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Sesc | Serviço Social do ComércioSesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer Lazer, museus e ações educativas: reflexões e desafios no sentido de ampliar esta articulação Resumo Este trabalho de caráter teórico-reflexivo tem como objetivo discutir alguns desafios presentes nas inter-relações entre lazer, museus e ações educati- vas, uma vez que poucos estudos se debruçam a entender o lazer como uma possibilidade para elaboração das ações educativas nos museus. A metodo- logia utilizada para a realização do estudo foi a pesquisa bibliográfica sobre os eixos temáticos que orientam este trabalho, a saber: “lazer”, “museus” e “ações educativas”, sendo esta desenvolvida como parte integrante de uma pesquisa de mestrado, no contexto do Programa de Pós-graduação Inter- disciplinar em Estudos do Lazer da UFMG. O texto foi estruturado em três partes inter-relacionadas: primeiramente, introduz-se a temática central dis- cutida neste trabalho, apresentando alguns aspectos centrais sobre o lazer. Em seguida, discute-se o potencial educativo das experiências de lazer to- mando como escopo o espaço do museu. Por último, é empreendida uma reflexão sobre as ações educativas e o potencial que elas, atreladas ao lazer, possuem para a formação dos sujeitos que frequentam esses espaços. Palavras-chave: Lazer. Museus. Ações educativas. Liz Realce Liz Realce Sesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer Introdução Este texto é parte integrante de uma pesquisa de mestrado mais ampla, realizada no contexto do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do La- zer da UFMG, intitulada: Lazer e educação: um olhar sobre as ações educativas desenvolvidas em museus, que investiga e analisa a articulação entre educação e lazer durante a preparação das ações educativas realizadas em museus de Juiz de Fora, Minas Gerais. A metodologia proposta para a investigação é baseada em pesquisa bibliográfica, observação participante e entrevistas. Entretanto, este texto prioriza uma discussão teórico-reflexiva sobre “lazer”, “museus” e “ações educativas”, alguns dos aspectos centrais da pesquisa bibliográfica realizada. Feitas essas considerações, é importante esclarecer que o presente texto visa dis- cutir alguns dos desafios presentes nas inter-relações entre lazer, museus e ações educativas, uma vez que poucos estudos se debruçam a essa temática por entenderem o lazer como uma possibilidade de intervenção para a elabora- ção das ações educativas nos museus. Como ponto de partida para essa discussão é importante destacar que, cada vez mais, é premente a necessidade de aprofundar os estudos que relacionem o lazer aos museus. Tal articulação é relevante não apenas para a captação de pú- blico nesses espaços, mas, sobretudo, pela contribuição para a elaboração de políticas públicas capazes de torná-los mais acessíveis e inclusivos. Um exem- plo dessa tendência são os museus que, desde o século passado, vêm ganhan- do maior notoriedade, sendo considerados, em muitos casos, como lugares pro- pícios para o aprendizado, compreendidos como esferas capazes de promover a participação social. Nessa perspectiva, os espaços museais são transformados em locais de (re)interpretação e de novas leituras do mundo. No que tange ao lazer na atualidade verifica-se que, segundo Marcellino (1996), a temática vem ganhando cada vez mais destaque em nossa sociedade. Ao abordar o crescente emprego do termo “lazer” e a diversidade de situações em que ele é utilizado, o autor aponta que, frequentemente, ele é pauta “nas reivin- dicações das associações de moradores, nos luminosos das lojas, nos anúncios de imobiliárias, nas propostas dos candidatos a cargos públicos, nos títulos das revistas, nas seções de jornais” (MARCELLINO, 1996, p. 7). Esse uso frequente do termo é verificado também quando nos referimos aos museus, que em suas cartilhas educativas, propagandas de ações museais e propagandas televisivas tendem a reproduzir a importância do lazer nos museus e, também, como este pode vir a ser um espaço de lazer. Nota-se, também, que nos últimos tempos alguns estudiosos do campo da mu- seologia e algumas instituições que se dedicam à organização e elaboração de políticas públicas nesses espaços, reconhecem a importância da relação lazer e museus, como, por exemplo, o ICOM, IBRAM (2011), Leite (2006), Cavaco (2002), Messias (2004) etc. Assim, este texto parte de uma análise acerca do lazer, buscando salientar a im- portância dessa prática social e discute, na sequência, o potencial educativo das experiências de lazer tomando como escopo o espaço do museu. Poste- riormente, compreende-se a instituição museal como um significativo espaço para a vivência do lazer que, ao longo da história, vem sendo ressignificado. Por último, passar-se-á à discussão sobre as ações educativas, entendendo que mu- seu é um espaço multifacetado e que, por intermédio das práticas educativas, atreladas ao lazer contribui-se para a formação dos sujeitos que frequentam esses espaços. Ampliando os olhares: lazer, museus e ações educativas Apesar do debate e discussão acerca dos processos de construção histórica e dos significados do lazer, sabe-se que este apresenta uma especificidade. Por isso, torna-se relevante reconhecer que o lazer, enquanto uma prática social, ao lon- go dos tempos e em cada contexto, adquiriu múltiplos significados e sentidos, sobretudo em decorrência das mudanças sociais, culturais, políticas e econô- micas que marcam as diversas realidades ocidentais. Ao entender o lazer como dimensão da cultura, percebe-se que ele afeta e é afetado por diversas práticas e valores. Com isso, é possível afirmar que as concepções de lazer são mutáveis em diferentes épocas, determinados grupos, sociedades e espaços. Portanto, para compreendê-lo é de fundamental importância a sua contextualização em cada dinâmica sociocultural. Além disso, torna-se necessário reconhecer a complexidade que envolve a pre- sença do lazer na vida humana, como vem sendo destacado em obras recentes Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Sesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer que versam sobre o tema. Marcellino (2008), por exemplo, organizou o livro Lazer e sociedade, obra em que diferentes autores se dedicam a dissertar sobre as relações entre o lazer e as diversas esferas da dimensão humana, tais como a família, as fases da vida, a religião, o trabalho, a saúde, o gênero e a qualidade de vida (CASTILHO, 2013, p. 55). Outro livro recente que também que se dedica ao tema evidencia a diversidade abarcada por este fenômeno e a sua relação dialógica com a vida humana, foi publicado por Gomes e Elizalde (2012), intitula- do Horizontes latinos americanos do lazer. Na referida obra, os autores reconhe- cem que “o lazer é uma prática social complexa que pode ser concebida como uma necessidade humana e como uma dimensão da cultura caracterizada pela vivência lúdica de manifestações culturais no tempo/espaço social” (GOMES; ELIZALDE, 2012, p.30). Nesse bojo de discussões, Castilho (2013) ao se referir ao lazer ressalta que: O lazer está presente em todas as fases da existência humana e vai muito além do simples brincar de uma criança ou de uma atividade distrativa e sem im- portância. É uma característica fundamental da condição do ser humano e cor- relaciona-se, diretamente, com a cultura, portanto, tem sido analisada a partir de diversas perspectivas disciplinares [...]. (CASTILHO, 2013, p.56). Assim, é possível perceber que o lazer representa uma prática social e cultural- mente construída, complexa, polissêmica e interdisciplinar, que ao se relacio- nar comos saberes produzidos em diferentes áreas do conhecimento possibilita interlocuções que ultrapassam áreas específicas, desafiando os estudos sobre o tema e, por vezes, gerando acalorados debates. Porém, além das pesquisas acadêmicas, o lazer e suas relações dialógicas com as distintas esferas da vida explicitam valores, símbolos, preconceitos e preceitos vivenciados pelos sujeitos. Compreender o lazer enquanto uma dimensão da cultura implica em reconhecer que ele participa da complexa trama social, revelando “contradições sociocultu- rais profundamente inseridas na nossa cultura” (GOMES; FARIA, 2005, p. 54). A compreensão de cultura, nesse ínterim, ultrapassa o entendimento de cultura apenas como o conjunto de manifestações e produções culturais, sobretudo as tangíveis. Tampouco entende-se cultura como sinônimo de conhecimento ou erudição. Antes, opta-se aqui pela abordagem de cultura elaborada por Geertz (1989) e Menezes (1996). O primeiro sugere um conceito de cultura fundamental- mente semiótico, critica a ideia de cultura enquanto “[...] complexos padrões concretos de comportamento – costumes, usos, tradições, feixes de hábitos” (GEERTZ, 1989, p. 56), lançando as bases para uma compreensão de cultura mais holística. Já o segundo considera que a cultura abarca tanto aspectos materiais como imateriais, ela nasce na realidade empírica da experiência co- tidiana, ou seja, nas vivências do dia a dia de cada pessoa. Tais sentidos, em vez de simples reflexões, são parte efetiva das representações com as quais mantemos e orientamos nossa prática ou vice-versa e, utilizando os supor- tes materiais e imateriais, buscamos produzir inteligibilidade e reelaboramos simbolicamente as estruturas materiais de organização social – legitimando- as, reforçando-as ou contrapondo-as e transformando-as. Então, podemos considerar que a cultura se torna uma condição de produção e reprodução da sociedade, e que, certamente, se reflete no lazer, em suas vivências, seus anseios e contradições. Desse modo, em face da compreensão de lazer aqui enunciada, considera-se que a cultura é o interstício entre as necessidades humanas e o conjunto das reali- zações materiais, envolvida por uma amálgama de valores, tradições, costumes e ideias. Assim sendo, “o lazer não é um fenômeno isolado e se manifesta em diferentes contextos de acordo com os sentidos e os significados culturalmente produzidos e reproduzidos pelos sujeitos em suas relações com o mundo” (GO- MES; ELIZALDE, 2012, p. 82). Nesse sentido, o lazer é constituído por três elementos relevantes para os estu- dos correlacionados aos museus: ludicidade, manifestações culturais e tempo/ espaço. Gomes e Elizalde (2012) assinalam que esses elementos envoltos pelo lazer podem contribuir para o processo de transformação da nossa sociedade, tornando-as mais humanas e inclusivas. Nesse âmbito, eles consideram que a ludicidade pode ser compreendida como a “capacidade homo ludens – em sua essência cultural disposta a brincar, jogar, imaginar, compartilhar, desfrutar, rir, se emocionar, de elaborar, apreender e expressar significados” (GOMES; ELIZALDE, 2012, p. 82). Com isso, consideramos a ludicidade como expressão humana de significados construídos e partilhados no contexto cultural, referen- ciada no brincar consigo, com o outro e cerceada por vários fatores: normas políticas e sociais, princípios morais, regras educacionais, condições concretas de existência (GOMES, 2004). Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Sesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer A ludicidade associada às ações museais possibilita ampliação da atuação desse espaço na dinâmica social. Através da ludicidade, o museu pode ser ressignifi- cado, colaborando com a participação social, podendo ser um elemento capaz de integrar diversas faixas etárias. Afinal, as práticas culturais não são lúdicas em si mesmas, elas são construídas na interação dos sujeitos com a experiên- cia vivida, como salientado por Gomes (2004). As manifestações culturais são práticas sociais complexas permeadas por aspec- tos simbólicos e materiais que integram a vida da pessoa e a cultura de cada povo (GOMES; ELIZALDE, 2012). Os autores apontam que as manifestações cul- turais acontecem em um tempo e espaço situados, por isso a dimensão tempo/ espaço pode ser considerada “um produto das relações sociais e da natureza e constitui-se por aspectos e objetivos, subjetivos, simbólicos, concretos e mate- riais, evidenciando conflitos, contradições e relações de poder” (GOMES; ELI- ZALDE, 2012, p. 84). Diante desses elementos, é importante destacar ainda que o lazer, muitas vezes, reflete os contrassensos presentes em nosso contexto, podendo reforçar o status quo, estereótipos e valores excludentes, consumistas e alienantes, ou contribuir com a constituição de uma nova sociedade, mais justa, mais humana e com- prometida com os princípios democráticos (GOMES, 2004). Com isso, não se pode descartar que, em muitos casos, instituições educativas buscam, através do lazer, formar sujeitos criativos, autônomos e conscientes de si e do mundo. As relações entre lazer e educação foram objeto de estudo de muitos autores brasileiros como Marcellino (1996), Requixa (1974) e Mascarenhas (2003), entre outros. Contudo, ao longo deste trabalho, considera-se que lazer pode consti- tuir uma entre muitas ferramentas importantes, que auxiliam na mobilização de experiências revolucionárias, contribuindo para uma educação comprometida com a mudança social e cultural, capaz de tornar a sociedade mais humana e sustentável através da música, da poesia, da dança, da festa, do jogo, etc. (GOMES, 2010). Assim o lazer, enquanto um fenômeno histórico, cultural e socialmente situado, problematizador, crítico, sinérgico e transformacional, pode ser uma importante ferramenta para movimentar experiências e relações interculturais e educativas contra-hegemônicas, contribuindo assim com a aprendizagem para a transfor- mação social e cultural, como salientado por Gomes e Elizalde (2012). Marcelli- no (1996) também ressalta o potencial educativo do lazer e o aponta como uma importante ferramenta educacional, como um instrumento ativo de mobilização e participação cultural, sendo capaz de transpor barreiras socioculturais. O museu, enquanto um espaço de lazer pode se revelar, através de suas práticas, como um lugar que não aloca apenas um conjunto de elementos, objetos e prá- ticas de valor cultural apenas, mas também que guarda resultados da relação do homem com seu tempo/espaço. Nesse âmbito, os museus são espaços de produção de novos saberes e oportunidades de lazer, sendo que seus acervos e exposições favorecem a construção social da memória e a percepção da crítica a sociedade. Geralmente, os museus são entendidos como instituições sem fins lucrativos, de caráter permanente, que são colocados “[...] ao serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, abertas ao público, que adquirem, preservam, pesquisam, co- municam e expõem, para fins de estudo, educação e lazer, testemunhos mate- riais e imateriais dos povos e seus ambientes” (COMITÊ BRASILEIRO DO ICOM, 2009). Essa compreensão oficial já indica algumas aproximações entre o mu- seu, a educação e o lazer, temáticas centrais desta pesquisa. Recuando no tempo, sabe-se que nem sempre foi assim. De acordo com Leite (2001), os museus emergiram no século XVIII na dinâmica social europeia como guardiões da história, sobretudo da história oficial ou dos grandes fei- tos/acontecimentos. Além disso, esses espaços museais, sob esta perspec- tiva, possuíam, ainda, a função de comunicar o poder de uma determinada classe social, de uma etnia, ou de umageração aos seus visitantes, pois “[...] historicamente, foram criados por e para os setores dirigentes [...]” (LEITE; OSTETTO, 2005, p. 25). Contudo, para não serem legados ao ostracismo ou ao esquecimento, perceberam que deveriam adotar outras funções sociais, cul- turais e educativas passíveis de serem assumidas e, com o passar do tempo, vêm se transformando. Assim, de uma posição excludente em relação às demais manifestações culturais presentes no seio das sociedades, o museu, em uma nova conjuntura, começa a se transformar em um espaço capaz de favorecer a cidadania, rompendo com a estrutura tradicionalista que distanciava o público através de ações sectárias que impediam a aproximação de determinadas classes e grupos da sociedade. Por outro lado, inserem-se novas práticas situando o museu no contexto social Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Sesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer vivenciado pela população, o que certamente, fez com que as sociedades se sentissem responsáveis pela preservação e constituição desse espaço. A expansão da compreensão da estrutura e das funções dos espaços museais decorre, também, de uma reconsideração acerca da noção de patrimônio que passa a englobar, além de bens materiais, a cultura imaterial (FERREIRA, 2006). Posicionamento esse também defendido por Canclini (1994, p. 99), que entende que o patrimônio cultural “[...] não abarca apenas os monumentos históricos, o desenho urbanístico e outros bens físicos; a experiência vivida também se con- densa em linguagens, conhecimentos, tradições imateriais, modos de usar os bens e os espaços físicos”. O autor esclarece ainda que a noção de patrimônio cultural precisa incluir outros aspectos, como as experiências diárias vividas, onde está reunido o uso da linguagem e do conhecimento naquela concepção de mundo. Ademais, ao longo dos tempos, o museu passou a assumir um importante papel educativo em cada sociedade. Como esclarece Bitter (2009, p. 27), “os mu- seus chegam ao século 21 como lugares de relativo sucesso entre um público muito heterogêneo, oferecendo oportunidades de lazer e de obtenção de co- nhecimentos”. Nessa perspectiva o museu, como espaço educativo que é, passa a contemplar ou- tras formas de interação, valorizando patrimônios materiais e imateriais, demo- cratizando assim a própria educação. Nesse âmbito Amaral (2003) pontua que se a história não for concebida como patrimônio de uma elite, passando a ser [...] compreendida como uma teia de experiências humanas compartilhadas, multifacetada e plural, seria de se esperar que os museus afirmassem, da mesma forma, sua vocação democrática e seu diálogo com o tempo. Mesmo surgindo dentro de um contexto que apontava para uma homogeneização do passado pela via do estado nacional, a crítica da ideologia nacional estimulou a recriação do museu. Garantidas as vias pelas quais os diversos grupos se re- conhecem na história, o museu moderno amplia sua atuação consolidando-se como polo cultural e educativo (AMARAL, 2003, p. 12). Ao reforçar o potencial educativo e social dos museus na contemporaneidade, é preciso considerar as transformações conceituais e epistemológicas acerca dos seus pressupostos teóricos e práticos, que colaboram expressivamente para o processo de ressignificação e dessacralização da instituição e do próprio fazer museológico. Para que realmente seja valorizado o aspecto educativo dos museus, há de se considerar a pluralidade de linguagens nesses espaços, visto que existe uma diversidade de públicos, que possuem faixas etárias e culturas distintas. Portanto, os museus, tidos como espaços de educação, são instituições que po- dem, por meio de suas práticas educativas, ao incorporar elementos do lazer, ser lidas, interpretadas e estabelecer diálogos, não podendo ser tidos como um produto acabado, ainda que histórico-socialmente condicionados (SANTOS, 2008). Assim, entendemos que, nos espaços museais, pode ser desenvolvido um pro- cesso educativo no qual o sujeito não tem a obrigação, seja por regras ou leis, de aprender algo. Percebemos que os museus vêm sendo caracterizados como locais que possuem uma forma própria de desenvolver sua dimensão educativa. E, cada vez mais, visualizam o lazer como uma, das muitas, ferramentas para uma educação considerada não formal, sendo um lugar capaz de interagir com os sujeitos, favorecer a participação social e promover a democratização e a cidadania. Nessa conjuntura, a relação museu-escola traz a ideia de um espaço de encontro, um espaço de debate, que não possui produtos acabados, que se comunica e se transforma, visto que o museu já é um espaço de educação e lazer por si mesmo. Entretanto: O público chega ao museu com diferentes níveis de possibilidades de com- preender os temas apresentados, ou seja, com suas redes cotidianas de conhe- cimentos parcialmente tecidas e abertas à incorporação de outros novos fios. Os fatores sociais e as expectativas pessoais dos diferentes visitantes con- tribuem para a significação que eles darão às narrativas museais (VALENTE apud GOUVÊA et al., 2001, p. 171). Nota-se que a partir do momento em há a aproximação entre o museu e o público o museu deixa de ter a sua categorização não sendo mais o de arte, de história, de arqueologia, de etnologia ou o de ciências (DE VARINE apud MARTINS, 2006, p. 9). A instituição museológica, por meio de sua feição pedagógica, pode oferecer uma gama de experiências culturais significativas. Assim, os programas educativos de diversos espaços museais precisam buscar uma melhor utilização dos recur- sos de aprendizagem em situações informais, priorizando as novas demandas Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Sesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer socioeducacionais e valorizando o museu como espaço, ao mesmo tempo, de educação e lazer (HERMETO; OLIVEIRA, 2009). Dessa forma, um espaço privilegiado para se pensar as possibilidades de lazer nos museus, seria a partir da esfera das ações educativas, entendidas aqui como práticas sociais e não apenas como procedimentos que promovam a educação. Ou seja, como atividades que possibilitem a reflexão crítica, a troca de experiên- cias e a participação social. Vale ressaltar ainda que a ação educativa, quando aplicada nos museus, se torna importante veículo de preservação e valorização do patrimônio, além de promover a assimilação da memória cultural, gerando a participação, através da reflexão e da criatividade. Falcão (2009), ao pormenorizar as ações que compõe as práticas educativas em museus, elenca as seguintes atividades: [...] visitas “orientadas”, “guiadas”, “monitoradas” ou mesmo “dramatizadas”, programas de atendimento e preparo dos professores, oficinas, cursos e confer- ências, mostras de filmes, vídeos, práticas de leitura, contação de histórias, ex- posições itinerantes, além de projetos específicos desenvolvidos para comemo- rar determinadas datas e servir de suporte para algumas exposições. Além dos materiais educativos e informativos editados com a finalidade de servir a estas práticas, tais como: edição de livros, jogos, guias, folders e folhetos diversos, folhas de atividades, kits de materiais pedagógicos, áudio-guia (guia auditivo), aplicativos multimídia, CD-ROM, site institucional na internet, etc. (FALCÃO, 2009, p. 16). Como se vê, há uma extensa gama de serviços que são ofertados pelas institui- ções museológicas. Porém, deve-se avaliar que tais ações devem prezar pela relação museu-público, ponderando as características peculiares de cada grupo ou indivíduo que visita o museu. Portanto, é fundamental considerara educação nos espaços museais como pro- cessos dinâmicos e não como compartimentos estanques, visto que esta é con- siderada base essencial para que a ação educativa seja realizada. Dessa manei- ra, percebe-se que as ações educativas não deveriam ser vistas apenas como técnicas que se encerram em si. Considerações finais As reflexões empreendidas ao longo deste texto evidenciam que muitas práticas e ações educativas desenvolvidas em museus, na atualidade, necessitam de novas formas de ação dialógicas e interdisciplinares, descortinando um desafio concernente à criação de novos espaços de aprendizagem. O contexto atual su- gere que as instituições museais redefinam seus conceitos e práticas para além da ideia de depósitos de objetos e protetores da memória. Os museus, enquanto espaços plenos de construção e intercâmbio de novos saberes, poderiam se aproximar da sociedade com uma linguagem mais popular, mais abertos e de fácil entendimento, rompendo, assim com a tônica de um espaço de luxo, im- ponente e científico. Por isso, o estudo do lazer e das ações educativas em museus não pode, em hipótese alguma, desconsiderar que as práticas e os espaços se encontram inseridos em um dado contexto sociocultural, estando histórico-socialmente condicionadas (SANTOS, 2008). Portanto, são manifestações culturais constitu- ídas em espaços-tempos específicos, permeados de uma dimensão simbólica. Por isso, constata-se que nenhuma experiência nesse espaço pode ser toma- da como residual, visto que elas possuem temporalidades e contextos próprios (SANTOS, 2006). É nessa dinâmica que se torna fundamental que os gestores e responsáveis de todo e qualquer museu estejam atentos aos saberes que discutem os eixos te- máticos aqui abordados, para a realização de ações educativas interdisciplina- res que possibilitem vivências mais enriquecedoras aos seus visitantes. Além disso, é necessário que estes compreendam as razões que levam os visitantes a procurar esses espaços, bem como o que fazem e como se apropriam deles, entendendo que esses locais possibilitam vivências de lazer e educação relevan- tes para o usufruto dos direitos de cidadania ligados à necessidade e vontade de aproximar da memória, do patrimônio e da cultura. Contudo, é de fundamental importância que o museu adote uma educação pela liberdade e não pela opres- são que seja capaz de reconhecer outras aprendizagens como, por exemplo, o lazer. Liz Realce Liz Realce Liz Realce Liz Realce Sesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer Referências AMARAL, E. L. G. Reflexões sobre o papel educativo dos museus. Revista Humanidades, Fortaleza, v. 18, n.1, p. 9-16, jan./jun. 2003. BITTER, D. Museu como lugar de pesquisa: o museu como espaço de pesquisa e produção de conhecimento. Salto Para o Futuro, ano 19, n. 3, p. 22-28, maio 2009. CANCLINI, N. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1999. CASTILHO, C. T. Lazer na natureza e atuação profissional: discursos e práticas contemporâneas. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, 2013. COMITÊ BRASILEIRO DO ICOM. Disponível em: <http://www.icom.org.br>. Acesso em: 10 mar. 2012. FALCÃO, A. Museu como lugar de memória. 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