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Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Jurídicas Departamento de Direito Disciplina: Ciência Política Professor: Rogério Silva Portanova Fichamento apresentado à disciplina de Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, para obtenção de nota parcial. ROUSSEAU, Jean-Jacques. 1762 – Do Contrato Social ou Princípios do direito político. Trad. de Pietro Nassetti. 3ª ed. São Paulo, Editora Martin Claret, 2010. Título Original: Du Contrat Social. p. 59 a 92. Do Contrato Social ou Princípios do direito político Livro III Capítulo I – Do governo em geral “[...] Há no corpo político os mesmos motores; nele se distinguem também a força e a vontade; esta sob o nome de poder legislativo, aquela sob o de poder executivo, e sem o concurso desses dois poderes nada se faz ou deve fazer na sociedade política.” (p. 59, § 3, l. 6). “E que é o governo? Um corpo intermédio, estabelecido entre os vassalos e o soberano, para a mútua correspondência deles, encarregado da execução das leis e de manutenção da liberdade, tanto civil como política.” (p. 60, § 1, l. 1). “[...] O governo recebe do soberano as ordens que ele dá ao povo; e para que o Estado esteja num bom equilíbrio, convém, tudo compensado, que haja igualdade entre o produto ou poder do governo tomado em si mesmo e o produto, ou poder dos cidadãos, que de um lado são soberanos e do outro, vassalos.” (p. 60, § 4, l. 4). “[...] segue-se que vários governos podem ser bons a diversos povos, e ao mesmo povo em épocas diferentes.” (p. 60-61, § 5, l. 9). “[...] Como então o vassalo fica sempre um, a relação do soberano cresce em razão do número dos cidadãos; donde se infere que, quanto mais se amplia um Estado, mais diminui a liberdade.” (p. 61, § 2, l. 10). “[...] quanto maior força deve o governo possuir para conter o povo, tanto maior deve também ter o soberano para comedir o governo. [...]” (p. 61, § 4, l. 3). “[...] que ele, numa palavra, esteja pronto sempre a sacrificar o governo ao povo, e não o povo ao governo.” (p. 62-63, § 5, l. 14). Capítulo II – Do princípio que constitui as diversas formas de governo “[...] quanto mais ele usa dessa força para com seus próprios membros, menos lhe sobra para a empregar em todo o povo; portanto, quanto mais numerosos são os magistrados, mais é débil o governo. [...]” (p. 63-64, § 4, l. 6). “[...] como o uso da força depende do grau da vontade, e a força absoluta do governo é invariável, logo é mais ativo o governo de um só.” (p. 64, § 4, l. 4). “[...] quanto mais se engrandece o Estado, mais se deve restringir o governo; de modo que o número dos chefes diminua em razão do aumento do povo.” (p. 65, § 2, l. 5). Capítulo III “O soberano pode confiar o governo a todo o povo, ou à maior parte dele, de modo que haja mais cidadãos magistrados que cidadãos simples particulares. Essa forma de governo se chama democracia. Ou pode restringir o governo nas mãos de um número pequeno, de modo que haja mais simples cidadãos que magistrados, forma que tem o nome de aristocracia. Ou pode ao fim concentrar todo o governo em um único magistrado, que aos outros todos outorga o poder; terceira forma e mais comum, chamada monarquia, ou governo real. (p. 65-66, § 5, l. 1). “[...] resulta dessas três formas combinadas uma multidão de formas mistas, cada uma das quais é multiplicável por todas as simples.” (p. 66, § 2, l. 3). “Em todos os tempos muito se discutiu da melhor forma de governo sem atentar que cada uma delas pode ser a melhor em certos casos, e noutros, a pior.” (p. 66, § 3, l. 1). Capítulo IV – Da democracia “Não é bom que execute as leis quem as faz, nem que o corpo do povo desvie sua atenção dos objetivos gerais para a pôr em objetos particulares. A coisa mais perigosa que há é a influência dos interesses privados nos negócios públicos, e é menor mal o abuso das leis pelo governo do que a corrupção do legislador, resultado infalível de alvos particulares. [...]” (p. 66-67, § 6, l. 1). “Rigorosamente nunca existiu verdadeira democracia, e nunca existirá. É contra a ordem natural que o grande número governe e seja o pequeno governado.” (p. 67, § 1, l. 1). “[...] não há governo tão sujeito às guerras civis e agitações intestinas como o democrático, ou popular, porque não há outro que tenda tão forte e incessantemente a mudar de forma [...]” (p. 67, § 5, l. 1). Capítulo V – Da aristocracia “Há pois três sortes de aristocracia: natural, eletiva, hereditária. A primeira só convém aos povos simples; a terceira é o pior de todos os governos; e o melhor é a segunda, a qual se chama propriamente aristocracia.” (p. 68, § 4, l. 1). “[...] a ordem mais natural, e melhor, é que os mais sábios governem a multidão, quando há certeza de que eles hão de governar em proveito dela, e não deles. [...]” (p. 69, § 1, l. 5). “[...] se essa forma admite certa desigualdade de fortuna, é só para que em geral a administração dos negócios públicos seja confiada a pessoas que lhe possam dar melhor todo o seu tempo. [...]” (p. 69, § 4, l. 1). Capítulo VI – Da monarquia “[...] poder reunido nas mãos de uma pessoa natural, de um homem real, que só tem direito de dispor dele segundo as leis; esse homem se chama rei ou monarca.” (p. 70, § 1, l. 3). “[...] Por mais que um orador político lhes pregue como a força do povo, sendo a sua, seu maior interesse, é que o povo seja florescente, numeroso e formidável, eles sabem muito bem que isso não é verdade; seu interesse pessoal é primeiramente que o povo seja fraco, miserável, e que nunca possa lhes resistir. [...]” (p. 70-71, § 4, l. 8). “O defeito essencial e inevitável que fará sempre o governo monárquico inferior ao republicano é que neste o voto só eleva quase sempre aos primeiros lugares homens esclarecidos e capazes, que os desempenhem com honra; ao passo que os empregados nas monarquias são comumente trapalhões e intrigantes sem talento: elevados a grandes postos, manifestam logo ao povo sua inaptidão. [...]” (p. 71, § 3, l. 1). “[...] Morto um rei, é necessário outro; as eleições deixam perigosos intervalos e são tormentosas; a não serem os cidadãos de um desinteresse e integridade incompatível com esse governo, delas se apossam a briga e a corrupção. [...]” (p. 72, § 2, l. 3). “[...] suporem sempre que o príncipe é o que deveria ser; munido com tal suposição, o governo real é com evidência preferível a qualquer outro, porque é incontestavelmente o mais forte, e, para ser também o melhor, falta só uma vontade de corpo mais conforme à vontade geral.” (p. 73, § 2, l. 5). Capítulo VII – Dos governos mistos “Falando propriamente, não há governo simples. É necessário que um chefe único tenha magistrados subalternos; é necessário que um governo popular tenha um chefe. [...]” (p. 74, § 2, l. 1). “[...] quando há mais relação entre o príncipe e o soberano que entre o povo e o príncipe, cumpre remediar esse defeito de proporção, dividindo o governo; porque então todas as suas partes não têm menos autoridade sobre os vassalos, e a sua divisão as torna todas juntas menos fortes contra o soberano.” (p. 74, § 4, l. 3). Capítulo VIII – Que toda forma de governo não é própria para qualquer país “Não sendo a liberdade fruto de todos os climas, não está ao alcance de todos os povos. [...]” (p. 75, § 1, l. 1). “Por outra parte, todos os governos não são da mesma natureza: uns são mais gastadores que outros, e as diferenças se fundam neste outro princípio, a saber que, quanto mais as contribuições públicas se apartam de sua origem, mais são onerosas. [...]” (p. 75, § 4, l. 1). “[...] a monarquia só convém às nações opulentas, a aristocracia aos Estados de medíocre riqueza e amplidão, a democracia aos Estados pobres e pequenos.” (p. 75-76, § 5, l. 4). Capítulo IX – Dos sinais de um bom governo “[...] Qual é o fim da sociedade política? A conservação e prosperidade de seus membros; e qual é o sinal mais seguro de que eles se conservam e prosperam? Seu númeroe população. [...]” (p. 79, § 3, l. 2). Capítulo X – Do abuso do governo e de sua tendência a degenerar “[...] como aqui não há outra vontade de corpo, que resistindo à do príncipe se equilibre com ela, deve acontecer, ou mais tarde ou mais cedo, que o príncipe subjugue ao fim o soberano e rompa o tratado social. [...]” (p. 80, § 1, l. 4). “De dois modos sobrevém a dissolução do Estado: primeiro, quando o príncipe cessa de o administrar segundo as leis, e usurpa o poder soberano [...]” (p. 82, § 1, l. 1). “Sucede o mesmo quando os membros do governo separadamente usurpam o poder, que só em corpo devem exercer; [...]” (p. 82, § 2, l. 1). Capítulo XI – Da morte do corpo político “[...] Se queremos formar estabelecimento duradouro, não cuidemos de o fazer eterno. [...]” (p. 83, § 1, l. 3). “[...] não depende dos homens o prolongar a sua vida, mas está em suas mãos prolongar a do Estado o quanto for possível, dando-lhe a melhor constituição que ele possa ter. O mais bem constituído acabará, porém, muito depois de outros, se imprevistos não o derrocarem prematuramente.” (p. 83, § 2, l. 5). “O Estado não subsiste pelas leis, mas sim pelo poder legislativo. A lei de ontem não obriga hoje, mas presume-se do silêncio o tácito consentimento [...]” (p. 83, § 4, l. 1). Capítulo XII – Como se mantêm a autoridade soberana “Não tendo o soberano outra força senão o poder legislativo, não pode obrar senão pelas leis; e não sendo essas senão atos autênticos da vontade geral, não poderia o soberano obrar a não ser estando o povo junto. [...]” (p. 84, § 1, l. 1). Capítulo XIII – Continuação “[...] primeiramente, a autoridade soberana é simples, e não a podeis dividir sem destruí-la. Em segundo lugar, uma cidade, não menos que uma nação, não pode ser legitimamente vassala de outra, porque a essência do corpo político está no concurso de obediência e liberdade, e as palavras vassalo e soberano são correlações idênticas, cuja ideia se reúne sob a única palavra cidadão.” (p. 85, § 3, l. 5). Capítulo XV – Dos deputados ou representantes “Tão logo o serviço público deixa de ser o principal desvelo dos cidadãos, que eles gostam mais de servir com a bolsa que pessoalmente, a república aproxima-se da ruína. [...]” (p. 86, § 3, l. 1). “Quanto mais bem constituído é o Estado, tanto mais os negócios públicos excedem os privados na mente dos cidadãos; até são muito poucos os negócios particulares, porque, a soma da felicidade comum fornecendo uma porção maior à felicidade de cada indivíduo, menos tem este de a buscar em ocupações particulares. [...]” (p. 87, § 1, l. 1). “A soberania não pode ser representada pela mesma razão por que não pode ser alienada; consiste ela essencialmente na vontade geral, e a vontade não se representa; ou ela é a mesma, ou outra, e nisso não há meio-termo; logo os deputados do povo não são, nem podem ser, representantes seus; [...]” (p. 87, § 3, l. 1). “[...] Não sendo a lei senão a mostra da vontade geral, é claro que no poder legislativo não pode o povo ser representado; mas pode, e deve sê-lo no poder executivo, que é somente a força aplicada à lei. [...]” (p. 88, § 2, l. 2). “[...] Seja como for, no momento em que um povo elege representantes, cessa de ser livre, cessa de existir.” (p. 89, § 1, l. 4). Capítulo XVI – A instituição do governo não é um contrato “[...] Se fosse possível que o soberano, considerado como tal, tivesse o poder executivo, o direito e o fato seriam confundidos de tal modo a não mais se saber o que é lei, nem o que não é, e o corpo político, assim desnaturado, cedo seria vítima da violência, contra a qual se instituíra.” (p. 89, § 4, l. 4). Capítulo XVII – Da instituição do governo “De que ideia cumpre revestir o ato que institui o governo? Noto já que esse ato é complexo, ou composto de outros dois, que são o estabelecimento da lei e a execução dela. [...]” (p. 90, § 4, l. 1). Capítulo XVIII – Meios para prevenir as usurpações do governo “Resulta desses estabelecimentos, confirmado o capítulo XVI, que o ato que institui o governo não é contrato, mas lei; [...]” (p. 91, § 4, l. 1). “É certo que essas mudanças são sempre danosas e que nunca se deve tocar no governo introduzido, a não ser que se oponha ele ao bem público [...]” (p. 91, § 6, l. 1). “As juntas periódicas de que já falei são capazes de prevenir ou espaçar esse infortúnio, principalmente se não é preciso convocação formal, porque as não poderá então o príncipe estorvar, sem abertamente infringir as leis e ser inimigo do Estado.” (p. 92, § 1, l. 1). Conclusão Para Rousseau o governo poderia ser comparado com uma lógica matemática. Assim, sempre que o povo aumenta de número, a liberdade de cada um individualmente diminui, pois sua força de opinião diminuirá. Então, para que os indivíduos não fiquem prejudicados, o governo deve aumentar sua força (no que diz respeito à garantir que a lei seja cumprida, ou seja à repressão), mas também deve aumentar a fiscalização ao sua própria gestão, para nunca sacrificar o povo ao governo. Em seu ponto de vista, também não é vantajoso para o Estado, nem para a vontade geral, que se tenham muitos magistrados (ou funcionários públicos) no exercício do governo, já que a força gasta para controlar os magistrados poderia estar sendo usada para satisfazer as necessidades do povo. Sendo assim, depreende-se que quanto menos pessoas no governo, mais ativo ele será. Rousseau defende a existência das três formas clássicas de governo: o governo de muitos (democracia), o governo de poucos (aristocracia) e o governo de um só (monarquia). Porém ele não considera que uma seja melhor que outra, nem rejeita a possibilidade da existência de governos mistos. Ele diz que a aplicabilidade de uma forma de governo depende do povo ao qual esse governo será aplicado, sendo impossível definir a qualidade dessas formas, já que existem vários tipos diferentes de povos. Rousseau diz que a democracia não é uma forma de governo confiável, e que é muito sujeita à guerras civis, já que segue a prerrogativa de que quanto mais magistrados um governo tem, mais instável esse governo é. A aristocracia pode ser natural (povos simples), eletiva (a melhor das formas aristocráticas) ou hereditária (a pior das formas aristocráticas). A aristocracia, para Rousseau é uma forma melhor de governo do que a democracia, porém ela não consegue admitir a igualdade entre as pessoas, já que os poucos que governassem seria a elite. Para Rousseau, a monarquia não é a melhor forma de governo visto que quando um só governa uma sociedade inteira, poderá não prevalecer a vontade geral, mas sim a vontade particular do soberano. Por fim, os governos mistos existem e não são tão maus e devem existir quando se faz necessário dividir os encargos para não prejudicar o povo em geral, apenas que para o autor, os modelos simples de governo são melhores. O que pode arruinar o governo, no ponto de vista do autor, é o fato de um governante colocar suas vontades particulares acima das vontades gerais do povo. Contudo, Rousseau assume que nenhuma forma de governo é eterna, e que todo governo, assim como o corpo humano, tem um fim. O que se pode fazer com relação a isso é tentar tornar o governo o mais duradouro possível, fazendo Constituições boas e preservando principalmente o poder legislativo, sem o qual o Estado não sobrevive. Rousseau também não acreditava que a eleição de representantes no poder legislativo, como os deputados, fosse correta, já que considerava tal ato consequência da preguiça ou desleixo do povo que o fazia. Para ele, a soberania (vontade do povo) não era representável, afinal trata-se da vontade geral, e esta é ou não é, objetivamente. A partir do momento em que um povo se deixa representar, ele deixa de ser livre e, portanto, deixa de existir.