontecimentos políticos na Europa de fins do século XVIII e 
início do século XIX tenham acelerado a evolução política brasileira, estes também 
 
contribuíram para prolongar a etapa de dificuldades econômicas que começara 
com a decadência do ouro. 
 
O conjunto de tais acontecimentos é constituído pela: 
• Ocupação de Portugal pelas tropas francesas: com isso, o entreposto 
comercial de Lisboa deixou de existir, necessitando-se assim do comércio 
direto entre a colônia e os mercados ainda disponíveis, provocando, por 
conseguinte, a abertura dos portos iniciada em 1808; 
• assinatura dos tratados de 1810 entre Portugal e Inglaterra: este 
transformou a Inglaterra em uma potência privilegiada, com direitos de 
extraterritorialidade e tarifas preferenciais extremamente baixas, o que limitou 
a autonomia do governo brasileiro no setor econômico por toda a primeira 
metade do século XIX; 
• separação definitiva de Portugal em 1822 e o acordo de 1827 entre a 
Inglaterra e o Brasil: tal acordo, na prática, funcionou como uma renovação 
do tratado de 1810, consolidando o privilégio inglês, tendo este sido assinado 
— como salientado no capítulo VII — devido às dificuldades diplomáticas 
pertinentes à independência brasileira, tendo a Inglaterra garantido a aceitação 
do Brasil como um pais independente, mediante a contração brasileira de parte 
do passivo colonial português, dentre outras exigências; 
• abdicação de D. Pedro I: com a eliminação do poder de D. Pedro I, ocorre a 
ascensão definitiva ao poder da classe colonial dominante formada pelos 
senhores exportadoresde produtos agrícolas. 
 
Ainda que os privilégios concedidos à Inglaterra tenham sido danosos à 
economia brasileira, não se pode afirmar que estes são os principais 
responsáveis pelo Brasil não ter se transformado numa nação moderna já na 
primeira metade do século XIX, como ocorreu nos EUA. Como já salientado, 
Portugal era apenas um oneroso entreposto comercial, estando seus interesses 
via de regra em conflito com os da colônia — pode-se perceber isso ao vermos os 
resultados da abertura dos portos, tais como, redução dos preços das 
mercadorias importadas, maior abundância de suprimentos, facilidades de 
crédito mais amplas e outras óbvias vantagens para a classe de grandes 
agricultores. Nessa época, começaram a haver conflitos entre os dirigentes da 
grande agricultura exportadora brasileira e a Inglaterra, dada a falta de coerência 
em relação ao seu discurso liberal: o tratado de comércio de 1810 criava privilégios 
unilaterais à Inglaterra, isto é, não houve em contrapartida abertura comercial aos 
produtos brasileiros, tendo estes de competir com os privilegiados produtos das 
Antilhas inglesas, constituindo, deste modo, sérias dificuldades à economia brasileira. 
 
Nesse ambiente de dificuldades, os ingleses também pretendiam impor a 
eliminação da importação de escravos africanos — pois para os antilhanos a 
persistência da escravatura brasileira era o principal fator da depressão do 
mercado açucareiro —, como isso resultaria em uma forte elevação dos custos 
de produção, os grandes agricultores brasileiros se defenderam tenazmente, 
 
“provocando e enfrentando a ira dos ingleses”. Portanto, o conflito não era com os 
interesses comerciais ingleses locais e nem exatamente com o governo brasileiro, o 
qual apoiava o término do tráfico ilegal de escravos — e sim entre os interesses de 
produtores antilhanos de açúcar e os da classe dominante brasileira. Desta 
forma, como já salientado, “não se pode afirmar que, se o governo brasileiro houvesse 
gozado de plena liberdade de ação, o desenvolvimento econômico do país teria sido 
necessariamente muito intenso”. Contudo, não se pode negar que o privilégio 
aduaneiro concedido à Inglaterra criou dificuldades financeiras ao governo 
brasileiro. O imposto sobre importações é o recurso pelo qual economias primárias 
de exportação arrecadam suas receitas básicas. Com a tarifa única — 15% ad 
valorem — concedida à Inglaterra, a única alternativa seria taxar as exportações 
— cortando os lucros dos senhores da agricultura. Isso fomentou um clima de 
insatisfação em todo o Brasil, enquanto a autoridade do governo central, que 
enfrentava “extraordinária escassez de recursos financeiros”, se reduzia. Os preços 
do açúcar e do algodão caem acentuadamente na primeira metade do século 
XIX. A renda per capita na Bahia, Pernambuco e Maranhão caem. Com o declínio 
da economia aurífera, principal mercado para os gados produzidos no sul, essa 
região também sofre dificuldades. Como resposta a esse processo de 
empobrecimento e dificuldades, há rebeliões armadas ao norte e prolongada 
guerra civil ao sul. 
 
Em meio a tantas dificuldades, o café surge como nova fonte de riqueza para 
o país. Já em 1830, ele se consolida como o principal elemento de exportação 
brasileira, com progressão firme. Com isso, firma-se um sólido núcleo de 
estabilidade na região central do Brasil, tornando-se este o “centro de resistência 
contra as forças de desagregação que atuam no norte e no sul”. 
 
Furtado salienta, “a quase inexistência de um aparelhamento fiscal no país, 
para captar a importância que na época cabia as aduanas como fonte de receita e 
meio de subsistência do governo”. Com a limitação do acesso a esta fonte, apesar do 
aumento de receita conferido pela eliminação do entreposto lusitano, o governo 
central enfrentou graves “dificuldades financeiras para desempenhar suas múltiplas 
funções na etapa de consolidação da independência”, ficando impossibilitado de 
aumentar a arrecadação até a expiração do acordo com a Inglaterra em 1844. Nos 
anos 20, o governo mal arrecada metade do necessário para cobrir seus gastos 
agravados com a guerra na Banda Oriental, optando por financiar, em grande parte, 
o déficit com a emissão de moeda-papel. Esta forma de financiar o déficit, a medida 
que elevava os preços dos produtos importados devido à desvalorização 
externa da moeda, incidia principalmente sobre a população urbana — pequenos 
comerciantes, empregados públicos, militares, etc. —, os senhores da agricultura 
eram pouco afetados pois estes, em boa medida, se auto-abasteciam e seus cujos 
gastos monetários eram amortecidos pelo sistema escravagista. Com isso, a 
inflação acarretou em empobrecimento dessas classes urbanas, gerando 
revoltas. 
 
 
 
CAPÍTULO XVIII 
CONFRONTO COM O DESENVOLVIMENTO DOS EUA 
 
 
Por que o Brasil não seguiu os passos dos EUA para tornar-se uma nação 
industrializada? 
 
Como já referido no último capítulo, os acordos comerciais de 1810 e 1827 
entre Brasil e Inglaterra provocaram forte instabilidade política e econômica no 
Brasil. Recapitulemos os fatos: 
1. A exclusão do entreposto lusitano provoca a abertura dos portos em 1808. 
2. Firmas inglesas se estabelecem no Brasil facilitando o transporte e a 
comercialização, acarretando em queda relativa dos preços das importações e 
um rápido crescimento da demanda por bens importados. 
3. Essa forte pressão sobre a balança de pagamentos, aliada ao acordo de 1827 
e à criação de uma tarifação única que beneficiava os produtos ingleses, sem 
a devida contrapartida para os produtos brasileiros na Inglaterra — “ausência 
de uma corrente substancial de capitais estrangeiros ou de uma expansão 
adequada das exportações” —, força o governo a adotar medidas 
impopulares que repercutem na taxa de câmbio. 
4. A emissão de moeda-papel para financiar o déficit brasileiro provoca 
desvalorização cambial e consequente aumento dos preços dos artigos 
importados. 
 
Furtado salienta, que mesmo que o Brasil tivesse adotado tarifas aduaneiras 
de 50% ad valorem, “possivelmente o efeito protecionista não tivesse sido tão grande 
como resultou ser com a desvalorização da moeda”. De modo que não se pode 
afirmar que os acordos referidos impossibilitaram a industrialização do Brasil 
nesse período, ao impedirem a tomada de medidas protecionistas. Tais medidas só 
foram utilizadas nos EUA, no século XIX, quando as bases de sua economia já 
estavam consolidadas. Enquanto no Brasil, após a independência, a classe dominante 
era a dos grandes agricultores escravagistas, nos EUA eram os pequenos agricultores 
e um grupo de grandes comerciantes que dominavam. Enquanto o principal 
representante dos ideais da classe dominante brasileira, o Visconde de Cairu, 
acreditava piamente no laissez-faire e na mão invisível do mercado, o representante 
americano, Alexander Hamilton, advogava uma decisiva ação estatal em prol da 
industrialização com “estímulos diretos às indústrias e não apenas medidas passivas 
de caráter protecionista”. 
 
Como a agricultura de exportação não alcançou êxito nas colônias do norte — 
lá não era viável a produção de produtos tropicais de grande demanda —, a relação 
colônia-metrópole seguiu em um caminho distinto: a metrópole incentivou na colônia 
a implantação de indústrias que não competissem com sua própria produção, 
permitindo a redução de suas importações de outros países. Assim, por exemplo, no 
caso do aço houve preocupação em dificultar sua produção nas colônias, mas já o 
ferro foi estimulado a ser produzido, para que a Inglaterra reduzisse sua dependência 
 
dos países do Báltico. Por outro lado, dadas as dificuldades quetinham para importar 
as manufaturas de que precisavam, as próprias colônias criaram consciência da 
conveniência de estimular a produção interna. Em 1655, Massachusetts criou uma lei 
obrigando todas as famílias a produzir os tecidos de que necessitassem. Além disso, 
havia a proibição da exportação de algumas matérias-primas, como o couro, para que 
fossem usadas na manufatura interna. Por último, o autor ressalta o avanço da 
indústria da construção naval, que antes da independência já representava ¾ da 
produção dos barcos americanos usados em seu comércio, e que representou um 
papel fundamental no desenvolvimento ocorrido na época das guerras napoleônicas. 
 
A Guerra da Independência cortou por vários anos todo o suprimento de 
manufaturas inglesas, constituindo mais um forte estímulo para a produção interna, 
que já tinha base para se expandir. Logo depois, houve grandes transtornos políticos 
na Europa, que criaram extraordinários incentivos para o desenvolvimento da 
economia norte-americana. Com as dificuldades para o abastecimento europeu das 
Antilhas inglesas e francesas, estas voltaram-se para o mercado norte-americano de 
alimentos. Furtado ilustra a prosperidade desse período citando que, de 1789 a 1810, 
“a frota mercante norte-americana cresceu de 202 mil para 1.425.000 toneladas”, 
sendo todos esses barcos construídos no próprio país. 
 
O autor ressalva que o know how acumulado no período colonial, o 
entendimento de seus dirigentes da necessidade de fomentar a industrialização 
em prol de um real desenvolvimento econômico e a grande acumulação de 
capitais da fase das guerras napoleônicas não são suficientes para explicar as 
transformações ocorridas, na primeira metade do século XIX, nos EUA. Ainda 
por muito tempo a economia norte-americana continuou a ter seu 
desenvolvimento condicionado à exportação de produtos primários. Com efeito, 
foi como exportadores de algodão — matéria-prima para a crescente indústria 
têxtil inglesa — que os EUA tomaram posição na vanguarda da Revolução 
Industrial. A Inglaterra era responsável pela mecanização dos processos 
manufatureiros, enquanto os Estados Unidos eram responsáveis por prover 
grandes quantidades de algodão, que substituiria a lã, pela sua maior facilidade 
de expansão produtiva — “entre 1780 e a metade do século XIX, o consumo anual 
de algodão pelas fábricas inglesas aumentou de 2 mil toneladas para cerca de 250 
mil”. A baixa dos preços do algodão, possibilitada pelas condições americanas, 
que favoreciam a produção em grande escala desse artigo, ajudou 
enormemente a Revolução Industrial inglesa, a medida que fomentou a redução 
nos preços das manufaturas inglesas de algodão, dando a estas o controle do 
mercado têxtil num período sem expansão autônoma da demanda. 
 
O algodão representa o principal fator dinâmico do desenvolvimento da 
economia norte-americana na primeira metade do século XIX, chegando a 
constituir mais da metade de suas exportações. As formas extensivas de tal 
agricultura obrigavam a buscar sempre novas terras e penetrar no interior do 
continente — por conseguinte, a expansão ao sul provocou a povoação do meio-
oeste americano e abriu espaço para grandes correntes de colonização 
 
europeia, “as quais penetravam no centro do continente subindo os grandes rios que 
as ligavam com os mercados do sul”. 
 
Semelhantemente ao que ocorreu no Brasil, a abertura de portos nos EUA, 
no começo do século, criou uma balança comercial deficitária com a Inglaterra. 
Porém, esse déficit tendia a transformar-se em dívidas de médio e longo prazos, 
invertendo-se em bônus dos governos central e estaduais. Isso criou uma 
corrente de capitais, importante para o desenvolvimento do país. “Isto foi 
possível graças à política financeira do Estado, concebida por Hamilton, e à 
ação pioneira do governo central primeiro e estaduais depois na construção de 
uma infraestrutura econômica e no fomento direto de atividades básicas”. 
 
CAPÍTULO XIX 
DECLÍNIO A LONGO PRAZO DO NÍVEL DE RENDA: 
PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX 
 
Qual a razão do fracasso do fomento a indústrias no Brasil na primeira 
metade do século XIX? Como se deu o declínio econômico brasileiro nesse 
período e quais suas consequências sobre o nível de renda per capita? 
 
Enquanto no capitulo anterior, Furtado concentra-se em explicar a razão para 
o Brasil não ter se industrializado na primeira metade do século XIX abordando as 
diferenças que este tinha em relação aos EUA e em como os acontecimentos políticos 
da época influenciaram nossa economia; no capitulo 19, o autor foca nos aspectos 
econômicos brasileiros e nas consequências do declínio econômico sobre a 
renda per capita brasileira. Para Furtado, o desenvolvimento econômico do país, 
neste período, dependia da expansão de suas exportações. Contudo, o país 
estava sobrevivendo basicamente da produção e do consumo interno, pois os 
ciclos econômicos estavam em decadência. Seria inútil estimular a 
industrialização em um pais sem capacidade para importar em expansão e sem 
base técnica – o que pode ser comprovado pela iniciativa das indústrias siderúrgicas 
na época de D. João VI. 
 
Dada a decadência da mineração, o mercado para produtos siderúrgicos era 
praticamente inexistente e disperso, exigindo uma complexa organização comercial. 
O autor salienta que a industrialização deveria ter começado pelos produtos que 
já tinham mercado substancial: tecidos, por exemplo — “única manufatura cujo 
mercado se estendia inclusive à população escrava”. Porém, a exemplo do que 
ocorreu na própria Inglaterra, a intensa baixa dos preços de tecidos ingleses 
dificultou a subsistência do pouco artesanato têxtil que existia no Brasil. Furtado 
frisa que nem mesmo a criação de altas tarifas aduaneiras seria capaz de 
defender uma indústria têxtil nascente no Brasil, esta defesa deveria se dar pela 
criação de cotas de importação, contudo isto reduziria significativamente a 
renda real da população numa etapa de grandes dificuldades. Além disso, o 
fomento à industrialização têxtil enfrentaria outro grave problema: a dificuldade 
da importação de máquinas, já que a Inglaterra fazia o possível para impedir a 
 
exportação dessas — devido à alta expansão do mercado têxtil norte-americano, 
visando altos lucros, operários ingleses especializados migraram para os EUA, 
escapando do controle das autoridades britânicas e, assim, com sua cooperação foi 
possível criar as máquinas necessárias no próprio país. 
 
Mesmo abstraindo-se da impraticabilidade de uma política inteligente de 
industrialização num pais dominado por grandes senhores agrícolas escravistas, o 
êxito de tal política dependeria de uma firme e ampla expansão de suas 
exportações. Desta forma, o estancamento das exportações brasileiras, na 
primeira metade do século XIX, foi a principal causa do grande atraso relativo da 
economia brasileira no período. Todo o aumento das exportação do período 
deve-se ao café — cuja produção se concentrava em áreas próximas ao Rio de 
Janeiro (cidade) — tendo os demais produtos apresentado queda substancial de 
preços. Os exportadores de algodão, por exemplo, receberam metade do valor que 
haviam recebido no período anterior, reduzindo apenas 10% da quantidade exportada, 
já os de açúcar mais que dobraram a quantidade exportada e só receberam 24% a 
mais. Enquanto a baixa nos preços das exportações foi de cerca de 40%, o índice de 
preços das importações se manteve estável, portanto, caracterizando uma queda de 
aproximadamente 40% no índice dos termos do intercâmbio, isto é, “a renda real 
gerada pelas exportações cresceu 40% menos que o volume físico destas”. Assim, o 
aumento de 40%no valor médio anual das exportações, no período, foi resultado de 
um aumento de quase 100% no volume físico destas, tendo gerado um aumento na 
renda real de apenas 40%. 
 
Com isso, a renda per capita declinou sensivelmente na primeira metade 
do século XIX, tendo o valor da exportação por habitante, da população livre, caído 
de aproximadamente 2 libras — no fim do século XVIII — para pouco mais de 1 libra 
— no período discutido nessa capítulo. Somente um desenvolvimento intenso do 
setor não ligado ao comércio exterior teria contrabalanceado o declínio das 
exportações e ajudado a manter o nível de renda per capita, esse setor seria o 
da indústria e de serviços urbanos. Contudo, não houve aceleração da 
urbanização nesse período. O que ocorreu foi um aumento relativo do setor de 
subsistência. Como sua produtividade era bem inferior ao do setor exportador, o 
aumento de sua importância relativa significava uma redução da renda per capita geral 
— em caso extremo, o poder aquisitivo anual caiu de 50 para 43 dólares. Ao 
considerarmos as várias regiões do país em conjunto, é provável que a renda per 
capita nessa época tenha sido a mais baixa de todo o período da colônia. 
 
CAPÍTULO XX 
GESTAÇÃO DA ECONOMIA CAFEEIRA 
 
Como o café se transformou no maior responsável pelo valor das 
exportações brasileiras — isto é, como se deu a gestação da economia cafeeira 
no Brasil — e quais suas consequências? 
 
 
Os primeiros ¾ do século XIX foram caracterizados, predominante, por 
estagnação ou decadência econômica, com esporádicas fases de prosperidade local 
— como no caso do Maranhão —, não afetando o pais como um todo. O resultado 
líquido desse período de dificuldades foi a criação de um banco nacional, instalação 
de um sistema administrativo (rudimentar), preservação da unidade territorial e outras 
poucas iniciativas governamentais. Pouquíssimas foram as novas técnicas advindas 
da Revolução Industrial que penetraram no país — no geral, sob a forma de bens ou 
serviços de consumo — não afetando a estrutura do sistema produtivo brasileiro. Além 
disso, não havia mais a possibilidade de expandir a força de trabalho do país com a 
fonte africana, e não se vislumbrava solução alternativa. 
 
O Brasil era carente de base tecnológica própria e de capitais que 
pudessem ser remanejados para novas atividades, desta forma, sua única saída 
para superar a estagnação econômica era “reintegrar-se nas linhas em expansão do 
comércio internacional”. Furtado assinala que os poucos empréstimos externos, 
contraídos na primeira metade do século XIX, tinham objetivos improdutivos, 
agravando ainda mais a situação fiscal. Dentre as razões para o pouco crédito 
público, o autor lista a estagnação das exportações e a impossibilidade do 
governo de aumentar a alíquota de imposto das importações, resultando em 
sérias dificuldades fiscais relacionadas à dívida externa. Portanto, devido à sua baixa 
confiabilidade, conseguir recursos nos mercados de capitais tornou-se bem difícil, 
fazendo-se “necessário apresentar projetos com perspectivas muito atrativas ou 
oferecer garantias de juros subscritas por quem tivesse o necessário crédito”. 
 
Como podemos perceber, para atrair capital estrangeiro, o pias deveria 
“retomar seu crescimento com seus próprios meios”. Contudo, como vimos no capítulo 
anterior, na primeira metade do século XIX, os produtos tradicionalmente 
exportados pelo país apresentavam preços com tendência declinante. O 
mercado de açúcar tornou-se menos promissor. A Europa era suprida pelo açúcar de 
beterraba, cuja produção se desenvolvera durante as guerras napoleônicas. A 
Inglaterra ainda tinha o açúcar fornecido pelas Antilhas. Os EUA, além de terem a 
produção de Louisiana, agora tinham a de Cuba, que tinha aberto seus portos a “todas 
as nações amigas” e contava com fretes extremamente baixos para a nação norte-
americana. A situação do algodão era ainda pior, pois a produção norte-americana, 
integrada aos interesses ingleses, dominava totalmente o mercado — contando com 
fretes relativamente baixos, regime escravista com mão de obra abundante e terras 
de primeira qualidade. Quando a produção desse produto em larga escala passou a 
ser usada nos EUA, tornando-se a principal matéria-prima do comércio mundial, seu 
preço caiu para menos de ⅓. Assim, o que antes era um produto altamente rentável 
para o Brasil — sendo um dos fatores responsáveis pela prosperidade que o 
Maranhão viveu — passou a constituir apenas um complemento da economia de 
subsistência, com baixíssima rentabilidade, só tornando-se vantajoso novamente para 
o nosso país quando os EUA passam pela Guerra de Secessão. 
 
 
Os outros produtos — fumo, couro, arroz e cacau — eram menos 
relevantes, com mercados que inadmitiam grandes possibilidades de expansão. 
Analisemos o problema de cada um destes produtos: 
• Couro: a produção do rio da Prata nos prejudicava cada vez mais; 
• arroz: a produção norte-americana passava por fundamentais transformações 
nos métodos de cultivo, tornando a disputa pelo mercado ainda mais desigual; 
• fumo: após a eliminação do tráfico de escravos, perde-se o mercado africano, 
sendo necessário orientar o produto para outras regiões; 
• cacau: seu uso apenas começava a expandir-se, constituindo apenas uma 
esperança. 
 
Não dispondo de capital remanejável, nem crédito e com boa parte do 
estoque de mão de obra escrava — pouco mais de 2 milhões — estando 
imobilizada na indústria açucareira ou prestando serviços domésticos, o Brasil 
teria que basear sua expansão em produtos que tinham como fator básico a 
terra — o fator de produção mais abundante no país. Pela metade do século, esse 
produto já era definido: o café. O produto, que já era produzido desde o início do 
século XVIII para consumo local, passa a ter importância no fim desse século, quando 
seu preço aumenta, devido à desorganização de seu grande produtor: a colônia 
francesa no Haiti. No primeiro decênio após a independência, ela figura em terceiro 
lugar, representando 18% do valor das exportações do país — atrás do açúcar e do 
algodão —, assumindo a liderança nos dois decênios seguintes, representando 40% 
do valor das exportações. 
 
O desenvolvimento da produção de café — quando este passou a ser 
produto de exportação — se deu na região montanhosa próxima à capital do país, 
isso se deve à abundância de mão de obra disponível — resultante da 
desagregação da economia mineira — e à proximidade do porto. Ou seja, a 
primeira fase da expansão cafeeira se deu com base em recursos preexistentes 
e subutilizados. 
 
Não só o Brasil aproveitou a alta nos preços do café, a partir do último decênio 
do século XVIII, a produção cafeeira se expande em várias partes da América e 
da Ásia; consequentemente, os preços declinaram pelos anos 1830 e 1840. 
Contudo, essa baixa de preços, não desencorajou os produtores brasileiros, já 
que a produção do café utilizava recursos produtivos semi-ociosos desde a 
decadência da mineração. De modo que apesar de ter ocorrido uma redução de 
cerca de 40% no preço médio, entre 1821–30 e 1841–50, a quantidade exportada 
mais que quintuplicou. 
 
Durante o segundo e, principalmente, terceiro quarto do século XIX ocorre a 
gestação da economia cafeeira. Assim como o sistema açucareiro, a empresa 
cafeeira permite a utilização intensiva da mão de obra escrava; todavia, o sistema 
açucareiro apresenta um grau de capitalização muito menor, por não precisar de 
tanta reposição monetária — já que utiliza equipamentos mais simples, em geral, 
 
de fabricação local —, além de ter como principal fator a terra. Ou seja, seus 
custos monetários eram ainda menoresque o da empresa açucareira. Desta 
forma, havendo abundância de terras, somente um forte aumento nos preços da 
mão de obra poderia interromper o desenvolvimento da economia cafeeira. Como 
já salientado, em sua primeira etapa, havia abundância de mão de obra 
subutilizada por causa da desagregação da mineração, possibilitando seu intenso 
desenvolvimento, a despeito dos preços declinantes. Posteriormente, no terceiro 
quarto do século XIX, os preços voltaram a se recuperar amplamente, enquanto 
os do açúcar permaneciam baixos, provocando uma crescente transferência de mão 
de obra do norte para o sul do país. 
 
Atrelada à etapa de gestação da economia cafeeira, temos a formação de uma 
nova classe empresária — “que desempenhará papel fundamental no 
desenvolvimento subsequente do país” —, originada por homens da região, 
responsáveis pelo comércio de gêneros e de animais para o transporte desses, 
que abasteciam a população do Rio de Janeiro — principal mercado de consumo 
do país, devido à transferência da corte portuguesa. Com a transferência da corte 
portuguesa, tal comércio adquiriu certa importância na região, formando um grupo 
de empresários comerciais locais. Furtado salienta que muitos desses 
empresários, que acumularam capital com o comércio e transporte de gêneros 
e de café, “passaram a interessar-se pela produção deste, vindo a constituir a 
vanguarda da expansão cafeeira”. 
 
O processo de formação das classes dirigentes na economia açucareira e 
cafeeira foram fundamentalmente diferentes. Na economia açucareira, as fases 
produtiva e comercial — que era “monopólio de grupos situados em Portugal ou na 
Holanda” — estavam rigorosamente isoladas, com as decisões fundamentais 
tomadas a partir da etapa comercial, não podendo os dirigentes produtivos 
desenvolver uma consciência clara de seus próprios interesses. Com o tempo, estes 
foram perdendo sua verdadeira função econômica, que podia ser feita por 
feitores e outros empregados. Com isso, os dirigentes da economia açucareira 
acabaram involuindo numa classe de rentistas ociosos. Após a independência 
brasileira não houve modificações fundamentais nesse sistema, “permanecendo a 
etapa produtiva isolada e dirigida por homens de espírito puramente ruralista”. Isso 
explica a facilidade com que os interesses ingleses dominaram as atividades 
comerciais do Nordeste açucareiro. 
 
Já a economia cafeeira, como vimos, teve em sua vanguarda homens com 
experiência comercial. Deste modo, durante toda a etapa da gestação, os 
interesses produtivos e comerciais estavam entrelaçados, e a proximidade da 
capital do país constituía uma vantagem — governo como instrumento da ação 
econômica, isto é, a subordinação do instrumento político aos interesses dos 
cafeicultores (que alcança “sua plenitude com a conquista da autonomia estadual, 
ao proclamar-se a República”). Segundo Furtado, “a nova classe dirigente formou-
se numa luta que se estende em uma frente ampla: aquisição de terras, 
recrutamento de mão de obra, organização e direção dá produção, transporte 
 
interno, comercialização nos portos, contatos oficiais, interferência na política 
financeira e econômica”. 
 
A descentralização do poder, com o advento da República, integrará ainda 
mais os dirigentes da empresa cafeeira e a maquinaria político-administrativa — 
que antes, exposta a demandas heterogêneas demais, era incapaz de atender os 
interesses locais com a devida prontidão ou eficiência. O controle sobre a máquina 
pública não é o que difere os dirigentes da economia cafeeira de outros grupos 
anteriores ou contemporâneos e sim a consciência clara de seus próprios — que 
os possibilita a utilizar tal controle em prol de “objetivos perfeitamente definidos de 
uma política”. 
 
Concluída a etapa de gestação, o país já podia se reintegrar ao comércio 
mundial, a economia cafeeira tinha condições de autofinanciar sua expansão e estava 
formada a nova classe dirigente que chefiaria tal expansão. Assim, restava 
solucionar o problema da mão de obra. 
 
CAPÍTULO XXI 
O PROBLEMA DA MÃO DE OBRA I 
Oferta interna potencial 
 
A que se deve o problema da mão de obra no Brasil do século XIX? Por 
que não foi usada a mão de obra interna livre na expansão da econômica deste 
período? 
 
Pela metade do século XIX, a mão de obra brasileira era constituída 
principalmente por escravos — que já não chegavam a 2 milhões. O censo 
demográfico de 1872 aponta que a taxa de mortalidade destes era maior que sua 
taxa de natalidade — indo na contramão do caso norte-americano, que 
apresentava elevada taxa de crescimento vegetativo da população escrava —, 
desta forma qualquer empreendimento brasileiro enfrentaria uma inelasticidade 
da oferta de trabalho. 
 
 Apesar de os EUA e o Brasil terem começado o século XIX com 
aproximadamente 1 milhão de escravos cada, e os EUA terem importado muito menos 
escravos que o Brasil durante os primeiros 50 anos do século XIX — cerca de ⅓ —, 
ao iniciar-se a Guerra da Secessão, os EUA contava com um força de trabalho 
escrava de cerca 4 milhões, enquanto o Brasil possuía, na mesma época, em torno 
1,5 milhão de escravos. Essa evolução diversa no estoque escravagista se deve 
às diferentes condições às quais os escravos eram submetidos nos dois países, 
enquanto os escravos brasileiros enfrentavam condições de vida extremamente 
precárias, os estadunidenses, em sua maioria, viviam em propriedades 
pequenas, com condições de alimentação e trabalho relativamente favoráveis 
— isso deriva, também, do fato de seu valor de mercado ser permanentemente 
crescente, auferindo renda aos seus proprietários com o incremento natural dos 
 
mesmos; enquanto no Brasil, a crescente importação destes em períodos 
diversos ocasionava o declínio de seu valor de mercado. 
 
Os escravos nascidos em solo norte-americano apresentavam vantagens “pois 
estavam culturalmente integrados nas comunidades de trabalho que eram as 
plantações, haviam sido melhor alimentados, já tinham o conhecimento da língua, 
etc.”. Com a proibição do tráfico negreiro nos EUA, apesar de certo contrabando 
ter persistido até 1860, bem como da ocorrência de grande expansão algodoeira nos 
novos estados do sul, a oferta de escravos passou a depender basicamente do 
crescimento da população escrava dos antigos estados escravistas. Já no 
Brasil, a crescente procura de escravos no sul para as plantações de café, 
intensificou o tráfico interno em detrimento das regiões que já estavam 
operando com rentabilidade reduzida, prejudicando principalmente “as decadentes 
regiões algodoeiras — particularmente o Maranhão —", enquanto “a região 
açucareira, mais bem capitalizada, defendeu-se melhor”. Além disso, com a redução 
do abastecimento de escravos e consequente elevação de seu preço, 
intensificou-se a utilização da mão de obra escrava já existente, aumentando o 
desgaste dessa população. 
 
Na Europa — que se industrializou no século XIX —, o crescimento 
econômico consistiu fundamentalmente numa revolução tecnológica, que 
desagregou o sistema pré-capitalista, formando — em sua fase inicial — um 
grande exército de mão de obra — suficiente para “alimentar o setor mecanizado 
em expansão e ainda exercer forte pressão sobre os salários” — e intensificou o 
processo de urbanização, facilitando a assistência médica e social, acarretando 
em um crescimento vegetativo — embora seja inegável a piora nas condições de 
vida da classe trabalhadora. Já no Brasil, o crescimento se dava puramente em 
extensão — ampliação da utilização do fator disponível, a terra — mediante a 
incorporação de mais mão de obra. Desta forma, o problema econômico 
brasileiro consistiaem como aumentar a oferta da mão de obra, dada a 
eliminação da “única fonte importante de imigração, que era a africana”. 
 
Embora houvesse a mão de obra da agricultura de subsistência, que 
mantinha um crescimento constante, além do seu recrutamento ser difícil por 
ser uma atividade dispersa — se estendendo do norte ao extremo sul do país —, 
ela é caracterizada por um estilo de vida, de organização social e de 
estruturação do poder político que a atavam “por vínculos sociais a um grupo, 
dentro do qual se cultivava a mística de fidelidade ao chefe como técnica de 
preservação do grupo social”. Assim, o roceiro estava intimamente ligado à 
propriedade onde estava sua roça, propriedade esta pertencente ao grande senhor 
detentor da terra — que exercia nesta atividades diversas, ao longo dos anos —, que 
cedia partes desta às famílias que queriam plantar para sua subsistência, tendo em 
contrapartida proteção em suas terras e a capacidade de poder recrutar tal mão de 
obra quando quisesse — quanto mais homens em sua terra, que este pudesse utilizar 
a qualquer momento e para qualquer fim, maior o seu prestígio. Furtado salienta que 
algumas regiões de maior concentração demográfica e características um tanto 
 
diversas se excetuavam, contudo, no geral, na economia de subsistência 
imperava a dispersão, provocando a necessidade de grande mobilização de 
recursos para o recrutamento dessa mão de obra. Para ele, tal recrutamento só 
seria possível se contasse com a cooperação da classe de grandes proprietários 
da terra. Todavia, dado seu já salientado estilo de vida, organização e de 
estruturação, isso dificilmente seria alcançado. 
 
Não somente o sistema de subsistência contava com uma potencial reserva de 
mão de obra, nas zonas urbanas havia se acumulado uma população sem 
ocupação permanente. As dificuldades, nesse caso, “eram de adaptação às 
disciplinas do trabalho agrícola e às condições de vida nas grandes fazendas”. 
 
As dificuldades de adaptação dessas duas grandes massas de reserva de força 
de trabalho corroboraram “para formar a opinião de que a mão de obra livre do país 
não servia para a ‘grande lavoura'”. Contribuindo para a não evolução da ideia de 
um amplo recrutamento interno com financiamento governamental. O problema 
de oferta de mão-de-obra era tão grave, no terceiro quarto do século XIX, que chegou-
se a pensar na importação de mão-de-obra asiática em regime de 
semiescravidão, como nas Índias Ocidentais inglesas e holandesas, não tendo 
ocorrido nem mesmo a Mauá pensar numa solução melhor que essa. 
 
CAPÍTULO XXII 
O PROBLEMA DA MÃO DE OBRA II 
A imigração europeia 
 
Como surgiu o uso de mão de obra europeia para suprir à carência de 
mão de obra no Brasil? Como foi fomentada a imigração europeia para o 
trabalho nas grandes lavouras? Quais as consequências desta imigração? 
 
Como solução alternativa para sanar a escassez de mão de obra, sugeria-
se incentivar a imigração europeia. Já antes da independência, por iniciativa 
governamental, houvera a instalação de colônias de imigrantes europeus. Todavia, 
tais colônias vegetavam, não contribuindo para o país e ainda constituindo custos às 
finanças brasileiras. Além disso, a intenção era aumentar a oferta de força de 
trabalho destinada à grande lavoura — denominação correspondente à plantation 
— e não haviam precedentes, no continente, de “imigração de origem europeia de 
mão de obra livre para trabalhar em grandes plantações”. Nos EUA, a imigração 
europeia não tinha tal objetivo, posto que seu problema foi solucionado pela 
manutenção do crescimento da oferta de escravos por meio da natalidade, e esses 
não trabalhavam em plantações de grande porte. 
 
A imigração de europeus para os EUA se deu de forma autônoma à oferta de 
mão de obra para as grandes plantações, embora estas estivessem interligadas. A 
expansão das plantações norte-americanas ocorreria mesmo sem essa forte 
imigração europeia, todavia esta aumentou a procura interna por algodão e barateou 
 
a oferta de alimentos, dando impulso a tal expansão. Além disso, a expansão das 
plantações explica a forte vinda de europeus para os EUA: 
1. Enquanto o algodão era um produto volumoso, que ocupava grandes espaços 
nas embarcações — a madeira, produto ainda mais volumoso, também era 
muito exportada —, as manufaturas que os estadunidenses importavam 
apresentavam grande densidade econômica, favorecendo a baixa dos fretes 
de retorno da Europa para os EUA. Com essa baixa dos preços das 
passagens — em navios cargueiros e semicargueiros —, permitiu-se que se 
avolumasse de tal forma a emigração espontânea da Europa para os EUA. 
2. O grande desenvolvimento das plantações do sul estadunidense — com o uso 
de trabalho escravo — conferia ao país um mercado interno em forte 
expansão, sendo assim o fundamento de sua atratividade para os 
europeus que queriam auferir maiores lucros com a venda de seus produtos. 
 
As colônias criadas no Brasil pelo governo imperial não tinham 
fundamentos econômicos: tinham como razão a crença na superioridade inata do 
trabalhador europeu, principalmente se as colônias eram formadas por imigrantes de 
países que não tinham colonizado o Brasil. Pagava-se transporte, gastos de 
instalação e promoviam-se obras públicas artificiais e com prolongamento 
absurdo para dar trabalho a tais colonos. E quase sempre, após tantos gastos, 
largava-se a colônia à própria sorte, que acabava por involuir para uma 
economia de subsistência. Um exemplo disto é a colônia alemã no Rio Grande do 
Sul que apresentava vida econômica precária devido à falta de mercado para 
escoar seu excedente produtivo — o que provocava o atrofiamento de seu setor 
monetário e consequente involução da divisão do trabalho, levando seu sistema 
econômico a regredir à subsistência. Com isso, formou-se na Europa um 
movimento de opinião contra a emigração para o império escravista da América, 
que creditava a forma primitiva de vida de tais colonos às leis inadequadas do país ou 
a outras razões dessa ordem. Assim, “já em 1859 se proibia a emigração alemã para 
o Brasil”. 
 
Para que tais colônias tivessem êxito e passassem a atrair imigrantes de 
forma espontânea, estas deveriam ter se dedicado imediatamente a atividades 
produtivas rentáveis, isto é, deveria ter-se integrado a colônia nas linhas de 
produção de um artigo de exportação ou na produção de um artigo que 
possuísse mercado no país. Como vimos, o Brasil se caracterizava por produção 
em grandes plantações, o que exigiria uma mobilização de capital inacessível aos 
colonos em sua etapa de instalação. Se estes decidissem se dedicar a plantar café, 
“teriam que concorrer com empresas que exploravam a mão de obra escrava”. 
Além disso, a classe dirigente da economia cafeeira — que tinha forte influência 
política — não teria interesse em subsidiar uma imigração que além de não 
contribuir para solucionar o problema de sua falta de mão de obra — percebendo 
a ineficiência da política de colonização do governo imperial para solucionar tal 
problema, a própria classe cafeeira passou a ser dedicar à solução do mesmo —, 
ainda viesse a concorrer consigo no mercado do café. Já “a possibilidade de 
produzir para o mercado interno dependia da expansão deste, e pressupunha o 
 
desenvolvimento da economia de exportação. Como a chave do problema das 
exportações era a oferta de mão de obra, retornava-se ao ponto de partida.” 
 
Em 1852, o senador Vergueiro, grande plantador de café, decidiu contratar 
diretamente europeus. Conseguindo financiamento do governo para o translado, 
transferiu 80 famílias de camponeses alemães para sua fazenda em Limeira. Isso 
despertouinteresse, e até 1857, mais de 2 mil pessoas foram transferidas, 
principalmente dos Estados alemães e da Suíça. 
 
A ideia era de que o imigrante vendia o seu trabalho futuro — para o 
pagamento da passagem da família —, como no caso dos colonos ingleses que 
foram para os EUA na época colonial, contudo, diferente desses, os imigrantes que 
vinham para o Brasil — através deste sistema — não tinham um tempo limite de 
servidão temporária fixado. “O Estado financiava a operação, o colono hipotecava 
seu futuro e o de sua família, e o fazendeiro tinha todas as vantagens.” O colono tinha 
um contrato com o fazendeiro de que não abandonaria a fazenda até pagar todas 
as suas dívidas. Em 1867 um observador alemão apresentou, à Sociedade 
Internacional de Emigração de Berlim, uma exposição em que demonstrava que os 
colonos emigrados para as fazendas de café no Brasil, eram na verdade 
submetidos a uma escravidão disfarçada. 
 
Tendo em vista a falha da forma anterior, a partir de 1860, quando o 
problema da mão de obra agravou-se — pois a Guerra da Secessão provocou 
enorme alta nos preços do algodão, estimulando sua plantação no norte do país, 
por consequência, restringindo o tráfico interno de escravos do norte para o sul do 
Brasil — e a melhora do preço do café tornou ainda mais atrativa a expansão de 
tal cultura, “introduziu-se um sistema misto pelo qual o colono tinha garantida 
a parte principal de sua renda”. Este tinha como tarefa cuidar de um certo número 
de pés de café, e recebia um salário monetário anual, que era completado por 
outro variável, pago no momento da colheita, em função do volume da mesma. 
 
Ainda restava a se resolver o problema do custeio da passagem: 
• se esta ficasse por conta do colono, ele teria o temor de que sua liberdade 
futura estava comprometida; 
• se os fazendeiros de café a tivessem que custear, somente os mais ricos 
poderiam promover a imigração; além disso, a impossibilidade de obrigar o 
colono a permanecer em suas terras, “resultaria que uns pagariam o 
transporte do imigrante que serviria a outros”. 
 
Como solução, a partir de 1870, o governo imperial ficou responsável por 
todos os gastos do transporte dos imigrantes, enquanto ao fazendeiro cabia 
cobrir os gastos do imigrante durante seu primeiro ano de atividade — etapa de 
maturação de seu trabalho. Além disso, era concedida uma terra ao colono para 
que cultivasse os gêneros de primeira necessidade para a manutenção de sua 
família. Esse conjunto de medidas tornou possível, pela primeira vez, uma volumosa 
 
corrente imigratória europeia com destino à América para trabalhar grandes 
plantações. 
 
Durante o mesmo período, ocorria a unificação política da Itália. A região do 
sul — de menor grau de desenvolvimento e mais baixa produtividade agrícola — 
encontrou-se em grande dificuldade, por não conseguir competir com as regiões mais 
desenvolvidas do norte, criando uma situação de depressão que facilitaria a 
imigração, possibilitando a expansão da produção cafeeira no Estado de São 
Paulo — que recebeu, no último quarto do século XIX, 803 mil imigrantes europeus, 
sendo 577 mil provenientes da Itália. 
 
CAPÍTULO XXIII 
O PROBLEMA DA MÃO DE OBRA III 
Transumância amazônica 
 
O que foi a transumância amazônica? Que condições a provocaram e 
quais foram suas consequências? 
 
A economia amazônica sofreu forte recessão desde o final do século XVIII 
com a desarticulação do sistema de exploração de mão-de-obra indígena 
instalado pelos jesuítas. Dentre as especiarias cultivadas na região, o cacau 
continuava sendo a mais importante, embora não tivesse a maior significação 
econômica. A quase inexistência de população local dificultava o cultivo de 
outros produtos. 
 
Entre 1875 e 1910, ocorreu uma grande migração da região nordestina para 
a região amazônica. À essa época, a borracha transformara-se em uma matéria-
prima de crescente procura no mercado mundial. A indústria de veículos 
terrestres a motor de combustão interna configurara-se no principal fator 
dinâmico das economias industrializadas ao longo do último decênio do século 
XIX e os três primeiros do século XX. 
 
Dado que a borracha é um produto extrativo, cujas árvores se concentravam 
na bacia amazônica, atender à crescente demanda mundial pela borracha configurou-
se em um verdadeiro desafio. A longo prazo, poder-se-ia expandir sua produção 
plantando árvores que produzissem a matéria-prima da borracha em outras 
regiões de clima similar, onde houvesse adequado suprimento de mão de obra 
e recursos para financiar o seu longo período de gestação. Contudo, a rápida 
expansão de sua demanda nos países industrializados, em fins do século XIX, 
exigia uma solução a curto prazo. 
 
A evolução da economia mundial da borracha é marcada por duas fases: 
• solução de emergência para o problema da oferta do produto extrativo; 
 
• solução definitiva com a organização da produção em bases racionais, 
permitindo que a oferta adquira a elasticidade requerida pela rápida expansão 
da demanda mundial. 
 
A primeira fase da economia da borracha — marcada por preços 
crescentemente elevados, até a introdução da produção oriental, após a 
Primeira Guerra Mundial, e consequente redução permanente dos preços — se 
desenvolve na região amazônica e é marcada pelas dificuldades apresentadas 
pelo meio. O aumento de produção se deu com um influxo de mão-de-obra, já 
que os métodos de produção em nada se modificaram. O aumento de mão-de-
obra na região amazônica foi tal, que se leva a crer que caso a economia cafeeira 
não tivesse como solução a imigração europeia, teria encontrado sua solução dentro 
do próprio pais. Porém, como se voltou para a mão-de-obra europeia, “deixou 
disponível o excedente da população nordestina para a expansão da produção 
da borracha”. Segundo censos de 1872 e 1900, a população nos estados do Pará e 
Amazonas duplicou de 329 mil para 695 mil habitantes. 
 
A população nordestina, desde o primeiro século da colonização, estava 
ocupadas em dois sistemas econômicos: o açucareiro e o pecuário. Após o declínio 
da economia açucareira, houve uma progressiva transformação da pecuária 
nordestina, que passou a ser uma produção de subsistência. Nesse tipo de 
produção, a população cresce em função da disponibilidade de alimentos/terra. Na 
região sul, havia uma favorável disponibilidade de terras de boa qualidade — 
possibilitando “um suprimento mais que adequado de alimentos, mesmo em um nível 
baixo de técnica agrícola”, e por conseguinte, um enorme crescimento demográfico 
vegetativo. Na central — onde florescia a mineração —, nem tanto, ocasionando uma 
migração em direção ao atual estado de São Paulo e outra em direção às terras bem 
irrigadas do Triângulo Mineiro. Segundo Furtado, a vanguarda desses movimentos 
populacionais — exceto nas regiões de colônias — era formada por “indivíduos de 
iniciativa e com algum capital que logo se apropriavam de grandes extensões de 
terras, cujo usufruto, entretanto, era compartilhado por muitos outros em um sistema 
de economia de subsistência”. O Nordeste, após passar por fase de prosperidade 
(Guerra de Secessão), enfrentou um longo período de seca, entre 1877 e 1870, 
no qual desapareceu quase todo o rebanho da região e pereceram de 100 a 200 
mil pessoas. Com isso, foi promovida — pelo movimento de ajuda às 
populações vitimadas — a emigração para outras regiões, principalmente a 
amazônica, cujo recrutamento foi facilitado pela concentração populacional nas 
cidades litorâneas. 
 
Enquanto os grupos dominantes da economia nordestina — que “viam na saída 
da mão de obra a perda de sua principal fonte de riqueza”— tinham sua reação 
dificultada pelas condições de miséria predominantes; os governos dos estados 
amazônicos aproveitaram a corrente transumante já iniciada, promovendo 
propagandas e subsídios para o transporte, formando assim a grande corrente 
migratória que tornou possível a expansão da produção de borracha na região 
 
amazônica, “permitindo à economia mundial preparar-se para uma solução 
definitiva do problema”. 
 
Enquanto o imigrante europeu chegava aos cafezais com todos os gastos 
pagos, residência garantida, gastos de manutenção assegurados durante a 
maturação de seu trabalho, terra para plantar os alimentos para sua família, etc.; 
possibilitando que este, ao final do ano, pudesse buscar outra fazenda em que 
lhe oferecessem alguma vantagem. A condição de vida do nordestino na região 
amazônica era extremamente precária. O imigrante nordestino — seduzido pelas 
fantasiosas propagandas dos agentes pagos pelos interesses da borracha ou pelos 
poucos exemplos daqueles que retornaram enriquecidos — já chegava na região 
endividado pelos custos do transporte, instrumentos de trabalho, entre outras 
despesas, e endividava-se ainda mais pois tinha que comprar seu alimento com 
preços exorbitantes, em regime de monopólio realizado pelo próprio empresário 
que o contratou. Este acabava reduzido à um regime de servidão — dado seu 
isolamento e a precariedade de sua situação financeira —, vivendo em cabanas 
rudimentares e trabalhando em meio insalubre e perigoso. 
 
Quando o preço da borracha se reduziu de forma permanente, 
rapidamente a população imigrante se viu em condições ainda piores do que em 
sua região de origem, em um ambiente que não possibilitava outro sistema de 
produção com alguma rentabilidade e sem condições de arcar com seu retorno, 
tendo que complementar seu orçamento com recursos locais de caça e pesca, 
“regredindo à forma mais primitiva de economia de subsistência, que é a do 
homem que vive na floresta tropical, e que pode ser aferida por sua baixíssima 
taxa de reprodução”. 
 
Assim, fora as consequências políticas — criação do território do Acre — 
e o enriquecimento de um pequeno grupo, a grande transumância amazônica 
“consistiu basicamente em um enorme desgaste humano em uma etapa em que 
o problema fundamental da economia brasileira era aumentar a oferta de mão 
de obra”. 
 
CAPÍTULO XXIV 
O PROBLEMA DA MÃO DE OBRA IV 
Eliminação do trabalho escravo 
 
Como a abolição da escravatura se refletiu no problema da mão de obra 
brasileira? Quais os desdobramentos da abolição — suas consequências 
econômicas e sociais? Como a antiga escravidão se refletiu na vida dos 
descendentes pós abolição? 
 
Já vimos como o problema da mão de obra foi resolvido nas duas regiões em 
rápida expansão econômica — o planalto paulista e a bacia amazônica. Agora 
trataremos de outro aspecto deste problema: a "questão do trabalho servil" ou o fim 
da escravidão. Mesmo no século XX, muitos ainda viam os escravos como 
 
“riqueza”, considerando que abolição da escravatura provocaria o 
empobrecimento do setor responsável pela criação de riqueza no país. 
Contrariamente, outros acreditavam que a abolição traria uma “liberação” de 
vultuosos capitais, antes gastos com os escravos — capitais antes imobilizados 
nestes ou gastos com sua comercialização. 
 
Contudo, semelhantemente a uma reforma agrária, a abolição da 
escravatura constituí, em si, apenas “uma redistribuição da propriedade dentro 
de uma coletividade” — a propriedade da força de trabalho deixa de ser um ativo 
ao passar do senhor de escravos para o indivíduo. Do ponto de vista econômico, 
a abolição acarretaria modificações na forma de organização da produção, no 
grau de utilização dos fatores, na distribuição da renda e na utilização final 
dessa renda. 
 
Podemos analisar dois cenários opostos ligados à abolição da escravatura: 
• No primeiro não há disponibilidade de terras para os escravos ou chance 
de emigração, com a abolição limitando-se a “uma transformação formal 
dos escravos em assalariados”, não provocando quaisquer modificações na 
organização da produção ou na distribuição da renda — como o ocorrido em 
algumas ilhas das Antilhas inglesas, onde os ex-escravos passaram a receber 
um salário monetário fixado pelo nível de subsistência que refletia as condições 
de vida destes enquanto escravos. 
• No segundo, a oferta de terra é totalmente elástica, provocando enormes 
modificações na estrutura de produção, redução no grau de utilização dos 
fatores e na rentabilidade do sistema, com os ex-escravos abandonando 
as antigas plantações e passando a dedicarem-se à agricultura de 
subsistência. Ou, ainda nesse cenário, os empresários ofertariam salários 
suficientemente altos para reter os antigos empresários como 
assalariados, ocasionando “uma redistribuição da renda em favor da mão 
de obra”. 
 
No Brasil, “a região açucareira aproximou-se mais do primeiro caso e a 
cafeeira mais do segundo”. Na região nordestina, na época da abolição, já havia se 
dado a ocupação praticamente total das terras de utilização agrícola mais fácil. Com 
efeito, os escravos que eram liberados e saíam dos engenhos encontravam grandes 
dificuldades para sobreviver. Nas regiões urbanas já havia um excedente populacional 
que se tornara um problema social desde o começo do século. No interior a economia 
de subsistência já se expandira por onde fosse possível, se alastrando até às terras 
semi-áridas do agreste e da caatinga. Tais barreiras limitavam a mobilidade dos 
ex-escravos, que partiam de engenho para engenho, com apenas poucos tendo 
saído da região. Por isso, não foi difícil atrair e fixar os ex-escravos mediante um 
salário relativamente baixo. 
 
Tanto as inovações técnicas da indústria açucareira — sob o abrigo de 
“uma lei autorizando o governo imperial a dar garantia de juros a capitais estrangeiros 
 
invertidos na indústria açucareira até o montante de 3 milhões de libras” —, no último 
decênio antes da abolição, quanto a dificuldade de exportação — devido à 
libertação política de Cuba que possibilitou enormes vantagens ao comércio desta 
com os EUA — fizeram reduzir a procura por mão-de-obra. Assim, não houve 
modificações significativas na distribuição de renda ou sobre a utilização dos 
recursos com a contração da oferta, provocada pela abolição. 
 
Na região cafeeira, nas zonas que tinham por base o trabalho escravo — 
nas províncias que hoje constituem os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e, em 
pequena escala, em São Paulo —, houve rápida destruição da fertilidade das 
terras ocupadas na primeira expansão do café — nas regiões montanhosas 
erodíveis — e com “a possibilidade de utilização de terras a maior distância com 
a introdução da estrada de ferro”, tais zonas já se encontravam em situação 
desfavorável, para tal cultivo antes da abolição. Desta forma, se esperaria que 
ao proclamar-se a abolição, ocorresse migração de mão-de-obra em direção às 
novas regiões em rápida expansão, que podiam pagar salários mais altos. 
Porém, essa foi a mesma época do grande fluxo de imigração europeia para São 
Paulo. 
 
A despeito das “vantagens que apresentava o trabalhador europeu com 
respeito ao ex-escravo”, a situação destes foi muito mais favorável do que na 
região açucareira nordestina. A grande quantidade de terras permitia ao escravo 
poder viver de subsistência. A dispersão, no entanto, foi menor do que a 
esperada, provavelmente por motivos de caráter social. Devido a tais condições 
favoráveis aos ex-escravos, para reter a força de trabalho, foi necessário 
oferecer salários maiores. Desta forma, tudo indica que a abolição na regiãocafeeira provocou uma efetiva redistribuição de renda em favor da mão-de-obra. 
 
Porém, como o escravo normalmente não respondia a estímulos 
econômicos — ele via o trabalho como maldição e o ócio como bem inalcançável 
—, a elevação do salário acima de suas necessidades determinou uma 
preferência pelo ócio. Dessa forma, reduziu-se o grau de utilização da força de 
trabalho. 
 
Esse problema se deve aos aspectos sociais da forma de vida à qual o 
escravo estava submetido antes da abolição — sem o conceito enraizado de 
família ou acumulação de riqueza, acostumado a viver no nível de subsistência 
—, e acabará por provocar a sua segregação parcial, “retardando sua 
assimilação e entorpecendo o desenvolvimento econômico do país”. Assim, 
durante toda a primeira metade do século XX, os descendentes dos ex-escravos 
continuarão vivendo dentro de “seu limitado sistema de ‘necessidades', 
cabendo-lhe um papel puramente passivo nas transformações econômicas do 
país”. 
 
Abolida a escravidão, de um ponto de vista amplo, praticamente em 
nenhum lugar houve significativa mudança na forma de organização da 
 
produção e na distribuição de renda, alterando-se apenas o sistema regional de 
poder formado na época colonial e cuja perpetuação “constituía um fator de 
entorpecimento do desenvolvimento econômico do país”. 
 
CAPÍTULO XXV 
NÍVEL DE RENDA E RITMO DE CRESCIMENTO NA SEGUNDA METADE DO 
SÉCULO XIX 
 
Qual teria sido o aumento conjunto da renda gerada e o nível de 
crescimento no território brasileiro no correr desse meio século? E no âmbito 
regional? Quais as consequências deste crescimento? 
 
Em conjunto, a economia brasileira alcançou taxa alta de crescimento na 
segunda metade do século XIX, tendo como responsável o comércio exterior. 
Comparando-se os valores médios de 1791–1800 com os de 1841–50, nota-se um 
aumento de 214% nas exportações, acompanhado de uma elevação de 46% no preço 
dos produtos exportados e uma redução de 8% no preço dos produtos importados, 
ocasionando uma melhora de 58% na relação de preços do intercâmbio — 
significando um incremento de 396% na renda real gerada pelo setor exportador. 
Porém, esse desenvolvimento não alcançou todo o pais: sendo a economia 
cafeeira a principal responsável por esse desenvolvimento, a região onde se 
encontrava foi a mais beneficiada. Podemos denotar isto ao analisarmos os 
produtos de exportação mais expressivos no Nordeste: a quantidade de açúcar 
exportado cresceu apenas 33%, com queda de 11% no preço médio, e a de algodão, 
43%, com aumento de 32% no preço; e a renda real gerada conjuntamente, por esses 
dois produtos, aumentou somente 54% no mesmo período. 
 
Assim, no tocante à análise do comportamento da renda real, nessa época, 
convém dividir a economia brasileira em três setores principais: 
 
1. Economia açucareira e algodoeira (e a economia de subsistência a elas 
ligada — de forma cada vez mais fraca): 
Formado pela faixa que se estende do Maranhão até Sergipe — “exclui-se a 
Bahia pelo fato de que sua economia foi profundamente modificada durante essa 
etapa pelo advento do cacau” —, tal setor representava — em 1872 — ⅓ da população 
do país — chegando quase à metade desta se acrescentássemos a população 
baiana. Os dados indicam um aumento populacional anual, de 1872 a 1900, de 1,2%. 
Aplicando-se a mesma taxa para o período que estamos considerando (1851–1900), 
obtém-se um incremento demográfico de 80%, bem superior ao da renda real gerada 
pelo setor exportador (54%). Considerando-se que a região nordestina era 
composta por dois sistemas — litorâneo (exportador) e mediterrâneo 
(subsistência) — pode-se admitir que a população de ambos os sistemas cresceram 
com igual intensidade, e que com a queda substancial da renda per capita do 
sistema exportador, houve transferência da população litorânea para o setor de 
subsistência — cuja renda permaneceu estável —, causando uma queda na 
renda média da região, já que a subsistência era menos produtiva. Desta forma, 
 
para se evitar a queda da renda per capita, fazia-se necessário aumentar a 
produtividade da subsistência, o que é uma hipótese inadmissível — devido à já 
enorme “pressão demográfica sobre as terras agricolamente aproveitáveis da região” 
na época. Com isso, admite-se a queda da renda per capita deste setor, embora 
não seja possível quantificá-lo precisamente. 
 
2. Economia (principalmente) de subsistência do Sul: 
A produção de subsistência do sul foi indiretamente beneficiada pela 
expansão das exportações. Encontrando um mercado interno capaz de absorver 
seus excedentes, alguns setores desta economia conseguiram expandir a faixa 
monetária de suas atividades produtivas. No Paraná, por exemplo, a grande 
expansão da produção de erva-mate para exportação possibilitou aos colonos que se 
encontravam mais no interior aumentar significativamente sua renda dividindo “seu 
tempo entre a agricultura de subsistência e a extração de folhas de erva-mate”, já os 
colonos mais próximos do litoral aproveitaram a expansão do mercado urbano. No Rio 
Grande do Sul, o impulso dinâmico se deu através da pecuária, que passou a exportar 
sua produção para o mercado interno do país, reintegrando a pecuária riograndense 
na economia brasileira. Assim, a região das colônias se beneficiou diretamente — 
colocando alguns produtos de qualidade à venda, como vinhos e banha de porco — 
e indiretamente — com a expansão urbana do estado, possibilitada pelo aumento da 
produtividade de seu principal setor exportador. A região sulina teve um aumento 
anual populacional de 3%, com crescimento total de 332% no período analisado e, ao 
contrário da região nordestina, houve nesta um aumento significativo da renda per 
capita, promovido pelo aumento de produtividade econômica média da região. 
 
3. Economia Cafeeira: 
A região cafeeira era constituída pelo estados do Espírito Santo, Rio de 
Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Conjuntamente, sua população apresentou um 
crescimento anual de 2,2%, entre 1872 e 1900. Contudo, houve, nessa região, 
grandes movimentos demográficos internos — devido à transferência de mão-
de-obra de regiões de mais baixa produtividade, bem como da economia de 
subsistência (oposto ao ocorrido no Nordeste). Assim, enquanto a população do 
Rio de Janeiro e Minas Gerais — antigos produtores — se expande com relativa 
lentidão (taxa de 1,6%); a população do Espírito Santo e São Paulo — que se 
integram à produção cafeeira no último quarto do século — “apresenta a taxa 
extraordinariamente elevada de 3,6%”. A rápida expansão do mercado interno 
na economia cafeeira beneficiou a produtividade do setor de subsistência, 
concentrado principalmente em Minas Gerais. Levando-se em conta o aumento 
populacional e considerando-se que a renda real per capita conjunta da região não 
estaria crescendo com ritmo inferior ao do setor exportador — e sabendo que o volume 
de café exportado aumentou 341% e seus preços 91%, entre os anos 1840 e o 1900, 
de tal forma que a renda real gerada pela exportação do café crescia a uma taxa 
anual de 4,5% — “a taxa de aumento anual da renda real per capita seria de 
2,3%”. 
 
 
 
QUADRO SINTÉTICO: 
Setor Região 
Aumento 
Demográfico 
Anual 
Produtividade 
média da região 
Renda real per capita 
Economia 
açucareira e 
algodoeira (e a 
economia de 
subsistência a 
elas ligada) 
Nordeste, 
exceto 
Bahia 
1,2% 
Reduziu-se com a 
população partindo 
dos setores mais 
produtivos, no litoral, 
para a economia de 
subsistência, no 
interior. 
Caiu com o declínio 
dos setores 
exportadores e 
transferência da mão 
de obra para os 
setores de 
subsistência.Magnitude: - 0,6% a.a. 
Economia 
(principalmente) 
de subsistência do 
Sul 
Sul 3% 
Aumentou com o 
aumento da 
produtividade do 
setor de 
subsistência — que 
passou a exportar 
para outras regiões 
do país — e a venda 
de produtos de 
qualidade. 
Elevou-se com o 
aumento de 
produtividade 
econômica média da 
região. Magnitude: 
cerca de 1% a.a. 
Economia cafeeira Sudeste 
2,2% (1,6% 
em RJ e MG e 
3,6% em ES e 
SP) 
Aumentou com a 
expansão da 
exportação de café e 
crescimento da 
produtividade do 
setor de 
subsistência. 
Cresceu com o 
incremento da 
exportação cafeeira e 
aumento relativo da 
importância do setor 
de subsistência. A 
renda real gerada pela 
exportação de café 
aumentou 4,5% 
anualmente e a renda 
real conjunta da região 
elevou-se 2,3% ao 
ano. 
 
Duas regiões de importância econômica ficaram de fora desses três 
sistemas mencionados: 
• Bahia (com 13% da população brasileira em 1872) — Foi onde se iniciou a 
produção de cacau, para fins de exportação, na segunda metade do século 
XIX. Contudo, a importância desse produto, ao fim do século XIX, ainda 
era pequena, correspondendo a apenas 1,5% do valor das exportações do 
país 1890. Porém, outro produto tradicional da exportação baiana, o fumo, 
tinha sua importância aumentada no mesmo período, encontrando 
mercado crescente na Europa — o volume exportado cresceu 361% e os 
preços médios subiram 41% entre os anos quarenta e os noventa. 
Conjuntamente, o valor médio das exportações destes dois produtos 
exportações aumentou de 151 mil para 1.057.000 libras, no meio século 
referido — todavia sua exportação per capita foi inferior à nordestina. O 
desenvolvimento baiano foi entorpecido pela ação profunda de fatores 
similares aos que atuaram no Nordeste. Porém, mesmo com o fluxo 
imigratório — principalmente de emigrantes nordestinos — para a região 
cacaueira, a população baiana cresceu a uma taxa superior à do resto da 
região nordestina (1,5%), indicando “que sua renda real evoluiu menos 
desfavoravelmente”. 
 
• Amazônia (com 3% da população brasileira em 1872) — Ao final do século 
XIX, a borracha teve sua importância aumentada, com sua participação 
no valor total das exportações brasileiras passando de 0,4% para 15% nos 
anos noventa. Grande parte da renda gerada pela borracha não era 
revertida à região, e a parte que era revertida, era (principalmente) 
liquidada em importações. 
 
A grosso modo, podemos admitir que a região nordestina foi a única na 
qual houve uma diminuição da renda per capita (- 0,6% anualmente), muito 
embora a renda absoluta do setor exportador local tenha aumentado 54%. Na 
Bahia, devido ao equilibro de forças — entre expansão das exportações e 
crescimento demográfico —, a renda per capita foi mantida. No sul aumentou 
cerca de 1% ao ano e na região cafeeira, 2,3%. Quanto à Amazônia, é possível 
dizer que o crescimento absoluto da renda desta alcançou o dobro da 
intensidade da região cafeeira, embora não tenha sido revertida à região. Desta 
forma, a renda real brasileira, na segunda metade do século XIX, teria crescido 
3,5% ao ano, enquanto sua renda per capita cresceu a taxas anuais de 1,5% — 
superior à estadunidense no mesmo período, contudo os EUA mantiveram um 
ritmo de crescimento que vinha desde o último quarto do século XVIII, enquanto 
o Brasil iniciou esta etapa de crescimento “após ¾ de século de estagnação e 
provavelmente de retrocesso em sua renda per capita”. 
 
Partindo do pressuposto de que na metade do século XIX a renda per capita 
da população brasileira dificilmente alcançaria 50 dólares (de poder aquisitivo atual), 
com um incremento anual de 1,5%, “obtém-se uma renda da ordem de 106 dólares 
ao término do século”. Se aplicarmos “a mesma taxa à primeira metade do século XX, 
obtém-se para 1950 uma renda de 224 dólares, a qual se aproxima muito das 
estimativas existentes para esse ano”, indicando uma taxa de crescimento estável 
neste período. Se a economia não tivesse passado pelo referido período de 
estagnação, mantendo sua taxa de crescimento da renda per capita em 1,5% 
desde a metade do século XVIII, partindo dos 50 dólares chegar-se-ia, em 1950, 
a 500 dólares de renda per capita, “isto é, comparável à média dos países da 
Europa Ocidental, nesse ano”. Ou seja, o atraso relativo economia brasileira na 
etapa atual deve-se ao retrocesso ocorrido nos ¾ de século anteriores a 1850, 
quando este não conseguiu se reintegrar às “correntes em expansão do 
comércio mundial durante essa etapa de rápida transformação das estruturas 
econômicas dos países mais avançados”, tendo como resultado a criação de 
profundas diferenças entre seu sistema econômico e os daqueles países. 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO XXVI 
O FLUXO DE RENDA NA ECONOMIA DE TRABALHO ASSALARIADO 
 
Como se deu o fluxo de renda na economia de trabalho assalariado? 
 
O aumento da importância do setor assalariado foi o maior destaque da 
economia brasileira no último quarto do século XIX. Ao contrário da expansão anterior, 
feita através do setor escravista, a nova expansão tem lugar no setor que se baseia 
no trabalho assalariado. Esse sistema [assalariado] apresenta profundas diferenças 
em relação ao sistema de subsistência. Enquanto a economia de subsistência 
mantinha-se estável com uma implacável imutabilidade, quer no crescimento ou 
na decadência; o sistema assalariado apresenta dinâmica distinta. 
 
Em conjunto, a nova economia cafeeira baseada em trabalho assalariado 
apresenta semelhanças com a economia escravista: está dividida numa 
multiplicidade de unidades produtivas interligadas às correntes de comércio 
exterior. Porém, são profundas as diferenças. 
 
A renda bruta da unidade produtiva é dividida, a grosso modo, em dois 
grupos: a renda dos trabalhadores assalariados e a renda dos proprietários. 
Enquanto a maior parte da renda dos trabalhadores é investida em bens de 
consumo, os proprietários — “cujo nível de consumo é muito superior” — 
guardam parte de seus rendimentos a fim de aumentar o próprio capital. O 
crescimento da mão-de-obra assalariada propulsiona o crescimento das 
atividades econômicas ligadas aos bens de consumo vendidos à classe 
assalariada. Tal estava sujeito ao aumento do impulso externo — tornando 
possível a contratação de mais trabalhadores e o aquecimento do mercado de 
bens de consumo. Além disso, os gastos de consumo constituem a renda dos 
pequenos comerciantes, vendedores, etc., que por sua vez também a 
transformam em gastos de consumo. Dessa forma, a soma de todos esses 
gastos deverá exceder a renda monetária criada pela atividade exportadora. 
 
Supondo que haja um aumento do impulso externo, cresce a massa de salários 
pagos, aumentando a procura de artigos de consumo, cuja produção pode ser 
expandida com relativa facilidade — devido à existência de mão-de-obra e terras 
subutilizadas oriunda, principalmente, de regiões onde predomina a atividade 
de subsistência. Ou seja, um aumento do impulso externo causa, num setor 
econômico organizado à base de trabalho assalariado, uma melhor utilização de 
fatores já existentes no país. O aumento da produtividade — o efeito secundário — 
manifesta-se fora da unidade produtora-exportadora. Desta maneira, a massa de 
salários no setor de exportação vem a configurar o núcleo da economia de 
mercado interno. Contudo, ainda que a economia interna seja propiciada pelo 
impulso das exportações, a economia interna se encontra em condições de 
crescer mais aceleradamente do que a economia de exportação. 
 
 
O impulso externo de crescimento se dá, normalmente, sob forma de 
elevação nos preços dos produtos exportados

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