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A ERA DA DESORDEM E O FENÔMENO DA DESCODIFICAÇÃO Copia

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A ERA DA DESORDEM E O FENÔMENO DA DESCODIFICAÇÃO
Revista de Direito do Consumidor | vol. 68/2008 | p. 212 - 242 | Out - Dez / 2008
Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor | vol. 1 | p. 341 - 375 | Abr / 2011
DTR\2008\832
Ricardo Luis Lorenzetti
Professor das Universidades de Santa Fé e de Buenos Aires (Argentina). Presidente da
Corte Suprema de Justicia de la Nación (Argentina).
Área do Direito: Civil
Resumo: O artigo discute a realidade legislativa contemporânea, com a aproximação do
direito público e do direito privado e o surgimento de novas matérias objeto de
legislação. Com isso, surge o que se denomina era da "desordem" e a crise dos
paradigmas até então vigentes para o fenômeno legislativo. Tais circunstâncias desafiam
o modo como até então se realiza a atividade legislativa, a função e a eficácia da lei,
frente a realidades sociais e culturais de crescente complexidade. Com isso reconhece-se
o surgimento de uma crise da lei e do modo de produzir a lei, sintoma de uma crise de
todo o direito, exigindo-se uma redefinição da função da lei, dos Códigos e da
interpretação jurídica em uma sociedade complexa e multicultural.
Palavras-chave: Descodificação - Teoria da legislação - Interpretação jurídica
Abstract: The article discusses the contemporary legislative reality, with the
approximation of public and private law and the emergence of new matters subject to
legislation. With that, the so-called "disorder" era comes into existence, as well as the
crisis of the paradigms that thus far had been into force regarding the legislative
phenomenon. These circumstances challenge the way through which law-making takes
place, and the function and effectiveness of statutes before social and cultural scenarios
of increasing complexity. With this one recognizes the emergence of a crisis in law and
the way of drafting law, symptomatic to a crisis in law generally, requiring a redefinition
of the function of law, of Codes and statutory interpretation in a complex and
multicultural society.
Keywords: Decodification - Legal theory - Legal interpretation
Sumário:
1.Introdução: a era da ordem e da desordem - 2.O surgimento dos microssistemas -
3.Crise da noção jurídica de povo e cidadão - 4.O jurista militante de verdades parciais -
5.O desprestígio da lei - 6.A crise da parte geral do Código Civil - 7.A crise da
homogeneidade cultural - 8.A criação dos mercados de concorrência legislativa -
9.Diversificação do produto legislativo e incerteza - 10.As causalidades complexas - 11.A
interpretação jurídica hermética
1. Introdução: a era da ordem e da desordem
1.1 Direito público e privado: esferas comunicadas
Já houve uma "era da ordem" na qual o âmbito do direito público estava perfeitamente
diferenciado do que cabia ao direito privado, de tal modo que podia ser desenvolvida
uma dogmática baseada em ambas as esferas independentes. As fontes eram
autônomas e únicas: o direito público era tratado na Constituição, e o direito privado nos
Códigos Civil e Comercial. As esferas de ambos continham pressupostos claros,
princípios autônomos e auto-suficiência, de modo que não precisavam uma da outra.
Na atualidade existem evidências suficientes de certa desordem na fronteira entre
ambos, a qual se tornou móvel, em alguns casos confusa, e em numerosos temas,
permeada por problemas e princípios que estabelecem um novo sistema de comunicação
entre o público e o privado. A razão fundamental para que isso ocorra reside no fato de
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
Página 1
que houve mudanças nos pressupostos que deram origem à separação entre direito
público e direito privado, o que se pode constatar mediante o exame de seus conceitos
centrais:
Imperium e igualdade: um elemento essencial se baseia na premissa de que o Estado é
forte, está dotado de império, razão pela qual suas decisões são inatacáveis. Em sentido
contrário, no direito privado existem sujeitos em situação de paridade, que têm relações
horizontais. No entanto, atualmente ninguém desconhece que no plano privado existe
desigualdade entre os indivíduos, quem sabe muito mais intensas do que as que antes
existiriam com relação ao Estado. Por isso é que aparece com força cada vez maior, a
norma imperativa em direito privado, que se impõe aos particulares em assuntos
sensíveis ao interesse público. 2No campo da atividade pública internacional
encontramos um Estado que em muitos casos atua em paridade ou inferioridade em
relação a outros sujeitos, principalmente na economia globalizada. Nos assuntos
internos, o Estado aparece como um mediador de interesses setoriais contrapostos e as
soluções de que dispõe não são resultado do poder de império, senão do consenso.
Lei e contrato: outro elemento identifica a lei como característica do âmbito público, e o
contrato como próprio do âmbito privado. No entanto, as decisões públicas surgem de
negociações que se parecem muito a um contrato, e são analisadas mediante critérios
de base contratualista. O inverso ocorre na ordem privada, em que se observa o
incremento da regulação heterônoma de condutas com fundamento na ordem pública.
Justiça distributiva e justiça comutativa: é tradicional considerar-se que no âmbito
público predomina a justiça distributiva, para a adequada repartição de honras e
gravames, dando, a cada um, o que lhe corresponde, segundo situações objetivas como
o mérito e o trabalho. Enquanto isso, no direito privado predomina a justiça comutativa,
que regula o intercâmbio e propõe que o valor das coisas objeto de troca sejam
equivalentes. No entanto, é possível reconhecer que começa a ser percebido no direito
privado o efeito distributivo das normas jurídicas, e como isso aparece nas decisões. 3No
Corpus Iuris (Digesto, I, I, 1, 2) define-se o direito privado como quod singulorum
utilitatem, como o que diz respeito à utilidade do indivíduo. Hoje não é possível pensar
que o único critério de que se vale o direito privado é a utilidade do indivíduo.
Fontes autônomas: outro elemento distintivo tem sido a autonomia das fontes. No
direito público predomina a Constituição, enquanto o direito privado é regido pelos
Códigos Civil e Comercial. O direito privado na Constituição e o movimento dos direitos
humanos influenciaram de modo notável o estreitamento da relação entre ambos: a
maioria dos casos é solucionada a partir de referências constitucionais. O direito público,
de sua vez, tem incorporado elementos jusprivatistas, como ocorre com os serviços
públicos oferecidos aos consumidores, os contratos administrativos, a tipificação dos
delitos econômicos, entre outros. Este fenômeno revela um pluralismo de fontes muito
complexo, no qual se relacionam as fontes tradicionais do direito público e do direito
privado.
1.1.1 Situação atual do direito público
O direito público tem sofrido alterações importantíssimas, muitas delas vinculadas a um
diálogo permanente com a sociedade e com o direito privado, aos quais faremos menção
em distintas partes desta obra.
No âmbito da Constituição:
É possível observar que o estatuto do poder está mudando, no que diz respeito ao
controle das decisões das maiorias, a noção de democracia intermediária permanente,
que permite a atuação cidadã e contínua, assim como o aumento dos controles que
exerce o Poder Judiciário mediante a redução das questões que se afastem da
apreciação judicial. 4
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
Página 2
O estatuto do cidadão tem recebido o aporte dos direitos fundamentais, os quais
revolucionaram os textos constitucionais. 5
A interpretação constitucional e o sistema de fontes transformaram-se em tema de
primeira ordem. 6
A textura da norma constitucional está sendo reinterpretada tendo em vista o
multiculturalismo e a diversidade. 7
O direito administrativo está assistindo a uma mudança relevante em seu sistema de
fontes, devido à incorporação dos tratados de direitohumanos. 8Também se observa um
relacionamento cada vez mais estreito com as noções jusprivatistas, em temas como os
contratos administrativos, o emprego público e os serviços privatizados. É impossível
resumir todas as mudanças, mas os exemplos em questão são suficientes para adivertir
a natureza dos problemas enfrentados neste setor.
1.1.2 Descodificação do direito privado
Antes dos Códigos novecentistas, havia compilações que pretendiam reproduzir o direito
sem pretender modificá-lo, mas apenas desenvolvê-lo e melhorá-lo em um continuum
histórico. As obras legislativas totalizadoras eram inventários de fatos determinados,
como a das Índias, ou uma seleção de textos escolhidos, como o Digesto, ou um espelho
do existente (Swabspiegel). Por outro lado, o Código não foi uma continuidade, senão
que fora concebido como uma ruptura. Pretendia criar uma nova regulação, substitutiva;
não compilava, senão ordenava baseando-se em uma racionalidade, 9tendo caráter
constituinte do direito privado.
A compilação gerava insegurança porque não se sabia se tal ou qual disposição estava
vigente. O Código era a segurança, já que se traduzia em uma seqüência temática
ordenada de artigos. A imutabilidade era uma das características essenciais, uma vez
que não se podia alterar uma parte sem modificar o todo. A legislação anterior era
indecifrável pelo cidadão. O Código desenhou-se como espécie de Manual de Direito
porque, como dizia Andrés Bello, "poderá então andar na mão de todos, poderá ser
consultado por cada cidadão nos casos duvidosos, e servir de guia no desempenho de
suas obrigações". 10
Na compilação não havia uma norma fundante; os princípios deviam ser encontrados no
emaranhado legislativo. De outro modo, no Código, o modelo era dedutivo, 11gerando
uma ciência demonstrativa, baseada em axiomas, os quais havia de fazer evidentes no
caso concreto. O sistema descodificado, por outro lado, baseia-se em uma ordem
distinta, cronológica e casuística, onde se encontram os enunciados gerais e abstratos.
Na compilação, o intérprete tinha uma enorme tarefa e era o grande protagonista. O
Código, por outro lado, delimitou o espaço da interpretação jurídica, a qual se limitava
exclusivamente à lei, por meio da exegese.
O direito civil codificado era auto-suficiente, não necessitava de outros textos para
solucionar os litígios. Ao ter uma parte geral ordenada, exportava instituições e técnicas.
Assim sucedeu, por exemplo, com o conceito de negócio jurídico, que se pretendia
aplicável ao direito de família, ao direito do trabalho, ao direito administrativo, entre
outros. 12
De outro modo, a compilação era insular, estava afastada dos continentes. Ao contrário
do Código, importava conhecimentos e situações de outros territórios, também insulares.
Seu caráter quase portuário permitia perceber contatos com a economia, a medicina, a
arte de guerra, a tecnologia, incorporando seus interesses, regras e linguagens.
Destacadas essas diferenças, cabe questionar: qual é a situação atual?
Todos afirmaríamos, por um lado, que temos um Código Civil e, portanto, um direito
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
Página 3
codificado. Mas também poderíamos assumir aquela afirmação que fizera o Conde de
Carrabus (século XIX): "Recorri com espanto aquela massa imensa e coerente de
teocracia, republicanismo, despotismo militar, anarquia feudal, de erros antigos e
extravagâncias modernas, aquela massa de 36 mil leis com seus formidáveis
comentadores". 13
O volume atual de leis, decretos, tratados, supera toda a possibilidade de conhecimento
do cidadão comum. O Código já não abrange todas as situações, a legislação especial já
não é uma mera ratificação de axiomas codificados. Ao contrário, muitas vezes pretende
derrogá-los. É difícil estabelecer uma ordem, e mais ainda manter princípios irrefutáveis
de base racional.
A tarefa do intérprete tornou-se decisiva. Prova disto é o caráter de protagonista que se
reconhece ao juiz, assim como o esforço criativo da jurisprudência e da doutrina. A
linguagem jurídica contaminou-se de genética, economia, moral, tecnologia,
computação, mas é pouco o que exporta para o resto da sociedade.
Assistimos a uma era de descodificação? Examinaremos este problema com um critério
amplo, não reduzido à dogmática ou aos conflitos entre leis 14para preservar o fenômeno
em sua integralidade. O problema não abrange apenas a lei codificada, senão ao sistema
como tal, já que em todas as fontes verifica-se esta divisão em segmentos cada vez
mais específicos.
1.1.3 O big bang legislativo
O Código foi reflexo da criação do Estado nacional, e sua pretensão era ordenar as
condutas jurídico-privadas dos cidadãos de forma igualitária, de modo que uma só
norma fosse aplicável da mesma forma a todos os cidadãos nacionais ou estrangeiros 15
(art. 1.º do CC argentino).
O Código significou uma garantia de separação entre a sociedade civil e o Estado. Antes,
se uma questão não podia ser resolvida segundo as leis civis, recorria-se ao soberano.
Agora, ao contrário, resolve-se mediante leis análogas ou princípios gerais de direito
(art. 16 e sua nota, do Código Civil argentino). Finalmente, o Código foi a expressão de
uma ordem racional que propunha transcender todos os tempos e latitudes.
O direito civil atual não se baseia em uma só lei codificada, já que convive com muitas
leis para distintos setores de atividades e cidadãos. A igualdade legislativa é um sonho
esquecido, na medida em que as normas jurídicas são particularizadas e com efeitos
distributivos precisos. A idéia de ordenar a sociedade perde espaço com a decadência de
visões totalizadoras. O direito civil apresenta-se antes como uma estrutura defensiva do
cidadão e da coletividade do que como espécie de ordem social.
O Código, que divide sua vida com outros códigos, com microssistemas jurídicos, e com
subsistemas, perdeu sua centralidade, a qual se desloca progressivamente. 16As bases
axiomáticas para o raciocínio jurídico estão situadas em um sistema que vai além do
Código e que deve ser descoberto pelo intérprete mediante um processo de identificação
de fontes e de normas fundamentais.
A explosão produziu um fracionamento da ordem, similar ao planetário. Criaram-se
microssistemas jurídicos, que assim como os planetas, giram com autonomia própria,
sua vida é singular. O Código é o Sol, ilumina-os, colabora com sua vida, mas já não
pode incidir diretamente sobre eles.
Também se pode recordar a famosa descrição utilizada por Wittgenstein, 17aplicada ao
direito, pela qual o Código é o velho centro da cidade, a que foram se agregando novos
subúrbios, cada qual com seus próprios centros e características de bairro. Poucos são os
que se visitam uns aos outros. Ao centro, apenas se vai de vez em quando a contemplar
relíquias históricas.
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
Página 4
2. O surgimento dos microssistemas
O Código, concebido como totalidade, enfrenta o surgimento dos microssistemas,
caracterizados por normas com grande grau de autonomia, já que apresentam fontes
próprias, suas leis, regulamentos, interpretação, congressos científicos, com uma
especificidade que se acentua até constituirem-se como subsistemas regulados.
Em alguns casos trata-se de normas gerais que foram fracionadas gradualmente, até se
afastarem de modo tal que pareceram dividir-se, como ocorre com o direito da empresa,
do consumidor, ou inclusive a responsabilidade civil e dos contratos. Em outros, trata-se
de problemas novos que geram suas próprias regulações, que atravessam
transversalmente o sistema, como ocorre com a questão ambiental, ou com a atuação
jurídica no mundo digital.
O problema que apresentam é extremamente difícil em matéria de fontes, de
interpretação e de aplicação da lei, porque em muitos casos estes microssistemas
apartam-se do Código, criando suas próprias regras. Descreveremos alguns exemplos:2.1 Microssistema da empresa
Sem maior assombro, assistimos à desintegração do Código Comercial novecentista. As
matérias mais importantes estão reguladas em leis especiais, 18que não são aplicações
particularizadas da norma geral que se encontra no Código de Comércio, senão
verdadeiros estatutos especiais.
Por outro lado, quem é especialista em "direito bancário" seguramente deverá abster-se
de opinar sobre "direito da navegação" ou "aduaneiro". Cada especialidade vai
adquirindo sua própria dificuldade, e é quase uma ousadia falar em um direito comercial
totalizador.
Ademais, possui suas próprias fontes de criação normativa. O costume internacional é
determinante no momento da redação dos tratados, 19e por intermédio deles penetra
nos direitos internos, provocando fricções "culturais". 20O costume impõe-se também por
intermédio da atividade transnacional: um exemplo disso é como a atividade
internacional de resseguros impõe cláusulas às seguradoras nacionais e estas, de sua
vez, as transmitem aos consumidores internos.
No direito processual, da mesma forma, adquire-se autonomia. As controvérsias
interempresariais resolvem-se cada vez menos na justiça ordinária, e casa vez mais
mediante soluções alternativas, tais como a arbitragem, os contratos "imunizados", ou
as garantias à primeira demanda, ou "auto-liquidáveis". 21
O direito comercial tem seus próprios princípios, doutrinadores e congressos. Todavia,
sofre de um defeito de origem: foi pensado como um subsídio para a classe comerciante
mediante normas flexibilizadoras, e prescindido de qualquer consideração com a outra
parte, o consumidor.
O movimento consumerista, desde os anos 70, vem modificando a legislação comercial,
mediante a introdução de instituições de todo tipo, que afetam as disposições
tradicionais. São exemplos desse fenômeno, a venda ao público, pelo correio ou a
domicílio, assim como a prestação de serviços vem se modificando substancialmente.
Estamos na presença de um verdadeiro microssistema da empresa, que exibe seus
princípios, normas, fontes de criação, doutrina e jurisprudência particularizadas. Mais
adiante, quando tratarmos das instituições, desenvolveremos de modo mais amplo este
tema.
2.2 Microssistema de proteção do consumidor
O direito do consumidor tem demonstrado grande força expansiva e ninguém duvida de
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
Página 5
sua autonomia. Tem fonte constitucional, legislação especial, órgãos de aplicação cada
vez mais especializados, doutrina e princípios particulares. Possui assim, clara
autonomia, já que a base de sustentação do sistema é o princípio protetivo, com sede
constitucional, 22o que significa um estatuto protetivo das pessoas vulneráveis,
apartando-se assim da igualdade geral baseada na noção de "cidadão", que fundou o
nascimento dos Códigos Civis.
Esta aparição não mostra um direito especial que resulta uma adaptação de uma regra
geral, mas sim, pelo contrário, uma vasta produção de normas que adaptam, modificam,
criam, reformulam o existente, tanto no sistema de fontes como no de regras e
princípios.
Em matéria de fontes é necessário definir com claridade o sistema que adota cada país,
porque há relações intra-sistemáticas diferentes, a saber:
1. Naqueles casos em que a norma consumerista é prevista como uma lei especial de
exceção se aplica o Código Civil em todo o não regulado (Uruguai, 23Paraguai).
2. Em outros casos, as normas conformam um microssistema completamente autônomo,
com escassas relações (Brasil).
3. Em outros, a norma geral do direito comum é influenciada pelo direito do consumidor
que se incorpora ao Código Civil, com o qual a interpretação não se baseia na analogia,
mas sim na mudança de inspiração do próprio Código (Código alemão).
4. No caso da Argentina, a Lei 24.240 é uma lei especial de ordem pública, que muda
muitos aspectos do Código Civil, e por isso, a lei civil não é aplicável por analogia.
No campo das regras e princípios há claro afastamento entre o direito civil e o direito do
consumidor. O direito civil regula os contratos subsidiariamente, dando primazia à
liberdade, respeitando a autonomia privada, ajudando-a mediante o direito supletivo e
recortando-a por meio do ordenamento público imperativo. O direito do consumidor, de
natureza protetora, concede preeminência à igualdade; é intervencionista.
Da mesma forma, no direito civil as nulidades são expressas e conduzem à frustração do
negócio. No direito do consumidor há "nulidades virtuais", e pretendem a manutenção
do propósito prático perseguido pelos contratantes. Com o objetivo de resguardar a
liberdade e a autonomia, o direito civil protege o pactuado pelas partes. O direito do
consumidor, em busca da igualdade, exerce um controle das cláusulas, tanto na
incorporação como no conteúdo, cujo efeito é a ineficácia parcial por abusividade da
cláusula.
O direito civil desenhou o princípio dos efeitos relativos dos contratos. O direito do
consumo o destruiu, ao sugerir a imputação por danos ao fabricante, ao distribuidor, ao
atacadista, ao titular da marca, que não celebraram contrato algum com o consumidor,
como ocorre na Lei brasileira 8.078/1990 (LGL\1990\40) (Código de Defesa do
Consumidor). Assim mesmo, se concedem ações ao consumidor, ao usuário, aos
membros do grupo familiar, às associações de consumidores, que tampouco tem
vínculos convencionais prévios.
Ainda há de se referir que o direito civil estabelece que as partes são livres para negociar
e distanciar-se; protege a astúcia comercial ( dolus bônus), e só há responsabilidade em
casos excepcionais. No direito do consumidor há uma regulação do marketing, da
publicidade, das práticas comerciais pré-contratuais, o que introduz uma
responsabilidade pré-contratual muito acentuada. Por outro lado, o direito civil tende a
considerar que o afastamento abrupto das negociações prévias a um contrato é um
suposto da violação da boa-fé. O direito do consumidor, em contrapartida, facilita o
afastamento do consumidor mediante o exercício do direito de recesso.
Outro exemplo desta distinção entre o direito civil e do consumidor pode ser observado
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
Página 6
com relação aos efeitos do silêncio: no direito civil o silêncio pode significar aceitação
(art. 919 do CC argentino); no direito do consumidor normalmente acontece o contrário,
já que suas regras não permitem deduzir o consentimento tácito do consumidor,
exigindo-o que seja expresso.
A interpretação do negócio jurídico contratual no direito civil tenta desentranhar a
intenção comum; no direito do consumidor, em caso de dúvida, se interpreta a favor do
consumidor.
2.3 Danos: crise da unidade do ilícito
O direito de danos cresceu fora do Código, fundando-se na elaboração jurisprudencial e
nas leis especiais. Os escassos artigos que o Código Civil dedica à responsabilidade civil
não explicam a explosão de litígios, as obras doutrinárias, e os congressos sobre o tema.
Isto produziu uma crise da unidade do fenômeno ressarcitório.
Há consenso doutrinário no sentido de que a ilicitude é um fenômeno que responde a
uma unidade sistemática. Em virtude disso a antijuridicidade, imputabilidade, nexo
causal e dano são pressupostos aplicáveis nos casos que surgem no âmbito contratual,
aquiliano, público ou privado. Esta unidade se refere à independência da causa fonte do
crédito: qualquer que seja a causa, aplicam-se os mesmo princípios.
No entanto, os valores inerentes são distintos e cada vez mais fracionados. Ainda que
todos respondam aos princípios da responsabilidade aquiliana, não é possível equiparar
um acidente de trânsito a uma hipótese de responsabilidade pré-contratual, ou o dano
ecológico a uma situação que envolva a transmissão de enfermidades de pai para filho.
Por essa razão surge o direito estatutário na responsabilidade civil: os acidentes de
trabalho, os demineração, o Código Aeronáutico, os danos nucleares, os atos
discriminatórios, os acidentes de trânsito, os esportivos, o ressarcimento aos presos
durante o processo militar. Da mesma forma, pela via jurisprudencial criam-se normas
específicas aplicáveis em diferentes tipos de responsabilidade.
Por outro lado, cada subsistema tem a sua economia interna, e é por isso que há
pluralidade de sistemas compensatórios. Não é possível pensar que o tipo de
ressarcimento que se prevê para o fato do empregado de uma grande empresa seja o
mesmo aplicável à empregada doméstica de uma professora que sai para trabalhar.
Percebemos uma crise da "teoria geral da responsabilidade civil", a qual para manter a
vigência dos princípios conceituais largamente elaborados os vai dotando de uma
abstração cada vez maior para compreender situações heterodoxas, o que deteriora o
seu potencial explicativo.
Entendemos necessário empreender uma tarefa de "reconstrução" teórica da
responsabilidade por danos. 24Esta deve partir imprescindivelmente dos casos, das
responsabilidades especiais, para constatar quanta heterogeneidade há nelas. Feita esta
tarefa, deve ser construída a partir desses dados 25uma nova "teoria geral" capaz de
compreender os diversos subsistemas.
2.4 A questão ambiental como problema descodificante
A temática ambiental é um exemplo do surgimento das regulações jurídicas transversais
e descodificantes que vão gerando o seu próprio microssistema regulatório.
A questão ambiental é constitucional, pública e privada, abarca o direito administrativo e
o direito civil, tem reflexos importantíssimos no direito econômico, na propriedade, no
direito penal. Seus princípios não apontam para a adaptação, mas sim para a
modificação, adotando um caráter reestruturante do sistema.
Uma prova clara disso é a pretensão de assimilar a questão ambiental dentro da
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
Página 7
responsabilidade civil: a dificuldade de identificação do responsável da contaminação,
como a presença de casos de autores múltiplos, 26obscurece a legitimação passiva; o
regime da causalidade é farto e complexo, pelas repercussões mediatas dos problemas
ambientais; a antijuricidade inverte o princípio tradicional de licitude geral da atividade
empresarial. 27Mas, acima de tudo, o ambiente não é um ambiente monetarizável,
e,portanto, a responsabilidade civil é absolutamente secundária. Primeiro está a
prevenção, logo a recomposição, e finalmente o ressarcimento (art. 43 da Constituição
Nacional).
Trata-se de problemas que demandam instituições e ferramentas próprias. Confluem
neles o público e o privado, o penal e o civil, o administrativo e o processual,
mesclando-se em um coquetel inovador e herético.
2.5 O mundo digital e as categorias espaçotemporais
O surgimento da era digital suscitou a necessidade de repensar importantes aspectos
relativos à organização social, à democracia, à tecnologia, à privacidade, e à liberdade.
28O caráter aberto, interativo e global da Internet, somado aos baixos custos de
transação que apresenta como tecnologia, produzem um grande impacto em uma ampla
categoria de questões pertencentes à sociologia jurídica e, logo, na dogmática: a noção
de tempo, espaço, fronteira estatal, lugar, privacidade, bens públicos, e outros que
aparecem igualmente afetados.
O jurista suspeita que haja um terremoto que afeta o solo sobre o qual está parado: se a
norma se refere ao lugar ou ao tempo, e estas noções mudam, pode ser produzida
sensível desestruturação do direito. Existe um novo espaço: o cibernético (ciberespaço),
diferente do espaço físico, com uma arquitetura caracterizada por sua maleabilidade,
posto que qualquer um pode redefinir códigos e interagir neste espaço, 29o que o
converte em um objeto refratário às regras legais, as quais levam em conta tais
elementos para decidir numerosos aspectos jurídicos. Isto afeta categorias analíticas,
como a da original-cópia, leitor-autor, produtor-consumidor, porque é dito que ao mudar
o espaço mudam as qualificações, e o consumidor pode ser produtor. 30
É um espaço do anonimato, um não-lugar, 31pela despersonalização que apresenta,
onde o indivíduo ingressa sem que a sua história individual interesse, suas
características, e onde prolifera o simulacro das identidades. É um "não-lugar-global" no
sentido da sua transnacionalidade e atemporalidade, já que parece indiferente a história
e o futuro.
É um espaço com todas as características da pós-modernidade, e fraturado em múltiplos
territórios caracterizados pela diferença: clubes, grupos, subgrupos, reunidos em torno
de todo o tipo de interesses hiper-especializados; domínios, subdomínios, nacionais,
educativos ou comerciais. Parece, pois, não ter a característica essencial para se definir
como tal; na tradição se entende o espaço como "continente de todos os objetos
sensíveis que existem", 32mas no caso da Internet não há continente nem objetos
sensíveis. O espaço conhecido tem limites - o que em Roma foi essencial para
estabelecer uma taxionomia e inclusive um critério de interpretação 33- e que parece não
existir no espaço virtual. Nele não se reconhecem limites geográficos porque não há um
rio nem uma montanha, nem estatais, porque ignora os governos.
A segunda característica tampouco se dá porque não há um mundo empírico, mas
virtual, que inclusive é definido como um espaço do saber, onde o ser humano se
restringe ao cérebro, a um sistema cognitivo que entra em contato com outros cérebros,
configurando um espaço baseado em uma tecnologia intelectual, uma comunidade
pensante, e um mundo plural. 34
O tempo virtual, igualmente ao espaço, se separou das categorias comunitárias e
naturais que configuraram o tempo real. O dia e a noite definiram o tempo para o
trabalho e o descanso, mas agora se trabalha em lugares fechados diante de
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
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computadores, sem prestar atenção ao dia e à noite. Não interessa a natureza e
tampouco a comunidade; se antes havia horários reservados para determinadas
atividades, agora desapareceram: na família, por exemplo, um trabalha, outro se
diverte, outro passeia, outro compra, no mesmo horário, porque tudo pode ser feito a
qualquer tempo.
Da mesma forma, a "desterritorialização" se faz presente com todo o seu esplendor. O
Estado nacional está unido à nação do território onde exerce a sua jurisdição, e a
legislação estatal imperativa depende deste nexo. Se uma tecnologia permite entrar a
jurisdição estatal sem passar pelas barreiras estabelecidas para o espaço físico, estamos
com problemas: (a) os indivíduos podem contratar a venda ou o uso dos bens de forma
digital, da publicidade, transmitir mensagens de todo o tipo, ignorando o sistema jurídico
nacional aplicável ao território onde vivem; (b) podem violar o regime da importação ou
exportação, as aduanas, e os impostos, com a compra de bens digitalizados; 35não
existem o container nem a maleta, 36que são os elementos levados em conta para o
controle; (c) fenômenos vinculados ao consumo, como o download de livros eletrônicos,
serviços de viagens, turismo, intermediação financeira, bancários, software, consultoria,
educação, prestações de saúde, assessoramento imobiliário, podem estar fora do
controle do ordenamento público; (d) temas tão diversos como a proibição do jogo e da
pornografia, as barreiras de entrada ao mercado, passam a enfrentar sérios desafios
diante da penetração do meio eletrônico.
2.6 Criação de um direito ad hoc: produção autônoma de regras
Outro aspecto de interesse é a denominada "fuga do Direito". No âmbito internacional se
assiste aos "contratos imunizados", os quais prevêem mecanismos que neutralizam a via
judicial; diante do inadimplemento se colocam em ações garantias e não ações judiciais.
As garantias à primeira demanda e as arbitragens são mostras claras disso.
De outra parte, cabe observarcomo a empresa prescinde do direito sucessório, tal como
foi previsto pelo legislador novecentista para a família. O testamento e a sucessão
legítima são substituídos pela cessão de quotas societárias, a constituição de fundações,
as contas de poupança, entre outras soluções que escapam do sistema tradicional.
A criação de redes contratuais e de mecanismos de sanções, que condicionam e até
impedem a ação judicial, também são um dado claro deste fenômeno. O sistema
codificado funcionou com regras determinativas, de modo que os atores sociais só
podem fazer o que for combinado. 37
Nos fenômenos que ora descrevemos não se trata de meras combinações originais das
regras do direito, senão de uma "privatização" da regra jurídica que seleciona e elimina
as partes que lhes parece inconvenientes. 38Mediante estes mecanismos, as regras que
determinam condutas são desenhadas pelas partes ou por uma delas, pretendendo uma
espécie de privatização da produção de normas.
3. Crise da noção jurídica de povo e cidadão
3.1 Crise do Código como disciplina dos cidadãos
O Código Civil napoleônico é a "carta jurídica do cidadão comum". 39O "povo" tem uma
unidade normativa a partir do referencial da Constituição (Preâmbulo) e do Código (art.
1.º do CC argentino).
A noção de cidadão, de origem francesa, surge para suprimir desigualdades provenientes
da distinção entre a realeza e as classes inferiores. Esta noção abstrata serviu para
regular as relações privadas com uma perspectiva igualitária. O Código já não cumpre
essa função.
O cidadão quando compra é regulado por leis de consumo; se trabalha, por leis
trabalhistas; se comercia, pelas leis mercantis; se vincula-se ao Estado, pelo direito
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
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administrativo. Sua atividade é regulada em virtude de aspectos parciais: como
comprador, como contribuinte, como comerciante, como usuário, como trabalhador etc.,
em cada uma dessas atividades enfrenta leis especiais. A partir daí que se observa uma
utilização muito maior da legislação especial. 40
Isso leva a uma crise do conceito global e abstrato de "cidadão" e de "povo". Torna-se
difícil saber o que pensa a maioria e quais são os interesses do cidadão e do povo.
3.2 Uma lei para cada um
Há certo consenso de que existe uma crise das visões totalizadoras, e que o fenômeno
do multiculturalismo é inegável. No plano jurídico surgem interesses individuais que
entram em conflitos horizontais de grande complexidade, na medida em que fazem
explodir todo o texto unificador.
O legislador enfrenta problemas para manter o caráter "geral" que é próprio da lei, já
que em muitos temas sensíveis teria que fazer uma lei para cada um dos indivíduos que
postulam seus interesses. 41No plano setorial acontece algo similar: o problema das
denominadas "leis promocionais", que subsidiam alguma atividade específica, produziu
uma fragmentação de direitos e privilégios que por sua vez provoca novas pressões
setoriais para alcançar equiparação com o obtido por outro grupo ou superá-lo.
Essa lógica rompe o compromisso igualitário. 42
3.3 Crise do Código como disciplina dos cidadãos
A existência de interesses hiperespecializados e horizontais expõem conflitos nas quais
ambas as partes parecem ter razão. É evidente que existem interesses
hiperespecializados que entram em conflitos horizontais. Assim, por exemplo, o direito
que tem o jornal de informar versus a privacidade dos indivíduos; a retirada de
ocupantes ilegais que tem o "direito a uma moradia digna" versus o "direito de
propriedade" dos titulares do domínio; a ocupação das ruas como meio de protesto
versus o direito de transitar; o direito de greve versus o direito a um atendimento
hospitalar; a execução de hipotecas versus o direito à moradia.
Neles ambas as partes "parecem" ter razão. O que acontece é que a sociedade atual
apresenta um amplo debate sobre estes temas, mas o faz com uma linguagem própria,
extrajurídica. O debate midiático, naturalmente, não busca solucionar a diferença senão
promover informação e entretenimento, e por isso apresenta um cenário de posições
que giram ao decorrer do tempo sem prevalecer de modo definitivo. Isto faz parecer que
convence mais quem atua melhor, e não quem tem argumentos mais convincentes. A
necessidade de informar de modo urgente abrevia os argumentos, e para o interesse do
público acentuam-se os aspectos emotivos, de modo que para manter permanentemente
sua atenção obriga a consultar estatisticamente as opiniões.
Essa utilização de argumentos emotivos de efeito instantâneo, guiados por consultas
estatísticas, dá uma impressão de julgamento rápido e eficaz, a qual afeta seriamente a
imagem do Poder Judiciário. Neste cenário parece que o discurso jurídico é aquele que
deve provar a necessidade de evitar o julgamento sem provas, a inversão da presunção
de inocência, e a necessidade de respeitar o direito de defesa.
Também no processo judicial se observa o impacto de interesses deste tipo, já que, no
processo que os envolvem, são expostos argumentos contrapostos, mas não se chega a
uma verdade, senão a uma solução contemporizadora. O processo judicial deixa de ser a
averiguação da "verdade" para se transformar em uma "transação".
3.4 A feudalização do direito: a lei como conselho
É interessante observar a crescente debilidade do caráter geral da lei imperativa,
mediante a análise de dois fenômenos. O primeiro é o denominado retorno a uma nova
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
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Idade Média devido ao surgimento de "feudos" que se afastam do Estado nacional. 43
Quando existia o "Estado do bem-estar", sua função era redistribuir a riqueza e os
cidadãos queriam a vinculação porque dela obteriam algum beneficio.
A função do Estado no modelo atual parece que é repartir custos e adjudicar ônus. 44
Neste contexto, o comportamento dos indivíduos auto-suficientes é não se vincular ao
Estado: as classes altas e médias vivem em condomínios privados onde o município tem
pouco a fazer; a policia é substituída pela guarda contratada; a escola pública pela
privada; a saúde pública pela privada; o crédito estatal pelo empréstimo particular. Este
setor não necessita do Estado, e pretende suprimi-lo, porque está satisfeito sem a
necessidade da ação pública. 45O Estado o incomoda, lhe cobra impostos, lhe impõem
tributos, responsabilidades; razão pela qual, nesta visão há que reduzir-lo ao mínimo.
O segundo fenômeno é a lei como "conselho", representado por uma série de condutas
que partem da idéia de que as regras podem ser deixadas de lado ante os motivos
políticos circunstanciais, interesses de grupo ou meras urgências individuais. Existe a
curiosa e difundida noção de que toda lei é uma regra condicionada a sua adaptação às
características particulares de cada sujeito ou situação. 46A lei imperativa se transforma
em um mero conselho que pode ou não ser cumprida de acordo com as circunstâncias.
3.5 Como legislar sobre o que é diferente?
O Código significou uma abstração. A idéia de "cidadão" eliminava as singularidades para
tratar de um conceito único ao qual são aplicadas as conseqüências jurídicas. Em face à
heterogeneidade e a diferença, não temos conceitos similares, ou abrangentes. 47A
solução provisória, que vai se impondo, é deixar a cada um a decisão individual.
Admite-se progressivamente que o indivíduo possa decidir sobre a manutenção do seu
matrimônio, da sua gravidez, da sua vida, da tipologia genética dos seus filhos, da sua
religião.
4. O jurista militante de verdades parciais
A família se reduz, porque as pessoas têm outras vinculações. Os irmãos convivem mais
tempo com os amigos do que com eles próprios, os cônjuges convivem mais com os
colegas de trabalho do que entre si. A família civilista também se desagrega ao
multiplicar seu sistema de competências. É freqüente escutar um civilista que fale sobre
o dano genético,explanar amplamente sobre temas médico-genéticos; outro que trata
de temas empresariais, introduzir-se nos aspectos econômicos; a quem trate de
contratos eletrônicos, iniciar uma argumentação técnico-informática. O primeiro passo é
ter contato com outra ciência, talvez com pouca fluência, e ficar assombrado com a
quantidade de coisas novas que se aprendem e que podem ser aplicadas ao direito
privado; o segundo passo é se transformar em um "especialista", e reivindicar-se como
tal; o terceiro passo será promover o tema, organizar congressos, postular suas idéias
para que tenham recepção legislativa.
Os congressos deixam de ser um espaço de debate de idéias contrapostas; os que
possuem entendimentos divergentes organizam outro congresso. Desse modo busca-se
a homogeneidade em vez do disenso, de modo a sugerir conclusões e impacto na
communis opinio.
Os livros cumprem cada vez mais uma função de "difusão" e com este propósito se
reiteram textos, os discípulos escrevem o mesmo que os mestres; o fim é impor a tese.
A antítese e a dúvida perturbam. Assistimos ao réquiem da pesquisa básica; não se
discute nem se argumenta, salvo em raros cenáculos acadêmicos.
O jurista se converte em militante do microssistema. O direito civil, e os civilistas
tendem a perder imparcialidade, se transformam em difusores de verdades parciais. A
verdade que se expressa é subjetiva, particularizada. O jurista declina a sua
responsabilidade de regular a sociedade, encontrando-se dentro de um paradigma que
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
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lhe dê uma coerência tranqüilizadora, e luta contra outras concepções paradigmáticas.
Isso conduz à perda da pretensão de regular todo o sistema social, que era a finalidade
própria dos Códigos.
5. O desprestígio da lei
A lei é, durante muito tempo, a principal fonte formal de criação do direito, mas, na
atualidade, se fala do seu desprestígio. As razões para isso são as mais diversas.
5.1 A criação "snob"
Os 10 mandamentos foram apenas 10. Na atualidade não há nenhuma lei, por mínima
que seja a sua importância ou por irrelevante que seja o tema, que utilize esta
economia. A conseqüência é a sobre hipercomunicação.
Quando o indivíduo está hipercomunicado, hiperinformado, põe barreiras, limites,
seleciona e se move com um número de variáveis que pode manejar. Deste modo, quem
atua em um âmbito jurídico utiliza uma mínima parte do universo total, já que a outra
lhe resulta impossível de ser compreendida em sua totalidade.
Essa hiperespecialização acarreta um destaque maior ao que uma pessoa reconhece,
como se fosse o principal e o único. Esta conduta que em muitas áreas é eficiente, no
Direito pode não ser. O sistema jurídico é uma divisão de competências que tem ou
busca um equilíbrio entre as diferentes partes, que torne possível a convivência; a
hiperespecialização o desequilibra, conduzindo à ineficiência.
A solução não é informar mais, regular mais ou ditar mais leis, porque o seu efeito
diminui ao superar a linha de saturação. O correto é diferenciar através do
posicionamento hierárquico de normas.
Essa era a função do Código, como uma lei superior ou "sagrada". 48A proliferação de
leis é uma "dessacralização", já que, ao abundar, as normas adquirem um caráter
instrumental que as desvalorizam. Há uma dinâmica da criação contínua de leis e
instituições e um subseqüente deslizamento hierárquico. 49
Neste contexto a hermenêutica volta a cobrar um realce, quanto à construção do
sistema, identificando as normas fundantes, as derivadas, e a sua vinculação interna.
5.2 Lex mercatoria e "burocracia" internacional
Em relação à economia global, é dito que predomina o costume comercial ( lex
mercatoria), e é por isso que o Direito codificado permanece imutável, uma vez que já
não é a lei, senão o contrato, o instrumento mediante o qual se realiza a inovação
jurídica. 50 É conhecida a influência que tem os novos tipos contratuais de raiz
transnacional, como os contratos de leasing, franchising, trust ou fideicomisso, shopping
center, entre outros.
A isso deve ser agregada uma série importantíssima de normas ditadas pelo
funcionamento dos organismos internacionais, que passaram a ter uma gravitação
decisiva sobre os ordenamentos nacionais. Isso produz modelos de leis, como a "lei
modelo de Uncitral" em matéria de comércio eletrônico, ou as leis de proteção de
investimentos.
Essa penetração nos direitos nacionais produz tanto benefícios como grandes riscos e
problemas em relação à soberania nacional, assim como um Direito declarativo cada vez
mais distante da sua aplicação efetiva.
A lei não surge da prática social nacional, senão dos costumes e da burocracia
internacional, o que provoca tensões profundas no seio das sociedades. Em muitos casos
os cidadãos as aceitam, 51em outros as rechaçam claramente, 52e em muitos casos tem
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
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sucesso. Em definitivo, pode-se observar que a eficácia da lei depende exclusivamente
do consenso social que alcance 53e não da autoridade da qual emana.
5.3 O problema dos destinatários e as "tecnolinguagens"
É conhecida aquela proposição kelseniana relacionada ao fato de que as normas jurídicas
têm como destinatário imediato aqueles que são encarregados de aplicá-las. Em certo
momento recebeu a critica de Norberto Bobbio, sob o argumento que se torna muito
difícil pensar que um regulamento sobre a circulação rodoviária seja feito para os
guardas de tráfego, inclusive para os juízes, e não para os automobilistas. Este problema
está se acentuando.
A lei especial costuma incorporar uma linguagem própria do setor que regula, técnico,
uma "tecnolinguagem", 54que só entendem indivíduos preparados neste novo jargão
legislativo. Daí que a norma passa a se mostrar inalcançável para o cidadão.
5.4 Efeitos derrogatórios da lei especial
O pensamento codificado se baseia no silogismo: O Código é uma lei geral; a lei especial
e a sentença são uma especificação para casos concretos. A relação entre a lei geral e a
especial se baseia em que ambas dividem um mesmo pressuposto de fato, mas este é
recortado na segunda. O gênero e a espécie são o modelo hermenêutico.
Como já vimos, a lei especial pode conter princípios que não são aplicação, senão
derrogação da lei geral. Algo similar sucedeu com o direito jurisprudencial, no qual o juiz
costuma "criar" direito. De outra parte, as leis especiais esgotam per se o suposto de
fato, ao qual não se refere normalmente a lex generalis.
As leis promocionais, como temos visto, contêm disposições que são exceções para um
grupo de cidadãos. Se for apreciada de um modo geral, toda a norma tem efeitos
distributivos específicos: tal ocorre, por exemplo, com a responsabilidade limitada em
matéria societária, que constitui um subsídio ao risco empresário. De modo similar opera
o direito "protetivo", que consagra também normas de exceção.
Também há uma mutação que desarticula o esquema kelseniano acerca da norma
hipotética e a noção de sanção. Muitas leis excedem o esquema hipotético e não
prevêem conseqüências, mas sim finalidades. A regulação baseada em pressupostos de
fatos generalizáveis é parcialmente substituída por normas que atendem aos objetivos
gerais.
5.5 O Código como norma residual
O fato de contar com um Código permitiu que os juristas determinassem a esses
sistemas uma série de propriedades formais que nem sempre têm: precisão,
univocidade, coerência ou completude. 55Sua pretensão é ser auto-suficiente e exclusivo
(o art. 22 do CC argentino estabelece que o que não está referido nele não pode ter
força de lei no direito civil). Não é só uma norma de direito transitório, mas sugere
mesmo um princípio. 56As leis especiais são concebidas como prolongações do Código.
Esta idéia é a que mudou, conforme demonstramos. A palavra "código" deve ser escrita
com inicial em minúscula, quando é consideradauma lei, suscetível de sofrer tantas
modificações como os demais. A auto-suficiência se transfere à legislação especial. É
assinalado que a lei especial se transforma no Direito geral de uma instituição, e o
Direito geral é uma disciplina residual de casos não contemplados nas leis especiais. 57
6. A crise da parte geral do Código Civil
6.1 Da exportação de institutos à crise
A existência de um Código permitiu o desenho de princípios gerais e instituições que se
aplicam às relações privadas em geral. Seu campo de atuação não só se estende às leis
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
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análogas, como também a outras leis, inclusive fora do direito privado.
Observa-se que a parte geral e o direito das obrigações do direito civil constituem o
arcabouço essencial do direito privado. Deste modo o direito civil, por meio da parte
geral, exportou instituições e técnicas. Assim acontece com a pessoa, o negócio jurídico,
o contrato, a propriedade e a culpa.
Esse processo de exportação diminui até quase parar, e inclusive inverter-se, conforme
podemos identificar em alguns exemplos:
A. A noção de pessoa recebe o impacto da genética, que coloca em crise o que é
referente à concepção intra e extra-uterina; por sua vez cria o problema do status
jurídico do embrião e dos genes. 58Também a ciência médica tem feito tremer a idéia da
morte, com a possibilidade da manutenção da vida vegetativa e o conflito com a
liberdade de recusar esses tratamentos. As proposições da genética ou da medicina se
introduzem sub-repticiamente modificando as idéias ou expondo novos problemas.
B. Os direitos personalíssimos que constituem, talvez, o aspecto mais inovador da parte
geral, não são uma criação própria do direito privado. Surgem nos tratados e nas
constituições e a partir daí penetram nos códigos, condicionando-os e transformando-os.
59
C. A pessoa jurídica está em crise. 60A idéia tradicional de se constituir um fosso que
limite o risco empresário tem sido substituída pelas normas impositivas, a
responsabilidade societária, a responsabilidade pela manutenção de informação, as
normas trabalhistas, as regras sobre o Direito Internacional Privado em matéria de
nacionalidade. Desde esta perspectiva exógena é que passa a observar este instituto da
parte geral.
D. O negócio jurídico é questionado. Ora se pergunta: 61"Por que se está eclipsando a
categoria do negócio jurídico? Porque atualmente o problema não reside em construir
uma esfera de autonomia, contraposta à soberania do Estado (...)". A idéia de contrato
se mantém no direito político, mas não no sentido em que foi concebido no direito civil:
como limite à soberania estatal. Isso é assim porque o problema mudou de
coordenadas: é a "aliança planetária entre técnica e empresa" e a "intimidade privada".
A linha divisória em matéria de proteção está oferecida pelo direito do consumidor.
E. O contrato típico também revela pouca capacidade de sedução. 62Os modelos
contratuais que surgem da tipicidade estão em um ponto crítico. Seu uso diminuiu
consideravelmente e proliferaram as formas atípicas. No âmbito dos contratos
discricionários predominam os contratos atípicos; nos demais, os contratos de consumo.
Deste modo, o modelo de contrato típico, proposto pelo legislador, é pouco seguido
pelas partes. A maior parte das leis nesta matéria são respostas à atividade empresária,
antes do que um modelo jurídico efetivamente adotado pela atividade econômica. Este é
o caso da franquia comercial, sobre os contratos de distribuição, sobre o leasing, em
relação aos quais se propõe legislar em razão de existirem na realidade econômica com
perfis bastante nítidos.
F. A noção de direito subjetivo tal como foi entendida no século XIX também está sendo
alterada. O surgimento de grandes grupos de prejudicados está dando lugar aos
interesses individuais homogêneos; a aparição de bens coletivos tem provocado o
reconhecimento dos interesses difusos. Todas estas categorias são incorporadas desde
fora da parte geral, e, freqüentemente, por intermédio de leis especiais.
G. O patrimônio esta sendo concebido como uma emancipação do sujeito, como um
atributo da personalidade. É utilizada a expressão "concepção dinâmica de patrimônio"
63para assinalar a crise daquele conceito subjetivo. Na realidade, trata-se de um modo
tímido de assinalar que o patrimônio não tem relação alguma com a pessoa. No direito
romano foi um instrumento para aliviar a situação do devedor, permitindo superar a
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
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situação de submissão pessoal em favor da possibilidade de execução patrimonial. No
século XIX, o Código concebeu o cidadão como indivíduo distinto do Estado e lhe deu
atributos, entre os que se encontram o nome, a capacidade e o patrimônio. A função que
cumpre neste contexto é preservar o cidadão perante o Estado, daí por que é dito que
toda a pessoa tem um patrimônio e que o mesmo está submetido a sua vontade.
Atualmente esta sendo desvinculada da pessoa para ser um instrumento de atuação
econômica. Surgem assim os patrimônios separados, as sociedades unipessoais, os
patrimônios de afetação. O problema mais importante não é o sujeito, mas sim a
proteção dos terceiros. Para isso de pouco serve a noção de "atributo da pessoa".
6.2 Um simples intercâmbio ou importação teórica?
Poder-se-ia argumentar que as influências entre a parte geral do direito civil e o que
existe em seu entorno sempre existiram e que se trata de simples meras adaptações.
Provavelmente isso ocorra com freqüência, mas há aspectos centrais nos que não se
limitam a estas circunstâncias, já que o movimento pretende substituir os conceitos
jurídicos tradicionais por outros. Exemplo claro disso é a influência que exercem a
"bioética" ou a "análise econômica do Direito", ao sugerirem regras de conduta com
valor normativo, as quais são legitimadas pelo Direito, expressa ou implicitamente,
mediante módulos abertos.
7. A crise da homogeneidade cultural
7.1 A crise
O direito foi idealizado para ser aplicado a um Estado onde os seus habitantes tenham
raízes e ideais em comum, ou seja, uma base cultural homogênea. Na atualidade
existem sociedades multiculturais, nas quais resulta difícil afirmar o predomínio de um
grupo de pessoas que pensem do mesmo modo em todos os temas, o que faz com que
tanto a lei, quanto a decisão judicial se concentrem antes nos procedimentos do que nas
decisões substantivas.
Na Argentina o problema da diversidade foi exposto desde as suas origens, inclusive no
âmbito jurídico, já que no direito público houve uma forte influência anglo-saxônica,
enquanto que no direito privado obedeceu-se a uma larga construção baseada na
tradição européia. Esta convivência de culturas jurídicas bastante diferentes
transformou-se em um problema global, em vista dos fenômenos da imigração e do
multiculturalismo, passando a expor problemas altamente complexos de inter-relação
cultural.
7.2 A situação argentina. Common law e civil law
A corrente da common law partiu desde a mesma base do sistema, ou seja, na redação
da Carta Magna e a sua interpretação baseada na Constituição e nos precedentes da
Corte dos Estados Unidos. Esta opinião foi contundente em Gorostiaga 64e Sarmiento 65e
recepcionada na jurisprudência da Corte Suprema argentina daqueles anos, 66sendo
aplicada ao direito privado por uma forte corrente de pensamento ao longo de toda a
história do nosso país. O utilitarismo de Bentham foi um modelo para muitos juristas, 67
incluindo Manuel Belgrano 68e Vélez Sársfield, 69autor do Código Civil. Um bom exemplo
disso foi Pedro Somellera, primeiro titular da cátedra de direito civil na Universidade de
Buenos Aires, 70quem embasou o ensino do direito civil no princípio da utilidade.
Essa escola não se esgotou naqueles anos fundacionais, senão que perdurou ao longo do
tempo nos julgados da Corte Suprema de Justiça da Nação,a qual baseou suas decisões
em precedentes da Corte norte-americana em relação a importantes temas de direito
privado, 71bem como em numerosas obras relativas à disciplina.
A tradição do civil law também tem sido muito forte na Argentina, já que a grande
imigração européia que transformou o país, foi produzida quando já tínhamos a
Constituição e o Código Civil. Por esta razão a legislação de direito privado é de raiz
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
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européia. Assim, por exemplo, o direito trabalhista, o qual é obra dos juristas
imigrantes, tais como Deveali e Krotoschin, assim como a Lei 20.744 segue o direito
europeu. O direito comercial, de sua vez, é fundamentalmente de inspiração italiana,
enquanto o direito civil sempre teve uma importante influência espanhola e francesa.
Essa mistura continuou com os anos, o que dá causa a que se empreendam esforços
com o objetivo de compatibilizar instituições pensadas para funções diferentes. 72
7.3 A globalização e o multiculturalismo
O termo "globalização" do sistema jurídico se refere especificamente ao surgimento de
regras institucionais homogêneas que respondam ao funcionamento de uma sociedade
global como a que se observa na atualidade.
Existem numerosos avanços no campo dos direitos humanos, 73no direito ambiental,
bem como com a assinatura de numerosos tratados e no direito econômico. E é
indubitável que, cedo ou tarde, haverá unificação ou harmonização em uma grande
quantidade de blocos comerciais, 74e um forte consenso em relação a regras comuns, o
que implicará na necessidade de conciliar as diversas culturas. Esta tarefa não será
simples e uma boa mostra disso ocorre nos contratos, onde se nota a dificuldade de
conciliarem os preceitos do civil law e do common law. 75
Mas ao mesmo tempo há um forte surgimento do dissenso, da autonomia, de uma
identidade específica. Talvez o grande desafio deste novo modelo cultural seja tornar
possível construí-lo de modo a escutar todas as vozes e de implementar soluções de
equilíbrio.
O processo de globalização não elimina as particularidades nacionais, nem os blocos
culturais regionais. A exposição correta não é a rejeição total, ou a negativa de
considerar argumentos alheios. Este problema também existiu no século XIX, e Vélez
Sársfield o resolveu com praticidade e ecletismo, dignos de serem recordados: valeu-se
do Código Civil francês, de Aubry e Rau, de Demolombe, mas também de Blackstone.
Utilizou obras européias e estadunidenses, mas também recorreu aos latino-americanos
Teixeira de Freitas e Andrés Bello. Não teria subsistido sem essa mistura.
A América Latina, e principalmente a Argentina, é uma grande mescla cultural, e essa é
a sua vantagem comparativa em um mundo que recém esta experimentando uma
convivência de culturas que entre nós é praticada há muito tempo. Negar este fato seria
um erro; daí por que aceitar o ecletismo é o correto.
8. A criação dos mercados de concorrência legislativa
A atividade empresária se tornou transnacional e pode mobilizar-se de um país ao outro,
gerando riqueza, emprego ou, pelo contrário, pobreza e desemprego. Este fenômeno
introduz fortes pressões sobre os sistemas jurídicos nacionais que começam a competir
para atrair as empresas. Desde este ponto de vista metafórico poderia ser dito que
existem "mercados de concorrência legislativa".
Há custos que o legislador pode adjudicar: os danos ao meio ambiente, ao consumidor,
aos trabalhadores, aos outorgantes de créditos, entre outros. Pode fazer com que toda a
comunidade o suporte, como aconteceu há poucos anos, ou aplicá-los sobre a atividade
empresarial na medida em que pode difundi-los mais eficientemente. Mas as empresas
tendem a maximizar seus benefícios, e mudam-se para onde os custos sejam mais
baixos. Conseqüentemente, a livre circulação provocará fortes oscilações no mercado em
atenção às distintas regulações. As empresas produzirão onde a mão-de-obra ou os
serviços de energia elétrica sejam mais baratos, e venderão onde os controles sejam
mais permissivos. Esta forte oscilação tem dado causa a que alguns países tratem de
diminuir o nível de intensidade de suas exigências e regulações jurídicas. Não subscrever
tratados de proteção ambiental, não estabelecer uma lei de proteção ao consumidor, ou
ainda, regulamentar de modo difuso os acidentes de trabalho, são vistos como uma
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
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enorme aptidão para a atração de investimentos.
Esse fenômeno produz um efeito relevante nas legislações nacionais, principalmente nos
Códigos. Não se trata de que estes sejam derrogados, mas sim de que são simplesmente
ignorados em virtude da sanção de leis especiais que se adaptam à exigência de maior
flexibilidade. Isso passa a gerar uma tendência muito séria de diminuição do nível de
proteção legal.
Os países concorrem entre si para ver quem oferece a legislação mais atraente com o
objetivo de oferecer uma solução para seus problemas de desenvolvimento e
desemprego. Esta oscilação do sistema tem um ponto de auto-regulação. Os países que
observam a fuga de suas indústrias começam a exigir dos demais que atendam a um
padrão mínimo com relação aos direitos fundamentais e garantias.
A evolução dos direitos humanos, da defesa ao meio ambiente, das garantias ao
consumidor foi impulsionada a nível mundial. Isto se traduz em exigências específicas
acerca da qualidade dos produtos, da reparação dos danos causados, da ausência de
exploração trabalhista nas fábricas. Da mesma forma, outros acordos internacionais
como os de livre comércio, também estabelecem algumas regulações mínimas, da
mesma forma como os organismos multilaterais de crédito passam a fixar condições
para outorga dos mesmos.
Desse modo e por muitas vias se assiste a uma normativização dos direitos
fundamentais e de pautas mínimas de produção que estabelecem uma base para a
concorrência. E o desenho de um marco institucional global para a concorrência
econômica fará com que as vantagens competitivas das nações 76não se fundamentem
no desmantelamento dos direitos mínimos dos seus habitantes.
9. Diversificação do produto legislativo e incerteza
No âmbito econômico se assiste a um processo de segmentação que vai substituindo os
produtos "médios" por outros desenhados para grupos cada vez mais específicos, 77e
inclusive, em alguns casos, armados pelo próprio consumidor, 78com vista à melhora de
seus níveis de satisfação. O processo de criação legislativa tem alguma semelhança com
estes fenômenos, na medida em que as normas pensadas para um "grupo médio" são
substituídas por disposições cada vez mais especificas e ad hoc. No entanto, isso
aumenta o nível de satisfação do cidadão.
Um sistema de normas é um dicionário de ações, como um vocabulário é um código de
palavras. 79Atualmente vemos uma gramática confusa, com demasiadas regras de vários
níveis, pouco congruentes entre si, que vão deteriorando a sua capacidade de unificar as
ações. 80Do mesmo modo, se o autor de um mapa sobre uma região se propuser a
reproduzir todos os detalhes, terminaria fazendo uma obra tão extensa como a geografia
que tenta refletir e, portanto, absolutamente inútil para quem a quiser utilizar.
A proliferação produz insegurança e paralisia. Não se sabe exatamente qual lei está
vigente, como se solucionam os conflitos de leis, qual será a decisão final de intérprete,
porque a sua margem de discricionariedade é grande. Neste contexto, o princípio de que
o direito se presume conhecido começa a ser questionado. 81
10. As causalidades complexas
Os vínculos sociais se estabelecem sobre uma base territorial cada vez mais extensa, em
tempos cada vez mais intensos, com uma participação de milhares de sujeitos que
atuam entre si ao mesmo tempo, 82incrementando a complexidade. Tudo está
interconectado e os vínculos de causa e efeito se estabelecem em múltiplos níveis
difíceisde discernir, de maneira que uma perturbação, muito débil a princípio, é
suficiente para impor progressivamente um novo ritmo macroscópico. 83
Um bom exemplo literário é ministrado por Borges 84ao contar que "em 1517, o P.
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
Página 17
Bartolomé de las Casas teve muita pena dos índios que se exauriam nos laboriosos
infernos das minas de ouro das Antilhas, e propôs ao Imperador Carlos V a importação
de negros para que se exaurissem nos laboriosos infernos das minas de ouro das
Antilhas. A esta curiosa variação de um filantropo, devemos infinitos acontecimentos: os
blues de Handy, o êxito obtido em Paris pelo pintor doutor oriental Pedro Figari, a boa
prosa do também oriental D. Vicente Rossi, o tamanho mitológico de Abraham Lincoln,
os quinhentos milhões gastos em pensões militares, a estátua do imaginário Falucho, a
admissão do verbo linchar (...)".
Vê-se desse trecho que as categorias nas quais se baseou o exame da causalidade
variam, já não são simples, e requerem um exame mais abrangente. Este aspecto tem
uma particular importância na função judicial, já que é utilizada a causalidade simples,
próxima, bilateral, e a solução, a partir disto, pode ser ineficaz.
Veremos alguns destes aspectos ao examinar, mais adiante, as conseqüências públicas
do direito privado e o problema da metodologia para a análise conseqüencialista.
11. A interpretação jurídica hermética
Em um sistema tão aberto como o ora descrito, tudo é possível, qualquer argumentação
parece legítima, e resulta muito complexo encontrar critérios de validação do discurso. O
problema é que a atividade interpretativa sustenta-se tão-somente na subjetividade do
intérprete, 85e as referências ao texto são meramente instrumentais, para fundamentar
uma decisão que já foi tomada antes mesmo da sua leitura.
Essa interpretação "hermética" surge pela revelação de um princípio oculto, sem
nenhum limite. A partir de um determinado ponto de vista qualquer coisa tem relação de
analogia, continuidade e semelhança com qualquer outra. 86Percebe-se um excesso de
assombro, uma tolerância, um apressamento evidente na homologação de diferentes
relações. Esta navegação sem rotas produz uma saturação na qual tudo se anula; toda
afirmação é possível, tudo é discutível; argumenta-se sem chegar a uma verdade ou
sem convencer.
Essa interpretação é errônea para um especialista que respeite a metodologia, já que
não podem relacionar dados de um ordenamento com os de outro, e os indícios só são
válidos enquanto podem formar um sistema. A argumentação é sempre um jogo regrado
no qual os tópicos ou lugares comuns representam um papel similar ao dos axiomas
dentro do sistema formal. 87O que ocorria no passado é que havia um acervo cultural
comum que permitia a licença de não anunciar todas as premissas de um debate, porque
estas estavam implícitas e operavam como um cerco de legitimação. No entanto, se
impugnarmos as regras básicas, tudo será possível.
Mas a interpretação especializada e a "hermética" convivem e muitas vezes prevalece
esta última. Em numerosos debates é freqüente advertir que se estão relacionando
dados de ordenamentos distintos, buscam-se princípios ocultos, e é possível encontrar
algum método razoável.
Lamentavelmente, no Direito também existem não poucos casos de interpretação
hermética. 88Isso já foi objeto da advertência de muitos autores que alertam sobre o
"intuicionismo" dos juizes 89e a necessidade de respeitar uma dimensão de
concordância, já que não se pode convalidar qualquer interpretação. 90
É necessário reconstruir uma matriz estratégica que ordene a interpretação.
2. Os exemplos de normas imperativas são numerosos e fundados, em todos os campos,
tanto na direção econômica, na proteção dos indivíduos, quanto na coordenação das
ações privadas.
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
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3. Por exemplo, a imputação de responsabilidade civil baseia-se em critérios de
fracionamento e divisão de custos, claramente distributivos. Sobre conseqüencialismo,
veja-se a Terceira Parte, Capítulo III, e a Quarta Parte, Capítulo IV.
4. Ver Quarta Parte, Capítulo V. Da mesma forma: SESÍN, Domingo Juan. Administración
pública. Actividad reglada, discrecional y técnica. Nuevos mecanismos de control judicial.
2. ed. Buenos Aires: Lexis Nexis, 2004.
5. Sobre os direitos fundamentais, veja-se a Segunda Parte, Capítulo III, desta obra.
6. Sobre fontes, veja-se a Segunda Parte, Capítulo II.
7. MüLLER, Friederich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Trad.
Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 1998.
8. SALOMONI, Jorge. Acerca del fallo "Simon" de la Corte Suprema de Justicia de la
Nación. La Ley, 04.08.2005. De modo mais amplo, veja-se: GORDILLO, Augustín.
Tratado de derecho administrativo. Parte general. 8. ed. Buenos Aires: Fundación de
Derecho Administrativo, 2003. t. I.
9. WIEACKER, Franz. Historia del derecho privado de la edad moderna. Madrid: Aguilar,
1957, p. 197 e ss.; DÍEZ-PICAZO, Luis Maria. Codificación, descodificación y
recodificación. Anuario.de Derecho Civil.vol.45, n.2. Madrid: Boletín Oficial del Estado,
1992, p. 473 e ss.
10. BELLO, Andrés. Codificación del derecho civil. In: ______. Escritos jurídicos, políticos
y universitários. Valparaíso: Edeval, 1979, p. 59.
11. MASSINI, Carlos. La desintegración del pensar jurídico en la edad moderna. Buenos
Aires: Abeledo-Perrot, 1980.
12. Ampliamos em Tratado de los contratos. Parte general. 2. ed. Santa Fé:
Rubinzal-Culzoni, 2004; CAUMONT, Arturo; STIPANICIC, Emma. Aplicación del concepto
de poder normativo negocial fuera del área del Derecho Civil. De las obligaciones y de
los contratos. Anuario de Derecho Civil uruguayo. Montevideo: Fundación de Cultura
Universitaria, 2002, t. XXIII, p. 509, 1993.
13. CONDE DE CABARRUS, Cartas sobre os obstáculos que a naturaleza, la opinión y las
leyes oponen a la felicidade pública, Vitoria, 1808. Apud TAUANZOATEGUI, Victor. La
codificación en Argentina, faculdad de Derecho y Ciencias Sociales. Buenos Aires:
Instituto de História del Derecho "Ricardo Levenne", 1977.
14. Uma indagação deste tipo é realizada por: IRTI, Natalino. La edad de la
decodificación. Barcelona: Bosch, 1992. Mais amplamente em: FACHIN, Luiz Edson.
Transformações do direito civil contemporâneo. Diálogos sobre o direito civil. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000.
15. BUSNELLI, Francesco. El derecho civil entre o Código e las leyes especiales. Revista
General de Legislación y Jurisprudencia. Madrid: Reus, 1985
16. Sobre este tema em geral ver a obra de: HARVEY, David. " La condición de la
posmodernidad". Investigación sobre los orígenes del cambio cultural. Buenos Aires:
Amorrortu, 1998. O autor cita Yeats, que escreveu: "Las cosas se fragmentan; el centro
no sujeta; la pura anarquía recorre el mundo".
17. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigaciones filosóficas. Trad. A. Suares-Moulines.
Barcelona: Critica, 1988.
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18. Basta mencionar as leis de falência, sociedades, navegação, patentes, cooperativas,
transferência de tecnologia, inversões estrangeiras, competência, abastecimento,
lealdade comercial, títulos de valores, contrato de seguros, atividades financeiras,
bolsas, produtores e vendedores de seguros, compra e venda internacional,
instrumentos de medicação, casas de câmbio, transferência de fundos de comércio e
muitas outras.
19. Exemplo claro disso é a Convenção de Viena de 1980 sobre a compra e venda
internacional e os projetos de reforma do Código Civil desde 1987. Sobre este tema cf.:
GARRO, Alejandro y ZUPPI, Alberto, Compraventa internacional de mercaderías. Buenos
Aires: La Rocca, 1990. Ampliamos em Tratado de los contratos, 2. ed. Santa Fé:
Rubinzal-Culzoni, 2004, t. I.
20. Sobre a discussão cf.: TUNC, André. THE UNIFORM LAW ON THE INTERNATIONAL
SALE OF GOODS: A REPLY TOPROFESSOR NADELMANN. YALE LAW JOURNAL, 1964-65.
21. Sobre este tema ampliamos em Tratado de los contratos cit., 2000, t. III. Também
ver: KEMELMAJER DE CARLUCCI, Aída. Las garantias a primera demanda. Revista de
Derecho Privado y Comunitário 2/93. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 1993; ALEGRIA,
Hector. Las garantías "autoliquidables", Revista de Derecho Privado y Comunitario
2/149. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 1993.
22. Ampliamos em Consumidores. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2003. GRINOVER, Ada
Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 1993, p. 11. BENJAMIN, Antônio Herman V. Crimes de consumo no Código
de Defesa do Consumidor. Revista de direito do consumidor 3. São Paulo: Ed. RT,
set.-dez. 1992. Entre muitos ver: CAPPELLETTI, Mauro. Dimensiones de la justicia en el
mundo contemporâneo. México: Porrúa, 1993; ACOSTA ESTÉVEZ, José. La protección de
los consumidores en la Comunidad Europea. Barcelona: Prom. Y Publ. Univ., 1990;
STIGLITZ, Rubén. Cláusulas abusivas en el contrato de seguro. Buenos Aires:
Abeledo-Perrot, 1994.
23. A lei uruguaia (n. 17.189) diz: "Art. 1.º La presente ley es de orden público y tiene
por objeto regular las relaciones de consumo, incluídas las situaciones contempladas em
el inciso segundo del artículo 4.º de la presente ley. En todo lo no previsto em la
presente ley, será de aplicación lo dispuesto en el Código Civil".
24. Aprofundamos esses temas em El sistema de la responsabilidad civil: ¿una deuda de
responsabilidad, un crédito de indemnización o una relación jurídica? Revista La Ley. de
14.10.1993.
25. Realizamos uma tarefa desse tipo em Estudio sobre la nueva concepción normativa
del riesgo creado en el derecho argentino, Derecho de daños, em homenagem a Félix
Trigo Represas, dir. por Aída Kemelmajer de Carlucci, coord. por Carlos Parellada,
Buenos Aires: La Rocca, 1993, p. 339.
26. Exemplo: contaminação através de resíduos cloacais ou de automotores.
27. Nas atividades potencialmente arriscadas se deve demonstrar que não causará
impacto ambiental (estudos de impacto ambiental), o qual modifica o princípio da
inocência (se o tema for analisado nos termos da responsabilidade civil).
28. Ampliamos em Comercio electrónico. Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 2001.
29. Developments in the law of cyberspace. Harvard Law Review, vol. 112, n. 7, may
1999.
30. É afirmado, inclusive, que o consumidor é produtor porque inter-atua, "arma" o seu
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próprio produto digital. Sobre este debate ampliamos em Comercio electrónico cit.
31. AUGÉ, Marc. Los no lugares-espacios del anonimato, una antropologia de la
sobremodernidad. Barcelona: Gedisa, 1995, p. 36.
32. Definição da Real Academia Espanhola.
33. ECO, Umberto . Los límites de la interpretación. Barcelona: Lúmen, 1992.
34. LEVY, Pierre. Il virtuale, trad. Italiana. Milão: Rafaello Cortina, 1997, p. 9.
35. Por exemplo: quando é feito o download de um livro eletrônico, ou música, que foi
editada no estrangeiro, há muitas dificuldades para o controle.
36. GRECO, Marco Aurélio. Internet e direito. 2. ed. São Paulo: Dialéctica, 2000.
37. VON WRIGHT, G., Norma y acción. Madrid: Tecnos, 1970.
38. Basta observar como é deixado de lado o direito sucessório ou o de família na
atividade empresária; como se substituem as normas sobre contratos típicos; ou como é
fechada a via para o "devido processo legal", para ter uma idéia nítida do propósito.
39. IRTI. La edad... cit., p. 56.
40. Se uma empresa tem que celebrar um contrato, recorrerá pouco à teoria geral do
contrato do Código Civil, e muito mais as normas sobre impostos, responsabilidade civil,
seguros, quebra etc.
41. Isto é o que acontece, por exemplo, com o denominado "direito a recusar
tratamentos"; haveria de ser feita uma lei para as testemunhas de Jeová e tantas
outras. Do mesmo modo ocorre com o aborto, com a regulação da família, e muitos
outros. Sobre estes temas sensíveis e a dificuldade inerente a eles cf.: DWORKIN,
Ronald. LIFE'S DOMINION: AN ARGUMENT ABOUT ABORTION, EUTHANASIA, AND
INDIVIDUAL FREEDOM. New York: Knopf, 1993.
42. BARCELLONA, Pietro; CANTARO, Antonio. El Estado social entre crisis y
reestructuración. Derecho y Economia en el Estado Social. Madrid: Tecnos, 1988, p. 64.
43. ECO, Umberto; COLOMBO, Furio; ALBERIONI, Francesco; SACCO, Giuseppe. La
nueva Edad Media. Madrid: Alianza, 1984.
44. Um bom exemplo disso, no marco do direito privado, é a responsabilidade civil, cujo
crescimento se deve a uma retirada do Estado nestes campos.
45. GALBRAITH, John K. La cultura de la satisfacción. Buenos Aires: Emecé, 1992.
46. Existe um amplíssimo espectro que vai desde passar um semáforo no vermelho para
chegar rápido a um lugar, até deixar de lado normas jurídicas por razões de emergência.
A experiência do cidadão a respeito da lei faz com que considere a sua ambigüidade,
portanto, muitas vezes define o seu comportamento no sentido contrário à lei e até
poderiam ser descritos casos em que a lei é sancionada ante o pressuposto de que não
se cumprirá totalmente (por exemplo, a folga no setor de transporte que consiste no
trabalho sob regulamentação é justamente cumprir pontualmente uma lei, o que leva ao
caos). É provável que se todas as leis fossem cumpridas rigidamente, a sociedade não
poderia funcionar. A estrutura mental da ação está dissociada do entorno legal
(BATESON, Gregory. Una unidad sagrada. Pasos ulteriores hacia una ecología de la
mente. Barcelona: Gedisa, 2003).
A era da desordem e o fenômeno da descodificação
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47. Para esclarecer aos alunos podemos contar a seguinte história: problema similar
tiveram os animais da selva quando quiseram escolher a rainha da beleza: o leão disse
que devia ser escolhida aquela que tivesse a maior melena e o melhor rugido; a girafa
aquela que tivesse o pescoço mais alto; a zebra a que tivesse mais listras; o pássaro a
que soubesse voar mais alto. Não puderam chegar a um critério único e não houve
concurso.
48. IRTI, Natalino, La società civile. Elementi per un analisi di diritto privato. Milão:
Giuffrè, 1992.
49. RIPERT, Georges. La crisi del diritto. Padova: Cedam, 1963, p. 9; DE LOS MOZOS,
José Luis. Derecho civil, método, sistemas y categorias jurídicas. Madrid: Civitas, 1988.
50. GALGANO, Francesco. Diritto de economia alle soglie del nuovo millennio em
Contratto e impresa, n. 1, aprile 2000, Padova: Cedam, p. 190; RIVERA, Julio.
Globalización y derecho. Las fuentes del derecho de los contratos comerciales. La Ley,
21.11.2005.
51. Por exemplo, em matéria de direitos humanos, proteção ambiental, tutela do
consumidor, proteção de inversões.
52. As dificuldades de aprovação da Constituição Européia ou o afastamento por parte
da comunidade em relação aos acordos internacionais que importam a afetação dos
patrimônios ambientais são exemplos destas tensões.
53. KOLLER, Peter. Las teorías del contrato social como modelos de justificación de las
instituiciones políticas. In: KERN, Lucian; MULLER, Hans Peter. La justicia: ¿Discurso o
mercado? Los nuevos enfoques de la teoría contractualista. Barcelona: Gedisa, 1992;
IRTI. La edad... cit., p. 31.
54. IRTI. La edad... cit., p. 99.
55. NINO, Carlos. Introducción al análisis del derecho. Buenos Aires: Astrea, 1992, p.
44.
56. RIVERA, Julio. Instituiciones de derecho civil. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1992. t.
I, p. 227.
57. IRTI. La edad... cit., p. 33.
58. RIVERA. INSTITUICIONES... cit., t. I, p. 341.
59. CASTÁN TOBEñAS, José. Los derechos del hombre. 4. ed. Madrid: Réus, 1992, p.
118 e ss.
60. Sobre este tema cf.: DE CASTRO, Federico. La persona jurídica. Madrid: Civitas,
1991, p. 236; DE LOS MOZOS. Derecho civil... cit., p. 243.
61. GALGANO, Francesco. El negocio jurídico. Trad. De Blasco Gascó y Prats Albentosa.
Valencia: Tirant lo Blanch, 1992. Prólogo. Ampliamos

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