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Andrea Kane ECOS NAS BRUMAS

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Andrea Kane – Ecos nas Brumas – Traduzido por Romance com Tema Sobrenatural : � HYPERLINK "http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=18008059" ��http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=18008059�
 
 Quando Trenton conhece Ariana, ignora que é irmã da Vanessa Caldwell, a mulher pela qual caiu em desgraça e teve que abandonar a Inglaterra. 
Vanessa morreu em estranhas circunstâncias, e seu irmão Baxter acusou ao Trenton de assassinato. Agora Trenton retornou, perdoado pela rainha Vitória, e deseja vingar-se. 
Ariana é o instrumento perfeito para apossar-se dos bens da família, e Trenton se casa com ela. Mas ante a doçura da Ariana, Trenton começa a esquecer o passado... até que um dia aparece o fantasma de Vanessa...
Ecos nas Brumas
Andréa Kane
1
Sussex, Inglaterra. Julho de 1873
Umas enormes asas brancas iluminaram o céu.
Sulcando as alturas, a coruja se remontou majestuosamente sobre seus domínios, tão régia em seu esplendor como o topo de uma montanha fendendo a noite. Ariana se inclinou enfeitiçada sobre o corrimão do balcão, apreciando na graça de seus movimentos o livre abandono de seu vôo. Esse mesmo verão já tinha divisado várias aves noturnas em suas deliciosas explorações, mas a seus dezoito anos Ariana nunca tinha visto uma com tal pureza de cor. Suas vistosas e suaves plumas, brancas como a neve, eram banhadas pelo tênue resplendor dourado que emitiam as dobre luzes de gás que anunciavam seu passo.
Um estalo de risadas proveniente do atestado salão de baile devolveu a Ariana à realidade da festa de compromisso. O devia ao Baxter, e ela mesma tinha estado divertindo-se muitíssimo durante toda a velada.
depois de tudo, estranha vez tinha a oportunidade de assistir a um baile tão importante, conversar com centenas de per
soa distinguidas e dançar até que seus pés logo que tocassem o chão. Era uma experiência fantástica, que entretanto empalidecia ao lado daquele impressionante espetáculo.
assim, quando a fantasmal chamada do ave atraiu sua atenção, todos outros pensamentos já se desvaneceram.
O ar ficou apressado na garganta da Ariana enquanto a magnífica ave se posava na nogueira que havia frente a ela, quase ao alcance de sua mão. O ave dirigiu seus chamejantes olhos de topázio para a Ariana, cativando-a com sua intensidade. A moça lhe devolveu o olhar, rezando para que a névoa da noite demorasse uns minutos mais sua descida e não ocultasse aquele inestimável tesouro da natureza.
Durante uns momentos a névoa obedeceu a silenciosa súplica da Ariana e permaneceu flutuando justo por cima da árvore. Ariana se atrasou, jurando-se a si mesmo que retornaria ao salão através das portas da terraço... ao cabo de um minuto.
Finalmente a névoa, impaciente, cobriu o vasto imóvel como um manto esbranquiçado. A coruja piscou uma vez e logo levantou sua esplêndida cabeça para contemplar o céu com solenidade. Com um grito ressonante, estendeu as asas e elevou o vôo.
-Espera! -exclamou Ariana, agarrando o ar com a mão como se esse gesto bastasse para fazê-la voltar. Por um instante, seguiu-a com a vista. Logo ficou em marcha.
Recolhendo-a larga saia de seu vestido de cetim malva, baixou apressadamente pela escada de caracol que conduzia aos jardins e correu em sua busca.
O sinuoso labirinto surgiu ante ela com sua infinidade de cuidados sebes que se estendiam até onde alcançava a vista. Chegou à entrada a tempo de ver o brilho do ave branca planejando por cima. Ariana, sem vacilar um instante, entrou correndo depois do ave.
Inundada na névoa, a coruja desapareceu em escassos segundos, deixando tão somente um grito como esteira. Sem desfalecer, Ariana avançou através dos tortuosos caminhos, decidida a encontrá-la.
Um quarto de hora mais tarde, deu-se conta de duas coisas: o ave se perdeu, e ela também.
Sombrio e ameaçador, o homem olhou fixamente através da imponente grade de ferro para a apenas visível mansão, com os olhos acesos pelo ódio e a alma avivada.
«Seis anos.»
Seis anos de exílio, de um ódio abrasador engendrado pelo crime cometido por outro; seis anos para planejar a vingança perfeita. Por fim tinha chegado a hora. dentro de muito pouco tempo, sua senhoria, Baxter Caldwell, o eminente visconde do Winsham, enfrentaria-se a seu destino, que não seria o que o bastardo esperava.
O homem se levou o puro aos lábios e o aspirou muito devagar, observando como as espirais de fumaça se formavam redemoinhos sobre sua cabeça e se desvaneciam na névoa.
Uma repentina explosão de vítores e aplausos audíveis inclusive a essa grande distancia rompeu o silêncio da noite.
«Um brinde, sem dúvida -deduziu o homem-. Pelo feliz casal.»
Elevou um copo imaginário como fingida comemoração. Sim, nesse mesmo instante o visconde celebrava triunfalmente o que se considerava o enlace da temporada: seu compromisso com a cativante Suzanne Covington. Caldwell estava a ponto de cumprir seu mais ansiado sonho; unir o antigo e respeitado sobrenome Caldwell com a tão solicitada riqueza dos Covington.
Um título para um império. Essa atroz perspectiva seria insustentável se o matrimônio chegasse a realizar-se.
Fazendo girar ociosamente seu charuto, o homem esboçou um sorriso malévolo ao imaginar o grande revôo que se armaria quando desse seu ultimato ao Covington e este aceitasse a única alternativa possível. Existiam motivações mais capitalistas que o desejo de afiançar a posição social, como por exemplo a chantagem.
assim, a ruptura do compromisso era um fato consumado. depois disso, a destruição do visconde e sua própria vingança não demorariam para produzir-se.
No interior da mansão, a música e o baile se reataram, e os ventanales se abriram de novo para deixar entrar o fragrante ar do mês de julho. Os longínquos compases de uma alegre valsa do Strauss saíam ao exterior e atravessavam os jardins até o outro lado da grade de ferro.
O homem ficou tenso, pois a imagem do Baxter Caldwell foi substituída imediatamente por outra ainda mais odiosa. O débil visconde, um parasita folgazão falto de princípios, não tinha nada que invejar à enganadora zorra de sua irmã, Vanessa.
As lembranças foram com violência a sua mente como fortes e atordoantes golpes.
Só o céu sabia a quantos homens ricos tinha manipulado aquele perfeito sorriso... a quantos tinha entregue seu corpo em troca da promessa de riquezas.
Com um rápido e feroz movimento da boneca, lançou o puro ao chão e o esmagou com o salto.
Deslizando-se por entre a grade, encaminhou-se para sua presa.
Por fim tinha chegado o momento de fazer justiça.
Ariana se retorceu as mãos em um gesto de impotência. A névoa, cada vez mais densa, tinha convertido o labirinto em uma prisão opaca. À preocupação se somava o sentimento de culpa. Seguro que nesses momentos Baxter já teria advertido sua ausência e sem dúvida estaria furioso. E era lógico, dado o motivo da celebração daquela noite. Teria que encontrar a saída.
A névoa tinha descendido, envolvendo os prodígios da noite em quentes e nebulosos véus que eclipsavam seu anterior regozijo e punham de manifesto a terrível realidade. Quando aprenderia a obedecer a sua cabeça e não a seu coração?
Aguçando o ouvido, tratou de escutar os sons do baile, a música e as risadas que a tinham acompanhado em seu passeio. Como resposta, tão somente ouviu o canto de algum que outro grilo e o doce gorjeio de um rouxinol.
Ariana reconheceu, franzindo o sobrecenho, que ignorava quanto se afastou. A propriedade dos Covington era enorme; o labirinto em que se encontrava se estendia sem fim. Ariana acelerou o passo e, tropeçando com cada pedra, caminhou pressurosa pelo atalho.
Cada sebe era igual ao seguinte e conduzia tão somente a outra parte do labirinto. Andando a provas por cada abertura do labirinto, Ariana procurava o caminho que a poria a salvo. Não o encontrava e nem sequer ouvia o mais leve murmúrio que lhe indicasse que a mansão se achava perto.
Os minutos passavam, e o pânico começavaa apoderar-se dela.
Iniciou uma cega carreira e, cavando as mãos junto a sua boca, dispôs-se a gritar, com a esperança de alertar a alguém de sua situação.
O grito não brotou.
Ao fazer Ariana um movimento impetuoso, a larga saia de seu vestido ficou capturada sob o sapato, e a jovem perdeu o equilíbrio e caiu ao chão. Pontadas de dor atravessaram seu tornozelo direito, que se dobrou sob seu peso.
Mordendo-os lábios para reprimir o pranto, Ariana esperou até que a agonia física se reduziu a um surdo palpitar.. Logo, tremente, recolheu-se a saia e se levantou com resolução, para desabar-se de novo sobre a erva quase com a mesma rapidez. Com muito cuidado se apalpou o tornozelo, o que provocou uma careta de dor em seu rosto. No melhor dos casos, o teria torcido gravemente. Resultava-lhe impossível andar.
Chiando os dentes, Ariana se repreendeu a si mesmo em silencio por não ter tido o bom julgamento de dizer a alguém aonde ia. Quando se tratava de abraçar o esplendor natureza, parecia incapaz de conservar um ápice de sentido comum, sucumbindo continuamente a uma voz interior temerária e caprichosa que dominava sua razão e a impulsionava a ceder, colocando-a indevidamente em alguma confusão.
Considerou a idéia de avançar engatinhando, mas a descartou por ridícula, pois as capas de anáguas que levava lhe impediriam de chegar muito longe. Tentou ficar em pé uma vez mais, mas se derrubou com um leve gemido de dor. Era inútil.
Olhou ao redor, consciente da escuridão e seu isolamento. O baile ainda estaria em pleno apogeu; quanto tempo passaria antes de que alguém saísse em sua busca?
Estremecida, decidiu realizar um novo intento. Elevando o rosto para os sinistros sebes, exclamou:
-Socorro!
Tão somente se escutou o eco de sua própria voz através da névoa.
Ele ouviu o grito.
Sobressaltado, deteve-se e esquadrinhou a esbranquiçada escuridão, tratando de averiguar de onde procedia aquele som. Não viu nada. Já quase acreditava que tinha sido produto de sua imaginação quando ouviu um novo grito.
-Socorro!
Não cabia dúvida de que era real. A voz pertencia a uma mulher, e era evidente que estava angustiada.
Franzindo o sobrecenho, dirigiu um breve olhar à mansão e considerou suas opções. depois de ter esperado tanto tempo, uns minutos mais careciam de importância.
Uma vez tomada a decisão, avançou entre a névoa.
Ariana se apartou uma úmida mecha castanha da frente, notando como seus pesados cachos de cabelo escapavam das forquilhas que os sujeitavam para cair sobre suas costas em uma massa murcha e despenteada.
Ninguém tinha respondido a sua chamada, o que significava que se encontrava mais longe do que pensava. Não podia ficar ali sentada para sempre, rezando para que a resgatassem. Possivelmente se conseguia levantar-se, poderia apoiar todo seu peso sobre o pé são e avançar saltitando. Mas em que direção? Não tinha nem idéia de onde se achava e tampouco podia permanecer em pé o tempo suficiente para descobri-lo. A dor de seu tornozelo era cada vez mais intenso, ao igual ao inchaço.
mordeu-se o lábio cheia de frustração. Embora fosse em vão, tentou-o uma vez mais:
-Auxílio!
Contendo a respiração, esperou. Não houve mais que silêncio. Tinha acreditado que não seria a única que se afastou da festa para passear pelos jardins, mas era evidente que se equivocou. Desanimada, baixou a cabeça.
De repente rangeu uma ramita, e Ariana elevou o olhar imediatamente.
-Ajuda! Por favor, me ajudem! -exclamou, profundamente aliviada para ouvir o suave mas claro ruído de umas pegadas.
-Siga falando -ordenou-lhe uma voz-. Guiarei-me pelo som.
-Estou dentro do labirinto -disse Ariana, desejando com todas suas forças que a névoa se dissipasse. Não tinha nem idéia de quem era seu salvador. Não reconhecia sua voz, mas a sentia inquietantemente perto. Desassossegada, perguntou-se que fazia aquele homem passeando sozinho por aquela zona tão isolada da propriedade. Imediatamente se deu conta de quão absurdo era esse pensamento; ela, que tinha deslocado depois de uma escorregadia coruja e se encontrava agora desesperadamente perdida em um labirinto, preocupava-se com os motivos que um estranho podia ter para vagar pelos jardins do Covington.
-Ouça-me? -perguntou a voz, esta vez mais perto.
-Sim! -Ariana se sentou mais erguida-. Sim, ouço-lhe!
Um instante depois os sebes se separaram, e entre eles apareceu uma figura muito alta.
-E agora? -Uma voz de barítono com um timbre profundo retumbou na noite.
Ariana tragou saliva.
-Ouço-lhe, e também o vejo. Estou sentada a uns dez passos a sua esquerda.
A escura silhueta vacilou e logo se dirigiu para a Ariana com largas e felinas pernadas. O homem se deteve tão perto dela que os fortes músculos de suas pernas quase roçavam o rosto da jovem. Ariana se moveu, o que causou uma forte dor em seu tornozelo. A moça fez uma careta, e de repente o medo se mesclou com a angústia física ao dar-se conta de sua precária situação. Estava sozinha, ferida, incapaz de defender-se em um isolado labirinto privado com um enorme e inquietante desconhecido. Pelo amor de Deus, em que confusão se colocou esta vez?
A névoa impedia a Ariana ver além das robustas pernas de seu salvador. Entretanto, percebia a força imponente de seu olhar. Instintivamente, Ariana remeteu a saia ao redor, desejando que aquele homem se identificasse ou manifestasse suas intenções. sentia-se vulnerável, indefesa e desconcertada. Sem dúvida já a tinha observado o suficiente. Então por que não dizia algo?
-Obrigado por ir a minha chamada -conseguiu articular Ariana com voz engañosamente tranqüila.
Os músculos daquelas pernas se esticaram, logo se flexionaram, e Ariana se encontrou olhando uns ardentes olhos azul cobalto e o rosto mais severo e assombrosamente atrativo que tinha visto em sua vida.
-Está ferida?
Muda, Ariana assentiu com a cabeça. -O que ocorreu?
Ariana se umedeceu os lábios, nervosa. Agachado tão perto dela, com uma expressão dura como uma rocha, seu salvador parecia ainda mais extraordinário.
-Vi a coruja mais impressionante do mundo -explicou a moça-. Suas plumas eram de um branco tão puro como a neve, e se movia com tanta elegância como um purasangre. -Animada com o tema, os olhos da Ariana cintilavam de alegria-. Então me chamou. É obvio, não pude evitar segui-la. Trouxe-me até este labirinto, perdi-me e me caí. Meu tornozelo... -De repente se interrompeu, consciente de que tinha estado divagando. Elevou o olhar através do véu da noite para examinar os enigmáticos rasgos daquele homem, que durante uns largos minutos permaneceu em silêncio, atravessando-a com o olhar.
-Acaso não sabe quão perigoso é para uma mulher formosa passear a meia noite, sozinha, por um lugar tão isolado como este? -perguntou por fim-. A névoa poderia engolir a uma criatura tão etérea como você... e não liberá-la jamais.
Ariana sentiu que lhe arrepiava o pêlo dos braços.
O estranho não disse nada mais, e seu descarado olhar abrasou a Ariana da cabeça até os pés, como se estivesse memorizando cada centímetro de seu corpo. Logo, sem prévio aviso, ele agarrou o bordo de seu vestido e o levantou.
Ariana ficou geada e retrocedeu imediatamente, gritando a causa da dor que ela mesma tinha provocado ao mover-se. A mão do desconhecido se deteve imediatamente, e devolveu a Ariana um pensativo olhar.
-Não tema, anjo da névoa -murmurou-. Não pretendo te fazer danifico. -Baixou a vista até a inflamação-. Torceste-te o tornozelo, e terá que curá-lo.
Ariana assentiu, sentindo-se estúpida. Isso era o que ela queria, não?, que a encontrassem e lhe oferecessem ajuda.
O homem inclinou a cabeça sobre a perna da jovem com a frente enrugada pela concentração. -me avise se te fizer mal.
Ariana assentiu de novo, lhe inspecionando com ingenuidade enquanto ele examinava o inchaço. Era assombrosa e temiblemente selvagem; alto e de largas costas. Seu cabelo negro emoldurava sua expressão séria e arrogante. Seus rasgos eram severamente masculinos:o nariz reta, lambam díbula quadrada e os lábios grossos. Suas sobrancelhas e pestanas, espessas e escuras, ressaltavam o resplandecente azul de seu olhar. Ariana supôs que eram as ásperas rugas junto a seus olhos as que lhe faziam parecer perigoso, como se fosse capaz de uma crueldade extrema se se sentia ameaçado.
Ariana se estremeceu.
-Dói-te? -Seu tom era brusco, mas seu tato delicado.
-Não -sussurrou Ariana, perplexa por haver-se esquecido completamente de sua ferida, que ele tinha estado examinando durante os últimos minutos-. Não me dói.
Um lento sorriso de cumplicidade se desenhou nos lábios do homem, e Ariana se surpreendeu ante a transformação que produziu nele; quando sorria, resultava encantador.
-O que ocorre, anjo da névoa? -inquiriu, tendendo a mão para lhe levantar o queixo-. Ainda me teme? -Com extrema suavidade, procurou o pulso de seu pescoço com o dedo polegar.
Ariana se estremeceu e negou com a cabeça. -Não. Não lhe temo.
-Então é a primeira.
A moça retrocedeu ante a severidade de seu tom, uma aspereza que rebatia a gentileza de suas mãos. Ariana se sentia confusa e era consciente da patente sensualidade da carícia do homem, que deixou um formigamento de prazer a seu passo. Mas ao fim e ao cabo, foi a ternura, tão evidente como não intencionada, a que tocou a fibra sensível no interior da Ariana e lhe infundiu o valor para continuar.
-Se outras lhe tiverem medo, deve-se tão somente a que não lhes obsequiou com seu sorriso -disse de repente.
O homem pareceu surpreso.
-Estamos longe da mansão? -perguntou Ariana, ansiosa, recordando, no inquietante silêncio, o tempo que fazia que se perdeu e quão zangado estaria Baxter.
A crueldade apareceu de novo no rosto de seu salvador, endurecendo sua expressão.
-Sim, afastaste-te o bastante. Levará-nos algum tempo retornar.
-Acredito que não posso andar.
-Nem o tente. -Era uma ordem, não uma sugestão. -Então como...?
Ariana nunca terminou aquela pergunta. Ele deslizou suas mãos por debaixo dela e se levantou, agarrando a Ariana em seus braços sem nenhum esforço.
A moça ofegou, agarrando-se a seus ombros e sentindo o forte muro de seu peito contra seu corpo. Uma vez mais, estava frente a aqueles incríveis e penetrantes olhos azuis capazes de inundar-se no mais profundo de seu ser.
-Segue sem estar assustada? -burlou-se brandamente; seu quente fôlego contra a: pele da Ariana.
As mãos da moça se relaxaram, e posou sua Palmas sobre os ombros do desconhecido.
-Sigo sem ter medo -replicou, assombrada ao compreender que era verdade. Por alguma razão, Ariana sabia que aquele homem não utilizaria seu enorme força contra ela.
Ele piscou, saciando-se daquele perfeito rosto tão próximo ao dele; o nariz insolente e arrebitado e a brilhante pele de alabastro; a suave e sensual boca, os imensos e inocentes olhos de um azul tão turquesa como o da baía do Osborne em pleno verão. Ariana confiava nele. Era um engano, mas nesse caso carecia de importância, pois ela não era o motivo pelo que tinha retornado aquela noite, de modo que nada mau lhe ocorreria.
O dano que tinha intenção de causar ia dirigido ao Baxter Caldwell.
Ariana sentiu a imperceptível pressão de seus braços escassos segundos antes de que o homem girasse sobre seus talões e entrasse na névoa, apertando-a contra seu peito.
-Não lhe conheço-disse Ariana bruscamente depois de uns instantes, desesperada-se por aliviar a tensão que crescia a cada passo em seu interior. Não estava preparada para uma situação tão difícil como essa; ela, que nunca tinha estado sozinha em companhia de um homem, e muito menos em seus braços.
A sombra de um sorriso foi o único sinal de que El Salvador da Ariana era consciente de seu desconforto e sua causa.
-Não, não me conhece -confirmou. -Vive no Sussex?
-Já não -respondeu, lacônico, e apertou sua mandíbula tão levemente que Ariana nunca o teria notado de não estar a escassos centímetros dele.
-Mas viveu aqui?
-Sim. Faz muito tempo. -Rodeou uma fileira de sebes, dirigindo brevemente seu penetrante olhar para o rosto curioso da Ariana-. Suspeito que não foi mais que uma menina quando me parti.
A moça inclinou a cabeça.
-Tão major é você?
Escuras lembranças desfilaram ante os olhos do homem.
-Ancião.
-É curioso -murmurou Ariana-. Tivesse jurado que não tinha mais de trinta anos.
-Tenho dois mais -corrigiu ele-. E toda uma vida.
De repente a Ariana lhe ocorreu que tão somente era um ano maior que Baxter. Era possível que fosse um velho amigo a quem ela alguma vez tinha conhecido?
-veio pelo do compromisso? Para assistir à festa?
Depois de uma áspera gargalhada, respondeu:
-Sim, certamente. -Saiu do labirinto e se encaminhou para a casa com grandes e decididos passos.
Ariana piscou quando a porta principal se abriu, pois as brilhantes luz da entrada feriram seus olhos depois de tanto tempo na escuridão.
-Senhorita, encontra-se bem? -O velho e ojeroso mordomo dos Covington passou ansiosamente o olhar da Ariana ao imponente homem que a sustentava.
-Estou bem -assegurou Ariana ao servente, esperando a que seu salvador a depositasse na cadeira mais próxima-. Obrigado A... -ruborizou-se ao dar-se conta de que tinha esquecido lhe perguntar seu nome. Disposta a retificar seu descuido, voltou a cara para ele, advertindo imediatamente por sua resolvida expressão que não tinha intenção de soltá-la. Pelo contrário, o homem começou a avançar de novo, conduzindo-a com determinação para o atestado salão de baile.
-O que está fazendo? -inquiriu Ariana, lutando para liberar-se dele.
-Devolvo-te à festa, querida -respondeu. Seus olhos brilhavam com uma emoção tão ameaçadora que Ariana sentiu um calafrio-. Eu também vou fazer meu aparicion.
-Não pode me levar aí dentro tão alegremente como se...
Um agudo grito atravessou o ar, e Ariana se viu acossada por uma multidão de caras pálidas e boquiabertas. -meu deus! -exclamou James Covington, somando-se ao chiado que sua mulher tinha deixado escapar.
Os convidados murmuraram, conmocionados. Ariana fechou os olhos, desejando que a tragasse a terra. O estranho parecia mais divertido que preocupado. -Onde está sua família, anjo da névoa? -sussurrou, estreitando-a-. Depositarei-te em seus braços.
Ariana lhe ignorou, abriu os olhos e se dirigiu ao senhor e a senhora Covington com tanta dignidade como foi capaz de emanar:
-Peço-lhes desculpas -começou a dizer com voz trêmula-. Não tinha intenção de fazer uma cena, mas me torci o tornozelo e este amável cavalheiro...
Um uivo de raiva estalou na estadia enquanto Baxter Caldwell se abria passo violentamente desde atrás com os olhos sedentos de sangue.
-Kingsley! Miserável filho de cadela! Deixa ami irmana no chão!
2
Kingsley?
A cabeça da Ariana começou a dar voltas e a cor desapareceu de seu rosto ao encontrar-se com o gélido olhar do homem que a tinha salvado. Kingsley? Trenton Kingsley? Não podia ser; Trenton Kingsley se partiu seis anos atrás, depois de...
Os lábios da Ariana tremeram. Não. Não podia haver-se atrevido a retornar, não depois de ter cometido aquele ato vil e monstruoso que tinha destroçado a sua família e trocado suas vidas para sempre. Um animal de sangue-frio, um assassino. E ela tinha permitido que a tocasse, que a abraçasse...
Horrorizada, Ariana lutou para liberar-se, golpeando o peito de granito do Trenton e lutando contra seu domínio opressor. O corpo do homem ficou rígido ao sentir como aqueles golpes chegavam até o fundo de sua alma. Em um ato reflito, o abraço se fez ainda mais forte, e seus dedos se afundaram ainda mais na suave pele daquela mulher, pressionando o delicado cetim de seu vestido. Suas pupilas se dilataram, e seu penetrante olhar azul percorreu as facções da Ariana, que confirmaram as palavras do Baxter.
Como era possível que não o tivesse advertido? Inclusive um parvo teria apreciado o parecido, que se evidenciava no formoso arco das sobrancelhas, nos altos e delicados maçãs do rosto, em suaexcepcional e assombrosa vitalidade. Sim, era uma Caldwell, igual a Vanessa.
De repente a cólera substituiu à surpresa e se refletiu em cada ruga da cara do Kingsley.
-Irmã? -murmurou.
Aquele sussurro mortífero fez que um calafrio percorresse o corpo da Ariana.
-Sim, maldito canalha! Irmã! -Baxter arrancou a Ariana dos braços do Trenton como se fosse um fardo e a deixou no chão sem nenhum cuidado.
Ariana proferiu um gemido de dor, enquanto seu tornozelo cedia sob seu peso.
-Ariana? meu deus, o que lhe tem feito? -Baxter agarrou a Ariana pelos cotovelos um instante antes de que se desmoronasse-. É que uma irmã não foi suficiente para ti?
Uma chama ameaçadora ardeu nos olhos do Trenton.
-Não lhe tenho feito nada, Caldwell. Ela caiu... só a trouxe de volta. Se tivesse sabido que era uma Caldwell o teria reconsiderado.
Ao observar a expressão angustiada da Ariana e seu aspecto desalinhado, a mente do Baxter trabalhou com rapidez, consciente de que uma pequena multidão se amontoou ao redor deles.
-Não sei por que escolheste esta noite para reaparecer, mas foste muito longe, Kingsley -proclamou em voz alta, enquanto um medo comprido tempo esquecido despertava de novo em seu interior. depois de seis anos no exílio, por que diabos tinha eleito o desprezível bastardo aquele momento para retornar?
Ignorando o frenético palpitar de suas têmporas, Baxter rodeou com o braço a cintura da Ariana. Com a mão livre, fez gestos a um fornido lacaio que permanecia de pé perto dali.
-Sim, senhor?
-Mostra a saída para marquês... OH, perdão, ao duque -corrigiu Baxter, mordaz. Continuando, dirigindo-se ao Trenton com os olhos cheios de ódio, acrescentou-: Espero que me perdoe, sua excelência. A última vez que nos vimos ainda não tinha adquirido o eminente título de duque do Broddington.
Trenton se desprendeu da mão do criado.
-Não vou a nenhum sítio. -Apertou as mandíbulas com decisão e se voltou para o James Covington-. Me permita que te sugira que me deixe falar, James. Seu banco custódia muito meu dinheiro como para que te arrisque a desatar minha cólera.
Depois de uma breve indecisão, Covington assentiu e o criado se retirou.
-Esta é a festa de compromisso de minha filha, Broddington -disse Covington secamente-; assim, por favor, dava o que tenha que dizer e parte.
-Precisamente isso pretendo fazer -replicou o duque, ignorando os murmúrios de assombro dos convidados-. Asseguro-te que detesto estar aqui mais do que vós aborrecem minha presença. -Entreabriu os olhos-. Mas não posso consentir que esta falsa celebração prossiga.
O frio estremeceu o coração do Baxter.
-Anula o compromisso, Covington. -A frase do Trenton era uma ordem inflexível, expressa com um tom carente de emoção e uma determinação mortal.
-Como? -perguntou Covington.
-Já me ouviste. -A tranqüila ordem do Trenton foi ouvida tão somente pelos interessados: os Covington e Caldwell. Os dois Caldwell, retificou Trenton em silêncio, sem permitir-se nenhuma fugaz olhar à pálida e despenteada beleza que se apoiava em seu irmão para guardar o equilíbrio e observava ao Trenton com um intenso medo que ele mesmo notava mas que se negava a reconhecer. Nada nem ninguém alteraria seus planos.
-Anuncia aos pressente que sua filha não pode casar-se com o Baxter Caldwell -disse.
-Não tem por que tolerar isto, James -interveio Baxter com voz afogada-. Ordenarei que lhe tirem daqui.
-E eu retirarei até minha última libra de seu banco e depositarei todo meu dinheiro na competência -ameaçou Trenton com suavidade, entrelaçando seu olhar com a do Covington-. Já falei com o Willinger... Está ansioso por receber meus milhões.
Covington umedeceu seus frios e secos lábios.
-Mas por que? por que? -perguntou. desconcertado. Seu banco tinha guardado a fortuna dos Kingsley durante décadas, desde que o anterior duque vivia. Richard Kingsley tinha sido não só um sócio, mas também também um amigo de confiança. O defunto duque tinha desenhado aquela mesma mansão, sem dúvida uma excepcional honra e um tributo a sua amizade, já que Richard raramente aplicava seu incomparável talento arquitetônico a outra coisa que não fosse seu amado Broddington.
James se enxugou o suor da frente, desejando que Richard estivesse vivo e controlasse a fortuna dos Kingsley. Mas não o estava. E enquanto seus dois filhos tinham herdado a riqueza de seu pai e seu talento para o desenho, era o major, Trenton, quem tinha adquirido a lúcida mente do Richard para os negócios, assim como seus dotes inatas para a arquitetura. Durante os últimos anos da vida do Richard, Trenton tinha desenhado magistralmente numerosas Iglesias e casas ao tempo que tomava as rédeas do Broddington de mãos de seu ancião pai e, nos últimos anos da vida do Richard, triplicava a enorme fortuna da família.
E cada libra dessa fortuna tinha sido depositada no banco do Covington, onde até então tinha permanecido.
James se encontrou com o olhar do Trenton, e em sua mente se amontoaram terríveis pergunta.
-por que quer que se rompa o compromisso? -inquino.
-Você sabe por que.
Covington fechou os olhos, recordando a horrível seqüencia de sucessos que precedeu ao exílio que o próprio Trenton se impôs no Spraystone, seu refúgio da ilha do Wight.
-passaram seis anos, Trenton.
-Sim. E consegui suportar cada um deles pensando tão somente neste momento. -Trenton não quis olhar ao Baxter, pois sabia que se o fazia, mataria-o-. Não quero te fazer danifico, James. Você não é mais que o veículo necessário para assegurar a queda do visconde. De fato, estou-te fazendo um favor. Este parasita não quer a sua filha, a não ser seu dinheiro. Não me importa se me crie ou não. Só tem que anular o compromisso, pois do contrário meu advogado ficará em contato contigo manhã para retirar meus recursos, até o último penique. Vale realmente a pena obter um título para o Suzanne em troca da ruína econômica?
-Maldito miserável! -Baxter se lançou para frente soltando a Ariana, que se aferrou ao braço do Covington para não cair.
Com um movimento rápido, Trenton agarrou ao Baxter pelo pescoço, elevando-o e apertando com tal força que seus nódulos ficaram brancos.
-Eu de ti me calaria, Caldwell -resmungou, ouvindo as exclamações de horror dos pressente-. Nada eu gostaria mais que te arrancar os membros um após o outro.
-Então faz-o! -vociferou Baxter-. Ao menos esta vez teríamos provas de seu crime.
Por um instante, Ariana acreditou que seu irmão havia dito suas últimas palavras. Logo, lentamente, Trenton lhe soltou e lhe separou de um empurrão como se se tratasse de uma horrível víbora.
-Não te darei essa satisfação -sussurrou. voltou-se para o Covington, quem se encolheu sob o olhar brutal do Trenton-. Sua resposta?
James tragou saliva, percebendo o tenso silêncio que reinava na sala. Apesar de que tinham tentado atuar com discrição, os três homens tinham dado um bom espetáculo aos curiosos convidados. Fizesse o que fizesse, seria observado pela multidão de pessoas -influentes congregadas no salão. Meditou sua decisão atentamente, tratando de não ouvir os profundos e dilaceradores soluços de sua preciosa Suzanne, que chorava nos braços de sua mãe. Embora a felicidade de sua filha o era tudo para ele, havia outras questões que Covington devia considerar; sua própria posição social, seu nível de vida, seu futuro em geral. Ao fim e ao cabo, não tinha eleccion.
-Muito bem, Kingsley. Acessarei a sua petição, mas só por respeito à memória de seu pai -apressou-se a acrescentar, sentindo como lhe atravessavam centenas de olhares reprobadoras-. Já tem sua resposta. Agora sal daqui antes de que ordene que lhe joguem.
Trenton assentiu com a cabeça.
-De acordo. -Lançou um olhar zombador ao Baxter, que estava pálido como a cera e tinha uma expressão aturdida-. Sugiro-te que te ocupe de sua irmã, Caldwell. -Pela primeira vez, permitiu que seu olhar se dirigisse a Ariana, observando seu vestido destroçado e suas bochechas umedecidas pelas lágrimas-. Torceu-seo tornozelo.
-Vá-se -sussurrou Ariana-. Por favor... vá-se. Trenton lhe dedicou uma fingido saudação militar, com expressão irada.
Não voltarei a incomodá-la, senhorita. -Girou sobre seus talões e partiu.
Ariana observou como se afastava, sentindo uma aguda dor que nada tinha que ver com o tornozelo. Era esse em realidade o compassivo estranho que tinha examinado a inflamação com tanta gentileza? Como podia ela haver-se equivocado tanto?
-James, não pretenderá de verdade... -disse Baxter. -Será melhor que você também te parta -o interrum
piou Covington-. Ocuparei-me dos convidados. Agarrando-se ao tenso e trêmulo antebraço de seu irmão, Ariana interveio:
-Por favor, Baxter. Já demos bastante que falar por uma noite. Por favor, vamos a casa.
Baxter cravou o olhar em sua irmã, sem vê-la. Logo se deu a volta bruscamente e abandonou a habitação com passo majestoso.
Ariana o observou assombrada, perguntando-se o que deveria fazer ela. A reação de seu irmão não a surpreendeu muito, pois era muito própria do Baxter. Não, seu dilema não nascia da angústia emocional, mas sim do simples pragmatismo; não se via capaz de chegar até a porta principal sem ajuda.
Inclinando-se com cautela, tentou apoiar o pé, mas a pressão que exerceu sobre o tornozelo lhe provocou um gemido.
-Acompanharei a sua carruagem, querida -ofereceu-se James Covington-. Vamos.
Ariana não tinha mais eleição que aceitar sua ajuda, embora não estava segura de que pudesse lhe perdoar por romper o compromisso do Baxter. Em silêncio, apoiou-se nele, permitindo que a acompanhasse até a carruagem dos Caldwell, onde Baxter estava sentado, abatido e meditabundo.
-OH, Ariana, deixei-te ali? -murmurou, lhe dirigindo um rápido olhar.
-Não importa -replicou sua irmã, deslizando-se até o assento e dando as graças ao Covington com uma inclinação de cabeça.
O homem se encolheu de ombros com impotência e fez um gesto ao condutor para que ficasse em marcha.
O caminho de volta a casa foi silencioso até a agonia.
-Baxter... erijo ela por fim.
-O que quer, Ariana?
-por que tornou depois de tantos anos?
-Para me destruir. por que se não? Matou a Vanessa, quase destroçou nossa família e agora tenta completar sua tarefa. -Baxter se recostou no assento, cobrindo-os olhos com um braço.
Ariana fez uma careta de dor. Desde que tinha doze anos, tinha ouvido a sinistra história de como Trenton Kingsley tinha seduzido a sua irmã maior. Cortejou-a com presentes e promessas, fazendo que acreditasse que lhes esperava um maravilhoso futuro juntos, até conseguir que Vanessa se apaixonasse perdidamente dele. E então... aterrorizou-a com seu estranho sentimento de posse e suas violentas ameaças, lhe arrebatando a risada e a alegria, e por último o desejo de viver, até obrigá-la a tirá-la vida; ou tirar-lhe ele mesmo.
As acusações nunca se provaram, e não se apresentaram cargos. Mas Baxter, a pesar do passado do tempo, estava convencido de que Trenton Kingsley era, sem lugar a dúvidas, um assassino.
Ariana alisou as dobras de seu enrugado vestido, desejando por enésima vez poder recordar mais detalhes dos meses prévios à morte da Vanessa. Possivelmente então seria capaz de discernir os fatos reais dos exageros nascidos da raiva e a dor. Mas como por aquela época só contava doze anos, estranha vez tinha sido a confidente de sua irmã maior. Para falar a verdade, ape-
nas viam. Enquanto Ariana estava ocupada aprendendo os nomes de todas as flores que povoavam os jardins do Winsham, Vanessa se achava sempre fora, rodeada por um redemoinho de ferventes admiradores que competiam por conseguir sua esquiva mão.
E quem podia lhes culpar? Aos vinte e dois anos de idade, Vanessa era uma jovem de uma extraordinária beleza, apaixonada pela vida e ansiosa por experimentá-lo tudo. Com inumeráveis acompanhantes ao seu dispor, a idéia de casar-se parecia estar muito longe de sua mente. Depois de morrer seus pais por causa de umas febres em 1858, Vanessa saboreou sua liberdade, obedecendo tão somente ao Baxter, três anos maior que ela e sempre indulgente com sua encantadora irmã.
assim, a pesar do profundo amor e admiração que Ariana tinha professado a Vanessa, suas lembranças eram escassas e vagas; fugazes beijos de boa noite no meio do roçar de vestidos e um persistente aroma de rosas. E um esfumado mas interminável fluir de ardentes e arrumados cavalheiros que visitavam sua casa.
Até que apareceu Trenton Kingsley. Vanessa, que tinha sussurrado aquele nomeie a Ariana, o qual significava que aquele pretendente era distinto, especial, saía misteriosamente cada noite para não retornar até o amanhecer. Ananás recordava ter ouvido discutir a Vanessa e Baxter pela primeira vez. Por isso ela pôde entender, Baxter se opunha com veemência ao novo acompanhante da Vanessa, e ela se sentia profundamente molesta pela intromissão do Baxter.
Ariana não recordava nada mais, exceto a comoção e a angústia daquele último dia de pesadelo e as cruéis acusações que lhe seguiram.
Mas embora não sabia com certeza o que tinha ocorrido a noite que morreu Vanessa, de uma coisa estava segura: ela nunca tinha visto o Trenton Kingsley antes dessa noite. O turbulento duque do Broddington, com seus gélidos olhos azuis e sua inquietante e selvagem sensualidade, era um homem ao que jamais tivesse podido esquecer.
Com um calafrio, Ariana recordou a penetrante intensidade de seu olhar, tão hipnótica como a da coruja branca, e o ódio que tinha cintilado em seus olhos quando se inteirou de que era uma Caldwell.
por que, em nome de Deus, aquele homem os odiava? Em qualquer caso, deveriam ser eles quem lhe odiasse...
O grunhido do Baxter interrompeu seus agitados pensamentos, arrancando a de sua meditação.
-Esse maldito louco conseguiu seu objetivo. Estou arruinado.
Ariana franziu o sobrecenho ante as melodramáticas palavras de seu irmão. Sabia que a causa de seu desespero não era seu amor pelo Suzanne Covington, já que a capacidade do Baxter para os sentimentos não era tão grande. Então a que se devia?
-por que tem que te arruinar a ruptura de seu compromisso? -perguntou.
-Porque sem o dinheiro do Suzanne estou virtualmente na miséria -respondeu com brutalidade-. E é óbvio que Kingsley sabia.
-Na miséria? -Ariana se ergueu em seu assento-. Mas o que tem que sua herança, de todo o dinheiro que papai e mamãe lhe deixaram?
Baxter se inclinou e olhou pelo guichê com semblante sombrio.
 -Faz já tempo que não fica nada.
A Ariana deu um tombo o coração. Sabia que Baxter tinha sido sempre muito esbanjador e que ultimamente jogava mais do normal. Entretanto, seus pais tinham legado ao Baxter uma fortuna considerável. Como podia havê-lo esbanjado tudo?
Multidão de palavras carregadas de ira se amontoaram na mente da Ariana e se precipitaram vertiginosamente para seus lábios, mas foram silenciadas com a mesma rapidez. Ao contemplar o tremor na tensa mandíbula de seu irmão, sentiu como sua cólera se desvanecia e uma quebra de onda de compaixão oprimia seu peito.
A vida não tinha sido fácil para o Baxter, e ela sabia. Aos dezesseis anos, viu-se obrigado a fazer-se carrego das propriedades e a fortuna dos Caldwell ao tempo que atuava como tutor de suas duas irmãs menores. Ariana logo que recordava a seus pais. além da Theresa, sua querida donzela, Baxter e Vanessa eram a única família que tinha conhecido de verdade. E apesar da impaciência e o ocasional desinteresse de seus irmãos, Ariana estava convencida de que tinham feito por ela quanto tinham podido.
Com aquela emotiva idéia na mente, tomou uma decision.
-Se sua herança se esfumou, podemos nos valer da minha -declarou Ariana com um sorriso alentador.
Se esperava alguma reação de gratidão ou regozijo, sua decepção foi absoluta.
-Já o tenho feito -murmurou Baxter sem atrever-se a olhá-la aos olhos-. A maior parte também desapareceu.
Um silêncio turbador invadiu a carruagem.
-gastaste o dinheiro que mamãe e papai me deixaram? Sem me perguntar, sem nemsequer mencioná-lo? Baxter lhe lançou um sombrio olhar. -Como se não ia manter a casa?
-Possivelmente com os recursos que dilapidou nas casas de jogo do James Street.
Baxter franziu o sobrecenho ante aquela amostra de desafio tão imprópria da Ariana.
-Eu não perdi seu dinheiro jogando, a não ser para tentar recuperá-lo.
Ariana abriu a boca mas decidiu não lhe replicar. O tom do Baxter a persuadiu de que seu irmão acreditava realmente que tinha atuado como devia. A jovem compreendeu que de nada serviria discutir.
-Como vamos viver? -perguntou.
Baxter apertou os punhos sobre os joelhos.
-Minhas bodas com o Suzanne teria solucionado todos nossos problemas, mas Kingsley destruiu deliberadamente essa possibilidade. -Permaneceu em silêncio, ao parecer concentrado no tecido de suas calças. Por fim levantou a cabeça para olhar a Ariana com serenidade-. Agora você é nossa única esperança.
-Eu? -disse Ariana com um suspiro, tratando ainda de assimilar a crua realidade de sua pobre situação econômica.
-Sim, você -repetiu Baxter com maior decisão-. Tem dezoito anos. É hora de que te case, de que eu escolha um marido adequado para ti.
Ariana se ergueu, julgando ao Baxter com severidade.
-Insinúas que tentará tender uma armadilha ao primeiro cavalheiro rico que encontre para depois me obrigar a que me case com ele?
-Eu não faria algo tão cruel, princesa. -Sua expressão se suavizou-. Entretanto, já não é uma menina. De fato... -Examinou-a com imparcialidade, dos despenteados cachos de cabelo castanhos até a prega do sujo vestido de noite. Um sorriso de assombro e satisfação se desenhou em seus lábios. Onde tinha estado ele aqueles últimos anos? Ante seus cegos olhos, sua irmã pequena tinha crescido para converter-se em uma encantadora beleza, o que nem sequer seu atual desalinho conseguia ocultar.
-Bom, bom -murmurou Baxter, movendo a cabeça-. Minha pequena larva se transformou em uma mariposa. É realmente formosa, Ariana.
-Não te rebaixe com falsas adulações, Baxter -replicou Ariana, insensível a suas palavras-. Sou consciente de que, como muito, sou uma garota do montão. -Seu tom era franco e carente de malícia-. Vanessa. era preciosa. Possivelmente me pareça um pouco a ela, mas não me considero formosa. -Ariana apertou os lábios e cruzou as mãos sobre seu regaço-. Terá que procurar outro método para conseguir minha cooperação.
-É certo que não te dá conta, verdade? -disse Baxter, entre risadas-. Muito bem, então não é mais que uma jovem de aspecto medíocre. Entretanto, é carinhosa e obediente; na maioria das ocasiões -acrescentou com mordacidade-, quando não te perde entre suas queridas flores ou persegue pássaros por aí. Mesmo assim, sua acostumada adaptabilidade nos proporcionará o incentivo para, como você diz, «tender uma armadilha» ao cavalheiro adequado.
-Adequado para quem?
-Para os dois, e também para o noivo. -Fez uma pausa para escolher cuidadosamente a tática de persuasão-. Você sabe que nunca te forçaria a que te casasse com alguém que você não goste, princesa. Mas estou seguro de que podemos encontrar a um cavalheiro que se acomode às necessidades dos dois e que de uma vez devolva a dignidade no nome de nossa família.
-OH, Baxter. -Ariana meneou a cabeça, desconcertada. Apesar de sua decisão de manter-se firme, a súplica de seu irmão e seu desespero a-habían comovido. Mas matrimônio? Não só não formava parte de seus planos imediatos, mas também nem sequer podia imaginar-se atada permanentemente a nenhum dos cavalheiros que conhecia. Ela desejava uma união nascida do amor, não a culminação de um acordo financeiro. Não; não podia ceder à petição do Baxter. Entretanto, como podia negar-se? Ele tinha renunciado a seus sonhos de juventude por ela. Acaso não lhe devia parte dos seus como recompensa?
Ariana se pressionou as têmporas, apanhada em um torvelinho de confusas emoções: dever, culpabilidade, remorso, rancor, resignação.
-De acordo, Baxter -disse com voz inexpressiva-. Considerarei sua proposição.
Baxter sorriu.
-Boa garota. -Pensativo, deu-se uns golpecitos na perna-. Nosso principal problema é que a temporada de Londres já quase terminou. Se tivesse previsto qual seria nossa situação, te teria apresentado oficialmente em sociedade para que conhecesse às pessoas adequa- . dá. -Baxter se encolheu de ombros-. Teremos que nos conformar com as festas privadas do próximo outono.
Ariana recostou a cabeça contra o suave almofadão da carruagem e fechou os olhos.
-Não se preocupe, princesa. Tudo sairá bem. -Baxter sentia vontades de assobiar detrás ter convencido a Ariana de que acatasse seus desejos.
-Não estou preocupada -negou Ariana, fracamente-. O que ocorre é que me dói muito o tornozelo.
Baxter baixou o olhar até a torcida machucado e sentiu remorsos ao dar-se conta de que tinha esquecido por completo a ferida de sua irmã.
-Já quase estamos em casa. Theresa te atenderá assim que cheguemos.
-Ariana abriu os olhos.
-Crie que voltará? -perguntou. -Quem?
-Trenton Kingsley.
De repente, o bom humor do Baxter desapareceu. -Não. Se estima em algo sua vida, não o fará. O medo se apoderou do coração da Ariana. -Por favor, não fale assim.
Baxter inspirou profundamente, esforçando-se por controlar-se.
-Não, não acredito que voltemos a ver sua excelência. obteve o que queria e sem dúvida já se retirou a seu refúgio da ilha do Wight. -As sobrancelhas do Baxter se uniram inquisitivas-. Não te fez mal, verdade?
Ariana negou com a cabeça.
-Não. Só me levou até a casa.
-Mas te assustou?
Depois de uma larga pausa, Ariana voltou a cabeça, fechando os olhos uma vez mais.
-Não -sussurrou-. Não me assustou. -Não disse toda a verdade, embora era dolorosa e vergonhosamente consciente de que existia.
Trenton Kingsley a tinha turbado; o que Ariana tinha sentido em seus braços não era medo nem dor. O que havia sentido era imperdoável.
-Parece mais grave do que é. Ocorre freqüentemente. -Theresa colocou outra compressa fria na feia torcedura da Ariana e logo se remeteu uma rebelde mecha de cabelo cinza no coque-Não se preocupe, seu tornozelo estará bem muito em breve.
Ariana se acomodou entre os travesseiros. A dor de sua perna já se acalmou, dando passo a um pulsar apagado.
-Não estou preocupada, Theresa -murmurou, com a vista fixa no teto.
-Atormenta-lhe mais a mente que a ferida.
A curiosa observação da Theresa não obteve resposta, nem sua precisão surpreendeu a Ariana. Conhecia a Theresa de toda a vida, pois aquela mulher maior, miúda e excêntrica, de perspicazes olhos negros, nariz farpado e movimentos nervosos como os de um pardal tinha criado a Vanessa e a ela desde que nasceram. Muitos a consideravam tola, mas Ariana sabia que não o era. Theresa possuía a sabedoria de um erudito e uma particular visão profética que muito poucos eram capazes de perceber e muito menos de compreender.
-Sim, atormenta-me a mente -admitiu Ariana depois de um comprido silencio-. passaram muitas coisas esta noite, e estou terrivelmente confusa.
-Confusa ou angustiada?
-As duas coisas.
Theresa se arrumou o bolso do avental, em que guardava um livro do ensaísta do século XVII sir Francis Bacon, e se sentou ao bordo da cama.
-A confusão pode levar a angústia ou a angústia à confusão. Qual é seu caso?
Ariana pensou uns instantes.
-Em parte o primeiro e em parte o segundo. -O que é mais forte, a confusão ou a angústia? -A confusão.
-Então falemos primeiro do secundário e resolvamos essa questão para nos centrar no principal. -Está bem.
-Sim, sei. Apliquei-lhe uma compressa. -Como diz?
-Seu tornozelo. Apliquei-lhe uma compressa -repetiu Theresa, apalpando o inchaço.
-Não, Theresa -explicou Ariana com sua acostumada paciência-. Queria dizer que está bem que comecemos pelo secundário.
-O secundário?
-Minha angústia -recordou Ariana.
-Sim, estou esperando a que me dela fale.
Ariana entrelaçou os dedos e os posou sobre a colcha. -Estou angustiada porque o compromisso do Baxterfoi anulado esta noite.
-Não me produz tristeza a ruptura de uma união em que não participava o coração de seu irmão. Ariana suspirou.
-Estou de acordo. Não, minha angústia não se deve ao feito de que Baxter siga solteiro, a não ser às conseqüências de sua ruptura com o Suzanne... ou, melhor dizendo, com os Covington, o que, por certo, está estreitamente relacionado com a verdadeira razão pela que Baxter desejava este enlace.
Em lugar de mostrar-se nervosa pela confusa explicação da Ariana, Theresa assentiu cheia de sensatez.
-Acessar à fortuna dos Covington.
Esta vez Ariana sim se surpreendeu. incorporou-se, apoiando-se sobre os cotovelos, e observou a expressão impassível da Theresa.
-Você sabia?
Theresa se encolheu de ombros.
-Há coisas que não faz falta que lhe digam isso para as saber. Seu irmão é como é. «Na vida acontece igual a com os caminhos -disse com solenidade, citando ao Bacon-. O caminho mais curto é freqüentemente o mais perigoso, e certamente o caminho mais plano não se acha muito longe.»
-É um bom homem, Theresa -defendeu-lhe Ariana imediatamente.
-A bondade tem muitas caras. Quem pode dizer qual é a verdadeira?
-Ele tem medo, e eu também. Por isso diz, nossa situação econômica é bastante lamentável.
-O visconde demorará muito tempo em encontrar outra jovem rica ao redor da qual tecer seu encantador tecido de aranha.
-Não tem intenção de encontrar a outra mulher. Quer encontrar a um homem para mim.
Theresa piscou.
-Quer que você se case?
-Sim.
-Isso poderia ser melhor. -De novo, Theresa se apartou uma mecha de cabelo extraviado, fazendo que outros três mais caíssem imediatamente sobre sua nuca.
Ariana se incorporou.
-Não há ninguém com quem quer me casar, Theresa. Não estou apaixonada por ninguém.
-Então conhece muitos cavalheiros?
-É obvio que não. Simplesmente nunca conheci a nenhum homem por quem sentisse algo... -interrompeu-se, horrorizada, quando a imagem do Trenton Kingsley apareceu em sua mente.
-Dizia que... -Theresa a animou a prosseguir. -Não me lembro.
-Isso é porque está confusa. Não estávamos falando disso?
-Não sei do que falávamos.
-O principal.
-O que?
-O principal, sua confusão. É hora de que a confronte. -Sim -murmurou Ariana.
-Está confusa pelos motivos que tem seu irmão para desejar que você se case?
-Claro que não. Baxter quer que me case com um homem rico, alguém que possua o dinheiro e a generosidade suficiente para saldar todas suas dívidas e lhe devolver sua respeitabilidade.
Theresa assentiu com a cabeça.
-Assim é. Então qual é a causa de sua confusão? Tem algo que ver com sua queda?
-Não.... Sim... -Ariana afundou o rosto entre as mãos-. Não sei.
-A definição perfeita da confusão. Ariana levantou a cabeça.
-Trenton Kingsley foi quem me encontrou no labirinto do jardim e me levou de novo à festa.
-O duque retornou ao Sussex? -perguntou Theresa.
-Para desfazer o compromisso do Baxter. -Compreendo.
-Não te surpreende?
-A questão não é se me surpreende ou não, a não ser por que sua presença a confunde.
-Nunca me tinha falhado tanto o instinto. -Que eu saiba seu instinto não lhe falhou nunca. -Então essa foi a primeira vez.
Theresa não respondeu imediatamente, mas sim se limitou a estudar a Ariana com seus escuros olhos, penetrantes e inescrutáveis.
-A atração deveu ser irresistível -disse por fim. Sentindo-se culpado, Ariana se estremeceu. -A atração? -conseguiu perguntar.
-A noite, a névoa, o canto dos pássaros, a fragrância das flores. Todo isso a atrai normalmente. Deveu ser irresistível para fazer que se afastasse da festa em que se anunciava o compromisso de seu irmão. -OH... sim. Foi.
-Foi?
-A atração -reiterou Ariana.
-A atração.
-Sim... não estávamos falando disso?
-Fazíamo-lo? -O olhar da Theresa era firme. Ariana teve a deprimente sensação de que a magia
da noite não tinha muito que ver com aquela conversação.
-Suponho que não -murmurou.
-me fale dele.
Imediatamente, o coração da Ariana começou a pulsar com força.
-Deveria lhe desprezar... Desprezo-lhe. -sentiu-se atraída por ele.
As mãos da Ariana se fecharam em punhos de negação.
-Não posso está-lo.
-Mas o está.
-mostrou-se tão gentil, Theresa, tão delicado. -Pequenas ondas de calor invadiram o peito da Ariana-. Caminhou pelo labirinto até me encontrar e logo me levou em braços até a mansão. -Ariana tragou saliva-. Senti sua raiva e soube que não ia dirigida a mim. Ou ao menos assim era, até que se inteirou de que era uma Caldwell.
-Suponho que a notícia não lhe agradou -comentou Theresa-. E a você tampouco. Mas por que está confusa?
-Ele matou a Vanessa! -exclamou Ariana com os olhos banhados em lágrimas-. Ou pelo menos foi o responsável por seu suicídio!
-Assim pareceu.
-Então como pode perguntar por que estou confusa?
-Seu instinto está em guerra com seus princípios. -Meu instinto está equivocado.
-Talvez sim, talvez não. Suas emoções se interpõem e lhe impedem de tirar uma conclusão objetiva -raciocinou Theresa.
-Não posso ser objetiva com o homem que assassinou a minha irmã! -disse Ariana com voz quebrada, invadida pela viva lembrança do ensangüentado vestido da Vanessa o dia que apareceu flutuando na costa do Sussex; seu corpo submerso para sempre em uma tumba de água.
-Não, acredito que não -reconheceu Theresa. Tirou a compressa do pé da Ariana e apalpou a inflamação. Satisfeita de que o tornozelo sanasse adequadamente, tampou-o com a colcha-. A aparência é algo fascinante -comentou-. Varia segundo a perspectiva de cada um e freqüentemente não é o que alguém crie.
-Não quero vê-lo nunca mais.
Theresa se levantou, sorridente, acomodou a Ariana entre os travesseiros e a cobriu com a colcha até os ombros.
-Já falamos o bastante. Quero que descanse, senhorita.
Ariana obedeceu, sentindo-se exausta.
-Dói-me a cabeça -sussurrou, fechando os olhos. -Muito mais que o tornozelo -assegurou Theresa, correndo as cortinas-. O sonho virá, porque seu-coração está em paz.
Ariana não ouviu as últimas palavras da Theresa, pois já estava sumindo-se em um profundo sonho.
Theresa acariciou com ternura o precioso e alvoroçado cabelo de sua senhora.
-Sua mente também achará a paz, senhorita, mas tem um comprido caminho por percorrer antes de que isso aconteça.
Contemplando os serenos rasgos da Ariana, Theresa viu muito mais à frente, com uma capacidade inata que os crentes chamavam «intuição» e os céticos «bruxaria». Como acontecia algumas vezes, apareceu ante ela uma imagem nítida e inconfundível, uma forte e reveladora visão do que estava por chegar. Entretanto, suas visões estranha vez eram tão claras como aquela. A última tinha sido seis anos atrás e estava tão segura como o. esteve então.
O destino tinha encontrado a Ariana.
3
Seu triunfo e seu júbilo se desvaneceram ao amanhecer.
Sem romper o ritmo de suas pernadas, Trenton se inclinou e agarrou um punhado de areia molhada, apertando-o contra a palma de sua mão até que sua pele se queimou com o abrasivo contato. A agitação que bramava em seu interior era tão forte que logo que notou a ardência.
Tão somente um dia depois do baile do Covington, mais que um duradouro sentimento de euforia pelo resultado de sua fabulosa exibição, sentia uma inexplicável fúria e um desassossego que roía suas vísceras.
Que Caldwell se consumisse no inferno.
Trenton levantou o braço com violência e lançou a moldada massa de areia para as brilhantes águas da baía do Osborne. Seguiu caminhando com compridos passados, como levado pelo demônio, dando chutes a uma fileira de pedras que encontrou no caminho. Aquele ato intensificou a dor dos músculos de suas pernas, lhe recordando a grande distancia que tinha percorrido.
Tinha estado andando durante horas. Bembridge, o pequeno pueblecito próximo a seu querido Spraystone, assentava-se nos espetaculares escarpados da ilha do Wight a mais de dezesseis quilômetros ao sul do Queen's Osborne House.Trenton logo que tinha notado as mudanças do terreno nem o passado do tempo. limitou-se a caminhar em busca da paz que habitualmente lhe oferecia o impressionante Solent Seja, o. estreito que separava a ilha do Wight da costa inglesa.
Diminuiu o passo para contemplar como os elegantes veleiros se deslizavam ante a costa da ilha, rumo ao Royal Yacht Clube no West Cowes. Não era de sentir saudades o grande número de velas inchadas que se aproximavam do mesmo tempo, pois o vento se levantou um pouco a essa hora, e as ondas, uma atrás de outra, rompiam sua espuma contra a areia com crescente intensidade. morava-se uma das tormentas do verão da ilha do Wight, anunciando sua turbulenta chegada para o entardecer.
Trenton não estava preocupado, pois sabia que a tormenta demoraria umas horas em desencadear-se. Enxugando o suor da frente, olhou espectador além da baía, com a esperança de que aquela maravilhosa sensação de tranqüilidade impregnasse sua alma.
Nunca chegou.
Que diabos lhe ocorria?
Trenton caminhou para o bordo da água, analisando cruamente seu sombrio humor. A noite anterior tinha levado a cabo seu plano e o desejo que lhe tinha consumido durante compridos anos se cumpriu. Por fim Baxter Caldwell estava na miséria.
Se a investigação realizada tão cuidadosamente pelo Trenton não lhe tivesse convencido da apurada situação do visconde, o olhar do Caldwell quando Covington cedeu ante a petição do Trenton teria dissipado qualquer dúvida. Sem a dote do Suzanne, Caldwell estava na ruína. Para um bastardo insensível como Caldwell, a pobreza era uma condição mais terrível de suportar que a mais letal das enfermidades.
Onde estava então o exaltado sentimento de justiça que Trenton esperava sentir?
Inclinando-se até o chão, Trenton apoiou o peso de seu corpo sobre suas mãos, sem lhe importar a geada enjoa que banhava a areia e empapava suas calças e suas botas. Perdeu o olhar na longínqua costa da Inglaterra, rememorando a surpresa que se produziu a noite anterior.
De fato, a jovem lhe tinha resultado familiar desde o começo, embora tinha sido incapaz de identificá-la. Só Deus sabia como pôde passar por cima a semelhança, já que o propósito de sua volta e a essência de seus desejos de vingança surgiam dos Caldwell. O parecido sem dúvida era assombroso.
De todos os modos, ele nunca a tinha conhecido, pois seis anos atrás ela era uma menina e ele se consumou por sua irmã. Dadas as circunstâncias, Trenton se tinha esquecido de sua existência.
Com os olhos entreabridos, recordou suas delicadas facções, as ondas de cabelo acobreado e o olhar turquesa que o tinha observado com solenidade enquanto se aproximava dela no intrincado labirinto. Não; não era tão estranho que naquele momento não tivesse apreciado o parecido. Aquela pequena, cândida e bela criatura de conto de fadas que ele tinha resgatado a noite anterior não era mais que uma sutil réplica de seu deslumbrante irmana maior. Ele sabia melhor que ninguém que nenhuma mulher podia comparar-se a Vanessa.
A ardente e turbulenta Vanessa, com sua chamejante cabeleira de um vermelho dourado que caía sobre suas costas como um extraordinário pôr-do-sol, e a hipnótica fragrância a rosas que emanava de sua pele. Exuberante, sedutora, atrevida... Não, não havia nada sutil na Vanessa Caldwell. E nenhum homem tinha sido imune aos efeitos de seu poderoso magnetismo.
Deus, como a desprezava, inclusive morta!
O rosto do Trenton adotou uma expressão feroz enquanto as ondas rompiam contra suas roupas empapadas. «Que Deus me ajude -pensou-, mas não posso me arrepender do que fiz. Possivelmente em um momento dado tivesse podido, mas esse momento desapareceu faz tempo, enterrado sob as inalteráveis conseqüências produzidas pelo ódio dos Caldwell.
Fincou os dedos na areia, advertindo a ironia da situação. Ele tinha causado a morte da Vanessa, e entretanto ela tinha vencido. A vitória final era dela, pois o castigo que lhe tinha infligido era muito mais cruel que a morte. assim, em que pese a sua dor e sua pena, os Caldwell tinham ganho. Em comparação, o triunfo da noite anterior era insignificante.
A opressão que sentia no peito indicou ao Trenton que acabava de desenterrar a raiz de seu nefasto humor e seu profundo descontente. Ainda não tinha conseguido tudo o que queria do Baxter Caldwell.
Mas que mais podia arrebatar a um homem que não amava nada mais que o dinheiro e a ninguém mais que a si mesmo? Além disso, é obvio, da Vanessa.
Trenton ainda recordava quão angustiado e abatido se sentiu Baxter quando descobriu que sua querida irmã tinha desaparecido para sempre. Era possível que de verdade lhe importasse tanto aquela bruxa desumana? Obviamente, a resposta era afirmativa, pois nada exceto uma pena e uma raiva sem limites podiam impulsionar a um homem a cometer um ato tão falto de escrúpulos como o que tinha perpetrado Baxter.
Era possível que Baxter sentisse a mesma adoração cega por sua irmã pequena?
O pensamento do Trenton se materializou de repente, descendendo como o pesado manto de névoa que cobria o labirinto onde a tinha encontrado. Venerava Baxter A...? Seu nome lhe escapou por um instante, para ser sussurrado através de seus sentidos como uma brisa cálida e suave; Ariana.
Seus extraordinários olhos, que tinham brilhado com fé e amabilidade antes de descobrir quem era seu salvador, encheram-se de fogo ao conhecer a verdade.
Adorava Baxter a Ariana do mesmo modo que adorou a Vanessa? Certamente representou um precioso papel de irmão protetor no baile dos Covington, mostrando-se indignado e apertando a Ariana contra seu flanco como se fosse sua mais apreciada posse. Mas o era em realidade?
Ariana não era fria e cruel como Vanessa, nem débil e superficial como Baxter. Sua ingenuidade era autêntica, e suas reações, naturais.
Sem dúvida era muito sensível.
A atração sensual que tinha surto entre os dois foi inegável e imediata. Tinha-a detectado no estremecimento de seu próprio corpo e no desconcertado e inconfundível despertar nos olhos da jovem enquanto a tirava do labirinto.
Entretanto, era uma Caldwell.
De repente uma idéia sacudiu a mente do Trenton, e um sorriso sardônico apareceu em seus lábios. Poderia utilizar aquela atração para seus propósitos.
Refletindo sobre aquela agradável perspectiva, trocou o peso de seu corpo, estirando as pernas frente a ele, sem reparar nas encrespadas ondas que lhe empapavam até a cintura.
Ariana. Um anjo assombroso, preparado para ser guiado até o glorioso reino da paixão. Sem dúvida ao princípio resistiria, entrincheirada na inimizade de seu irmão. Entretanto, Trenton confiava plenamente em que ao final sucumbiria a sua calculada sedução. Resultaria bastante fácil, pois ela não era o suficientemente sofisticada para opor-se com habilidade à experiência do Trenton ou lutar contra a atração que a arrastava para ele.
Além disso estava o assunto de sua virgindade. Como norma, Trenton não preferia às vírgenes, mas encontrava a aquela extrañamente sedutora em sua inocência. Sim, sem dúvida saborearia cada momento de seu dobro vitória; iniciar sexualmente a Ariana e, de uma vez, pôr ao Baxter de joelhos desonrando a seu hermanita e cumprindo assim uma desprezível acusação que até esse momento tinha sido falsa.
Ante aquela lembrança, a mandíbula do Trenton se esticou. Desonrar a Vanessa? Impossível. E mesmo assim, ela o tinha proclamado -repetidamente, por isso ele recordava- aquela noite, a última de sua vida.
Trenton podia vê-lo como se tivesse acontecido no dia anterior, e não seis anos atrás; as solitárias sombras sob os escarpados, as escuras águas do rio Arun ao confluir com as agitadas ondas do canal, cuja espuma rompia a seus pés; a raiva que invadiu seu coração quando a olhou à cara.
Os olhos da mulher estavam extrañamente iluminados, não só pelo resplendor do farol, mas também por um profundo desespero capaz de comover ao Trenton se se tivesse tratado de qualquer outra pessoa. Mas não Vanessa.
Seus punhos se apertaram a ambosos lados de seu corpo em um intento por dominar-se. De nada serve. Quando ela começou a lhe provocar, sua fúria foi incontenible, e o ódio e a reprovação cintilaram em seus olhos.
Ainda podia ouvir os lastimeros gritos da Vanessa enquanto lhe suplicava que não lhe fizesse isso. «Por favor... não... Trenton... não...»
Seus rogos não foram escutados.
Ele estava fora de si e sabia; Vanessa também era consciente disso.
«Não... não... não o faça... não...»
Trenton não vacilou nem olhou para trás. Simplesmente partiu, deixando atrás dele um súbito silêncio e um farol apagado.
Só se levou consigo um estranho sentimento de alívio...
-Socorro! Ajuda!
Trenton abriu os olhos de repente, sobressaltado pelo fato de que o grito que ouvia não era uma obsessiva voz do passado, a não ser uma súplica espantosa e real procedente de algum lugar na baía do Osborne.
ficou em pé de um salto, percorrendo com o olhar as picadas águas, que se tinham agitado durante a hora que tinha estado absorto em seus pensamentos. Fazia momento que os veleiros tinham desaparecido de sua vista, e o céu apresentava um aspecto ameaçador, com as nuvens muito baixas.
Socorro!
Escutou-o de novo, mas esta vez seu perspicaz olhar localizou de onde provinha. Bastante longe, na baía, havia uma pequena embarcação de remos que se balançava sobre as ondas, vazia. Chapinhando freneticamente junto à barco, embora não o bastante perto para agarrar-se a ela, havia uma mulher cuja cabeça aparecia intermitentemente para inundar-se depois na água.
Trenton não perdeu nem um segundo. tirou-se as botas de um chute, arrancou-se a camisa e as jogou sobre a areia. Avançou até que a água lhe cobriu o suficiente para poder mergulhar-se e logo, com umas fortes e poderosas braçadas, chegou até a mulher que estava afogando-se.
Rodeou sua cintura com o braço e tirou sua cabeça da água. Ignorando a barco por completo, nadou energicamente até a borda, sem saber se a mulher estava consciente, preocupado pelo fato de que não tossia nem realizava movimento algum.
Sua cara estava muito pálida quando a tendeu sobre a areia, e brotava sangue de uma ferida que tinha na frente. Trenton ficou branco ao reconhecê-la. Sem permitir-se pensar nas devastadoras conseqüências se seus esforços falhavam, procedeu a expulsar a água de seus pulmões até que a respiração da mulher se converteu em um ataque de tosse.
-Sua alteza! -Uns passos pressurosos acompanharam a aquela voz gritã-. OH, Meu deus! -A donzela observou, impotente, enquanto Trenton acalmava a tosse da jovem, assistindo-a até que sua respiração se normalizou.
-A princesa se reporá -assegurou Trenton à tremente criada, usando sua camisa para limpar o sangue da frente da princesa-. foi uma aventura muito ambiciosa. Poderia ter sido pior.
-Devo avisar a sua majestade em seguida. -A miúda moça patizamba se voltou e logo se deteve-. OH, obrigado, sua excelência. -Suspirou, consciente de que Trenton era um convidado habitual da rainha-. Muitíssimas obrigado.
Trenton baixou o olhar até a princesa Beatriz, que já logo que ofegava e, embora tratava de controlar seus nervos, tremia incontroladamente.
-Não alarme à rainha -advertiu Trenton à criada-. Eu acompanharei à princesa Beatriz até a casa. Assim sua majestade poderá comprovar que não ocorreu nada grave.
-Sim, é obvio, excelência. -Agradecida-a criada se retorceu as mãos ao tempo que assentia com a cabeça.
Pode andar, sua alteza? -perguntou Trenton brandamente a Beatriz.
A princesa assentiu, deixando que Trenton a ajudasse a ficar em pé.
-Nunca suspeitei que o tempo pioraria tanto -disse com voz áspera-, nem de uma forma tão rápida. Quando saí a remar... -inspirou brusca e temblorosamente- o céu estava espaçoso e fazia um dia precioso. Supus que a tormenta demoraria algumas horas em estalar. Sou uma boa nadadora, mas quando me-golpeei na cabeça com a barco... -Aspirou outra baforada de ar, apalpando-a ferida da frente-. Salvou-me a vida, excelência. Não sei como lhe dar as obrigado.
-me pode agradecer isso guardando-as forças e entrando na casa por si mesmo para assegurar a sua mãe que se encontra bem. -Trenton lhe ofereceu o braço.
-Isso parece -disse Beatriz com um débil sorriso.
Reina-a Vitória abandonou seu esboço em aquarela da tormenta assim que viu sua filha e Trenton aproximar-se da terraço inferior do Osborne House. precipitou-se para eles, e seu rosto se mudou quando viu que sua menina coxeava agarrada do braço do Trenton.
-O que ocorreu? -perguntou a rainha.
Trenton ajudou a Beatriz a sentar-se em uma cadeira junto à fonte e logo se adiantou, inclinando-se para beijar a mão da rainha.
-Tudo vai bem, majestade -tranqüilizou-a.
Vitória fez um gesto para que se apartasse e se aproximou, ansiosa, para inspecionar o estado de sua filha.
-A princesa caiu à água -explicou Trenton. Convencida de que Beatriz se recuperaria, Vitória se voltou para o Trenton.
-Não tome por idiota, Kingsley -disse bruscamente, com um porte tão régio a seus cinqüenta e quatro anos como quando era uma moça-. vivi muito para que me trate com tal condescendência. Beatriz não só se cansado à água, está sangrando, e é evidente que está completamente empapada e branca como o papel!
-O duque salvou a vida à princesa, majestade -interveio a donzela, correndo até a terraço. Rápida e respetuosamente, relatou o incidente à rainha-. Eu o presenciei -concluiu, assentindo com a cabeça para dar mais ênfase a suas palavras.
Vitória se dirigiu ao Trenton com os lábios trêmulos por causa da emoção.
-Há-me devolvido a minha menina, Trenton. Estarei em dívida com você toda a vida. Concederei-lhe o que me peça.
Trenton se inclinou, divertido.
-Não necessito nada, o asseguro, majestade.
-Isso é absurdo! -espetou-. Todo mundo necessita algo!
-me permita discrepar, majestade. consegui quanto podia desejar... ao menos por agora. -Trenton separou de sua mente um escuro pensamento, dedicando a Vitória um de seus pouco habituais e contagiosos sorrisos. Tinha que animar à rainha para que se esquecesse dessa tolice de satisfazer uma necessidade inexistente-. De fato -continuou-, é para mim a quem necessitaram estes últimos dias... duas vezes, para falar a verdade. Em ambas as ocasiões tive que resgatar a raparigas em perigo.
Vitória respondeu com um frio olhar, impassível ante o deslumbrante encanto e a sincera declaração do homem.
-Prescinda deste bate-papo inútil, Broddington. Sei que não precisa de nenhuma compensação econômica. Entretanto, seguro que deseja algo. -Sua expressão se suavizou, e posou a mão sobre a coluna que havia a seu lado como se procurasse um ponto de apoio-. Por favor, não me negue a oportunidade de lhe recompensar pelo que me há devolvido hoje. Não teria podido suportar outra perda. -Sua voz se quebrou.
Trenton inclinou a cabeça em um gesto de compreensão. Reina-a tinha sofrido muito durante os últimos vinte anos, tanto em sua vida pessoal como de soberana. Primeiro foi o derramamento de sangue da guerra da Crimea. Quando isso tinha ficado atrás, foi sacudida pela tragédia pessoal. A mãe da rainha, a duquesa do Kent, faleceu em março de 1861. Mais tarde, apenas nove meses depois, Vitória teve que suportar um golpe definitivo: a morte de seu amado príncipe consorte antes de Natal.
Ante aquela suprema tragédia, a aflição de Vitória foi infinita, pois adorava ao Alberto e confiava muitíssimo nele. Não era nenhum secreto que, sem seu marido, a grande rainha se sentia perdida e incompleta. Só Beatriz, a pequena da família, companheira constante de Vitória, conseguiu oferecer a sua mãe o consolo que necessitava para seguir vivendo. Não, Trenton sabia que perder a sua filha de dezesseis anos seria devastador para a rainha.
-Avaliação muitíssimo seu amável e generoso oferecimento majestade -repôs Trenton com sossegada comprension-. Mas me conhece bem, e ambos sabemos que meus desejos por desgraça, não são coisas materiais que possam ser garantidas nem sequer por um poder tão grandecomo o seu.
-Possivelmente em sua situação seja verdade -admitiu a rainha, pensativa. Levantou o queixo e lhe dirigiu um olhar muito significativo-. A vingança não está em nossas mãos. É algo que só deus pode levar a cabo.
A expressão do Trenton se endureceu.
-Sendo esse o caso, não há nenhum desejo que possa me conceder.
-Não aceito essa resposta -afirmou Vitória com resolução.
Trenton se perguntou o que poderia dizer para aplacá-la. Estavam de acordo em que não precisava nada material, mas Trenton conhecia a rainha o suficiente para saber que não retrocederia até que solicitasse algo. Já que não podia lhe proporcionar a tranqüilidade de espírito, que diabos podia lhe pedir Trenton?
Justiça.
Quanto ansiava que houvesse um modo de reclamá-la! A noite anterior acreditou que a tinha conseguido, mas agora sabia que tinha sido um néscio, pois sua vitória tinha sido aparente. A pobreza nunca seria um castigo adequado para o desprezível crime do visconde.
Não; depois de ter destruído com toda perversidade a vida do Trenton e a de sua própria família, Caldwell tinha parecido uma mortal faca no coração do Trenton, lhe arrebatando algo que nunca poderia ser substituído. assim, a única retribuição verdadeira seria uma igualmente irrevogável, uma que aniquilasse o coração do Baxter em troca. tratava-se, pois, de um impossível, pois o bastardo carecia de coração, não lhe importava ninguém, exceto...
A cabeça do Trenton girou vertiginosamente, e a resposta iluminou sua mente em uma repentina rajada de conhecimento. Algo irrevogável. por que não lhe tinha ocorrido antes?
Olho por olho. Uma irmã por um pai. Ao diabo a sedução.
-Muito bem, majestade. Tenho uma petição. -O sorriso do Trenton era cáustica, e seus olhos brilhavam triunfais.
-E é...
-Um decreto real que disponha que Ariana Caldwell seja minha esposa.
4
-por que? -Reina-a não se andava com rodeios.
-por que o que? -repetiu Trenton inocentemente.
-Não jogue comigo, Trenton -advertiu-lhe Vitória-. Resulta ridículo que um homem que atrai às mulheres como o mel às moscas precise do poder da rainha para conseguir uma esposa. -interrompeu-se, lhe lançando um frio olhar-. A não ser que exista uma razão pela que esta mulher em particular se oponha a casar-se com você.
Trenton arqueou as sobrancelhas em um gesto de fingida diversion.
-Acreditei que sua majestade queria satisfazer meu desejo mais fervente. Ignorava que tivesse que justificar o motivo de minha eleição.
Passando por cima o agudo sarcasmo do Trenton, Vitória elevou seu régio queixo para avaliar ao homem por debaixo de seu meio doido branco de viúva.
-Você e eu sabemos quanto aborrece ao Baxter Caldwell.
Trenton ficou rígido.
-Tenho motivos.
Vitória franziu o sobrecenho.
-Nunca foi um segredo que tampouco eu gosto de muito esse homem e que lhe acredito em você inocente no sórdido assunto da súbita e estranha morte da Vanessa Caldwell.
-É certo -admitiu Trenton com um tom mais amável-. E o agradeço.
Vitória rechaçou a desacostumada gratidão do duque com um brusco movimento de mão.
-Também sabe o muito que apreciava a seu pai, um homem bom e honorável, um amigo estimado pelo Albert e por mim. Isso, entretanto, não significa que me agrade ver no que você se converteu desde sua morte. tornou-se um solitário mal-humorado, irritável e vingativo. -esclareceu-se voz-. Suponho, pelo sobrenome da moça com a que sente o repentino desejo de casar-se, que está aparentada com o Baxter Caldwell.
-É sua irmã -informou Trenton.
-Sua irmã? -Reina-a pareceu desconcertada-. Mas Vanessa...
-Não essa irmã.
-Ah, a pequena! -murmurou Vitória, recordando o trágico sucesso que seis anos antes havia conmocionado à região e a família cuja vida tinha alterado-. Ariana, acredito que se chamava. Quase a tinha esquecido... Era uma menina tão tímida, sempre à sombra da Vanessa. -O olhar da rainha se tornou reflexiva, tratando de recordar a imagem de uma menina miúda, de cabelo acobreado, enormes olhos turquesa e expressão ausente e melancólica-. Mas nem sequer era uma adolescente quando Vanessa morreu! -A consternação se refletiu no rosto de Vitória. Lançou um rápido olhar a Beatriz, a quem duas alvoroçadas e atentas criadas acompanhavam nesse momento ao interior da casa. Satisfeita pela renovado cor nas bochechas de sua filha, reina-a se voltou de novo para o Trenton, baixando a voz para que a jovem não a ouvisse-. Ariana Caldwell deve ser um par de anos maior que Beatriz!
Trenton apertou os lábios.
-você tinha acaso muitos mais anos quando se casou com o príncipe consorte?
Vitória não estava de humor para consentir que desviasse o tema de conversação.
-Quantos anos tem exatamente? Trenton se encolheu de ombros.
-É bastante mais jovem que Vanessa; provavelmente uns dez anos. Diria que Ariana tem dezessete ou dezoito.
-Nem sequer sabe sua idade? -perguntou Vitória, horrorizada-. Quanto faz que se conhecem?
-Conhecemo-nos a noite passada. -Um brilho de ironia piscou em seus olhos-. De fato, ela era a outra rapariga em apuros a quem tive que resgatar.
Reina-a se ergueu, zangada.
-Até onde está disposto a levar seu ódio, Trenton? No nome do céu, não é mais que uma inocente...
-Também o era meu pai -interrompeu Trenton sombríamente. Todo rastro de diversão tinha desaparecido de seu olhar.
-Isso não troca nada. Não permitirei que descarregue sua hostilidade sobre uma moça inocente.
-Deu-me sua palavra, majestade -recordou-lhe Trenton-. Prometeu me conceder o que lhe pedisse.
-Não a costa de uma cândida menina.
 é uma menina -contradisse Trenton, recordando a fresca beleza da Ariana, seu corpo suave e feminino contra o seu enquanto a levava de volta à festa-. E não tenho nenhuma intenção de lhe causar danifico.
Vitória tratou de assimilar aquela afirmação em silêncio, meditabunda.
-me diga -falou por fim-. Há algo mais, além do desejo de vingança, que lhe impulsione-hacia o altar?
Trenton ficou rígido.
-Ariana é uma mulher muito formosa. Asseguro-lhe que não lhe desagradará desposar-se comigo.
Um débil sorriso aflorou aos lábios da rainha.
-Muito bem, Trenton. Terá seu decreto real... e sua esposa. Lady Ariana Caldwell será logo a duquesa do Broddington.
Trenton entreabriu os olhos para esquadrinhar a repentina expressão serena do rosto de Vitória, procurando nela as chaves para explicar sua súbita mudança de atitude. Não encontrou nenhuma.
-E as condições? -perguntou, receoso.
-Não há nenhuma. -Moveu a cabeça, desejando que seu instinto não lhe falhasse-. salvou você a vida de minha filha. É o menos que posso fazer para lhe expressar minha infinita gratidão. -aproximou-se da fonte, agarrando-se ao respaldo da cadeira onde Beatriz tinha estado sentada-. Promulgarei o decreto em seguida. -Uma discreta luz brilhou nos olhos da reina-le felicito, Trenton, por suas próximas bodas.. Oxalá lhe proporcione quanto deseja.
-Como está seu tornozelo, senhorita?
Ariana piscou e apartou a novela, abandonando a contra gosto a leitura da Alicia no país das maravilhas para retornar à mundana realidade de seu próprio salão. Deixando a incontrolável larva a um lado, sorriu a Theresa.
-muito melhor. Está virtualmente curado. -Levantou a perna direita do sofá e voltou o pé com um movimento exagerado-. Vê-o? Só três dias sob seus cuidados e meu tornozelo está como novo.
-Não de tudo, mas quase assegurou Theresa, apoiando o pé levemente inchado da Ariana sobre um almofadão de plumas. Com delicadeza percorreu com os dedos os cercos escuros sob os olhos da jovem-. Entretanto, sua mente segue preocupada.
-Baxter me há dito que estamos virtualmente sem um penique.
Theresa meneou a cabeça.
-Sua inquietação se deve a algo mais que isso.
Ariana recostou a cabeça, deixando que os raios do sol do verão que entravam pela janela acariciassem seu rosto.
-Não tenho nenhum outro motivo para estar preocupada; e entretanto o estou -admitiu com voz débil-. Tenho a sensação de que algo

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