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VIZINHOS ÍNTIMOS Audra Adams 1 Projeto_romances... de fã para fã Um homem solitário. Uma mulher sensual. Uma história de amor e sedução... Arredio, Paul Coyle fazia questão absoluta de se manter isolado e não tolerava que invadissem sua privacidade. Mas, de repente, viu-se cercado de mulheres! As graciosas gêmeas, filhas da nova vizinha, bagunçavam sua casa, enternecendo-lhe o coração e ganhando até mesmo a afeição de seu cachorro. E a mãe delas ... Bem, ela despertava infinitos desejos no solitário Paul... Audra Adams VIZINHOS INTIMOS Clássicos Românticos nº 96 Romances Nova Cultural Copyright para a língua portuguesa: 1997 CÍRCULO DO LIVRO L TDA. Titulo original: Mommy’s hero. Tradução: Renata Borstnar Bagnolesi Digitalização: Edna Fiquer 1 "Eu vou matar Laura ... " Paul Coyle observava o caminhão de mudanças já vazio percorrer o caminho que o levaria até a estrada principal. Resmungou, incrédulo, enquanto fitava a cena à sua frente. Os novos inquilinos tinham acabado de chegar. Dizer que estava contrariado seria abrandar a realidade. O cachorro começou a latir e abanar a cauda. — Acalme-se, Wilbur! — disse ele, afagando o pêlo castanho do setter irlandês. Caminhando devagar, Paul encostou-se na varanda e observou o carro estacionado ao lado da casa situada bem atrás da sua. Era um pequeno e antigo chalé, que o impedia de ver completamente o lago. Por que deixara se convencer por Laura? Ele havia comprado a propriedade para ter privacidade e ficar em paz. Construíra uma casa moderna e alugava o chalé à beira do lago. Depois da morte dos antigos inquilinos, os Kelly, no último inverno, Paul pensara em demolir a casa. Sua prima Laura, a corretora de imóveis, conseguira convencê-lo do contrário. — É um lindo chalé. Um ótimo ponto de referência. Existem tão poucas construções antigas na cidade. Por favor, Paul, não o destrua — ela pedira. Laura soubera como lidar com ele, apelando para a história do lugar. Ninguém tinha certeza, mas se acreditava que o chalé tinha mais de cem anos. Não se faziam mais construções daquele tipo. Um pouco contra sua vontade, Paul assentira em alugar a casa. Mas para uma pessoa mais velha, de preferência que trabalhasse fora todos os dias. Talvez um ou dois animais de estimação, mas nada de crianças. De jeito nenhum. Então por que estava em pé na varanda olhando para duas garotas indisciplinadas brincarem no gramado em frente ao chalé? Elas não deviam ter mais de cinco anos. E era o mesmo gramado que dava para os fundos de sua varanda. Não, não podia ser possível. Laura era atrevida e algumas vezes passava dos limites, mas não ousaria desobedecê-lo. Quando Paul assinara o contrato de locação, a prima lhe dissera que o novo inquilino era uma viúva. Ele achou ótimo, e logo imaginou alguém como a Sra. Kelly, que fazia deliciosas canjas no inverno e tortas de maçã no outono. Só podia ter havido algum engano. Talvez fossem as netas da nova inquilina. Os pais delas deviam estar ajudando na mudança. Nesse caso, tudo bem. Paul suportaria crianças visitando sua propriedade, contanto que ficassem a maior parte do tempo dentro do chalé. Sim, só podia ser isso. Estava se precipitando. Como sempre. Segundo Laura, ele costumava manter sua privacidade guardada a sete chaves, como uma pessoa avarenta que esconde o dinheiro. Nos últimos três anos, Laura se manteve perto do primo, e sempre tentava levá-lo para passear. Um piquenique no feriado de quatro de julho, torneios de futebol, procissões da igreja, paradas em homenagem aos soldados mortos na guerra. Não importava a data, ela apenas se preocupava com a presença de Paul. — Vamos, Paul, você precisa sair mais. Não espere que as pessoas venham até aqui. Tem de se misturar com os outros. Na verdade, depois do acidente, ele tentara se relacionar com os moradores, mas não fora bem-sucedido. Sentira-se um aleijado. Não, Paul prezava sua privacidade. Gostava de viver no final de uma estrada interminável no meio do nada. Apreciava cuidar da casa, dos animais, cortar madeira com as costas ao sol. Adorava ficar sozinho. Ninguém o importunava, o aborrecia. Ninguém o olhava... Podia ser chamado de recluso, de eremita, de esquisito. Não se importava com o que as pessoas achavam dele, contanto que não tivesse de encontrá-las, de se misturar com elas. Estava contente, às vezes até feliz, e não pretendia mudar nada em sua vida. O tempo de sentir auto-piedade havia terminado de vez. Laura e seu noivo, Willy, eram as únicas pessoas com quem mantinha contato. Paul, entretanto, nunca os visitava. Os dois, em contrapartida, sempre encontravam um tempo em suas vidas atribuladas para aparecer. Willy até se tornara um parceiro nos negócios, arranjando-lhe novos contatos. Havia pouco, intermediara um acordo com um novo cliente. Paul gostava bastante do noivo de Laura e estava contente com o casamento. Talvez ela aprendesse algo; Willy sabia como fazer suas opiniões prevalecerem. Embora achasse a prima um pouco avoada, Paul a amava demais. Ela, pelo menos, se preocupava com seu bem-estar. Observou as crianças rolando na grama. "Laura não teria coragem...". Paul decidiu entrar em casa, convencido de que, quando estivesse instalada, a nova inquilina viria se apresentar, uma senhora de cabelos grisalhos, presos num coque, simpática e cozinheira de mão cheia. Mudou de idéia assim que avistou a porta do chalé se abrindo. Viu uma mulher. Uma jovem e bela mulher, usando um vestido florido que lhe acentuava as curvas perfeitas. Ela sorria enquanto descia as escadas da pequena varanda, de braços abertos. Parecia estar reverenciando a presença do sol. Inclinou-se para a frente, e cachos castanho-avermelhados caíram-lhe no rosto. Então, fechando os olhos, envolveu-se num abraço e começou a rodopiar num gesto que só poderia ser chamado de demonstração de alegria. Paul quase perdeu o fôlego. Respirou fundo e piscou, torcendo para dissipar a visão. Ela continuava lá, no entanto. Não conseguia distinguir as feições da jovem, mas tinha plena consciência do quanto a mulher era bonita. Sentiu um nó na garganta quando a viu colocar as mãos na cintura. Não seria possível. Esses sentimentos, essas urgências já não existiam mais. Fazia muito tempo que não era acometido por tais sensações. Mas tratou de afastá-los logo. Ninguém seria capaz de fazê-lo sentir-se rejeitado, machucado, de novo. — Alice! Amanda! Venham jantar, queridas! Depois de pronunciar a última palavra, ela virou-se e subiu as escadas. "Que sensualidade!", pensou Paul, vendo-a movimentar os quadris com tamanha graça. De repente, ela parou no meio do caminho e virou-se. Colocando as mãos na horizontal sobre os olhos, pôs-se a analisar as redondezas. Paul viu as duas garotas desaparecerem entre os arbustos no gramado, mas nem se atreveu a oferecer ajuda. Em vez disso, manteve-se imóvel, querendo desaparecer dali. Não desejava chamar a atenção da mulher. Desejou ser um camaleão para poder mudar de cor e fundir-se com o carvalho da varanda que rodeava os fundos de sua casa. Por fim, ela o avistou. Ergueu a mão e acenou num gesto de simpatia. Paul sabia bem o que tinha de fazer, ou seja, retomar o cumprimento. Deveria sair da varanda e dar-lhe as boas-vindas. Tinha de se mostrar um senhorio amistoso e um bom vizinho. Bem, ele não era nada disso. No momento estava chocado. Quando o abalo passasse, sabia que seria consumido pela raiva. — Vamos, garoto. — Ele segurou o cão pela coleira e virou-se para a casa, sem um gesto ou palavra, e bateu a porta depois de entrar. Não estava acreditando. Uma mulher. E duas crianças! "Laura, você vai se ver comigo ... " Os dedos de Gabrielle Levy se fecharam devagar. Aquele devia ser o dono da casa e seu novo vizinho, Paul Coyle. Com certeza ele não a vira acenar. Hesitante, Gabrielle continuou a busca pelas filhas, então parou e estudou a casa de vários andares do outro lado do gramado. Paul a observava de dentro dacasa. Gabrielle tinha um bom alcance de vista. Alguns cabelos brancos começavam a aparecer, mas os olhos continuavam ótimos. Avistava a silhueta do proprietário contra a janela. Estranho. Por que não retribuíra o cumprimento? Ficou preocupada. O que a corretora de imóveis tinha lhe dito sobre o homem? Que ele era o herói da cidade. Que tinha salvado várias pessoas de alguma catástrofe. Uma explosão ou incêndio, não sabia ao certo. Mas Gabrielle tinha a impressão de que isso ocorrera havia bastante tempo. Laura falara muito sobre Paul Coyle, mas Gabrielle achara estranho ter alugado a casa e ainda não conhecer o proprietário. Ele não aparecera em nenhuma das visitas, permitindo que a corretora cuidasse de toda a transação. Tentou lembrar-se de algo, de qualquer coisa sobre Paul. Ele morava sozinho, segundo Laura. Trabalhava em casa, fazendo móveis sob encomenda. Era excelente em trabalhos manuais. Gabrielle achou ótimo, pois as gêmeas quebravam tudo em dobro. Portanto, não tinha dúvidas de que precisaria da ajuda dele até o vencimento do contrato. Gabrielle aprendera a lidar com coisas práticas de casa nos últimos anos. Não que John tivesse muita habilidade em prendas domésticas, mas eles dividiam as atividades do lar. Ele sempre ficava com a parte de manutenção. Mas o marido tinha morrido, e Gabrielle estava sozinha. Tinha as filhas para criar e muito trabalho a fazer. Algumas vezes a vida organizada e moderada que tivera ao lado de John na cidade, logo depois do casamento, parecia ter acontecido a outra pessoa. Era um passado tão remoto do mundo presente, da pessoa que tinha sido, da pessoa que era hoje. Agora, mais do que tudo, era mãe. Todos os seus pensamentos sumiram quando suas duas garotas apareceram correndo pelo gramado. Alice e Amanda brincavam de pega-pega e se divertiam de verdade. A alegria das meninas era contagiante. Gabrielle desceu as escadas e sentou-se no último degrau. Elas ficaram poucos instantes ao lado da mãe, logo continuando a brincadeira divertida. Gabrielle acenou e observou-as desaparecer atrás do chalé. Respirou fundo, inalando o perfume fresco da grama. Seria uma nova vida para todos. A decisão de mudar-se do apartamento na cidade fora difícil. Seus pais moravam no andar de baixo. Mas o local, pequeno para ela e o marido, tornara-se minúsculo com a chegada das gêmeas. A gravidez fora inesperada. Gabrielle e o marido tinham planejado trabalhar para juntar dinheiro e comprar uma casa no campo. O sonho terminara quando John sofrera o ataque cardíaco fatal. Fazia seis anos, e, embora seus olhos não mais se enchessem de lágrimas, a dor ainda era grande. John morrera praticando cooper. Em um minuto estava se despedindo dele, no outro conversava com a polícia para encaminhar o corpo . A autópsia diagnosticara um problema congênito. Essas palavras deveriam tê-la consolado, mas apenas a irritavam. Como um homem de trinta e um anos podia morrer de uma hora para outra? Não conseguira compreender e demorou meses para aceitar o fato. Ainda mais quando descobriu que estava grávida. Ouviu o conselho dos pais e ficou no apartamento. Parecia sua única ligação com John. Durante anos permitira que seus pais e os do falecido marido também, cuidassem da sua vida. Não era capaz de ir até a esquina sem avisá-los. Só começou a perceber que tudo estava errado quando as crianças entraram na escola maternal. Alice ficava cada dia mais arrogante, e Amanda, tão quieta que até assustava as professoras. Fora a gota d'água. Ela e as filhas precisavam se mudar. As gêmeas iniciariam o jardim de infância esse ano, e o momento pareceu-lhe perfeito para começar uma vida nova. Não admitiria para ninguém, em especial para a família, mas estava morrendo de medo. Até então, nunca tivera todas as responsabilidades sobre suas costas. Saíra da casa dos pais quando se casara e, depois de ter enviuvado, deixara que a família tomasse conta de tudo. Agora queria seguir sozinha. Mais do que isso, Gabrielle e as filhas precisavam de um pouco de privacidade, de uma vida longe das lembranças de John. Achou ter encontrado a solução perfeita. Uma bela casinha no campo e um emprego como professora. Por enquanto estava excelente. Tinha um contrato de um ano com a escola e com o proprietário da casa. Deixaria o futuro para depois. Escolhera a cidade de Wayside, pois o emprego atendia a todas as suas necessidades. Lecionaria música para o primário na mesma escola em que matriculara as filhas. Visitara a cidade algumas vezes antes de se decidir. Descobriu gostar da tranqüilidade do local e da simpatia das pessoas. Assim que se levantou, sacudiu a grama que se grudara ao vestido e deu mais uma espiada na imponente casa. Bem, a maioria dos moradores tinha se mostrado simpática. Da próxima vez que se encontrasse com Laura, pediria mais informações sobre o proprietário. — Filhinhas! Está na hora de jantar! Alice apareceu de um lado. Quando a mãe chamou-a, Amanda veio correndo atrás. — Por favor, mamãe, só mais cinco minutos — pediu Alice — Por favor – insistiu Amanda. Gabrielle olhou para as duas. — Está bem — concordou, tirando os cabelos do rosto de Alice. — Só mais cinco minutos. Elas gritaram de alegria e saíram correndo. Ao ver as filhas se dirigindo para o lago, Gabrielle ainda tentou adverti-las, mais uma vez, para que não se aproximassem da casa do Sr. Coyle. Não existia cerca para dividir a propriedade. Observou a brincadeira das filhas por mais alguns instantes. Alice e Amanda eram fisicamente idênticas, mas nunca vira duas crianças com comportamentos tão diferentes. Nem pareciam ter nascido da mesma barriga. No entanto, se complementavam de maneira surpreendente. Enquanto Alice não parava de falar e de brincar, correndo de um lado para o outro, Amanda era quieta, pensativa e contentava-se em passar horas com um livro de figuras nas mãos ou desenhando. As meninas tinham uma linguagem própria. Bastava uma frase ou um simples olhar para se entenderem. Gabrielle achava que já conhecera o amor: pelos pais, por John, mesmo que por pouco tempo, mas nada se comparava à adoração que sentia por suas filhas. Elas eram sua razão de viver. E sua salvação. Suspirando, voltou-se para a casa. Alice e Amanda já não eram mais seus queridos bebês. As duas cresciam a olhos vistos. Dali em diante tudo seria diferente. Freqüentando a escola, precisariam bem menos da mãe. Pela primeira vez depois de anos, Gabrielle teria um pouco de liberdade. Nesses períodos, ela parava para se perguntar o que faria no futuro. O primeiro passo foi voltar a trabalhar. Abriu a porta, que rangia, e entrou na casa. Olhou à sua volta. Os móveis que trouxera pareciam estranhos dentro de uma sala tão espaçosa. No apartamento, tudo era muito apertado, ainda mais depois do nascimento das gêmeas. Tinha até se esquecido de como gostava do sofá colorido e da namoradeira que comprara com John. Conforme percorria a sala, ia tocando os móveis que mais apreciava. O piano era seu predileto. O amor pela música tornara-se uma constante em sua vida. Aprendera a tocar os clássicos, mas a preferência por música popular sempre irritava os professores. Em vez de participar de concertos, optou por dar aulas. Depois do nascimento das filhas, parou de trabalhar, percebendo só agora o quanto sentia falta de lecionar. Analisou as caixas de papelão espalhadas pelo chão, contento livros e outros pertences pessoais. Que bagunça! Mesmo assim, adorava a sala. Apaixonara-se desde que colocara os pés lá dentro com a corretora de imóveis. A parede em frente à porta era toda de pedra, com uma grande lareira no centro. Nada, nem mesmo o caos da mudança, mudaria a maravilhosa visão de sentar-se em cima do tapete ao lado das filhas em uma fria noite de inverno. Embevecida pelos pensamentos, mas cansada demais para fazer algo, Gabrielle espiou a cozinha. Estava mais bagunçada ainda. "Mais tarde", pensou. Era junho e planejara a mudança para que coincidisse com o término da escola maternal. Portanto, teriao verão inteiro para colocar a casa em ordem e acostumar a família ao ambiente antes que o novo ano letivo recomeçasse para as três. Subiu as escadas e trocou os lençóis das camas das filhas. Queria colocá-las cedo para dormir, depois do jantar e de um bom banho. No dia seguinte, desfaria as malas. Assim que terminou de arrumar o quarto, Gabrielle entrou no banheiro e lavou o rosto com água fria. O calor estava terrível, mas os dias de verão que se aproximavam prometiam ser bem mais quentes. Seria ótimo. Poderia nadar com as meninas no lago, fazer piqueniques, coisas que a vida na cidade não permitia. Seus pais apareceriam no verão, bem como os de John, que tinham prometido visitá-las durante as férias. Não impediria o contato dos avós com as netas, mas não se deixaria convencer a voltar. Sabia que os quatro tentariam persuadi-Ia. Os sogros quiseram presenteá-la com uma casa maior em qualquer lugar. Mesmo assustada, Gabrielle buscava sua independência. O mais importante era sair da constante vigilância da família. Fizera uma promessa: assim que terminasse o contrato, decidiria o que fazer. Mas pensaria nisso mais tarde. Ainda tinha algum tempo. Observou-se no espelho, tocando o contorno dos olhos. Aos trinta e quatro anos, estava tão envolvida com as filhas que não cuidava muito de si. — Quem é você, Gabrielle Levy?”“, indagou-se. Não sabia mais como responder à pergunta. Na maioria das vezes, contentava-se em ser a mãe de Alice e Amanda. Mas havia os momentos de solidão, as ocasiões em que sonhava estar nos braços de outro homem de novo. Sentia falta do toque másculo, da intimidade, do calor de um corpo forte ao lado do seu. Queria ser desejada. Surgiria outro amor em sua vida? Achava difícil. Como será que esse homem hipotético se sentiria tendo de dividi-la com duas crianças? Gabrielle sorriu. Amor. Homens. Por que pensava nisso agora? A mudança devia ter lhe despertado a libido. O som do relógio cuco trouxe-a de volta à realidade. Deixaria o amor para depois. Agora tinha de ir à procura das filhas. — Mamãe! Mamãe! Assustada com o grito das gêmeas, saiu correndo do banheiro. Viu as meninas chegando com um cachorro latindo atrás. — O que houve? — perguntou Gabrielle, do alto da escada. — Um monstro nos assustou! — Sim, mamãe! Um monstro terrível veio atrás de nós! Ele tentou nos matar! Gabrielle correu para acudir as pequenas. — Calma, queridas! O que aconteceu? As duas começaram a falar e chorar ao mesmo tempo. Gabrielle ajoelhou-se na frente das meninas, muito nervosas, e abraçou-as. Amanda chorava sem parar. — Conte o que aconteceu para a mamãe, Amanda. — Um horrível homem-monstro gritou com a gente! — Onde? — Naquela casa — disse, apontando para a residência do senhorio. — O Sr. Coyle? Nosso vizinho? As duas confirmaram. — O que ele falou para vocês? — Ele disse: "Saiam daqui, suas fedelhas! Fiquem longe da minha casa!" — imitou Alice. — E depois, falou: "Nunca mais se aproximem!". — Ele gritou com você? — perguntou Gabrielle. — Sim — respondeu Amanda. — Muito alto — adicionou Alice. — E o cachorro dele quase mordeu a gente. — Verdade, mamãe! O cachorro pulou e ficou latindo sem parar. Ele ia morder a gente. Nós fugimos bem depressa. Gabrielle se levantou. As meninas ficaram agarradas às suas pernas. Enquanto acariciava as pequenas cabeças, sua mente trabalhava a mil por hora. Estava indignada. Quem ele pensava que era? Desculpara-o quando não retribuíra ao seu cumprimento, mas agora era demais. Será que não queria conhecer a pessoa para quem alugava o chalé? Se Paul Coyle não queria ser simpático com Gabrielle, tudo bem. Agora; assustar suas filhas! Que atrevimento! O instinto materno falou mais alto, e a raiva tomou conta de Gabrielle. — Esperem aqui — ordenou às crianças. — Mamãe! Não vá! — Não acontecerá nada, Alice. Não saiam daqui. Voltarei dentro de alguns minutos. A porta bateu atrás de Gabrielle, que saiu furiosa em direção à casa do outro lado do gramado. Respirou fundo e cerrou os punhos, preparando-se para confrontar o suposto "monstro". Quando estava se aproximando da varanda dos fundos; o cachorro começou a latir. Ela olhou para o animal e parou no mesmo instante. Com as mãos na cintura e encostado em um dos pilares, Paul não reparou que receberia "visitas". Estava de lado, examinando o bosque, evidenciando sua presença masculina. Gabrielle ficou impressionada com a beleza de Paul Coyle. O perfil muito bem-feito e os cabelos ondulados mostravam todo o significado de "moreno alto, bonito e sensual". Ela o imaginara mais velho e mesmo assustador, concordando de certa forma com o relato das filhas. Mas o homem com quem se deparava não tinha nada de monstro. De jeito nenhum. Ele era jovem, ativo. Seu corpo perfeito exalava vitalidade e saúde. Os braços musculosos se evidenciavam pela camisa jeans, sem mangas. Devido aos latidos incessantes do cachorro, Gabrielle não conseguiu se mexer. Até que o barulho de uma porta se fechando chamou-lhe a atenção. Virou-se e viu as gêmeas lado a lado nas escadas da varanda, de mãos dadas. Alice e Amanda continuavam a chorar e esperavam que a mãe resolvesse o problema. Isso a encorajou a continuar a caminhada de encontro ao senhorio. — Quem você pensa que é?! Como ousa apavorar minhas filhas? Elas não estavam incomodando ninguém... — Elas se encontravam na minha propriedade. — Duas crianças não têm como saber quando estão invadindo território alheio. — Eu não as quero aqui. Gabrielle aproximou-se mais da varanda, pretendendo encará-lo, mas Paul se movimentou com a mesma rapidez, afastando-se. — Elas estavam atrapalhando alguém? — Essa não é a questão. — Pelo amor de Deus, são duas crianças! Todas gostam de brincar por aí... — Não na minha propriedade. O fato de ele não encará-la a irritava em demasia. — E como você sugere que eu as mantenha longe de sua casa? Não há cerca demarcando o terreno. — Isso é um problema seu. — Não é bem assim. É você quem as quer longe. A propriedade é sua. Sugiro que levante uma cerca. — E eu sugiro que você se mude. Não quero crianças morando aqui. — Como se atreve?! Eu aluguei a casa! De você, devo acrescentar! Devia ter pensado nisso antes de assinar o contrato! — Foi um grande erro. Eu não sabia. — Se tivesse se interessado mais, descobriria logo. Era só aparecer na corretora. Não escondi minhas filhas de ninguém. — Foi Laura, a corretora de imóveis, quem cometeu o erro. — Isso, Sr. Coyle, não é problema meu. Estou aqui para ficar. — Veremos! — Sim, veremos. Você descobrirá que não me intimido com facilidade. — Gabrielle contornou o corrimão, com a intenção de encará-lo. Paul se afastou de novo. — Você poderia fazer o favor de olhar para mim quando estou falando? Paul hesitou por um instante; então, determinado, voltou-se para ela. Gabrielle não conseguiu esconder o espanto. Levou as mãos à boca ao ver a imensa cicatriz. Queimadura. Ia desde a linha dos cabelos, passava pelo canto do olho esquerdo e descia pela face, desaparecendo dentro da camisa jeans. — Contente agora? — perguntou ele, sarcástico. Ela abriu a boca para falar, mas não conseguiu pronunciar uma única sílaba. — É isso — continuou Paul. — Dê uma boa olhada! Eu não me importo. Quando terminar, arrume suas malas e leve suas filhas daqui. — Eu ... Eu sinto ... muito — desculpou-se, dando um passo para trás. — Poupe sua compaixão. Não preciso disso. Agora vá! — berrou ele, vendo-a voltar para casa. O cachorro recomeçou a ladrar, mas a voz de Paul alcançou Gabrielle. — E enquanto você arruma sua mudança, mantenha sua filhas bem longe de mim! Isso a deteve na mesma hora. O sangue subiu-lhe à cabeça e a raiva tomou conta de suas emoções. Virou-se e voltou devagar até a varanda. Seu olhar se encontrou com o de Paul. Encarou-o. Até o cachorro se calou. Dessa vez foi ele quem se afastou. Caminhou para trás enquanto Gabrielle subia as escadas. Ela chegou tão perto que Paul viu a ameaçanos olhos azuis. — Não me importo em saber quem você é: herói ou santo. Não ligo a mínima para o que você já fez ou deixou de fazer. Também não me interesso em saber se tem ou não meios para lidar com seus problemas pessoais. Se há duas pessoas que me interessam nessa vida, Sr. Coyle, são as minhas filhas! — Escute... — Escute você! Foi um longo caminho para eu chegar até aqui. Tenho um emprego à minha espera e um contrato de um ano. Você o assinou, e acredite quando eu digo que pretendo mantê-lo. Então, quer você goste ou não, nós ficaremos. Comece a se conformar! Ela sustentou o olhar por alguns instantes, desafiando-o a responder. Não ouvindo réplica, virou-se de súbito e desceu as escadas. — Só mais uma coisa: nunca mais ouse chamar minhas filhas de fedelhas! — E foi para sua casa. 2 Semanas depois, Gabrielle observava suas filhas caminharem, de braços abertos, por uma linha imaginária que dividiria os dois terrenos. Estava contente por ter conseguido mantê-las afastadas da casa de Paul, pelo menos por enquanto. Alice e Amanda ainda desconfiavam um pouco do que a mãe lhes dissera sobre Paul Coyle. Procurara explicar-lhes que ele não era um monstro, mas sim um homem com cicatrizes de um terrível acidente. Gabrielle também lhes dissera que Paul era alguém muito corajoso, que salvara várias pessoas de um incêndio. A compaixão natural das garotas as tornava solidárias, e elas sempre prometiam fazendo o sinal da cruz que não se aproximariam da casa. Concordavam quando a mãe lhes dizia que o Sr. Coyle gostava de ficar sozinho, e nas últimas semanas, Gabrielle conseguira mantê-las obedientes. Até então. Embora estivesse satisfeita com o fato de Alice e Amanda não mais temerem Paul, deveria ter imaginado que a curiosidade infantil ultrapassaria qualquer advertência que fizera ou qualquer promessa das filhas. A caminhonete dele não estava ali, o que indicava que não se encontrava em casa. Apesar disso, Gabrielle chamou as gêmeas, que correram na direção oposta, para longe da residência de Paul. Por enquanto. Na verdade, ela sabia que mantê-las longe seria uma tarefa bastante árdua. Mas não tinha escolha. Havia se comprometido a ficar em Wayside pelo próximo ano e, se tivesse de brincar de brincar com as meninas no jardim, não hesitaria em fazê-lo. Imagine deixá-las dentro de casa! Era um preço alto a pagar por sua independência. Uma buzina chamou-lhe a atenção. O veículo vinha pela estradinha. Era Laura Hanlon, a corretora de imóveis. Gabrielle abriu a porta e foi até a varanda, acenando para a jovem, que estacionou seu BMW. — Olá, Gabrielle! Já arrumou tudo? — Quase — respondeu ela, apertando a mão de Laura. — Ainda tenho algumas caixas para desempacotar. — Vim ver se você precisava de ajuda. — Sim, na verdade preciso. — Fale, querida. Um simples olhar de Gabrielle para a casa de Paul deixou tudo bem claro. — Ora, ora! Suponho que você tenha conhecido Paul... — Acertou na mosca! — O que ele fez? — perguntou Laura, parecendo constrangida. — O Sr. Coyle disse para eu fazer minhas malas e sumir daqui com as minhas fedelhas. — Era o que eu temia. — Laura, por que não me falou que ele não queria alugar a casa para uma pessoa com crianças? — Porque é disso que ele precisa, — Como? — Sinto muito por tê-la colocado nessa posição, Gabrielle, mas Paul é meu primo. Conheço-o desde que nasci. É uma pessoa maravilhosa. Ele adorava crianças, adorava as pessoas. Desde o acidente, passou a ficar recluso feito um eremita. Precisa de diversão, de uma vida social. — O que acontecem, afinal? — Houve uma explosão em uma fábrica de produtos químicos na cidade vizinha. Na ocasião, meu primo era voluntário do corpo de bombeiros e foi um dos primeiros a chegar ao local do acidente. Sem hesitar, ele correu para dentro do fogo e salvou cinco pessoas. Quando estava voltando, o telhado desabou. Paul ficou preso sob uma viga em brasa. — Que horror! — Sim. Foi terrível. Ele passou por inúmeras cirurgias plásticas, mas por fim decidiu conviver com as cicatrizes. — Laura titubeou. — Algumas pessoas não compreenderam. Por isso ele se mudou de lá. Faz cinco anos. — E, desde então, mora sozinho aqui? — Sim. Paul construiu essa casa há três anos. Os Kelly moraram alguns anos no chalé e, como já lhe disse, eram pessoas de idade. — E você me ofereceu a casa para tentar reabilitá-lo? — Não, é lógico que não. Achei que ter uma família morando ao lado faria com que saísse da toca. Em especial por causa das garotas. Elas são uns doces. Duvido que Paul consiga resistir aos encantos de suas filhas. — É aí que você se engana. Ele quase as matou de susto. — Ah! As cicatrizes! Eu deveria ter lhe contado. Já nem reparo mais nelas. Só ele as enxerga. Paul as usa para manter as pessoas afastadas. Você ficou muito impressionada? — Eu estaria mentindo se não dissesse que foi um grande choque. Mas a minha irritação com ele foi maior. — Você lhe disse algumas verdades? — Ele mereceu. — Que maravilha! — Paul não achou. Nem eu. Tremi feito uma vara verde. Laura abriu um belo sorriso. — Mas ele se calou. E vocês ficarão aqui. — Sim — concordou Gabrielle. — Nós ficaremos. A menos que ele vá à Justiça. — Duvido. O contrato está assinado. Quem mandou ele preferir pescar do que ir ao meu escritório ver a papelada? — Laura não escondia o contentamento. — Isso é excelente! A atenção da corretora voltou-se para a estradinha. — Bem, acho melhor seguir meu caminho. Paul está chegando. Ele deixou um milhão de mensagens na minha secretária eletrônica e não retornei nenhum dos telefonemas. — Laura entrou no carro e ligou o motor antes mesmo de fechar a porta. — Vou esperar mais alguns dias até que ele se acalme. — Covarde! — berrou Gabrielle, acenando para Laura. — Eu lhe telefono durante a semana, querida — respondeu, sorrindo. Paul só foi avistar o carro da prima quando ela passou ao seu lado na estradinha. Ele virou sua caminhonete para a direita evitando um acidente. Então percebeu quem era a motorista... — Mas o que... Laura! Laura! Volte aqui! — berrou ele, brecando o carro. — Quero falar com você! — Agora não, Paul! Estou muito ocupada! — Com um aceno e levantando uma nuvem de pó, ela sumiu. Xingando sem parar, Paul estacionou direito a caminhonete e desceu. — Vamos, garoto! Wilbur saltou da carroceria e correu para a varanda. Paul deu um passo para segui-lo quando avistou Gabrielle. Ele parou. Por um longo instante apenas a fitou, mas a distância o impedia de discernir-lhe as feições. Todavia, as mãos na cintura e sua postura rígida lhe diziam que a ela estava pronta para discutir. Mas Paul não queria saber de conversa. Passara muitas noites em claro tentando imaginar uma solução para se livrar da viúva Levy, mas nada lhe parecia coerente. Sua mente preferia mostrar-lhe a imagem de quando a vira pela primeira vez, livre e muito feminina. E na escuridão de seu quarto, a fantasia de ter uma mulher como Gabrielle deitada ao seu lado falava mais alto do que a vontade de mandá-la embora. Mas agora ela parecia diferente, mais uma criança desamparada, não a mulher sensual que descera as escadas da varanda com tanta graça. Gabrielle o fitava como se soubesse que a imagem o rondaria durante a noite. Mesmo assim, Paul não conseguia desviar o olhar. Ela era tão adorável! Magra, alta, com a quantidade perfeita de curvas. Paul imaginou o que encontraria por baixo da calça jeans e da camisa branca. Gabrielle permaneceu imóvel, permitindo o minucioso exame, como se quisesse dizer: "Vá em frente, meu senhor, ouse chegar perto!". Paul forçou-se a não sorrir, mesmo sabendo que ela não o enxergava direito. Gabrielle não tinha noção de quanto era bonita. Os cabelos castanho-avermelhados moldavam-lhe o rosto oval e caíam-lhe nos ombros. O erguer de seu queixo fez com que Paul sentisse vontade de chegar bem mais perto para analisar melhor aqueles olhos tão azuis. Lembrava-se muito bem deles desde o primeiro encontro, quando chispavamde raiva. Olhos que poderia observar para sempre. Olhos que poderia mergulhar e... Wilbur lambeu-lhe a mão, fazendo com que as chaves da caminhonete caíssem ao chão. Paul abaixou-se para pegá-las e colocou-as no bolso. Já perdera tempo demais com essa mulher e suas filhas. Tinha muito trabalho a fazer. Paul meneou a cabeça. "Não seja mais tolo do que você já está sendo... ". Sem um gesto ou palavra, se virou e entrou na casa. Que homem peculiar, pensou Gabrielle. Nenhum cumprimento, nenhum aceno, apenas uma hostilidade, para ela, sem fundamento. Gabrielle devia ter feito mais perguntas para Laura sobre Paul. Não que se importasse. Seu instinto lhe dizia que ele fora um homem adorável no passado, bem diferente do que se mostrava agora. Ficou observando a paisagem por mais alguns momentos, depois entrou em casa. Contanto que Paul não assustasse suas filhas, não teria motivos para perturbá-lo. Paul observou o cão latir. — O que foi, Wilbur? — perguntou, afastando-se da banqueta de trabalho. Dirigiu-se até a porta. A resposta foi um rostinho sério, feminino, com um nariz levemente arrebitado. A pequena de cabelos castanho-claros o olhava pela janela. Então ela sorriu. — Olá. Meu nome é Alice. E o seu? Sem nem sequer abrir a boca, Paul voltou para o trabalho. Pegou a lixa e continuou a passá-la sobre o pé da mesa para dar os toques finais. A primeira idéia foi afugentá-la dali, mas não tivera sucesso da última vez. Só conseguira atrair a mãe furiosa. E a última coisa que desejava era um novo encontro. com a viúva Levy. Não queria perder mais uma noite de sono. Talvez se a ignorasse, a menina fosse embora. — O cachorro é bravo? Não gosto de cachorros bravos. Quando eu era pequena, quase fui mordida por um. Ele se chama Wilbur, não? Que simpático! Olhe, está olhando para mim. — Alice acenou. — Olá, Wilbur! O cão latiu ao escutar seu nome. — Quieto — ordenou Paul. O cachorro, pronto para se levantar, mudou de idéia ao ver a expressão do dono. — Deixe-o sair para brincar comigo. Tenho uma irmã, mas ela prefere ficar olhando livros. Não gosto de livros velhos. Mamãe quer que eu a ajude na cozinha. Também não quero. Prefiro brincar no jardim. Wilbur não sabe pegar tocos de madeira? — Não — respondeu Paul com firmeza, achando que conseguiria afastá-la. — Então posso brincar aqui com ele? Poderia fazer cafuné no pêlo dele. Está bem? — Não. — Porque não? — Porque não. — Você fala isso toda hora, mas a mamãe diz que não resposta. — É a única que tenho. — O que você está fazendo? — insistiu Alice. — Trabalhando. Antes de Paul se dar conta do que acontecia, a menina entrou na casa e colocou-se a seu lado. — O que é isso? Paul a olhou com atenção. Era uma linda garotinha. Não teria mais de cinco anos. — O pé de uma mesa. — Posso pôr a mão? — Vá em frente. Alice tocou a madeira e sorriu. — É lindo. — Obrigado. — Por nada. — A pequena se abaixou e começou a acariciar o animal. -Mamãe falou que você não é um homem-monstro. Você não é, mesmo? — Não — respondeu Paul, quase sorrindo. — Eu sabia. Mamãe nunca mente. Ela disse que você não é malvado e que está arrependido por ter nos assustado. É verdade? -Sim. — Ela também nos contou que você é um herói... -E? — E que você é um homem triste. Falou também sobre o acidente. Paul deixou o trabalho de lado. Colocou o pé da mesa em cima das coxas e olhou para a pequena. — O que mais mamãe falou? — Ela disse que você se machucou em um terrível acidente. — Alice levou as mãos à cabeça, depois as abaixou para continuar afagando Wilbur. — É verdade? — Sim? — Houve um incêndio? -Sim. — Você se queimou? -Sim. — Doeu? -Sim. — Mamãe tinha razão. Pediu que fôssemos boazinhas e não nos assustássemos com você. E que deveríamos sentir pena por você. — Bem, garota, Você pode falar para a mamãe que eu não preciso... — Alice! A menina correu até a porta e olhou para fora. — Lá vem mamãe! Preciso ir. — Alice parou e franziu o cenho. — Mamãe o chama de Sr. Coyle, mas eu acho muito comprido. — Paul. — Até mais, Paul. Adeus, Wilbur — despediu-se Alice fazendo um afago na cabeça do cão . A porta de tela bateu após sua passagem, e a menina saiu correndo. Paul pegou o pé da mesa e voltou a lixá-la, Viu Alice acenando e gesticulando para a irmã, que a esperava do outro lado do gramado. Relutante, Paul aproximou-se da porta de tela. Não se surpreendeu com a presença de Gabrielle no topo da escada da varanda. Deparou-se com um olhar cheia de remorso, o qual sustentou par um tempo. Ela mordeu o lábio, e Paul acompanhou o movimento. — Sinto muito, Sr. Coyle. Sei que prometi manter as meninas afastadas, mas Alice não é muito obediente. Paul não respondeu. Não sabia o que dizer. Já se esquecera de como conversar com as pessoas, em especial com as mulheres. Em vez disso, mantinha-se seguro, a salvo. O silêncio começava a se tornar inconveniente. Observou o rosto de Gabrielle enrubescer. — Conversarei com ela de novo, Sr. Coyle. Paul a fitou através da porta de tela, mas, mais uma vez, não conseguiu responder. Sabia, porém, que tinha de dizer algo. — Espera que ela não tenha incomodado muito. Alice é muito tagarela. — Sim — concordou ele, forçando as palavras. — É mesmo. A resposta calma pareceu minimizar o clima de tensão. Gabrielle sorriu, o que lhe transformou o rosto. Paul sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo. "Ela não faz a menor idéia de como me abala", pensou ele. A mão de Paul pegou a maçaneta da porta e, por um instante, Gabrielle achou que seria convidada a entrar. Teria recusado, é lógico, mas a simples idéia do convite deixou contente. Gabrielle queria que ele o fizesse, por inúmeros motivos. Em primeira lugar, queria analisá-lo melhor. O homem que confrontara semanas atrás era indefinível. O que vira na estrada hoje cedo estava bem longe disso. Tinha vontade de estudá-la, de enxergar a pessoa que havia por trás daquelas cicatrizes. Queria conhecer a Paul Coyle que Laura dissera estar escondido, fingindo ser algo que não era. Não soube por que o súbito impulso lhe pareceu tão importante. Laura tinha razão, ele estava machucado. Sabia que a dor ia além dos ferimentos físicos. Gabrielle sempre teve um lugar no coração para as pessoas mais necessitadas, e Paul parecia uma delas. Compaixão, supôs Gabrielle, era isso o que sentia. Sabia que Paul desprezaria tal sentimento, em especial se vindo dela. Fora um homem muito bonito antes do acidente, e ainda era. Com certeza, sempre estivera rodeado de mulheres. Tornar-se objeto de piedade devia ter sido bastante difícil. Não, não faria isso com Paul. Respeitaria seus desejos. Voltaria para casa. Tinha uma missão a cumprir: manter as filhas afastadas. Respeitaria sua privacidade, um mundo que ele criara sozinho. Não o incomodaria mais. — É... melhor eu ir andando, Sr. Coyle. As meninas... Eu vou ao supermercado. Minha despensa está vazia. Ficaremos fora por um tempo... — Até logo. — Até logo. E mais uma vez, lhe peço desculpas. — Como não houve uma resposta, Gabrielle virou-se, a fim de voltar para casa. As gêmeas a esperavam na varanda. Em poucos instantes, as colocava dentro do carro. "Que homem mais esquisito", pensou Gabrielle. Era melhor agir como ele queria e ficar longe. Mas, assim que entrou na estradinha, não resistiu à tentação de olhar para a casa de Paul e ver se estava sendo observada. Não estava. Não aconteceu nada de novo por três dias. Paul teve de admitir que queria ver o pequeno rosto em sua janela, mas Alice não aparecia. Não até então. E não voltou só: estava com a irmã. Alice trouxera Amanda para conhecer o homem-monstro, que na verdade, não era um homem-monstro. — Olá — disse Alice, sem preâmbulos. — Esta é minha irmã, Amanda. Ela é envergonhada e não fala muito, mas queria conhecer Wilbur, mesmo sabendo que mamãe nos pediu para não voltar mais aqui. Mas não achei justo eu conhecer o cachorro, e Amanda não. Mamãe falou que nós deveríamos ser justase sempre dividir tudo. Bem, acho que dividir Wilbur é mais importante do que ficar longe da sua casa, você não acha? Paul sabia que tinha de responder. Alice abriu a porta de tela e segurou-a para a irmã passar. — Venha, Amanda, está tudo bem. Não é mesmo, Paul? — Sim, está tudo bem. Amanda deu dois passos para a frente e parou perto da soleira. Tinha os olhos arregalados, como se temesse ser atacada e mordida pelo cachorro. — Acho que Wilbur está na sala — informou Paul. — Espere aqui — ordenou Alice, cheia de importância. — Eu irei buscá-lo. Alice passou ao lado de Paul e sorriu. Amanda não tirara os olhos dele desde que entrara na casa. — Você quer se sentar, Amanda? — perguntou, apontando um banco ao lado da banqueta de trabalho. Ela meneou a cabeça. — Quer tomar um suco? Ela repetiu o movimento. — — Tem medo de mim? Hesitando um pouco, ela afirmou com certeza evidente. — Aqui está ele — disse Alice, segurando o cão pela coleira. — Olhem como ele gosta de mim — adicionou, assim que Wilbur começou a lamber-lhe a mão. Amanda permaneceu imóvel, mas Paul percebeu que o desejo de brincar com o cachorro começava a falar mais alto. — Vá em frente — disse ele. — Wilbur não morde. Indecisa, Amanda caminhou para a frente com o braço esticado. Assim que chegou perto da irmã e de Wilbur, ajoelhou-se ao lado dos dois e tocou a cabeça do animal. Afastou a mão, rápido, mas logo depois tentou afagá-lo de novo, dessa vez com mais segurança. Paul observou o cachorro deliciar-se com os carinhos da pequena, adorando a atenção das gêmeas. A cauda balançava de um lado para o outro, evidenciando sua alegria. Amanda olhou para ele e sorriu. Então, Paul viu que estava perdido. A menina tinha os lábios da mãe. Por que não os vira em Alice? Talvez por ela não parar de falar, impedindo, assim, um estudo mais detalhado de suas feições. Apesar de idênticas, Amanda tinha algo de diferente. Suas almas eram diferentes, e isso era tão evidente para Paul como se as cores de seus cabelos, olhos e pele fossem distintas. Amanda emanava inteligência através dos poros. Poderia ter sido uma ótima atriz de cinema mudo. Ainda não pronunciara uma palavra, mas o belo rosto falava muito. Paul observou Alice se abaixar e conversar com o cão enquanto afagava-lhe as costas. A irmã acariciava a cabeça de Wilbur com movimentos suaves e delicados. Seus olhos se encontravam com os de Paul de tempos em tempos, como se estivesse pedindo permissão para brincar com o cachorro. Era cautelosa, cuidadosa e contida, bem diferente de Alice, que agia primeiro e deixava as conseqüências para lidar depois. Espantou-se ao perceber que as personalidades das meninas espelhavam a sua. Alice, viçosa, exuberante, representava seu passado, enquanto Amanda, quieta, introvertida, representava seu presente. Paul entendia as duas, mas sentiu-se mais atraído pelo olhar de Alice. Perdido em seus devaneios, demorou a notar que Alice lhe fazia uma pergunta. — O que você disse? — Posso pegar um cubo de gelo? — Um cubo de gelo? Para quê? — Olhe... — Alice apontou para a irmã, que bocejava. — Ela está tão cansada. — Mas para que você quer um cubo de gelo? — Nós não dormimos quase nada a noite passada. Mamãe deixou que dormíssemos com a porta da varanda aberta, mas a tela está um pouco rasgada. Os pernilongos entraram e nos picaram tanto... — Esticou o braço para mostrar as marcas. — Coça muito. Mamãe falou para não coçarmos as picadas, mas eu não agüento. Então? Posso pegar um cubo? Mamãe falou que o gelo alivia a coceira. — Claro, pegue — disse Paul. — Venha, Amanda — chamou Alice, apanhando-lhe pela mão -, a cozinha é por aqui. Paul teve de sorrir. A pequena já conhecia sua casa. Olhou para o cão, que se aborrecera com a falta de atenção. — Vá atrás delas, garoto. Wilbur obedeceu e foi para a cozinha. Ainda sorrindo, Paul escutou uma suave batida na porta. Virou-se e deu de cara com Gabrielle. — Elas estão aqui, não é? -Sim. — Posso entrar? — perguntou, com a mão na maçaneta. — Por favor. — Estou tão envergonhada, Sr. Coyle ... Nem sei o que dizer. Deve me achar uma péssima mãe, que não consegue nem controlar as próprias filhas. — Não. Imagino que deva ser complicado dominar Alice. — Tem razão, mas, mesmo assim, lhe peço desculpas. — Gabrielle olhou ao seu redor. — Onde elas estão? — Colocando gelo nas mordidas de pernilongos. — Ah! Elas passaram uma noite terrível. — Gabrielle também esticou o braços para mostrar as picadas. Todas nós. — O quê... — Um estrondo os fez correr para a cozinha. Alice estava ajoelhada no balcão, e Amanda, em pé sobre ele. Os cacos de um pote de cerâmica jaziam no ladrilho. Havia pedaços de papel, moedas velhas e chaves espalhadas por toda a cozinha. — Meu Deus do céu! — exclamou Gabrielle. — O que vocês fizeram? — Não foi culpa minha, mamãe. Foi Amanda quem deixou o pote cair. Amanda se pôs a chorar sem parar. — E de quem foi a idéia de subir no balcão? . — Nós queríamos um biscoito. — Eu costumava guardar minhas bugigangas no pote. Acho que não tenho biscoitos. — O tom de Paul era de desculpas, embora sua cozinha estivesse uma bagunça. — E claro que não! E por que você haveria de ter biscoitos? — Gabrielle respirou fundo. — Desça já daí, garota! Voltem para casa agora! Irei conversar com vocês dentro de um minuto! Em um piscar de olhos, as gêmeas deixaram a cozinha. Quando Gabrielle escutou a porta bater, virou-se para Paul. — Você tem uma vassoura e uma pá de lixo? — Não precisa. Pode deixar que eu cuido disso. — Não, nem pensar. — Gabrielle abaixou-se para começar a juntar os cacos. — Você não precisa limpar o chão. — Estou mais envergonhada ainda. — Não... — Não posso acreditar no que aconteceu. Minhas filhas não costumam mexer nas coisas dos outros. Não sei o que deu nelas. — Gabrielle. Ao ouvir seu vindo dos lábios de Paul, ela olhou para cima. Tinha as mãos cheias de cacos. Ele se ajoelhara a seu lado. A proximidade a estonteava, tanto que quase deixou os fragmentos caírem ao chão. — Por favor, não se preocupe. Eu limpo mais tarde. -Mas... Paul segurou-lhe o pulso e obrigou-a a soltá-los. Gabrielle observou a mão em seu braço. O calor fazia seu corpo todo se aquecer. Quando os olhares se encontraram, ela sentiu a boca ficar seca. Um pensamento passou-lhe pela cabeça. Estava sendo tacada por um homem. O primeiro depois de John. Por que tinha de pensar nisso justo agora? Deliciada, percebeu que Paul lhe acariciava a parte interna do pulso. Assim que olhou para baixo, ele soltou-a. Levantou-se bem depressa e foi para o outro canto da cozinha. — Eu... Acho... E melhor eu ir embora — começou ela, colocando-se em pé. — As meninas... — E claro. — Você tem certeza que... — Está tudo bem — respondeu Paul, torcendo para ficar sozinho. Tentou sorrir, mas não teve muito sucesso. Gabrielle nem isso conseguiu fazer. Acenou-lhe e partiu. "Ele me tocou... " Paul esperou um longo instante e só depois voltou para o trabalho. Olhou para fora e ainda a viu antes que entrasse no chalé. Chamou o cachorro e observou a palma de sua mão. "Eu a toquei... " 3 O sol quente da tarde entrava pela janela aberta, dando um brilho dourado à sala. Gabrielle relaxava no sofá, folheando uma revista de moda. O longo banho de banheira a deixara cansada. Tinha os cabelos enrolados em uma toalha e vestia um roupão lilás. Era um momento do dia em que aproveitava para recuperar as energias. As meninas estavam no quarto, cochilando ou deitadas lado a lado, conversando em sussurros, como era de costume quando o cansaço falava mais alto. Ajustou o botão de volume da babá eletrônica que a mantinha em contato com elas. Escutando com atenção, ouviu apenas o silêncio costumeiro do dormitório. Deviam ter adormecido. Tentada a colocar a revista de lado e também cochilar, Gabrielle esticou as pernas e observou a sala aconchegante. A casa lhe proporcionava uma sensação excelente de paz e tranqüilidade.As batidas na porta a assustaram. Não escutara barulho de carro se aproximando. Imaginou quem poderia ser. Assim que descobriu, arregalou os olhos e a revista foi ao chão. Paul. Levantou-se, mas hesitou antes de ir até a porta. Não o encontrara desde o dia do incidente na cozinha, mesmo sabendo que as filhas continuavam a visitá-lo. Paul nunca mais as expulsara de lá. Na verdade, Alice dissera que ele lhes oferecera cookies de chocolate, o que significava que já previra uma nova visita das duas. A reviravolta deixou-a surpresa, mas as gêmeas acharam muito natural. Em seus poucos anos de existência, nunca ninguém, deixara de acolher as meninas com carinho e simpatia. E Paul, pelo que tudo indicava, não seria diferente, mesmo que relutante. Em poucos dias, Alice e Amanda tinham se apoderado do gramado que dividia as duas casas. Era incabível proibi-las de brincar no jardim, ainda mais que o cachorro as seguia o tempo todo. Parecia mais o animal de estimação delas do que do próprio Paul. Mas Gabrielle preferiu se manter afastada. Ainda estava um pouco embaraçada com o toque de Paul. A lembrança da mão dele em seu pulso queimava em sua mente com tanta intensidade que a intimidava. Sem pedir licença, ela voltaria a qualquer momento, trazendo consigo um arrepio que lhe percorreria a espinha, uma mistura de calor e frio. Por que um contato tão insignificante chegava para abalar suas estruturas? Era uma questão que a perturbava, mas também não queria buscar uma resposta mais profunda. O fato de que gostara do toque de Paul não deixaria de atormentá-la. O contato com um homem, as mãos calejadas acariciando-lhe o delicado pulso. A mão máscula, com sua mistura de aromas. Seu coração disparara comprovando todo o choque E ele apenas a tocara por alguns instantes. Tão poucos que Gabrielle não parava de desejar que voltassem a se repetir. “Tonta. Ridícula. Desesperada!” Era o estereótipo da viúva em busca de amor que sentia falta de um homem havia tempo. Uma mulher solitária. Será que Paul adivinhara? Era bem possível, por isso Gabrielle ficava escondida dentro de sua pequena casa, sempre procurando algo para manter-se ocupada. Evitava assim, ficar espiando pela janela e imaginando o que ele estaria fazendo, como se sentiria. Ouviu a batida de novo, dessa vez mais forte. Caminhou até a porta, mas não a abriu. — Olá — disse Paul, através tela. — Oi... — respondeu Gabrielle. — Aconteceu algo de errado? — Vim consertar a tela da porta da varanda — explicou, mostrando a caixa de ferramentas. — Se não for inconveniente. — A tela? — Sim, na varanda dos fundos. Os pernilongos, lembra? Alice não pára de reclamar das picadas. Ainda ontem tocou no assunto de novo. — Ah, sim. Os pernilongos! Mas não há necessidade... — Sim, há. — O olhar de Paul desceu até o decote em "V" do roupão. — Faz parte do contrato. — É claro. — Gabrielle abriu a porta e convidou-o para entrar. — Não se preocupe comigo. Conheço o caminho, — Não, não tem problema. — Gabrielle acompanhou-o até a varanda dos fundos. — Estou tranqüila agora. As meninas foram descansar e eu apenas lia uma revista. — Tranqüila? — Paul começou o trabalho. — Sim. Minha única exigência como mãe. Preciso de mais ou menos uma hora toda tarde para recuperar as forças e continuar o resto do dia. Pode lhe parecer estranho. — Não, na verdade, não. Compreendo perfeitamente. Se tivesse Alice tagarelando ao meu lado o dia todo, também necessitaria de um belo descanso. — Paul fez uma pausa. — Por favor, não se ofenda. — Tudo bem. — Encorajada por vê-lo fazendo piadinhas sobre as crianças, ela prosseguiu: — Sinto muito por não ter conseguido mantê-las longe da sua casa. Tentarei ser mais rigorosa. — Também não tenho feito um bom trabalho. Meu cachorro parece gostar mais delas do que de mim. Espero que não seja nenhum inconveniente. — Não, imagine. Pelo visto, a atração é mútua. — Ao terminar de pronunciar as palavras, Gabrielle enrubesceu. Virou o rosto e tentou mudar de assunto. — Não se acanhe em expulsá-las de sua casa se o incomodarem. — Acredito que não será mais necessário... Gabrielle. Minha prima diz que eu guardo minha privacidade a sete chaves... -Não... — Ela tem razão. Algumas vezes exagero. Gabrielle entendeu que não conseguiria mais do que isso como desculpa, mas o simples fato de ele estar tentando alegrou-lhe o coração. — Acho que nós dois exageramos... Paul — disse, com ternura. Os olhares se encontraram. Gabrielle aproveitou a oportunidade para estudá-lo. Estava lindo em uma camiseta cinza e calça jeans, quase desafiador, como se estivesse dando permissão para ser observado. Laura tinha razão, pensou Gabrielle. Depois de um tempo, as cicatrizes se tornavam quase imperceptíveis. O perfil direito era perfeito, mas o lado marcado não mais a assustava, nem minimizava a beleza de Paul. De certa forma, a imperfeição até intensificava seu charme, proporcionando um forte contraste. Foi ele quem desviou o olhar primeiro. O teste terminara, mas Gabrielle não sabia se passara ou fora reprovada. — Onde é o rasgo? Passaram-se vários segundos até que ela entendesse a que ele se referia... — Ali — apontou, indicando a tela do meio. — Os homens que fizeram a mudança não tiveram o menor cuidado. — Não tem problema. Gabrielle sentou-se no sofá, e Paul virou-se de costas, iniciando o conserto. O ambiente estava quente e abafado e nem mesmo a brisa que entrava pelas venezianas adiantava. Tirando a toalha da cabeça, Gabrielle penteou os cabelos molhados com os dedos. Sabia que teria de se desculpar e subir as escadas para se trocar no quarto, mas não estava com a mínima vontade. Fazia tanto tempo que não ficava a sós com um homem que cedeu ao impulso de se satisfazer apenas por observá-lo. Na tarde silenciosa e com o sol que batia na varanda, Gabrielle sentia-se mais viva do que nunca. Disse a si mesma para deixá-lo sozinho trabalhando, mas não conseguia se mexer. A tensão no ar era quase palpável. Gotas de suor escorriam-lhe pelas têmporas e não queria dissipar a magia do instante. Os músculos das costas de Paul formavam ondulações enquanto lidava com a tela, e os braços brilhavam de suor. No momento em que Gabrielle se inclinou para a frente, ele se virou para trás. Tentou sorrir. Ela estava perto, talvez próxima demais, e isso talvez o deixasse desconfortável. Mas Gabrielle não se importou. Continuou a estudá-lo. Paul parecia um pirata, um raptor. Seus olhos verdes se fixaram na curva dos seios perfeitos então, bem depressa, ele voltou ao trabalho. "Que sorte a minha", pensou Gabrielle. "Um pirata moderno." Depois de alguns minutos, Paul se voltou para ela. — Por favor, não se prenda aqui por mim. — Não se preocupe, eu não tenho nada para fazer. — Ela o deixava nervoso. Ótimo. — Você não precisa ficar aqui enquanto eu conserto a tela. Terminarei logo. — Tudo bem. Não me importo. -Ah! — A menos que eu esteja incomodando. Estou? — Não, é lógico que não. — Que bom. Paul limpou o suor da testa com as costas da mão. Incomodando? Era uma piada. Estava morrendo de calor, a ponto de achar que iria derreter a qualquer momento. O que havia de errado com essa mulher? Será que não percebia que estava seminua, sentada ao lado de um estranho, no meio da tarde, em uma área isolada, onde ele poderia fazer o que quisesse sem que ninguém escutasse? O calor desse dia era pior do que das tardes de julho. Paul observou o lago pela janela e desejou poder tirar a roupa e mergulhar nas águas refrescantes. Mas a simples idéia de tirar a roupa perto de Gabrielle Levy causou-lhe um estremecimento. "Por favor, meu Deus", ele implorava, "tire-a daqui". Gabrielle sorriu de novo. Por que será que ela o olhava tanto? Será que achava que ele roubaria alguma peça de decoração? Não, havia outro motivo por estar sentada ali como um cão de guarda. — Você quer me ajudar? — perguntou Paul, arrependendo-se no mesmo instante. — É claro. Ele cedeu-lhe espaço do lado direito, como sempre,um hábito que cultivava havia tempo. Gabrielle ajoelhou-se. — Aqui — mostrou Paul, oferecendo-lhe a chave de fenda. — Segure firme com as duas mãos e vire o parafuso para a direita. Antes de começar, Gabrielle colocou a chave de fenda no bolso do roupão e pegou o novo parafuso. Depois, fez como ele pedira. Estava tão perto de Paul que podia ver as gotículas de suor em sua testa. Uma ou duas escorreram-lhe pelo rosto. Como queria tocá-lo! Segurou a chave de fenda com mais firmeza, na tentativa de evitar limpar () suor de Paul. Tinha certeza de que ele não imaginava a confusão que se passava em sua cabeça. Olhando para o perfeito perfil másculo, Gabrielle se deu conta da dificuldade que devia ter sido aprender a conviver com as cicatrizes. Laura lhe contara que Paul era um homem maravilhoso e muito conhecido. Bonito e popular, com certeza devia ter sido a atração de uma pequena cidade. Todas as mulheres deviam se encantar com tanta beleza. O acidente, sem sobra de duvida, mudara sua vida por completo. Gabrielle sabia que havia algo alem das cicatrizes. Paul se mostrava envergonhado, embaraçado. E esse "algo" era tão irresistível que reacendia os sentimentos que achara ter enterrado junto com John. Por que Paul Coyle a intrigava tanto? Talvez por ser o primeiro homem que a atraía desde a morte do marido. Seria o primeiro candidato por morar na casa ao lado? Pela necessidade que tinha de sexo? Não apreciava as perguntas, mas também não se entregaria à psicanálise, em especial no tocante à sexualidade. Mas tinha de admitir que, algumas vezes, achava que havia algo errado consigo. Na verdade, Gabrielle passara muitos anos pensando não ser muito ligada a sexo, mas seu breve casamento com John lhe provara o contrário. O amor conjugal fora uma de suas grandes alegrias na vida. Algumas vezes até achara que ela mesma tinha inventado. A vida sexual dos dois era ativa e espontânea. E era disso que sentia tanta falta. Mas o fato de ter saudade, não justificava seus sentimentos. Nos seis anos passados depois da morte de John, jamais experimentara tamanha necessidade e vontade de tocar e ser tocada por um homem. Até então. O que havia em Paul Coyle capaz de ressuscitar tais sentimentos? Talvez o fato de ele se demonstrar tão distante, tão inatingível, mas, acima de tudo, seguro. — Pronto. — Paul sentou-se em cima dos calcanhares para inspecionar seu trabalho. Gabrielle não se mexeu, querendo que a proximidade durasse pelo menos mais um pouco. — Está calor hoje — ela comentou, encarando-o. — Verdade. — Enxugou a testa mais uma vez. Olhando para a toalha que deixara no sofá, Gabrielle não hesitou em pegá-la. — Posso? — perguntou. Paul nem teve tempo de responder direito, e Gabrielle aproveitou a deixa, enxugando-lhe a testa toda, primeiro do lado direito, depois, vacilante, o lado esquerdo. Na mesma hora, Paul se afastou. Pegou a toalha da mão de Gabrielle e terminou sozinho. — Obrigado – agradeceu Paul, ficando em pé. — Por nada. Em seguida, estendeu a mão para ajudar Gabrielle a se levantar, mas não a soltou de imediato. Por um longo instante, ficou quieto, analisando-a, incapaz de ler sua mente, bem como de ignorar a sensação de ardor onde Gabrielle o tocara. Qual era o jogo daquela mulher? O que estaria pretendendo? Os olhares de ambos se encontraram mais uma vez, e Paul decidiu deitar lenha na fogueira. — Você não se incomoda. Gabrielle entendeu do que se tratava. — Não. Não me incomodo. — Então você é a única. — Não concordo. Acho que tudo está só na sua cabeça. Paul deu uma risada, um tom cínico que a arrepiou. — Você esteve conversando com Laura. — Sim, nós conversamos. Ela me contou que você era um homem bastante popular, envolvido com a comunidade. — Ela se esqueceu de falar onde — disse Paul, juntando as ferramentas. — Você precisa dar uma chance às pessoas. — Já dei muitas chances aos outros, mais até do que deveria. — Mas... Após pegar a caixa de ferramentas, Paulo pressionou a toalha nas mãos de Gabrielle, — Obrigado pela preocupação, mas eu gosto da maneira como administro a minha vida e não pretendo muda-la... — E é um assunto que não me diz respeito? Paul a ignorou e virou-se para sair da casa. Gabrielle sabia que fora longe demais. Acompanhou-o até a porta, desejando saber o que falar para remediar a situação. Segurou a porta para Paul. — Caso você necessite de mais algum conserto, avise-me. — Está bem. E... muito obrigada. Gabrielle o viu partir. Só depois percebeu que ainda tinha a chave de fenda no bolso. — Espere! — chamou. Assim que ouviu o chamado, Paul se virou e deu de cara com Gabrielle, que viera correndo ao seu encontro. Com o coração disparado e sabendo estar ridícula no meio do gramado com roupão de banho, ela teve um impulso, irracional, de não deixar Paul partir. Antes que pudesse abrir a boca para falar, ouviu uma voz chamá-la da janela do quarto. — Mamãe? Os dois de voltaram para a casa. — As garotas acordaram — notou Paul. -Sim. — É melhor você ir vê-las. -Sim. No entanto, Gabrielle continuou imóvel, fitando os olhos de um verde penetrante. O que Paul estaria pensando? Queria tanto saber, que apenas o orgulho a impediu de perguntar. — Vá, Gabrielle — pediu ele, mas antes lhe ajeitou o roupão. A simples frase lhe falou muito mais do que qualquer resposta que Paul pudesse ter lhe dado. Dizia que talvez ele não fosse tão imune quanto aparentava e quem sabe... — Mamãe ... — Estou indo, queridas! Paul, você esqueceu a chave de fenda. Ele sorriu ao olhar para a ferramenta. Por algum motivo que não soube explicar, a expressão a incomodou bem mais do que sua aparência desleixada. Era como se Paul soubesse que ela usara a chave de fenda como desculpa para encontrá-lo de novo. De repente, Gabrielle virou-se e correu para casa. — Obrigado — gritou ele. O orgulho falou mais alto. Gabrielle fingiu não ter escutado. A água gelada chocou-se contra sua pele quente. Paul mergulhou na imensidão azul e ficou até não poder mais. Tinha de encontrar uma maneira de apagar aqueles pensamentos. Surgiu na superfície, arfando, inalado o precioso ar. Tudo estava quieto, a não ser pelo som da água. Então ficou a boiar, batendo as pernas e indo a lugar nenhum. A lua cheia parecia brilhar direto sobre ele. Podia sentir os raios do luar entrando em cada poro. Levantou os braços e mergulhou mais uma vez, nadando rápido em direção à jangada próxima ao centro do lago. Saiu da água e deitou-se em cima da ilha flutuante. Passou as mãos no rosto. Nu e sozinho, fitou o céu estrelado. Estudou os astros por um longo tempo, como se estivesse observando uma obra de arte em um museu. A busca por sua alma não era novidade. Já se engajara nesse exercício infinitas vezes, na maioria delas quando se entregava ao lago. Em algumas ocasiões, punha-se a conversar com o céu, as estrelas, o universo. Com Deus. De vez em quando encontrava conforto, outras, um motivo. E essa era uma dessas noites vazias quando não encontrava uma resposta. Seu corpo se arrepiou com a brisa da noite. Não se importava, aceitava ao calafrio como um pequeno pagamento pela privacidade. Virou-se de costas e começou a remar. O chalé estava silencioso, tão quieto quanto a noite. As gêmeas dormiam, bem como a mãe. Gabrielle ... Uma suave brisa soprava ao norte, acariciando lhe o rosto, sussurrando-lhe o nome no ouvido: Gabrielle... Gabrielle... Paul fechou os olhos e deixou-se levar por um deseja abafado havia muito. Estava apenas adormecido, esperando pela pessoa certa que acenderia a chama. Gabrielle... Não existia mais lugar para esse tipo de pensamento em sua vida. Ordem era seu lema. Tinha o trabalho que o satisfazia. Demorara muito, mas conseguira se convencer de que era o suficiente. A lembrança de Maureen... "Não, Paul, não se lembre desses dias horríveis e humilhantes. Eles não existem mais." Mas teve de admitir que ela nem se comparava a Gabrielle. Gabrielle... Ela era tão linda,tão doce e, apesar da experiência como mãe, tão inocente. O modo como o recebera no chalé, usando apenas um roupão de banho lilás, cheirosa, tão atraente de cabelos molhados... Quisera beijá-la. Teve um ímpeto de agarrá-la e abraçá-la, de experimentar aqueles lábios perfeitos. Sentir a maciez da pele que parecia chamá-lo. Paul respirou fundo para dissipar a imagem. Seria um terrível erro. Podia quase sentir o perfume dela na brisa amena. Lamentou-se num gemido por não conseguir afastar Gabrielle da cabeça. Impossível. Jogou-se nas águas escuras, quase querendo ser levado para um lugar onde ninguém se importasse com sua aparência, mas sim com sua alma. No entanto, esse lugar não existia, muito menos ali em Wayside. Paul era assim, e nunca os dois, aparência e alma, se encontrariam. Apesar de todas as palavras afetuosas, Gabrielle Levy não era diferente das outras mulheres. Falar era fácil... O mesmo acontecera com Maureen. Paul nadou até a margem, sentindo os músculos relaxar. Em pé, vestiu o short jeans e deitou-se no gramado, afastando os cabelos do rosto. Passou os dedos pela ci.catriz e em seguida olhou para a palma da mão, como se esperasse ver também uma marca. Rindo de seus pensamentos, Paul levantou-se e começou o caminho de volta para casa. Passou por perto do chalé, mas não muito. Tentou não olhar para cima, mas se viu incapaz de se controlar. Examinando o segundo andar, notou que a cortina do dormitório principal esvoaçava pela janela aberta. Então viu uma figura. Gabrielle. Apenas uma sombra contra o tecido delicado. Tinha certeza que era ela. Paul deu meia volta e se aproximou. Ela o observava. Devido à escuridão, sabia que Gabrielle não enxergaria com detalhes. Paul lhe pareceria perfeito no escuro. Sem cicatrizes. Sabia que tinha um belo físico, pois corria todos os dias pela manhã, além de nadar às vezes no lago. Tentou imaginar como Gabrielle o estaria vendo. Tinha o corpo molhado, brilhando sob o luar. Enquanto isso, ela continuava admirá-lo. Sabia, a julgar por sua postura, que o olhar de Paul vinha em sua direção. A camisola branca contrastava com a luminosidade. Paul queria_ dizer algo, mas não sabia o quê. Ela era muito bonita, perfeita mesmo, portanto, fora de alcance. Mesmo assim a desejava com todas as forças. Jamais quisera tanto uma mulher. Nem ao menos Maureen. "Pare de compará-las!" Agora era mais velho e sábio, e se conhecia melhor. A suave brisa de novo. Gabrielle... Gabrielle... Gabrielle... "Não faça isso comigo, mulher. Não me provoque com o impossível para depois me jogar na cara que eu nunca terei alguém como você." Lembrou-se do olhar de Gabrielle naquela tarde. Bem, isso não significava nada, além de demonstrar compaixão, simpatia e perspicácia. Sim, sorriu Paul. Gabrielle não era cega. Só podia estar olhando para ele. Mas e se não fosse isso? Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Uma nuvem obscureceu a lua. De repente, tudo ficou sombrio ao seu redor. Virou-se, então, e seguiu seu caminho sem olhar para trás. “Pare de fantasiar, Paul Coyle”! Vá para casa e durma. “Amanhã o sol evidenciará sua cicatriz de novo.” A cicatriz e todo o resto. Gabrielle ajudou as filhas a subir no carro. Era a primeira viagem até a cidade. Seria um o dia cheio. Olhou para o lado, esperando ver Paul, um aceno, uma palavra doce. Embora seu carro estivesse parado no lugar de costume, nem sinal dele. "Pare de fantasiar! Cresça!" Ele a vira a noite passada, disso Gabrielle tinha certeza. Paul parara bem debaixo de sua janela quando voltava do lago. A princípio, ela pensou que algo o distraíra, mas o vira olhando para cima. Era como se tivesse sentido sua presença. O brilho da lua cheia a atraíra para a janela. Além disso, o sono custava a chegar. Viu quando Paul veio no lago, despiu o shorts e mergulhou nas águas escuras. Algo a impelira a continuar a observá-lo. Paul parecia possuído: nadava de um lado para o outro como se estivesse participando de uma competição. Imaginou que idéias ele tentava banir com tamanho esforço. Quando alcançou a jangada, era apenas uma figura distante, mas Gabrielle prosseguiu a analise depois de vê-lo deitar-se na pequena embarcação e prestar homenagem ao maravilhoso céu estrelado. Quando o silêncio da noite voltou a predominar e a silhueta tornou-se mais difícil de se distinguir, ela se censurou pelo comportamento infantil. Paul ficou na jangada por um longo tempo, tempo suficiente para Gabrielle abandonar a tentativa de voyeurismo e voltar para a cama. Dormiu um pouco, mas acordou com um dos sons da noite. Como um ladrão noturno, ela voltou para seu lugar na janela. Atraída para ver o que acontecera. Atraída por Paul. E agora ele estava bem embaixo de sua janela. Primeiro, Gabrielle deu um passo para trás, envergonhada por ter sido vista, mas quando o notou imóvel e fitando-a, voltou-se para a frente. Queria que Paul a visse, que a conhecesse melhor e que, de um modo bem básico, apenas... a desejasse. Gabrielle saiu da estradinha e entrou na rodovia em direção à cidade. As gêmeas tagarelavam no assento traseiro, mas ela não conseguia afastar o pensamento da noite anterior do que poderia ter acontecido. E se Paul a chamasse? Será que responderia? Teria ele convidado-a para descer e acompanhá-lo no mergulho? E depois? Essa era a pergunta que mais temia. Não costumava ser impulsiva, mas se sentira assim na noite anterior, atrevida, tendo até de controlar à janela para não chamá-lo. Havia uma certa tensão no ar, que incitou-lhe os sentidos até bem depois de tê-lo visto retomar para casa. Seu corpo todo se consumira e ainda hoje percebia os resquícios. Queria vê-lo, mesmo sabendo que não lhe faria bem. Apesar de os olhos verdes dizerem o contrário, sabia que Paul Coyle era frio. Seus pensamentos estavam em marcha lenta, e desejou saber mais sobre seu vizinho. Laura lhe telefonara diversas vezes depois da mudança, e Gabrielle torcia para que se tornassem amigas. Mesmo sendo uma bela fonte de informações sobre Paul, ela respondia com um certo resguardo, como se protegesse a privacidade do primo. Talvez descobrisse algumas novidades na cidade. De repente, decifrar os mistérios de Paul Coyle tornou-se uma missão importante, mesmo que só na sua mente. Chegando ao centro, sua primeira parada foi na igreja. Queria que as filhas participassem do sermão dominical e também questionar sobre a vaga disponível de organista. Laura comentara a respeito em uma das primeiras entrevistas, e a idéia não saíra de sua cabeça. Trabalhar na igreja seria uma ótima oportunidade para se envolver com a comunidade. Gabrielle estava ansiosa por conhecer os moradores de Wayside. Edith Winthrop, a mulher do pastor, cumprimentou as três à porta da igreja. — Entrem, queridas. É um prazer muito grande conhecê-las — disse ela, depois de Gabrielle ter se apresentado. — Espero não estarmos incomodando. Laura Hanlon me falou sobre a vaga de organista, e eu gostaria de saber se já foi preenchida. — Não, ainda não. A Sra. Mallory ainda não se aposentou, apesar da idade. Ela está determinada a ficar até o final do verão. Só então o reverendo escolherá uma pessoa para substituí-la. — Bem, ainda tenho chance — brincou. — É lógico. Tenho certeza de que meu marido fará alguns testes em breve. Por que você não deixa o número do seu telefone para que entremos em contato? — Seria maravilhoso — falou Gabrielle, enquanto anotava o número. — Espero receber logo esse telefonema. A Sra. Winthrop olhou para o papel. — Você está morando perto da casa de Paul Coyle? — Sim. Moro no chalé que ele alugava para os Kelly. — Estou surpresa por ele ter alugado a casa de novo. Aquele jovem parece determinado a ficar sozinho. — É algo que estamos tentando mudar — disse Gabrielle, olhando-a com firmeza. — Você e as meninas? Seria ótimo, Sra. Levy, se você conseguisse trazê-lo para assistir a um sermão de domingo. Terá a gratidão eterna de meu marido. Ele tenta tirá-lo da toca faz anos! — Isso, Sra.Winthrop, seria um verdadeiro milagre! — E milagres acontecem em todos os lugares. Nunca se sabe ... — É verdade — concordou, pensando no quanto Paul mudara a atitude em relação às garotas. Perdida em lembranças, Gabrielle não percebeu que ainda estava parada à porta. — Vocês aceitam um copo de limonada? — ofereceu a Sra. Winthrop. Os olhos de Alice e Amanda se arregalaram, mas Gabrielle ainda tinha muitas paradas pela frente. — Não, obrigada, Sra. Winthrop, estamos a caminho da escola. — Vai matricular as gêmeas? — Sim, no jardim de infância. Lecionarei música na escola para o primário. — Sim, eu soube. Boa sorte, Sra. Levy. — Estendeu a mão para Gabrielle. — Espero encontrá-la na igreja aos domingos. — Nós estaremos lá. Elas se despediram, e Gabrielle prometeu um sorvete às filhas depois que saíssem da escola. O diretor, Sam Johnson, foi bastante cordial e amigável e, depois de mostrar-lhes todas as instalações, convidou-a para uma conversa informal enquanto as meninas brincavam com a secretária. — Todos aguardamos ansiosos o início do ano letivo, Sra. Levy. É a primeira vez que conseguimos verba para lecionar artes no primário. Espero que a senhora esteja tão empolgada quanto nós. — Pode ter certeza disso. Por favor, me chame de Gabrielle. — E você, me chame de Sam — respondeu, com um sorriso afável. — Bem, setembro chegará voando. Daqui a algumas semanas eu lhe enviarei uma carta contendo suas principais tarefas, horários de aulas, o programa a seguir. Se ainda assim tiver alguma dúvida, nós conversaremos antes do início das aulas. — Sam observou o registro de Gabrielle. — Você está morando no chalé onde os Kelly viviam? — Sim, ao lado da casa de Paul Coyle. — Ah, sim. Paul... — Você o conhece? — Estudamos juntos. Jogávamos futebol. Conhecemo-nos há muito tempo. — Então vocês são amigos? — Eu não diria que sim. "Amigo" é uma palavra que não consta no dicionário de Paul Ele se isolou completamente do mundo depois do acidente. — A prima dele me contou que Paul foi um herói. — Sim, é verdade. O homem é considerado uma lenda pelas redondezas. Arriscou a própria vida para salvar as pessoas. E pagou um preço bem alto. — Você se refere às cicatrizes? — Sim. São terríveis, não? — Para ser bem sincera, não acho tão ruim assim — disse Gabrielle, sorrindo. — É claro que não. Devemos levar em conta tudo pelo que Paul passou. — Sim, devemos. Depois das despedidas, Gabrielle pegou as filhas e saiu da escola, levando consigo uma sensação de desconforto depois da conversa com o diretor. Será que Paul tinha de passar por isso todas as vezes que vinha para a cidade? Não se espantou por ele não quase nunca vir. Com o pensamento centrado em Paul, Gabrielle soltou a mão das filhas e atravessou a rua para encontrar-se com Laura, que acabava de estacionar o carro. — Olá, Gabrielle! Espera um minuto. Ela aguardou a corretora na sorveteria, onde comprou picolés para as filhas. — Como vai? – Perguntou Laura, assim que juntou-se a elas. — Tudo bem. E você? — Sentou as meninas no banco e deixou-as se divertir com os sorvetes. — Cansada? — Você nem imagina a correria que foi o meu dia! Laura passou a mão pelos cabelos. — Esse casamento está acabando comigo. — Casamento? — Não comentei que me casarei no primeiro final de semana de setembro? — Sim, é claro! Desculpe-me, mas eu tinha me esquecido. Wally, não é? — Willy — corrigiu Laura -, e ele faz parte do problema. Nós queríamos uma cerimônia simples, mas agora a lista de convidados já conta com mais de cem pessoas. Eu juro, ele convida todos que vê pela frente. Nós nunca conseguiremos receber os convidados na casa que compramos, e já é tarde para alugar um salão. — E o que vocês pretendem fazer? — Eu estava pensando em perguntar a Paul se poderíamos usar sua casa. O jardim é grande o suficiente para comportar todos os convidados. Os olhos de Gabrielle se arregalaram. — Você acha que ele concordaria? Quero dizer, sabendo como Paul preza a privacidade? — Nem daqui a mil anos. Ele preferiria sumir do mapa a enfrentar uma multidão. — Então o que pretende fazer? — Bem, perguntar não custa nada. Não tenho outra escolha. — Laura hesitou, balançando a cabeça de um lado para o outro. — Espero que você possa me ajudar. — Eu? Como assim? — Não sei. Mas talvez tenha mais sucesso que eu. Paul se deu tão bem com suas filhas ... Sabe, seria a solução perfeita para todos os nossos problemas. Quero dizer, os meus e os de Paul. — Solução? — É. Meu primo fala que eu fico tentando arrumar um evento para tirá-lo da toca e trazê-lo de volta à vida social. Se a festa do casamento fosse na casa dele ... O que você acha? — Pelo visto, Laura, você está em uma enrascada. Acha que Paul seria capaz de lhe recusar ajuda? — perguntou Gabrielle, adorando a idéia de ter uma festa de casamento em frente ao seu chalé. — Tenho certeza de que Paul encontrará uma desculpa. Ele abomina casamentos em geral. Mas não custa tentar. — Laura mordeu o lábio. — Posso contar com a sua ajuda? Gabrielle queria perguntar o que Paul tinha contra casamentos, mas manteve-se quieta. — Se eu puder... — Não será fácil. — Venha me visitar no meio da semana. Quem sabe até lá já tenha acontecido algo. — Então, ao ataque! — brincou Laura, sorrindo com malícia. A idéia de atacar o vizinho ficou a passear pela mente de Gabrielle. — As meninas me ajudarão. — Elas poderiam ser minhas damas de honra! — Laura, você não precisa fazer isso. — E por que não? Seria maravilhoso! O casamento será muito simples. Elas não precisarão de vestidos novos. — Se você acha ... — Olhe, nós já temos tantos convidados que poderíamos até fazer uma procissão! Duas pessoas a mais, duas a menos não farão a menor diferença. Que tal? Gabrielle olhou para as gêmeas. Estavam sentadas lado a lado no banco, se lambuzando de sorvete. Pegou lenços umedecidos na bolsa e limpou-as, tentando imaginá-las em vestidos de organdi cor-de-rosa. — Falarei com elas hoje à noite. Laura estendeu-lhe a mão. — Negócio fechado? — Negócio fechado. — Um arrepio percorreu o corpo de Gabrielle. O que Paul acharia? Pensaria que estava tentando chegar a ele através da prima? Será que Gabrielle estava metendo o nariz onde não era chamada? O telefone tocava quando Gabrielle abriu a porta do chalé. Entrou correndo e jogou as sacolas no sofá. — Alô! — Está tudo bem? — Olá, mamãe. Tudo bem. — Você está ofegante. — Acabei de entrar em casa. Fui matricular as crianças no jardim de infância. -Ah! — O que foi? — perguntou, ao notar um tom mal-humorado em sua voz. — Isso quer dizer que você decidiu ficar? — Nós já conversamos sobre isso. Assinei o contrato por um ano. — Eu sei. É que seu pai e eu sentimos tanta falta de vocês... Nós nos víamos todos os dias. Está sendo muito difícil. — Também sentimos saudade, mãe, mas logo vocês virão nos visitar. — Sim, foi por isso que eu liguei. Seu papai e eu gostaríamos de antecipar a nossa chegada para primeiro de julho, em vez de dia quinze. Assim poderemos ficar o mês inteiro. Que tal? "O mês inteiro?!" — Deixe-me verificar o calendário, mãe. Gabrielle mordeu o lábio. Não tinha nenhum calendário em casa. Precisava de alguns segundos para pensar. Dali a uma semana seria primeiro de julho. Mal chegara a Wayside e os pais já viriam atrás. E cuidariam de tudo. Ela os amava, bem como os sogros. Mas essas semanas que passara longe dos quatro lhe proporcionaram uma sensação maravilhosa de liberdade. Descobriu que apreciava o sentimento. — Eu não sei, mamãe. Essa primeira semana de julho é muito complicada, e também tem o feriado do dia quatro. — Nós não atrapalharemos, querida. Queremos apenas ajudá-la. E eles o fariam. Gabrielle tinha planos para o verão, e ter a companhia dos pais tão cedo não se encaixava neles. Mas como dizer isso à mãe sem ferir-lhe os sentimentos? — Espere mais um pouco, mãe. Enquanto pensava, olhou pela janela e avistou as meninas brincando nogramado com Paul. Ele estava sentado no carrinho de cortar grama e tentava trabalhar, mas as meninas queriam atenção. Costumava levar as duas para passear enquanto cortava a grama, uma de cada vez. Gabrielle viu a alegria estampada no rosto das filhas. Estavam no início de um novo modo de vida, bem diferente daquele que tinham na cidade. Estavam contentes, saudáveis e... De repente, Gabrielle soube como agir. Tinha de dizer não à mãe, por mais duro que fosse. Precisava de um tempo para ficar sozinha com as meninas, e, para ser bem honesta, para ela mesma. Sem considerar o interesse crescente por Paul. Queria conhecê-lo melhor; e seus pais, em especial a mãe, a impediriam, de certa forma. Era evidente que sua mãe jamais aprovaria nenhum tipo de relacionamento com Paul, ou mesmo com qualquer outro homem. Ela era super-protetora. Fora muito difícil para Gabrielle chegar tão longe. Sentia ter de magoar os pais, mas era o melhor a fazer. — Sinto muito, mãe, mas não será possível. Vamos deixar marcado para o dia quinze, como combinado, está bem? Silêncio. — Mãe? Está tudo bem? — Se nós formos dar muito trabalho, é lógico que está tudo bem. Não queremos ser um estorvo na vida de ninguém. — Ótimo, mãe. — Gabrielle tinha de se manter firme. — Eu ligo na semana que vem, para acertarmos tudo. — Seu pai ficará tão decepcionado ... — Até mais, mãe! Um beijo para vocês. Recolocou o fone no gancho e fechou os olhos. Seu coração batia forte, o que era normal quando tinha de enfrentar uma situação complicada. Todavia, cada vez que se esforçava para transpor o medo, sentia-se mais valente, mais confiante para o próximo desafio. Sabia estar no caminho certo. Voltando-se para a janela, percebeu que Alice descia do carrinho de cortar grama. Paul levantou Amanda e sentou-a em seu colo. Assim que o veículo prosseguiu, a menina começou a gritar de alegria. Gabrielle saiu à varanda e sentou-se na escada. Alice veio correndo para abraçá-la, esperando, impaciente, que a vez da irmã terminasse. Amanda, por sua vez, deliciava-se com o passeio. Sua pequena tímida florescia com a atenção de Paul. , "Está certo", pensou Gabrielle. "É assim que as meninas devem ser, não mimadas e reservadas, mas contentes e companheiras." Sentiu uma ponta de remorso por ter magoado a mãe, mas sabia que agira da melhor maneira. Precisava desse tempo, para as crianças, para si... e para Paul. Ele diminuiu a velocidade do carrinho e parou perto da varanda. Assim que deixou Amanda no chão, olhou para cima e deparou com os olhos de Gabrielle. Ela sentiu-se acariciada pelo olhar. O que ele estaria imaginando sobre a noite passada? — Agora é a mamãe! — gritou Alice. Gabrielle demorou para entender o que a filha estava querendo dizer. — Não; nem pensar — disse ela, rindo. — Eu sou muito grande. — Não, não é! Ela é muito grande, Paul? — continuou Alice, animando a mãe a dar uma volta no carrinho de cortar grama. — Sente ao lado de Paul e segure bem firme! Havia um espaço mínimo para acomodar-se. — Ela pode dar uma volta, Paul? Pode? Paul olhou para os rostinhos das gêmeas e, afinal, para o de Gabrielle. — Eu não sei... — Por favor, Paul – pediu Amanda. — Por favor – insistiu Alice. — Está bem. Se ela quiser... Alice pegou a mão direita da mãe, e Amanda, a esquerda. Juntas elas a puxaram escada abaixo, levando-a até Paul e o cortador de grama. — vá em frente, mamãe! É tão legal! Gabrielle meneou a cabeça. — Eu não acho que... Paul estendeu a mão. Não tendo alternativa, aceitou o convite. Ao se acomodar, falou para si mesma que estava fazendo isso apenas para agradar as filhas, o que não era toda a verdade. Estava aceitando passear de carrinho para poder toca-lo. — Você não precisa fazer isso – falou Gabrielle, tentando manter a calma. — Ah não? – perguntou ele, apontando para as gêmeas, que sorriam e gritavam de alegria. — Está bem. Só uma volta. — Segure firme! Está na hora do show! Paul aumentou a velocidade e, em poucos segundos, estavam no limite máximo. Alice e Amanda pulavam sem parar. — Mais rápido! – berrou Alice – Mais rápido! Paul deu um sorriso para Gabrielle querendo dizer “prepare-se”, e fez uma curva brusca. Como pretendia sobreviver ao passeio, ela segurou-se com mais firmeza. — Você esta bem? – perguntou ele. Gabrielle apenas conseguiu cerrar os dentes e assentir. Paulo seguiu até a cerca que dividia a propriedade da estrada e fez outra curva brusca. Mas, dessa vez, não estava tudo bem. Ela perdeu o equilíbrio. Quando sentiu que voaria pelos ares, um braço agarrou-lhe a cintura, puxando-a para um lugar seguro: seu colo. Paul não soube quem se surpreendeu mais com a reação instintiva. Gabrielle estava sentada em seu colo, com a cabeça em seu ombro. Segurava-lhe pó pescoço com firmeza, temendo ir ao chão. Paul tinha conseguido pega-la. Estavam a salvo. Então os olhares se encontraram. Tudo o atingiu no mesmo instante. O ronco do motor, o cheiro da grama cortada, os cabelos castanho-avermelhados espalhados em seu ombro. Paul respirou fundo para voltar ao normal, mas suas narinas foram atingidas pelo delicioso perfume de mulher, apagando tudo de sua mente, a não ser Gabrielle. A maciez estava em seu colo, como se tivesse pedido pessoalmente a ela que se sentasse no exato lugar onde seus corpos se correspondiam. Cada sensação era isolada: as mãos em volta de seu pescoço, os olhos azuis, grandes piscinas, perfeitas para se afogar. Paul foi consumido pelo desejo, que o queimava como a viga que o tinha marcado para toda a vida. Estava perdido no tempo, em algum lugar entre o céu e a terra. Gabrielle tremia dos pés a cabeça. Queria toca-lo e satisfizera o seu desejo. “Tome cuidado com o que quer, pois você pode conseguir...”. Os dedos dela se fecharam na nuca de Paul. Chegando mais perto dele, deliciou-se com a sensação de ter os seios encostados em seu peito. Seu coração disparou quando sentiu as mãos dele escorregarem para seus quadris. Sem desviar o olhar, Gabrielle ajeitou-se na nova posição. Paul virou a cabeça. Gabrielle levantou o queixo. Estavam tão próximos... Paul apenas registrava a alvura da pele dela. E os lábios... carnudos, cor de cereja, semiabertos, esperando. Abriu a boca, pronto para aceitar o que lhe estava sendo oferecido... Em algum lugar no jardim, Paul escutou um barulho, um grito, uma advertência. — Paul! Cuidado! Mamãe! Ele olhou para a frente. Tarde demais. Os dois bateram. Paul soltou o acelerador manual, e o motor morreu no mesmo instante em que o carrinho de cortar grama atravessava a cerca. Eles se seguraram um no outro e, em câmera lenta, observaram, quase que fascinados, o carrinho cair de lado, levando-os, abraçados, junto. Caindo em cima de Gabrielle, Paul sentiu que o coração dela batia tão depressa que pôde senti-lo contra seu peito. Ela tentou se mexer, sair dali. — Não se mova — murmurou ele. A posição era tão íntima que, se estivessem na cama em vez de na grama, poderia se dizer que estavam fazendo amor. Ao imaginar a cena, o corpo de Paul retesou-se no mesmo instante. Gabrielle demorou um pouco mais para perceber. Com as garotas berrando e Wilbur latindo, ela separou-se rápido de Paul e sentou-se. Tinha o rosto vermelho, os cabelos despenteados e o coração aos saltos. — Eu estou bem — gritou, acalmando as filhas. Mas estava mesmo? Não tinha certeza. O que começara como uma brincadeira, de repente se transformara em algo bem diferente. Enquanto alisava o vestido amarrotado, Gabrielle ergueu o olhar e deparou com um olhar que lhe tirou o fôlego. "Não aconteceu nada, Gabrielle." Dessa vez, entretanto, eles haviam trocado bem mais do que um simples toque de mãos. Ela sentira o corpo de Paul contra o seu... e percebera sua excitação. Paul sabia que devia falar algo, mas não conseguia pensar em nada adequado. As garotas o tinham salvo ao gritar para que tomasse cuidado. — Fiquem aí — disse ele, tentando colocar a cerca no lugar. — Está tudo bem. Nós já vamos. Quieto, Wilbur! Os latidoscessaram, mas a conversa, não. — Você consegue ver mamãe? — perguntou Alice, tentando enxergar além do carrinho. — Não — respondeu Amanda, abaixando-se para procurá-la. — Você consegue ver Paul? — Também não. As vozes das meninas lhes serviram de aviso. Paul virou-se para Gabrielle e tirou-lhe os cabelos dos olhos. — Você está bem? — perguntou ele, ainda segurando-a. -Sim. Paul inclinou-se, e ela apertou-lhe o pulso. Ergueu os lábios. Estavam tão próximos de novo... Ele não sabia o que estava fazendo, nem por quê. Dizer que perdera o controle seria demais. Estudou os olhos azuis e imaginou se Gabrielle perceberia o que havia nos seus: desejo. Era tão óbvio... Gabrielle não conseguia tirar os olhos de Paul Coyle. Começou a tremer, só não sabia o motivo real, se a queda ou o homem a seu lado. Queria que ele a beijasse. Fechou os olhos, respirou fundo e, em seguida, um torpor tomou-lhe o corpo. Sentiu Paul chegar mais perto. — Mamãe? — Era Alice. — Você está bem? Paul deu um passo para trás e soltou-a. As garotas se aproximaram junto com Wilbur. — Que bom encontrá-los! — Aqui, Amanda — disse Paul, oferecendo a mão para Gabrielle. — Deixe-me ajudá-la a se levantar. Eles ficaram a observar a cerca arruinada. — Foi culpa minha — começou Paul. — Não prestei atenção. — Não, fui eu quem o distraiu. — Bem, tanto faz. — Ele passou a mão pelos cabelos. — Demorará um pouco para consertar a cerca. — Procurarei manter as garotas afastadas. Paul ergueu o carrinho de cortar grama. — Precisa de ajuda, Paul? As garotas o observavam, de mãos dadas e com os olhinhos arregalados. _ Não, obrigado. Podem ir para casa. Eu cuido disso. — Tem certeza? — Sim. As três se voltaram, e Wilbur foi atrás. Paul as observou por um instante e não pôde deixar de reparar nos quadris de Gabrielle. Quadris que tinham estado em suas mãos... "Sim, meu caro, você pode cuidar disso. Mas e Gabrielle? Será que consegue lidar com ela?" 5 Paul acordou com as primeiras luzes do dia. Costumava despertar cedo desde que se mudara para aquela casa e, embora Gabrielle Levy e as gêmeas estivessem atrapalhando sua vida, sabia como lidar com distrações, de modo a não afastar-se da rotina normal de trabalho. Então ia pescar. Era sexta-feira, o dia ideal para isso. A manhã estava maravilhosa, o orvalho ainda cobria o gramado e sol começava a brilhar no horizonte. Uma leve neblina encobria o lago, prometendo mais um dia quente. Com a rede de pesca, a vara e a caixa de iscas, saiu de casa acompanhado por Wilbur. Olhando para a cerca danifica da, os dois em seguiram direção ao lago por um caminho que só Paul conhecia. Mantinha um barco a remo no esconderijo, que ficava ancorado em um cais improvisado com restos de madeira. O lugar se encontrava numa terrível desordem, mas a clareira da floresta o transformava em um santuário. Paul gostava de saber que, se precisasse, seu templo estaria ali. Não eram muitos os que se atreviam a entrar no beco sem saída, mas sempre existia a possibilidade de alguém fazer a curva para o lado errado, se perder e surgir em um daqueles dias quando tudo o que precisava era de solidão. Isso, é lógico, antes da chegada das Gabrielle, que tinham surgido para importunar seu isolamento e sua paz de espírito. Achava que estava começando a perder a cabeça. Em especial depois da tarde anterior. Já conhecera a tentação antes, mas nada o preparara para o efeito que Gabrielle, sentada em seu colo, lhe causara, para não mencionar quando caíra sobre ela. Com certeza isso ocorrera por fazer muito tempo que não se relacionava com uma mulher. A partida de Maureen o abalara o suficiente para querer distância absoluta de todos os seres do sexo feminino. Não desejava ninguém em sua vida, e procurava se convencer de que, nessa idade, o celibato não era uma idéia tão má. Laura sempre tentara arranjar-lhe alguns encontros quando a história de seu ato de heroísmo ainda estava, em alta na cidade, tornando-o desejável mais pela posição social do que por suas próprias qualidades. Paul atendera a alguns dos pedidos da prima. Saíra para jantar uma ou duas vezes. Aparecera em algumas festas. Tentara se reintegrar à sociedade, mas o efeito era sempre o mesmo. Todos queriam conversar sobre o acidente. — Como você se sente, Paul? — costumava perguntar-lhe então. "Como vocês acham que estou me sentindo?", ele queria responder, mas nunca o fazia. Quanto mais o questionavam, mais se irritava. Ninguém tinha nada a ver com sua vida. Então começou a dizer "não" para todos os convites. Como a grande Greta Garbo, Paul Coyle queria ficar sozinho. Não que Laura tivesse desistido, como evidenciado pelo pequeno deslize ao omitir a idade da viúva Levy, mas pelo menos aprendera a não falar de amor e de casamento. Paul até tentara convencê-la de que ser solteiro não era tão ruim assim. Sentia-se seguro sozinho; não devia satisfações a ninguém. a que tornava esse pequeno recanto seu lugar secreto e especial. Todas as manhãs de sexta-feira, na primavera, no verão, no outono e até no inverno, quando possível, Paul observava o nascer do sol e entrava no barco para pescar. Quando viu o lugar pela primeira vez, lembrou-se do avô, que o ensinara a pescar. a bom Sr. Coyle era meio inglês, meio escocês, daí sua famosa teimosia. Quando Paul tinha seis anos, o avô passou a levá-lo para suas expedições, ensinando-lhe a jogar a rede, colocar isca no anzol, limpar o peixe e levá-lo para casa, para que a avó o preparasse com limão, manteiga e pimenta. Uma delícia! Era uma receita que vinha de geração para geração. As pescarias sempre aconteciam às sextas-feiras bem cedo, para que o peixe pegasse bem o gosto do tempero até o jantar. A avó costumava chamar o marido cinqüentão de "monge", e sempre assava com esmero os peixes que ele pescava. Ao se preparar para entrar no barco, as lembranças da família continuavam presentes em sua mente. Já não tinha mais os avós, e os pais moravam em outro país. Paul amava Laura, mas ela se casaria em breve com Willy, e os dois teriam sua própria família para cuidar. Os sonhos de criança tinham sido destruí dos com o acidente, ou melhor, com a deserção de Maureen. Não haveria mais Coyle em Wayside; o nome morreria junto com ele. Tudo bem, não se importava. Demorara um bom tempo para encarar a dura realidade depois do acidente, mas agora enxergava seu próprio valor, e isso lhe bastava. Quase nunca pensava no assunto, mas em momentos como esse, o fato se tornava cristalino como a água, e Paul se via sozinho. Não totalmente. Paul percebeu que estava sendo observado. Saindo do barco, olhou para as árvores que rodeavam o esconderijo. Então a avistou. O rosto pequeno, os olhos grandes. Amanda. Reconheceu-a de imediato. Desde o primeiro dia, ele nunca encontrara dificuldades para distinguir as gêmeas. — Venha cá — disse ele, gentil. Resignada, Amanda saiu de trás de um arbusto, descalça e usando apenas uma longa camisola branca. — O que você está fazendo aqui a essa hora da manhã? — perguntou Paul. — Vi você e Wilbur — respondeu ela, como se apenas aquela frase fosse bastante. — Sua mãe sabe que você está aqui? Amanda meneou a cabeça. — Então, vamos. Eu a levarei de volta. — Paul ofereceu-lhe a mão e virou-se para voltar para o chalé. Com as mãos atrás do corpo, Amanda permaneceu imóvel. — Elas ainda estão dormindo. — Se sua mãe acordar antes de você voltar, ela vai ficar preocupada. — Ela não acordará — respondeu Amanda. Paul olhou o relógio. Quase seis da manhã. A menina tinha razão. — Você quer vir comigo? — ofereceu ele. Um belo sorriso formou-se, e ela concordou. — Está bem — disse Paul-, mas só um pouco, depois você volta para casa. — Certo! Paul ajudou-a a entrar no barco, e Wilbur ficou pulando de um lado para o outro. — Fique aqui, garoto — ordenou Paul. Amanda acenou para o cão antes de sentar-se, e Wilbur ficou a observá-los partir. Paul notou que a menina o encarava. — Preste atenção — começou ele.Amanda apoiou os cotovelos nos joelhos o olhou-o com adoração. Paul segurou uma minhoca e viu Amanda afastar-se um pouco. — É nojento, não? — perguntou Paul, colocando a minhoca no anzol. — Quer jogá-la na água? -Sim. Paul inclinou-se para a frente e segurou-lhe a mão, ensinando como jogar a linha na água. Então deixou-a tentar sozinha. Com muito cuidado, Amanda seguiu as instruções. Quando o anzol desapareceu no lago, ela olhou para cima e sorriu. O coração de Paul se enterneceu. As gêmeas eram as crianças mais adoráveis, divertidas e queridas do mundo. Mas essa, em especial, conseguira conquistá-lo por completo. Na maioria das pescarias costumava apanhar algo, mas sempre tinha um dia ou outro que em não pescava nada. Hoje, em especial, queria que fosse um dia produtivo. Ficou imaginando a expressão que veria no rosto de Amanda. Dentro de minutos, a vara começou a se mexer. — Pegamos! — exclamou Paul. Juntos, eles puxaram a vara. Era um peixe médio, que se sacudia sem parar, Paul foi recompensado por um maravilhoso sorriso. Depois de repetir o processo inúmeras vezes na meia hora seguinte, Paul remou de volta para a margem. Jogaram os peixes menores de volta, mas ficaram com dois de bom tamanho. No caminho de volta, Amanda permaneceu em silêncio, mas Paul tinha certeza de que a pescaria a agradara demais. O sol já brilhava quando eles se despediram na varanda. Ela deu um forte abraço em Wilbur. — É um segredo? — murmurou Amanda. — Se você quiser — respondeu ele. — Sim, eu quero. Será o nosso segredo. — Está bem — respondeu Paul, despedindo-se, mas a pequena já tinha desaparecido. — O que foi? Paul virou-se no mesmo instante. Gabrielle estava lá, linda, com os cabelos presos em um rabo-de-cavalo. Usava um short velho e uma camiseta desbotada. Pelo visto, nada mais. Lembrando-se do incidente do dia anterior, quando sentiu os seios em seu peito, Paul concluiu que ela não tinha o costume de usar roupas intimas. — Onde você estava? — perguntou Paul, encarando-a. — Atrás da casa. Acordei cedo e decidi começar um jardim. Eu estava cavoucando a terra. — Percebi... — E você? — Pescando. — Ele mostrou-lhe os peixes. — Com Amanda. — O quê? — Hoje eu tive companhia. Amanda me seguiu e eu a levei comigo no barco. — Ela saiu de mansinho? — Sim. Por favor, não fique brava com Amanda. — Eu não estou. Pelo menos, acho que não. Preciso pedir-lhe apenas que não saia mais sem me avisar. — Amanda me viu saindo com Wilbur e nos seguiu. Nada de mais. — Não dessa vez. — Aqui não é a cidade grande, Gabrielle — disse Paul, risonho. — Não tenha medo de que isso se torne um hábito. Ela não é muito aventureira. — Não, eu sei que não, mas... — Nada de "mas”... Por favor, não ralhe com Amanda. Eu lhe prometi que guardaria segredo. Gabrielle abriu a boca para falar, para dizer que era mãe e conhecia bem as responsabilidades que tinha para com as filhas. Mas o olhar no rosto de Paul refletia uma paz que jamais vira e, se bem conhecia sua menina, sabia que tinha adorado o passeio. — Obrigada, Paul. — Eu gostaria que você soubesse disso. — Não estou agradecendo por você ter me contado, mas sim por ter levado Amanda junto. — Foi um prazer. — Estava sendo amistoso como vizinho. Não era tão difícil assim. — Verdade? — Verdade. — Parece-me que vocês se divertiram. — Sim, foi bastante agradável. Você devia tentar. — É um convite? Paul foi pego de surpresa. Sugerira que ela fosse com as meninas, e não com ele. — Com certeza. — Quem sabe um dia. Quando você costuma pescar? — Às sextas-feiras bem cedo, quando o tempo ajuda — respondeu, hesitante. — É só seguir o caminho que você me encontrará. — Um dia desses eu irei. Procurando algo para dizer, Paul apontou para a cerca destruída... — Já encomendei um pedaço novo de cerca. — Que bom — respondeu Gabrielle, enrubescendo com a lembrança da aventura. — Bem, é melhor eu ir. Preciso limpar os peixes. — Você vai cozinhá-los? — Sim, prometi um pouco para Amanda. — Quer que eu os prepare? Tudo acontecia depressa demais, pensou Paul. Uma coisa era levar a pequena para pescar, outra era convidar Gabrielle para acompanhá-lo algum dia, mas cuidar dos peixes ... Será que estava preparado para essa nova vida social? Fazer o jantar era demais. — Sinto muito. Não tive a intenção de ser tão atrevida. — Gabrielle viu o olhar de pânico no rosto de Paul. — Não, você não foi atrevida. — Conseguiria explicar que o incidente do dia anterior e o possível jantar de hoje seriam demais para ele? — É que tenho uma antiga receita de família... — Mais um segredo? — Gabrielle tentava melhorar o humor dele. — Mais ou menos. Talvez as garotas queiram ver como se prepara o peixe. As garotas, Paul dissera, não ela. — Com certeza — disse Gabrielle, com falso entusiasmo. — Elas vão adorar. — Perfeito. — Paul parecia aliviado. — Avisarei quando for para a cozinha. Eles se despediram, e Paul voltou para casa. Colocou a rede com os peixes na bancada e passou a mão pelos cabelos. Estava transpirando, embora o ar da manhã estivesse bastante fresco. Não sabia como lidar com a proximidade de Gabrielle. Convidara as gêmeas para ajudá-lo a preparar a comida. Seria uma grande alegria para Amanda, que participara da pescaria, e Alice ficaria contente apenas por estar na cozinha. Olhou para o lugar onde estivera conversando com Gabrielle. Sentiu uma pontada de culpa quando deixou de convidá-la para o jantar. Bem, mandaria um pouco do peixe para ela provar. Seria o melhor a fazer. — Vamos brincar? — perguntou Alice. — Brincar? Eu estou tão cansada! — Só um pouco, Amanda. — Não, acordei muito cedo hoje. — Acordei mais cedo do que você — revidou Alice. Os olhos de Amanda se arregalaram. — Não é verdade! Eu acordei antes de todo o mundo! — Não antes da mamãe. — Sim, foi antes da mamãe. — Mentira! — É verdade! As meninas continuaram a discutir enquanto caminhavam para o quarto. Pobre Amanda. Descobrira que guardar segredos era uma tarefa difícil. Depois de juntar as toalhas molhadas e roupas sujas, Gabrielle desceu as escadas. Daria mais um tempo para as gêmeas brincarem, depois apagaria as luzes. Tinha certeza de que, pelo menos para uma das filhas, deitar a cabeça no travesseiro seria uma tarefa bem fácil essa noite. Quando voltou para o dormitório das meninas, quase uma hora depois, as duas estavam adormecidas. Tirou o carrinho da mão de Alice e cobriu Amanda antes de deixá-las sozinhas. Gabrielle serviu-se de chá gelado com limão e sentou-se à mesa da cozinha. Sintonizou o monitor da babá eletrônica e começou a folhear uma revista. Estava sem sono. Engraçado, pois tinha acordado cedo. Os programas de televisão não a entretinham e não conseguiria ler devido à tensão. Temia esses momentos, quando não tinha nada o que fazer nem ninguém ao seu lado. Eram ocasiões em que ficava a pensar em si mesma, na vida, no futuro. Fora em uma noite assim que decidira deixar a cidade e construir um lar só seu. Eram ocasiões em que a impulsividade a consumia, quando sua imaginação criava cenários aos quais Gabrielle sabia ser impossível existir. Nos últimos meses, as crises de solidão a acometiam. — Você gostou do peixe, mamãe? Gabrielle ajudava a filha a se enxugar. — Sim, estava muito saboroso. Era pelo menos a décima vez que Amanda repetia a pergunta, desde que viera correndo da casa de Paul com um prato na mão contendo o "famoso" peixe. — Eu ajudei a passá-lo na farinha. — Você fez um belo trabalho, filha. Gabrielle sabia que a pequena lutava para não contar-lhe o que acontecera de manhã sobre a pescaria. Sabia também que Amanda queria gritar que tinha fisgado o peixe, mas, caso anunciasse o feito, não teria mais um segredo para guardar, além de, sem dúvida, ter de levar a irmã na próxima pescaria. E. era óbvio que Amanda não estava preparada para isso. Gabrielle sorriu. Que dilema para uma menina de cinco anos! Não podia dizer para a filha que conheciaseu "grande" segredo. Amanda lhe contaria quando e tivesse vontade. Alice parou, descalça, em frente à porta do banheiro, vestindo o pijama amarelo. — Você está pronta, Amanda? — perguntou ela. — Quase. — Amanda abotoava a camisola. — Vamos brincar? – pergunto Alice. — Brincar? Eu estou tão cansada! — Só um pouco, Amanda. — Não, acordei cedo demais hoje. — Acordei mais cedo que você – revidou Alice. Os olhos de Amanda se arregalaram. — Não é verdade! Eu acordei antes de todo mundo! — Não antes da mamãe. — Sim, foi antes da mamãe. — Mentira! — É verdade! As meninas continuaram a discutir enquanto caminhavam para o quarto. Pobre Amanda. Descobrira que guardar segredo era uma tarefa difícil. Depois de juntar as toalhas molhadas e roupas sujas, Gabrielle desceu as escadas. Daria mais um tempo para a gêmeas brincarem, depois apagaria as luzes. Tinha certeza de que, pelo menos para uma das filhas, deitar a cabeça no travesseiro seria uma tarefa bem fácil essa noite. Quando voltou para o dormitório das meninas, quase uma hora depois, as duas estavam adormecidas. Tirou o carrinho da mão de Alice e cobriu Amanda antes de deixa-las sozinhas. Gabrielle serviu-se de chá gelado com limão e sentou-se a mesa da cozinha. Sintonizou o monitor da baba eletrônica e começou a folhear uma revista. Estava sem sono. Engraçado pois tinha acordado cedo. Os programas de televisão não a entretinham e não conseguiria ler devido a tensão. Temia esses momentos, quando não tinha nada o que fazer nem ninguém aos seu lado. Eram ocasiões em que ficava a pensar em si mesma, na vida, no futuro. Fora em uma noite assim que decidira deixar a cidade e construir um lar só seu. Eram ocasiões em que a impulsividade a consumia, quando sua imaginação criava cenários aos quais Gabrielle sabia ser impossível existir. Nos últimos meses, as grises de solidão a acometiam com maior freqüência. O vago sentimento de desgosto a atrapalhava um pouco, pois sabia que sua vida seguia pelo rumo certo. Era uma mãe feliz e satisfeita. Havia apenas uma parte dela que parecia negligenciada, e até então não tinha percebido que talvez fosse esse o motivo de sua ansiedade. "Quem é você?" Gabrielle, a mulher. "O que você quer?" Paul, o homem. Ela pegou o copo de chá e foi até a porta da frente. A caminhonete estava estacionada no lugar de costume, mas apenas uma fraca luz brilhava na casa de Paul. Imaginou o que ele estaria fazendo. Pensando nela? Será que o incidente com o cortador de grama o abalara como abalara Gabrielle? Ela ainda se recuperava dos tremores causados pela proximidade dos dois corpos. Fora tão bom... Não, maravilhoso. Uma série de pensamentos rondavam-lhe a cabeça desde o amanhecer. Sem ser convidados, eles iam e vinham, deixando-a atordoada. — Admita — disse ela alto e bom som -, você quer fazer amor com Paul Coyle. Riu das próprias palavras. O que ele faria se ela fosse até sua casa e batesse à sua porta, anunciando: "Paul, que tal? Você quer fazer amor comigo?" Ele morreria. Com certeza passaria dessa para a melhor. Paul nem ao menos conseguira convidá-la para jantar. Podia até imaginar sua reação se chegasse com uma proposta tão indecente. Não que ele não estivesse interessado. Gabrielle não era tão tola a ponto de não saber quando um homem se sentia atraído. E percebera sua excitação. Ou melhor, sentira, quando estavam colados na grama. Suspirou, percebendo quão fortes eram seus desejos por um homem. Aliás, por seu vizinho. Era evidente o tipo de vida que ele levava. No pouco tempo que morava ali, nunca houvera presenças femininas e, exceto por Laura, nada de visitas. Paul poderia não ser um recluso, mas às vezes agia de modo estranho. Talvez fosse o caso de pessoas que se mantinham carentes havia tanto tempo. Talvez por isso tinham reagido com tanta intensidade ao toque. Talvez por isso sua mente não parasse de fantasiar. Podia compreender tudo, e, se fosse verdade, saberia como lidar. Fantasiar faz bem para o corpo e para a alma. Chegaria acenando, tocando-lhe o braço ou qualquer outro lugar. Lembrou-se do beijo que quase acontecera entre eles. Estava tudo bem enquanto mantivesse seus pensamentos só para si. Brincaria sem que Paul soubesse. — Pare com isso, Gabrielle. Vá fazer algo de útil. — Colocou o copo na mesa e dirigiu-se ao piano. — Trabalho, por exemplo. Encontrou a partitura no meio da bagunça e sentou-se no banco. Tinha de praticar bastante para conseguir a posição de organista da igreja. Mas; enquanto remexia a papelada, escolheu uma música que não tinha nada a ver com sermões. Tocar uma canção que lhe agradava não significaria que não estava treinando. Além do mais, tinha a intenção de ensinar os clássicos e os populares às filhas. De certa forma, era trabalho. Escolheu uma de suas favoritas, The Music of the Night, do musical O Fantasma da Ópera. Sentou-se e começou a dedilhar as teclas... Paul olhou para o relógio. Dez horas. Bocejou, fechou o livro, apagou a luz e saiu da sala. Fora um dia difícil, acordara bem cedo para pescar. Espreguiçou-se e, escutando o ronco do ar-condicionado, sentiu que precisava respirar um pouco de ar fresco. Abriu a porta dos fundos e saiu para a varanda. A lua estava obscurecida por algumas nuvens. Andou de um lado para o outro a fim de esticar a musculatura das pernas, depois acomodou-se na cadeira de balanço e pôs-se a escutar os sons da noite. Tentou não olhar para o outro lado do gramado, mas é claro, foi impossível. Não havia luzes no andar de cima. As gêmeas com certeza já dormiam. No térreo, uma suave luz atravessava a cortina, mas nem sinal de movimento. O que Gabrielle estaria fazendo? Não que fosse de sua conta. Não que se preocupasse. Repreendeu-se quando seus lábios se curvaram num sorriso. "A quem pensa que está enganando, Paul? Você não consegue tirar essa mulher da sua cabeça." Gabrielle estava invadindo sua privacidade, seu espaço, seu santuário. Paul se mudara para aquela casa para fugir das pessoas. Laura dissera que era para se esconder, mas Paul não concordava. Sempre que havia necessidade, ia até a cidade. Não era um eremita como todos diziam. Apenas gostava de sua solidão, de se afastar de todo o burburinho de Wayside e de uma vida que não dera certo. Mas não havia como se afastar de Gabrielle Levy. Achava que o maior problema seria lidar com as gêmeas brincando no jardim, atrapalhando seu trabalho. Mas as duas eram muito doces, e Paul descobriu que gostava de vê-las todos os dias. Com Gabrielle era diferente. Sempre que a olhava, tinha vontade de possuí-la. Simples. E ela estava em todos os cantos. Mesmo quando longe, no chalé, importunava-o com sua presença espiritual. E então? O que fazer? Era sua casa, ele a construíra e sentia-se confortável. Não sairia dali, também, não tinha aonde ir. Precisaria aprender a conviver com elas. Com Gabrielle. Encontraria uma maneira, mas ainda não sabia como. A música começou do nada. Envolvido pelo som, levantou-se da cadeira e permitiu que as notas puras e belas o embalassem. Era uma melodia familiar, um triste lamento que não deixaria abater sobre si. A lua apareceu, e Paul deu um passo para a frente, movido pela pureza e intensidade do som. Gabrielle tocava piano. Distante dos olhos de todos, ele se permitiu absorver a música. Deixou que o som passeasse por todo seu corpo, relaxando cada músculo. Era estranhamente sedutor esse conserto privativo que Gabrielle não sabia estar dando. Paul adorou a idéia de imaginar que ela tocava só para ele. Sentiu o corpo rijo. Mais uma fantasia para incluir na biblioteca dos sonhos com Gabrielle. Fechou os olhos por um instante e deliciou-se com a quimera de levá-la para a cama. Paul encostou-se no pilar e olhou para as estrelas. Elas pareciam rodopiar pelo céu como um arco-íris acompanhando o ritmo da música. Quanto mais observava, mais clara se tornava a imagem, até que foi tomado por um sentimento de liberdade e paz, ao mesmo tempo em que as notas sumiam na escuridão. O silêncio que seseguiu o incomodou. Teve de voltar a se acostumar com os sons da noite, deixando que os grilos atuassem na natureza. Sentou-se mais uma vez na cadeira de balanço e, quando olhou para cima, viu Gabrielle saindo do chalé. Ela respirou fundo, e a porta de tela se fechou atrás. Estudando o gramado, não o viu. Paul esforçou-se para não se mexer, queria se fundir com o cenário noturno. Não sabia por que, mas não desejava ser visto. Não depois do concerto. Era um momento perigoso. Melhor seria vê-Ia voltar para dentro. Seria mais seguro. Como se escutasse seu pedido, Gabrielle virou-se e entrou em casa. Paul respirou aliviado e levantou-se da cadeira. Decidiu dormir. Nesse instante, a porta do chalé se abriu de novo. Sem preâmbulos, Gabrielle desceu as escadas e caminhou em sua direção, carregando algo. Acenou assim que o avistou na varanda, e Paul retribuiu o cumprimento. Tarde demais para entrar em casa. Gabrielle estava indo até ele. 6 — Olá — cumprimentou Gabrielle. — Oi. — Noite quente, não? — Pois é. — Você se importa em ter um pouco de companhia? — Não, entre. Enquanto subia as escadas da varanda, Gabrielle sorriu. Mas Paul não retribuiu o gesto. De repente, a idéia de juntar-se a Paul pareceu-lhe inconseqüente. Ela o vira quando saíra para respirar um pouco de ar fresco, e a urgência de uma conversa mais adulta foi substituída por qualquer tipo de bom senso. Ele não a avistara. Isso deveria tê-la advertido de que não queria saber de conversa. Tocar piano não a tranqüilizara, e Gabrielle não conseguia parar de pensar em qual seria a reação de Paul a uma visita surpresa. Ela deveria ter percebido. O "pequeno" incidente com o carrinho de cortar grama pareceu acentuar o constrangimento entre os dois, em vez de minimizá-lo. O fato de Paul não tê-la convidado para o jantar era a prova cabal. Olhou para Paul, que vestia uma camiseta branca e um jeans surrado. Tinha as mãos nos bolsos. Gabrielle imaginou se ele estava apenas sendo simpático. Jamais poderia dizer algo a julgar por sua expressão facial; ele se mantinha muito austero. Gabrielle hesitou, pensando em se desculpar e voltar para o chalé. Mas, mesmo não querendo aborrecê-lo, a idéia de ir dormir não, a atraía nem um pouco. "E aqui que você quer estar, Gabrielle. Então, fique." Colocando a babá eletrônica em cima do parapeito, Gabrielle virou-se para ele. — O que é isso? — perguntou Paul. — É uma babá eletrônica. Um intercomunicador que me conecta ao quarto das meninas. Eu as escuto, mas elas não conseguem me ouvir. Talvez seja um pouco de superproteção, mas sou assim mesmo. Posso me sentar? — Sim — respondeu ele, oferecendo-lhe a cadeira de balanço. — Experimente. Gabrielle passou a mão pela cadeira de carvalho antes de se acomodar. — É linda. Foi você quem fez? — Sim. O cheiro doce de lavanda penetrou pelas narinas de Paul. Achou melhor se afastar um pouco e foi até o parapeito. Não adiantou. O aroma inundava todo o ar. Gabrielle sorriu de novo. Dessa vez, entretanto, Paul sorriu também, aliviando-a. Ela balançou para a frente a para trás. — Que maravilha, Paul — comentou, com os olhos fechados. — Preciso tomar cuidado para não me acostumar. Você tem muito talento. — Obrigado. — Como começou a trabalhar com móveis? — Trabalhei com construção anos atrás. Pareceu-me uma boa idéia. Eu queria começar um negócio só meu e sempre apreciei trabalhar com as mãos. Gabrielle olhou-as. — E você foi bem-sucedido. — É, dá para pagar o aluguel — brincou. Gabrielle esperou que Paul continuasse a falar, talvez lhe contar como trabalhava a madeira, o que não aconteceu. Depois de alguns instantes, Gabrielle clareou a garganta. — Preparei frango à passarinho para levar ao piquenique de quatro de julho. Você quer ir conosco, Paul? — Não, obrigado. Não vou ao piquenique da cidade. — Ah! Quer que eu guarde um pouco para você? — Não, não se incomode. — Não é incômodo nenhum. — Então ... tudo bem. Obrigado. — Por nada. Outra vez o sentimento de incômodo abateu-se sobre'ela. — Interrompi alguma coisa? — questionou Gabrielle. — Não, eu estava escutando a sua música. — Espero não ter perturbado. Eu me esqueci de como o som viaja pela noite... — Não, a música era linda. "Você é linda", pensou ele, mas, é lógico, não disse nada. Gabrielle estava maravilhosa. Tinha os cabelos soltos, cacheados, e usava um vestido com estampa floral. Com certeza era a mulher mais encantadora e perfeita que já conhecera em toda a vida. Talvez perfeita demais. Pelo menos para ele, deduziu, com certa amargura. — Tenho um projeto de verão para voltar a estudar música. Preciso me preparar até setembro. — Setembro? — Sim, quando começam as aulas. Lecionarei música para o primário na escola da cidade. Paul mostrou-se surpreso. — Eu não sabia. — Achei que Laura tivesse comentado com você. — Laura nunca me falou muito a seu respeito, a não ser que era viúva. — E eu não era bem o que você estava esperando, não é mesmo? — Uma senhora com cabelos grisalhos e cozinheira de mão cheia? Não. — Verdade que me imaginou assim? — Sim. Laura omitiu bastante coisa. — Incluindo minhas filhas. Eu sei. Também fiquei um pouco zangada com sua prima. Ela me deixou em uma situação embaraçosa. — Você soube como agir. — Se pensa que vou me desculpar por minhas atitudes no dia em que nos conhecemos, está muito enganado. Paul riu, alegre. — Se alguém deve se desculpar, esse alguém sou eu. — Sim, eu concordo. — Gabrielle depois de algum tempo, Gabrielle perguntou: — Então? — Então o quê? — Você não pretende se desculpar? — Achei que já havia feito isso. — Aquilo não foi um pedido de desculpas, Paul. Não foi... nada. — Está certo. Como é que eu devo fazer? Sem pensar duas vezes, Paul postou-se na frente de Gabrielle e colocou uma mão em cada braço da cadeira, parando o balanço. Estava prestes a dizer-lhe o quanto tinha se arrependido de ter chamado as gêmeas de fedelhas, quando, de repente, percebeu o quão perto se encontrava de Gabrielle, o quanto queria levá-la para dentro. Para a sua cama. "O que estou fazendo?", perguntou-se ele, percebendo a expressão de espanto no delicado rosto dela. Gabrielle tinha os lábios semi-abertos, num convite inconsciente para ser beijada. Seu coração disparou. Paul lutou contra os impulsos que o bombardeavam depressa e com fúria, para diminuir a distância entre ambos, entrelaçar os dedos nos cabelos castanho-avermelhados e unir sua boca à de Gabrielle. Queria acariciá-la com a língua. Paul concentrou-se ao máximo para permanecer imóvel. Nesse momento, notou que havia tempos que tentava aperfeiçoar seu autocontrole. Decidido, soltou a cadeira, que começou a balançar de novo. — Sinto muito, Gabrielle. — Virou-se de costas e encostou-se no pilar. Ela queria perguntar o motivo, não mais sabendo sobre o que conversavam. Será que Paul se desculpara pela grosseria do primeiro dia ou por tê-la olhado com tanta intensidade? Seu coração batia descompassado. Será que ele tinha idéia do que lhe causava? — Desculpas aceitas — respondeu Gabrielle. As nuvens esconderam a lua, e a noite tornou-se bastante escura, iluminada apenas pelas débeis luzes que iluminavam as duas casas. O silêncio aumentou e ainda assim Paul continuou de costas. Gabrielle tentou pensar em algo para dizer, mas não encontrou as palavras. Não soube explicar o que aconteceu, se fizera ou se dissera algo errado. De qualquer forma, aproveitou-se da calada da noite para esconder seu embaraço. Levantou-se. Paul virou-se para ela. — O que houve? — Acho melhor eu ir embora. — Por quê? — Você parece querer ficar sozinho. Não pretendo importuná-lo. — Não está me importunando. Não era verdade. Dentro ou fora de casa ela o incomodava. Sua simples existência o incomodava. — Fique, Gabrielle. — Paul... Ele deu um passo para a esquerda e bloqueou as escadas. — Por favor. Por um longo instante, os dois se encararam. Paul foi o primeiro a desviar o olhar. Passou a mãopelos cabelos dela. — Você precisa me desculpar, Gabrielle. Não sou muito bom com as palavras. Mas estou me esforçando. — Apontou-lhe a cadeira. — Por favor. — Está bem, mas só mais um pouco. — Então me conte sobre seu novo emprego na escola. — Você quer saber, mesmo? — Sim — disse Paul, entusiasmado. — Quero saber. — Bem, darei aulas de música para crianças da escola primária. Esse foi um dos motivos por eu ter escolhido Wayside para morar. Era o único trabalho onde eu poderia estar perto das meninas quando estivessem estudando. Elas freqüentarão a mesma escola. — Já está tudo certo? — Quase tudo. Fui à escola hoje acertar os últimos detalhes. Conheci o diretor, Sam Johnson. Ele me disse que vocês se conheciam. — Hum ... — Também falou que estudaram juntos. — Ah é? — E que vocês eram amigos. — Ele exagerou um pouco. Gabrielle inclinou-se para a frente. — Você não gosta dele? — Eu não diria isso. Foi há muito tempo. Nem me lembro direito de Sam. — Se gostava de Sam na escola, teria de gostar dele agora também, não? As pessoas não mudam. — Sim, mudam. — Não, não mudam. — Confie em mim, Gabrielle. As pessoas mudam. Seus olhares se encontraram. — Ah, você se refere ao acidente. Acho que compreendo. Sam me pareceu um tanto quanto benevolente quando falei sobre você. Fiquei meio irritada. — Verdade? — Paul não conteve o sorriso. — Sim. Ele insinuou que você era estranho. — Eu sou estranho. Gabrielle mordeu o lábio, depois meneou a cabeça. — Não, eu não acho. Para ser sincera, no nosso primeiro encontro tive essa impressão, mas não passou de uma impressão. De alguma maneira, você me parece a pessoa mais normal que já conheci na vida. — Então você levava uma vida bastante reclusa. — Sim, sempre tive quem cuidasse de mim. É maravilhoso, mas às vezes acho que é um grande problema. — Não vejo onde você pode ter problemas. — Acha que a minha vida é tão maravilhosa? — Sim. Acho que sim. — Você realmente acha? — Gabrielle parecia admirada com a declaração. — Meu marido morreu sem conhecer as filhas. Eu as criei sozinha. Pensa que isso não é um problema? — Sem dúvida. Seu marido não a deixou por livre e espontânea vontade. Ele não teve escolha, pois morreu. Mas pelo menos você tem suas filhas. Minha mulher me abandonou. Assim, sem mais nem menos. É a vida ... — Você era casado? — Não se espante tanto. Eu nem sempre fui assim. _ Não quis dizer isso! É que ... Bem ... Laura falou que ... Paul chegou mais perto dela. — O que Laura disse? Gabrielle percebeu o olhar de defesa, mas não se deixou abater. Era uma boa ocasião para descobrir tudo o que queria saber. Quer queira, quer não, Paul Coyle falaria sobre seu passado. — Nós estávamos conversando sobre o casamento de Laura, e ela me disse que você não aprovava matrimônios. _ Continuo afirmando isso. Ainda acho que eles não deveriam se casar. — Isso é impossível! Já está tudo pronto. Willy convidou a todos. Laura está desesperada. — Para se casar? — Não. Ela quer encontrar um lugar· para fazer a festa. — Achei que a recepção seria na casa nova que eles compraram. — É muito pequena. Eles precisam de um jardim maior. — Ela analisou o espaço que dividia as duas casas. Paul também olhou para o gramado. Demorou alguns segundos para perceber aonde Gabrielle queria chegar. _ Ah, não. Nem pensar. De jeito nenhum. Fora de cogitação. Esqueça. _ Por que, Paul? — Levantou-se da cadeira. — Laura é sua prima. — Por isso mesmo. Laura sabe que eu não aceitaria. — Ela precisa de você. Quando precisou de Laura, esteve sempre pronta, não é? — Sim, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. — É lógico que tem! — Gabrielle ... — Eu sei. Desculpe-me, não tenho nada a ver com isso. Você tem razão. Estou metendo o nariz onde não sou chamada. Sei como você se sente em relação à sua privacidade. Mais do que qualquer pessoa. Mas será que, dessa vez, não pode ceder um pouco? — Cem pessoas no meu gramado já é demais, Gabrielle. — Você não terá de fazer nada. — Nem estar aqui? Gabrielle calou-se. Não tinha pensado nisso. Um casamento ali, sem a presença do proprietário ... — Aonde você iria? — Embora. — Para onde? — Faz diferença? "Sim, para mim faz." Nesse instante, Gabrielle percebeu o quanto a presença dele no casamento era importante. Queria tê-lo a seu lado. Era um evento que queria dividir com Paul. Comer, beber, conversar e até dançar com ele. A idéia a fascinou. — Sim, faz toda a diferença. O que Paul viu nos olhos dela o preocupou. Percebeu que Gabrielle tinha a intenção de aprofundar o simples relacionamento amigável entre vizinhos. Seu coração disparou de novo. Virou-se e encostou no pilar. — Pois não deveria. — É, mas para mim faz, Paul. — Gabrielle caminhou até ele e forçou-o a encará-la. — Já está na hora. — Na hora? — De você sair da toca. — É, você andou mesmo conversando com Laura. — Sim, e acho que sua prima está coberta de razão. Até mesmo a mulher do pastor, a Sra. Winthrop, tocou no seu nome hoje. — O que ela disse? — Incumbiu-me de tentar levá-lo aos sermões dominicais. Paul arregalou os olhos. — Você não pode continuar a viver assim, Paul. — E por que não? Já ocorreu a qualquer uma de vocês que eu possa gostar do meu estilo de vida? — Ele começou a caminhar na frente de Gabrielle. — E o que há de errado com ele? Estou incomodando alguém? — Não ... — Então, qual é o problema? Por que é tão importante que eu me reintegre ao mundo? O que há de tão maravilhoso lá fora? Gabrielle chegou mais perto. Paul se afastou. — É onde as pessoas estão, Paul. É onde eu estou. Você não pode fugir de nós para sempre. — Posso tentar, pelo menos. — Você também pode tentar mudar. — Dê-me um bom motivo. "Estou atraída por você. Quero fazer parte da sua vida e que você faça parte da minha." Gabrielle não era corajosa o suficiente para dizer o que estava pensando, mas havia outras maneiras de fazê-lo compreender. Tinha de haver. Deu mais um passo na direção de Paul, só que dessa vez ele ficou sem espaço para fugir, pois a parede o impediu. — Laura convidou minhas filhas para ser damas de honra. Elas ficarão muitíssimo desapontadas se você não estiver presente. — Isso é chantagem. — Pode ser, mas é verdade. — Gabrielle, sinto muito, mas o desapontamento das meninas não é suficiente para me fazer mudar de idéia. — Então, faça ... — Ela queria dizer "por mim", mas pensou melhor. — Faça, pois é a coisa certa a fazer. E porque eu estou lhe pedindo. — Não peça — disse Paul, esforçando-se para manter a distância entre os dois. Gabrielle tocou-lhe o peito. A pele era quente sob o fino algodão da camiseta. Acariciou-o. O corpo de Paul era forte e musculoso. — Eu estou pedindo, Paul. Ele colocou a mão sobre a dela, de modo a impedi-la de continuar, mas seus dedos não o obedeceram. Entrelaçou-os nos de Gabrielle e paralisou o movimento circular que o enlouquecia. — Gabrielle ... Não faça isso. — Fazer o quê? Pedir? — Ela ergueu a outra mão. — Ou tocá-lo? — Seu coração batia, excitado. Analisou os olhos verdes e viu sua vontade espelhada neles. — Eu sempre quis, você sabe. Desde o primeiro dia em que nos vimos. Aqui, nesta varanda. Você se lembra? — Sim ... Eu me lembro. Ela ergueu o rosto, e Paul acariciou a pele macia com os nós dos dedos. Gabrielle estava enrubescida e seus olhos azuis brilhavam. Por Deus, como queria beijá-la, experimentar o sabor daquela boca que lhe estava sendo oferecida! Satisfazer uma. fantasia, criar um sonho. Seria a oitava maravilha, enquanto durasse. O horror seria o depois. "Não comece algo que nunca poderá ter um final feliz", advertiu-se ele. Mas Gabrielle estava tão perto ... E Paul tão necessitado de escutar seu lado racional recordá-lo de todos os motivos contrários quando tudo estava a favor. Suas mãos chegaram à cintura dela num piscar de olhos. Seu corpo todo se encheu de desejo assim que Gabrielle se aproximou. Ao sentir os mamilos rígidos roçar-lhe o peito,Paul a puxou com firmeza. E ela permitiu. "Está certo, Gabrielle, se é isso o que você quer, terá." Talvez fosse o melhor a fazer. Tinha certeza de que no instante em que a beijasse, no momento em que demonstrasse o tamanho de seu desejo, Gabrielle fugiria correndo. Era melhor terminar com tudo logo. Melhor assustá-la agora, para ficar em paz, sozinho. Paul tocou os cabelos dela. Gabrielle entreabriu os lábios e as respirações se fundiram. — Gabrielle ... "Beije-a. Vá em frente. Ela voltará correndo para o chalé e nunca mais aparecerá. E você ficará a salvo. Vá em frente. Beije-a. Beije-a e veja o que acontece ... " Impaciente, Gabrielle colocou-se na ponta dos pés para diminuir a distância entre ambos. Roçou seus lábios nos de Paul no convite mais sensual que já fizera a um homem. O que estava acontecendo? De onde vinha toda aquela paixão? Ela não sabia, não se importava. Estava começando a perceber a força de seu desejo só agora. Não conseguia se controlar. Queria senti-lo, tocá-lo ... Seu corpo sendo tocado em lugares que não eram acariciados havia muito . "Beije-me " Gabrielle teve seu desejo realizado. Paul tomou seus lábios num beijo de tirar o fôlego. Sua língua brincava devagar com a boca de Gabrielle, explorando e tocando cada parte que ela tinha a oferecer. Os olhos azuis se fecharam, e um suave torpor tomou conta de seu corpo. Agarrou a camiseta de Paul, precisando de algo para se firmar. Gabrielle separou ainda mais os lábios e pressionou-se contra Paul, deixando-o num beco sem saída entre seu corpo e a parede. O vestido de algodão não oferecia nenhuma proteção contra toda aquela masculinidade. Gabrielle se roçava em Paul como um gato, abraçando-o, adorando a sensação, o aroma viril. Lágrimas se formaram em seus olhos. Não pensara que fosse estar nos braços de um homem outra vez, experimentando tantas sensações. Queria dizer-lhe de alguma forma o quanto aquele beijo significava, como ainda estava viva, como ainda era uma mulher. Gabrielle tentou acariciar-lhe o rosto. Mas, antes que conseguisse tocá-lo, Paul segurou-lhe o pulso e impediu-a, antes de permitir qualquer contato com a cicatriz. A princípio, Gabrielle não percebeu o que aconteceu, mas, quando se separaram, viu o medo presente nos olhos de Paul. Meneou a cabeça, querendo dizer um não. Paul observou a confusão que se formava na cabeça dela. Mesmo no furor do desejo não conseguia se esquecer das cicatrizes. Elas sempre estariam ali. Em algum momento, Gabrielle se lembraria e sairia correndo. Era irracional, mas não conseguia evitar o pensamento. O medo estava encravado de tal forma em sua psique, que já fazia parte de seu ser. Em sua mente, o fato era irrefutável: no momento em que ela tocasse as cicatrizes, sairia correndo para nunca mais voltar. Mas não era isso o que ele queria? Que ela partisse? "Sim ... e não." Paul trouxe a mão de Gabrielle até seus lábios e beijou-lhe a palma, colocando-a, em seguida, no lugar onde estivera antes, em seu peito. Soltou-a, dando-lhe a oportunidade de ir embora, de colocar um ponto final nessa loucura. Mas ela não se mexeu; continuou a fitá-lo como uma alma perdida que acabara de ser abandonada. Mas era Paul quem estava perdido. Pegando-a pela cintura, virou-a de modo a deixá-la contra a parede. Olhou-a bem dentro dos olhos enquanto suas mãos percorriam aquele corpo maravilhoso. Gabrielle gemeu ao ser tocada nos seios. Seus mamilos intumesceram no ato. Fechou os olhos e deixou-se levar pelas inúmeras sensações que as mãos dele lhe proporcionavam. Era demais para Paul. Beijou-a com sofreguidão, e Gabrielle correspondeu com a mesma intensidade. Desejo, necessidade e vontade o atacavam com uma força gigantesca. Os lábios de Gabrielle eram tão macios, tão quentes e tentadores... Ele escutava todos os sons da noite ecoando em seu ouvido, amplificados pelo sangue correndo rápido por suas veias. O perfume da noite e o dela se misturavam, enlevando-o. Mas era o sabor de Gabrielle que o levava a um lugar ímpar, onde viviam a luz e a beleza, onde a paixão ditava as regras e a esperança prevalecia. Um lugar onde Paul jamais estivera antes e de onde não queria partir... "Isso não era apenas um beijo", pensou Gabrielle. "Paul está fazendo amor comigo através de nossos lábios, como se nossos corpos estivessem unidos intimamente." E Gabrielle respondia a cada movimento da língua dele com ardor. As mãos dele passeavam pelas costas macias, subindo e descendo, tentando ajustá-la melhor a seu corpo. Estava tão excitado, tão quente, tão ... Ela enlouquecia com o toque dos quadris contra os seus. O som estranho não a incomodou a princípio. Gabrielle achou que era algum inseto, mas então escutou "mamãe ... " e percebeu de imediato de onde vinha: a babá eletrônica. Separaram-se. Respirando com dificuldade, Gabrielle apontou para seu chalé. — As meninas ... Paul saiu da frente. — Eu sei. — Preciso ir. — Vá. Por favor ... Gabrielle pegou o aparelho e saiu correndo pelo gramado. Paul virou de costas e encostou a cabeça na parede, como se estivesse sofrendo muito. Escutou a porta bater e fechou os olhos, tentando se lembrar de como tudo começara. Laura, o casamento, sair da toca, Gabrielle querendo tocá-lo ... Acontecera como Paul previra. Era para ser assim: ele a beijara e ela fugira. Paul soltou a respiração. Sem olhar para trás, entrou em casa e trancou a porta. 7 "Um passo de cada vez." Gabrielle repetia essas palavras enquanto se vestia para ir ao piquenique em comemoração ao quatro de julho. Deveria estar mortificada por seu comportamento com Paul, mas não estava. Muito pelo contrário, sentia-se contente e exultante por saber que ele a queria. Tinha certeza absoluta de que era desejada por Paul. Sorriu ao ver sua imagem refletida no espelho. Havia algumas coisas que um homem não conseguia esconder, e Paul Coyle gostara bastante do beijo da noite anterior. Pela primeira vez depois de muito tempo, Gabrielle sentiu a força de sua feminilidade. Na certa não significava nada para ninguém além dela mesma, mas o fato de estar sentindo algo parecido com paixão era uma realização surpreendente. Nenhum homem, ã não ser Paul, se demonstrara interessado por ela. Não sabia por que, mas gostara disso. Apesar de tudo, Gabrielle tinha a sensação de que ele não estaria tão contente com o acontecido quanto ela. Paul faria o possível para evitá-la, sem dúvida, como agira depois do incidente com o cortado r de grama. Parecia que para cada passo para a frente tinha de haver dois para trás. Não que ela soubesse responder o que pretendia com Paul. Na noite anterior, enquanto esperava o sono chegar, ficou a se questionar. A mudança para o campo era um tipo de teste, uma oportunidade de ver se conseguia se virar sozinha, sem a ajuda dos familiares. Por enquanto, tudo sob controle, pensou ela, caminhando para a cozinha. Mas o que mais esse pequeno experimento envolvia? Sua sexualidade tinha sido reacendida por Paul, mas até onde estava disposta a chegar? Até o fim? Gabrielle ainda não sabia a resposta. E, para piorar a situação, sabia que Paul não se interessaria por um relacionamento mais sério, apenas sexo sem compromisso. Estava preparada para isso? Um pequeno romance com um morador local, como diria sua mãe? Na verdade, Gabrielle achava que nunca saberia lidar com um breve relacionamento, mas sua vida desregrada não lhe permitia outras suposições. Além do mais, duvidava que Paul permitisse a entrada de uma mulher em sua vida. O apego dele à privacidade era um obstáculo quase intransponível em qualquer decisão sobre o futuro. Enquanto arrumava a cesta de piquenique, continuou a ponderar sobre a atração que a acometia, antes que fosse tarde demais 'e perdesse o controle da situação. De mais a mais, já não era uma menina, mas mãe de duas filhas, professora de música da escola primária de Wayside e aspirante a organista da igreja local. Mulheres decentes e maduras não tomam decisões precipitadas quando se tratade homens, e, atraída ou não, não permitiria que Paul Coyle atravessasse seu caminho rumo à independência. Contente com sua nova decisão, Gabrielle pegou a cesta, a bolsa e caminhou até a porta. Só então se lembrou do frango que separara para Paul. Então, correu até a geladeira e pegou a vasilha. Como sempre, estava atrasada. Sabia que, se demorasse mais, não encontrariam um bom lugar no parque. Queria ir com as filhas ao piquenique de qualquer jeito. Paul podia não gostar da companhia de outras pessoas, mas ela gostava. E bastante. Por sempre ter vivido em cidade grande, Gabrielle tinha se acostumado ao burburinho e, embora preferisse passar o dia na companhia dele e das filhas, sabia que devia seguir o plano original. . Ela gostava de pessoas. E iria prová-lo, para si mesma e para Paul Coyle. Gabrielle trancou a porta do chalé. As filhas brincavam com Wilbur perto do carro. Para sua surpresa, Paul estava lá. De repente, ela teve vontade de cavar um buraco no chão e sumir. Os olhos deles se encontraram. Paul tinha uma expressão austera no rosto. Pelo visto, não dormira direito. A imagem dele se virando na cama, desejando-a, surgiu na mente de Gabrielle, que enrubesceu de imediato. Queria tocá-lo, beijá-lo, senti-lo de novo, dividir o dia maravilhoso com ele. Sozinhos. — Bom dia, Paul. — Gabrielle procurava ser o mais natural possível. — Bom dia. Deixe-me ajudá-la. — Obrigada. -. Gabrielle passou-lhe a cesta de piquenique e acomodou as filhas no banco de trás do carro. — Está bom aqui? — perguntou Paul, depois de ter colocado a cesta na frente do assento do passageiro. — Perfeito. — Você precisa de mais ajuda? "Não pergunte!" — A sacola térmica que está na varanda. — Está bem. Gabrielle fechou as portas traseiras e esperou a volta de Paul. — Aqui. — Mais uma vez, muito obrigada. — Foi um prazer. Paul acompanhou-a até o lado do motorista. Segurou a porta aberta para que ela se sentasse. — Você mudou de idéia e decidiu ir conosco? — insistiu Gabrielle, cheia de esperanças. -Não. — Então fique com isso. — O que é? — perguntou ele, olhando para a vasilha. — O frango à passarinho que eu havia lhe prometido. Wilbur apareceu na mesma hora e começou a latir. — O cheiro está maravilhoso. Obrigado. Devo dizer que nós adoraremos. — Ele se afastou do carro, permitindo que Gabrielle partisse. — O que você fará durante o dia? — perguntou ela, imaginando por que demorava tanto para sair, se já estava atrasada. — Não se preocupe comigo. Para ser. bem sincera, Gabrielle estava mais preocupada consigo mesma do que com Paul. A idéia de passar o dia todo ao lado dele a fascinava. Ligou o carro. — Tudo bem. — Até mais. — Cuidem-se. — Ele acenou para as gêmeas. — Tenham um bom dia, meninas. As duas retribuíram o gesto e começaram a conversar sobre as possíveis atividades do dia. Gabrielle olhou para ele através do espelho retrovisor. Paul deu-lhe um último aceno. Durante toda a viagem, sentiu calafrios, num misto de medo, excitação e indecisão. Queria ir ao piquenique na cidade, passear com as filhas. Quem sabe elas não encontrariam crianças da mesma idade para brincar? Mas também almejava a companhia de Paul. Quando entrou no estacionamento lotado, começou a raciocinar com clareza. Era tão tarde... Nunca encontraria um bom lugar. Não conseguiria carregar a cesta e a sacola térmica e cuidar das filhas ao mesmo tempo. _ Está tão cheio, mamãe — disse Alice, exteriorizando a preocupação de Gabrielle. _ Sim, é verdade, querida. Não sei onde estacionar o carro. _ Triste Paul não ter podido vir conosco — comentou Amanda. — Ele nos ajudaria a carregar as coisas. — Sim — respondeu a mãe, continuando a procurar por uma vaga. — Muito triste. — Eu ajudo você, mamãe. — Obrigada, Alice, mas primeiro preciso estacionar o carro. — Aqui tem um lago? — perguntou Amanda. — Sim, querida. Só não sei se conseguiremos chegar perto da margem. — Podemos nadar? Eu quero nadar. — Nós tentaremos, Alice. — Por fim, Gabrielle encontrou uma vaga para estacionar. Desceu do carro. O suor lhe escorria pelo rosto. O calor estava insuportável. Limpando a face, ela analisou a distância que teria de percorrer até a entrada do parque. Abriu a porta para as meninas descerem. — Onde é o lago? — perguntou Alice. — Lá longe — e apontou para a entrada do parque. — É bem distante. — Sim, é mesmo, Alice. — Mamãe? — Sim, querida? — Você queria que Paul tivesse vindo conosco? A paciência de Gabrielle começava a se esgotar. — Sim, Amanda, eu queria, mas o convidei, e ele não quis vir. — Mas ... — Nada de "mas". Paul não quis nos acompanhar ao piquenique. E nós faremos um ótimo piquenique. Junto com um monte de gente. — Mas — recomeçou Amanda — nós não podemos fazer o piquenique lá? Gabrielle olhou sério para a filha. — Você quer dizer, levar o piquenique até Paul? A menina assentiu. — No nosso lago? — Aí nós poderemos nadar, mamãe! — gritou Alice. — Sim — respondeu Gabrielle, tentando resistir ao sentimento evocado pelo pensamento. — Aí todos nós poderemos nadar. — E nos sentar em uma manta perto do lago. Todos nós. — E não estará lotado — adicionou Amanda. — Não, o gramado será todo nosso. — Vamos voltar, mamãe?· — Vamos? Gabrielle olhou para as duas meninas, ansiosas, e imaginou por que lutava contra seus sentimentos. Tinha a mesma vontade das filhas. — É o que vocês querem, não é? — Sim! — responderam em uníssono. — Está bem. Por que não? Dentro de instantes as três voltavam para casa. Gabrielle descarregou o carro enquanto as filhas foram chamar Paul para participar do "novo" piquenique. Olharam· dentro e fora de casa e não o encontraram em lugar nenhum. Gabrielle teve uma sensação estranha ao ver o carro dele estacionado no lugar de costume. — Onde Paul poderá estar? — Não sei — respondeu Alice. — Eu sei — disse Amanda. Alice e Gabrielle se· viraram para a menina. — Você sabe? — perguntou a mãe. — Onde? — Pescando — respondeu, sorrindo. Paul jogou a linha na água. O dia estava quente e úmido. Por algum motivo desconhecido, não estava com vontade de trabalhar, muito menos passar o dia dentro de casa. Era quatro de julho, um feriado do qual costumava gostar bastante quando criança. A imagem de Gabrielle e das meninas no piquenique causou-lhe uma grande nostalgia, mas ele escolhera ficar sozinho. "Não, você ainda pode ver os fogos de artifício deste lado do lago, e não sabia que depois viria até aqui para satisfazer as antigas lembranças." Era um contentamento bem diferente que ocupava-lhe os pensamentos. O que acontecera entre Gabrielle e ele na noite anterior quase o derrubou. Nem se atrevera a entrar no quarto, sabia que o sono jamais chegaria. Em vez disso, serviu-se de uma, duas, três doses de uísque, na tentativa de se anestesiar o suficiente para não pensar, não sentir, não necessitar, não querer. E a bebida não ajudara em nada. "Por Deus, Gabrielle, o que eu permiti que você fizesse comigo?" Paul não estava brincando. Deixara que ela entrasse. Gabrielle era a primeira pessoa com quem sentia-se à vontade depois do acidente; a primeira mulher desde Maureen que lhe inspirara confiança. Sabia que era a receita perfeita para um desastre. As pessoas nem sempre eram o que demonstravam, sempre escondiam um pouco de si. Embora tentasse não ser cínico, a vida tornara reais suas palavras, e, assim que abriu os olhos para essa verdade, decidiu vir morar em um lugar afastado de tudo e de todos. Tornara-se uma pessoa autoprotetora, pois fora o único meio encontrado para continuar a viver. E nada, nem mesmo a chegada inesperada de Gabrielle e das meninas, lhe dava margem para pensar que algo havia mudado. Mas não negava que estar ao lado de Gabrielle lhe proporcionava uma tal sensação de liberdade que esquecera que existia. Nem mesmo com Maureen se sentira tão bem. Eles se conheciam desde criança e casaram-se jovens. Mas a união logo se transformou em uma extensão dos anos de namoro.Não cresceram juntos nem aprofundaram o relacionamento. Maureen sempre fora uma pessoa reservada. Ela costumava chamá-lo de Sr. Personalidade e o encarregara de cuidar de todas as atividades sociais. E Paul adorava ser o centro das atenções, amava a idéia de as pessoas atravessarem a rua apenas para cumprimentá-lo. E tudo isso mudara com o acidente. Embora Maureen tivesse cuidado dele no período de recuperação, uma nova pessoa surgira assim que o heroísmo do marido chegou aos jornais. Os repórteres começaram a acampar no gramado se sua casa para ficar por dentro de todas as novidades sobre o estado de saúde de Paul. Sua tranqüila esposa começava a brilhar, e apreciava muito isso. Em especial de um repórter bastante obstinado e persistente. A princípio, Paul tentou desencorajá-la, mas Maureen nem lhe dava ouvidos. Não passava um dia sem que ela aparecesse no jornal. Seu rosto sério, algumas vezes choroso, também estava com freqüência nos noticiários da televisão. Assim que se deu conta do que acontecia, Paul ficou muito aborrecido'-Proibiu-a de dar entrevistas. Tarde demais. Maureen apreciava a notoriedade, e a relutância de Paul em passar-lhe as informações a deixava mais ansiosa ainda. Era difícil controlar alguém que não queria ser controlado, ainda mais de uma cama de hospital. Assim que se deu conta do que estava acontecendo, Paul ficou aborrecido. Quanto mais a repreendia, mais ela o desafiava. Maureen até o fotografara enquanto dormia para que o repórter conseguisse uma foto especial para os jornais. Um peixe fisgou a isca. "Não, Paul, não desenterre o velho Ansell Walcott." Meneou a cabeça. Não gostava nem de se lembrar do idiota que manipulara sua vida de maneira escabrosa. Embora o sujeito tivesse usado e abusado de Maureen, ela participara de livre e espontânea vontade. Só descobrira a extensão de tudo isso meses depois, quando deixara o hospital e encontrara o repórter em sua casa. Em sua cama. Paul esperou que a angústia chegasse. Sempre que se lembrava do passado, ela aparecia. Só que dessa vez foi diferente. Não sentiu nada. E sabia por quê: Gabrielle assumira o comando de seus sentimentos. — Ela chegara como uma forte onda, levando todas as mágoas antigas e substituindo-as por uma agradável esperança que o assustava muito. A esperança era um sentimento muito perigoso. Gabrielle era muito bonita, cheia de vida e de amor para querer passar seus dias ao lado de um homem coberto de cicatrizes. Ela precisava de mais, merecia mais, e, embora pudesse gostar de estar nos braços de Paul, de seus beijos, ele sabia que só preencheria um vazio causado pela morte do marido. Dentro de pouco tempo, Gabrielle perceberia que não havia como satisfazer todas as suas necessidades. E teria razão. O fato era que Paul não conseguia mais amar. Queria, sentia e só Deus sabe como desejava, mas não tinha a habilidade de se entregar por inteiro. Uma das terapeutas com quem se consultara depois do acidente lhe dissera que teria de reaprender a amar. Talvez esse fosse o problema. Ele gostava do Paul de antes e estava contente com o Paul de agora. Mas isso não o impedia de sonhar com Gabrielle. Os cenários que se formavam em sua mente noite após noite eram cada vez mais constantes. A imagem dela em seus braços, na cama... Gabrielle apareceria na sua frente usando um delicado baby-doll branco, parecendo um anjo, cheia de desejo. Abriria os braços e chamaria seu nome. Como uma miragem, ele a viu à beira do lago. Piscando depressa, a cena se transformou de um convite sensual para uma mulher vestida com um short jeans com duas meninas ao lado, acenando para chamar-lhe a atenção. Seu cachorro também fazia parte do animado grupo. Sem tirar os olhos delas, Paul guardou a vara e começou a remar até a margem, percebendo que tinha fisgado um peixe apenas quando sentiu algo nos pés. Ao chegar à terra firme, jogou-o de volta na água. — O que aconteceu? — perguntou ele, pisando no pequeno cais. Gabrielle afastou-se para dar-lhe mais espaço. — Nós decidimos fazer o piquenique aqui. — Estava muito cheio, não? — perguntou ele, com um sorriso nos lábios. — Eu gosto de multidões — respondeu Gabrielle, erguendo o queixo. — Vocês não conseguiram encontrar um lugar? — Eu nem tentei. As meninas quiseram voltar. -Ah ... — O que você quer dizer? — questionou ela, com as mãos na cintura. — — Nada. — Paul virou-se para as gêmeas. — E vocês, bonecas? Querem dar um passeio de barco? — Podemos? — gritou Alice, examinando o modesto barco a remo como se um transatlântico. — Sim, eu conheço um lugar perfeito para fazer piquenique. — Paul olhou para Gabrielle — Se a mamãe concordar. — Você deixa, mamãe? — Será que todos nós cabemos aí dentro? — Sim, com um pouco de boa vontade. Depois de pensar por alguns instantes, Gabrielle concordou. — Está bem, se você acha... Paul uniu as mãos. — Ótimo — disse ele. — Alice, você e Amanda me ajudam a trazer a cesta de piquenique e eu pego a sacola térmica. Wilbur? Aqui, garoto! Antes que Gabrielle se desse conta, a comida estava a bordo, junto com as filhas e o cachorro. Paul ajudou-a a embarcar. Gabrielle tentou não observar os músculos em seu braço à medida que ele remava em direção a um pequeno bosque localizado na margem oposta. Era maravilhoso. Para Gabrielle, o lugar mais lindo do mundo. O sol realçava o verde das folhas das árvores, que faziam sombra sem bloquear a claridade do lago. — Oh, Paul... — Gabrielle virou-se para ele. — Melhor do que o parque? — Sim — ela respondeu ao olhar provocante de Paul. — É perfeito. As garotas, excitadas, começaram a pular, fazendo com que o barco balançasse demais. Chegando à margem, descarregaram tudo, alimentaram o cachorro e abriram a toalha, preparando o piquenique. Paul jogou bola e brincou de pega-pega com as meninas. Parecia um garoto. Mais tarde, almoçaram o frango à passarinho e a salada de batatas. Nenhum deles comeu muito, cada um por seus motivos. As gêmeas estavam mais animadas para brincar, e Gabrielle, exultante com a companhia de Paul. Depois do almoço, ele subiu em árvores com as duas e até improvisou uma balança. Depois de muito tempo, Gabrielle permitiu que as filhas entrassem no lago. Estendeu uma manta no chão e ficou a observá-los. Paul as jogava para cima, uma de cada vez. Alice e Amanda gritavam de alegria. Nenhum homem proporcionara tanta felicidade às pequenas. Seu pai tentara, bem como o de John, mas eles não possuíam a energia necessária para acompanhar o ritmo das crianças. Agora tinha mais do que certeza absoluta de que fizera a escolha certa ao se mudar para o campo. As meninas precisavam de mais espaço para brincar. Seus olhos se fixaram no corpo bem torneado de Paul. — Gabrielle, venha brincar conosco — chamou ele, despertando-a dos devaneios. Levantando-se da manta, ela tirou o short e revelou um maiô amarelo que lhe acentuava as formas perfeitas. Sem hesitar, entrou na água e juntou-se aos três. Foi um dia sem fim, que parecia caminhar em câmera lenta. Gabrielle nem percebeu que terminava até que o sol se pôs no horizonte. Encostada em um enorme carvalho, ela ninava Amanda nos braços. Wilbur, leal como sempre, deitava a seu lado. Em algum ponto fora de seu alcance, escutou Alice rindo enquanto Paul a entretinha, incansável. Amanda adormeceu. Quando fechou os olhos a fim de relaxar um pouco, sentiu a mãozinha de Alice em sua testa. — Onde está Paul, querida? Alice apontou para o lago. — Está nadando, mamãe. — Deite-se aqui e descanse um pouco, Alice. A garotinha obedeceu à. mãe, sem forças até para falar "não". Dentro de alguns instantes, as gêmeas dormiam. Gabrielle olhou para a água e tentou enxergar Paul, mas nem sinal dele. Entregando-se ao calor de fim de tarde, fechou os olhos e deixou-se levar pelo cansaço. Estava quase dormindo quando sentiu gotas de água em sua perna. Abriu os olhos e viu Paul, que pegava a toalha para se enxugar. Embora ensopado, ele já vestia a camiseta. Paul apenasse despira por completo para nadar, certificando-se de cobrir o peito no instante em que deixava a água. Gabrielle sabia que era por causa das cicatrizes e, mesmo não se incomodando nem um pouco com elas, respeitava o desejo dele de escondê-las. — Desculpe-me — pediu ele, depois de seco. — Tudo bem. Resolvi tirar um cochilo. — Você. quer dormir? -Não. Paul tirou Amanda de seus braços e deitou-a perto da irmã. Estendeu a mão para Gabrielle e ergueu-a da manta. Ela inclinou-se e ajeitou as filhas, cobrindo-as. — Estão exaustas — disse Paul, e Wilbur, ao ouvir a voz do dono, agitou-se. — Também, depois de tudo o que fizeram hoje... Elas nunca ficaram tão contentes: E eu devo essa alegria a você, Paul. — Para mim foi ótimo — admitiu. Os olhares dos dois se encontraram. — Vamos nos sentar nas pedras à beira do lago? Você fica, Wilbur. Sem soltar a mão de Paul, Gabrielle o seguiu até a água. Dali podiam ver as meninas, mas desfrutavam de certa privacidade. Paul escolheu uma pedra chata para se sentarem. Acomodaram-se lado a lado. Ela se espreguiçou e massageou a nuca. — Que maravilha! — exclamou Gabrielle, mergulhando os pés na água. — Está com dor na nuca? — Só um pouco. Fiquei muito tempo com Amanda no colo. Ela já não é mais tão leve. — Venha cá — pediu Paul. — Para quê? — Que tal uma massagem? Eu tenho mãos de fada — zombou Paul. Gabrielle não pensou duas vezes. Riu do comentário e acomodou-se bem perto dele. Paul colocou as mãos em seus ombros, mas ficou imóvel por um bom tempo. — E então? — perguntou ela, virando-se. — Estou testando. — Testando o quê? — O espaço. — Espaço? — Sim. Preciso ver se suas costas se encaixarão nas minhas mãos, compreende? — E então? — repetiu Gabrielle, impaciente. — Encaixam-se? Paul começou a massageá-la na base do pescoço. — Você é quem deve responder. Gabrielle apenas murmurou. Foi essa a resposta: — Por favor, não pare. — Você está muito tensa — falou Paul, à medida que continuava a manipular-lhe os músculos. — É mesmo? — Sim, tente relaxar. — Estou fazendo o possível. — Relaxe mais. O rabo-de-cavalo de Gabrielle acertou-lhe o rosto. Sem a menor dúvida, Paul soltou os cabelos macios no mesmo instante. — Melhor assim. Perfeito. Gabrielle riu, feliz. — Fique quieta, senão a massagem não funcionará. — Sim, senhor — obedeceu ela, ajeitando-se melhor entre as pernas fortes. Paul trabalhou em silêncio, adorando a sensação macia sob suas mãos calejadas. A pele de Gabrielle estava levemente bronzeada e era tão macia quanto o cetim. Paul deliciou-se com o perfume de xampu e teve de se controlar para não beijar aquela nuca tentadora. — Ah, que delícia ... Suas mãos são fabulosas, Paul. — Eu não disse? Paul prosseguiu com a massagem, tentando deixá-la cada vez mais relaxada. O toque se tornava mais delicado à medida que as mãos deslizavam-lhe pelas costas. Era evidente que a sessão tinha terminado, mas, mesmo assim, ela não se mexeu. Hesitante, Paul apertou-lhe os ombros. Gabrielle continuou imóvel. Brincando com as alças do maiô, Paul escorregou os dedos por baixo delas e pôs-se a alisar a pele delicada. Gabrielle abriu os olhos, percebendo que a intenção da massagem mudara bastante. Num sinal de alerta, suas faces enrubesceram e, em cada lugar que a mão de Paul passava, ela sentia um adorável ardor. Podia pedir que ele parasse. Era só falar alguma coisa ou sair dali. Não fez nada. Ao contrário, prendeu a respiração e permitiu que Paul continuasse com as carícias, querendo ser tocada com maior intimidade. Arqueou o corpo, e seu maiô escorregou, deixando o contorno dos mamilos à mostra. As mãos de Paul pararam no ato, e Gabrielle sabia, sem olhá-lo, que ele tinha os olhos fixos em seus seios. Os mamilos enrijeceram em resposta. Respirando fundo mais uma vez, Gabrielle apertou a coxa de Paul com força. Não havia dúvida sobre o que lhe estava sendo oferecido, e ele não perdeu tempo em aceitar a dádiva. Mergulhou a mão dentro do traje de banho, e acariciou-lhe um dos seios. Gabrielle cerrou os olhos e se entregou para Paul. Agindo com carinho, ele a acariciava sem parar e, quando roçou-lhe o mamilo, Gabrielle gemeu de prazer. Abaixou-lhe o maiô e juntou sua outra mão ao corpo que explorava. Dois olhos fascinados fitavam o jogo, observando, mas sem participar. Sentir o toque de Paul era uma sensação muito forte para ser negada. Impaciente, Gabrielle se mexeu, e mais um pouco de seu belo corpo ficou à mostra. Paul levou as mãos até a barriga de Gabrielle, o que disparou seu coração. — Gabrielle ... Ah, Gabrielle ... Você é demais. Sua respiração era quente e arrepiou-a da cabeça aos pés. Gabrielle virou-se e, sem vacilar, Paul beijou-a com volúpia. Não havia motivos para a turbulência de sensações que o acometiam. Havia apenas Gabrielle desejando-o, esperando-o, a mulher mais deliciosa do mundo, muito perfeita para ser só sua. Mas agora, nesse momento, ela estava ali para Paul. Dele. Paul a experimentava com a língua, desejando seu corpo, deixando sua imaginação tomar conta de tudo. Sua mão desceu para o centro de sua feminilidade. Gabrielle se abriu para ele, que, com delicadeza, acariciou-a com muita intimidade. Ela gemeu em seus lábios, o que o encorajou ainda mais... Paul prosseguiu com os movimentos gentis. Gabrielle estava tão pronta, tão cheia de desejo que seu corpo pulsava, e começou a se contorcer, e Paul sentiu o espasmo surpreendê-la. Ela encerrou o beijo, à procura de ar. Paul abraçou-a com ternura. Gabrielle tinha os lábios inchados e úmidos. Ele acariciou-lhe mais uma vez os mamilos com as costas das mãos. O toque a fez estremecer. A sensação fez Paul se sentir outra vez um homem. De novo. Depois de tanto tempo. Os beijos recomeçaram após uma longa troca de olhares. Com um gemido que parecia vir lá do fundo de sua alma, Paul retribuiu o beijo, parecendo querer devorá-la, enquanto ele tentava deitar-se na pedra. Procurou manter-se afastado, mas Gabrielle queria mais, mais... Abraçando-o, ela o puxou, adorando a sensação de tê-lo tão perto. Preferia, entretanto, que Paul estive sem a camiseta. Ele chegava às raias da loucura. Teve de se segurar para não arrancar-lhe o maiô, da maneira como sonhara noites e noites na escuridão de seu quarto. Olhou para os olhos azuis que ardiam de desejo. Eram um convite ao pecado. E isso foi o suficiente para impedi-la de dar um passo maior do que devia. Tarde demais para parar, tarde demais para prosseguir. E se não parasse? O que aconteceria? Gabrielle não fazia a menor idéia da batalha que Paul enfrentava. Sabia apenas que, na certa, se arrependeria por ter-se deixado guiar pelos impulsos, mas não tinha capacidade para impedir o deleite que despertava seu corpo adormecido. Estava tão preparada para... Quando Paul parou de beijá-la e levantou-se, ela arregalou os olhos. Quando ele colocou as alças de seu maiô no lugar, Gabrielle sentiu-se envergonhada. Paul a envolveu num abraço, num puro gesto de carinho. Por um longo instante, tentou controlar o desejo em seu corpo excitado. Aos poucos, ele a soltou. Precisava afastar-se de Gabrielle, caso contrário deixaria que a paixão falasse mais alto e faria amor com ela ali mesmo, perto de onde as meninas dormiam... As meninas! Paul se levantou. Olhou para trás. As duas continuavam a dormir como anjos. E Wilbur também. Aliviado, Paul passou as mãos pelos cabelos. Gabrielle, ainda atordoada, olhou para ele. Os olhos estavam tão cheios de desejo quanto os seus. Paul sustentou-lhe o olhar, mas, quando ela abriu a boca para falar algo, ele estendeu-lhe a mão para ajudá-la a se levantar. A realidade abateu-se sobre Gabrielle como um balde de água fria. Observou as filhas, que continuavam a dormir. Escutou um barulho de água. Olhando para trás, viu as longas braçadas que Paul dava. Parecia que queria se afastar dela o mais rápido possível. Exausta e aborrecida, Gabrielle voltou para perto das filhas. A noite chegava. Sem hesitar, acordou asgêmeas e pôs-se a guardar as coisas. Assim que terminou, chamou Paul, que carregou o barco sem dizer uma só palavra. A volta até o cais foi silenciosa. As garotas, sonolentas, não ousavam se mexer. Gabrielle agradeceu pelo lindo dia. Ao chegar, descarregaram o barco e seguiram para as casas. Paul ajudou-a a levar a cesta e a sacola térmica. Wilbur vinha atrás, balançando o rabo. Ao chegarem ao chalé, Gabrielle percebeu que as luzes do segundo andar estavam acesas. Um olhar para baixo e obteve a resposta: seu coração se encheu de alegria, mas não podia dizer que estava mesmo contente. Procurou manter-se controlada. — Vovô! — Vovó! Com mais energia do que nunca, as duas meninas correram para cumprimentar os avós. — O que... — começou Paul. Gabrielle respondeu à pergunta inacabada: — Meus pais. Eles trocaram olhares, o de Paul, perplexo, o de Gabrielle, resignado. Ela afastou-se de Paul, deixando-o com um cão exausto e um sentimento de que tudo mudaria dali em diante. 8 Gabrielle correu para abraçar a mãe. — Surpresa, minha filha? — Um pouco — confessou Gabrielle. — Foi idéia de seu pai — sussurrou a mãe. — Ele sente tanta falta das meninas! Então, hoje de manhã eu decidi: vamos fazer as malas e antecipar a nossa visita, querido. Gabrielle olhou para o pai, que, a princípio sustentou-lhe o olhar, mas depois voltou a dar atenção para as netas. Ela sabia que, mesmo depois do telefonema, a idéia de vir mais cedo fora única e exclusivamente da mãe. Sempre tinha sido assim. Leonore Hudson usava Patrick como desculpa para qualquer coisa que achasse necessário, e ele permitia. — Mamãe, papai — disse Gabrielle -, eu gostaria de apresentar-lhes Paul Coyle, meu vizinho. Paul, estes são meus pais, Leonore e Patrick Hudson. — Prazer em conhecê-los. Paul estendeu a mão para Patrick, que aceitou-a de imediato. Leonore, no entanto, não foi tão acessível assim. Sorriu e manteve-se a distância. Um momento de desconforto se seguiu, e Paul percebeu que, a julgar pela expressão de Gabrielle, não era algo que ela esperava ter de encarar naquela noite. E, pelo visto, por um bom tempo. O melhor a fazer era deixá-la sozinha com os pais. E assim o fez. Depois de beijar cada uma das meninas, Paul pediu licença, chamou o cachorro e caminhou para casa. Estava na metade do caminho quando escutou seu nome. Parou e esperou que Gabrielle se aproximasse. — Eu esqueci de alguma coisa, Gabrielle? — Não — respondeu, sem fôlego. — Fui eu quem esqueceu de lhe agradecer pelo maravilhoso dia. Você nos deu o melhor piquenique. Gabrielle cutucou-lhe o braço, e Paul segurou-lhe o pulso. Os olhares se encontraram, e os sorrisos sumiram de seus rostos. — Foi um ótimo dia, Paul. Só queria que você soubesse. Paul suspirou. Sabia que tinha de dizer algo do tipo "eu também", mas não conseguiu pronunciar uma palavras sequer. Sonharia com esse momento a noite toda, e no sonho diria algo brilhante, tão profundo e romântico que a deixaria tonta, mas agora só conseguiu menear a cabeça. — Preciso ir — disse ela. Paul soltou-lhe o braço. — Eu sei. — Boa noite, Paul. — Boa noite. Ele ficou no meio do gramado, observando-a. Estava prestes a se virar quando deparou com os olhos na mãe dela. Q rosto de Leonore Hudson indicava todo o seu desprezo, seus olhos arregalados indicavam uma certa ameaça, como se estivesse examinando um ser abominável em um microscópio. E ela não gostou do que viu. Paul olhou-a com um certo ar de desafio, um péssimo modo de aproximação, se tivesse isso em mente. Sabia o que ela queria dizer com 'aquele olhar: "Nem pense nisso, meu senhor. Minha filha é muito especial para alguém como você." E, embora parte dele concordasse com Leonore, tinha orgulho e auto-estima suficientes para irritar-se com a mulher. Paul conhecia muito bem pessoas bem intencionadas como a sra. Hudson. Conhecera diversas em seu período de "heroísmo". Elas procuravam bajulá-lo durante o período de recuperação, expressando sua generosidade e gratidão eterna, enquanto o fotógrafo tirava fotos e mais fotos. Depois, quando tirou as ataduras e todo o burburinho passou, elas quase nem o cumprimentavam. De repente, compreendeu a necessidade de Gabrielle em ter um canto para ela e as filhas, a vontade de ser independente. Interpretou, então, com outros olhos o julgamento de Leonore Hudson. Gabrielle, por sua vez, nem se deu conta do que se passava entre Paul e sua mãe. Estava muito nervosa para perceber. Ao acompanhar a família para dentro, notou que os pais haviam chegado fazia algum tempo e se instalado. Leonore anunciou que ocupara o quarto da' filha, relegando-a ao último e menor dormitório da casa. Leonore também mudara de lugar a namoradeira de que Gabrielle tanto gostava, pois "fica mais bonito assim". E usara o forno para preparar o jantar, o que transformara o chalé em uma sauna. Gabrielle procurou sorrir, fingindo-se contente com a chegada dos pais. Era lógico que os amava demais e que estava feliz por vê-los, mas preferia que eles não tivessem aparecido de surpresa. Seu estado de independência ainda era frágil, e o apego aos dois continuava forte. Ao anunciar que se mudaria para o campo, começaram os desentendimentos com a mãe. Leonore fizera de tudo para que elas ficassem, mas Gabrielle vencera. Apesar disso, continuava a interferir em tudo o que a filha fazia. Depois de banhar as meninas e colocá-las na cama, Gabrielle desceu as escadas para encontrar a mãe só, sentada na cozinha. Havia duas xícaras de chá quente em cima da mesa. — Papai já foi se deitar. Ele estava exausto devido à viagem. Você sabe quanto tempo demoramos para chegar aqui? — Eu sei, mamãe, é bem longe. — Você parece tão cansada... Beba o chá. — Está muito quente para tomar chá. — Bem, então vamos colocar umas pedrinhas de gelo. — Leonore se levantou bem depressa, colocou a bebida em dois copos e adicionou algumas pedras de gelo. Então, ofereceu um deles à filha. — Tome, querida. Chá gelado. Do jeito que você gosta. Amanhã pedirei a Patrick que compre um pouco de hortelã. Beba um gole, querida. Gabrielle deu um gole apenas para agradar à mãe. — Está bom, filha? — Sim, mãe. Uma delícia. Leonore sentou-se em frente à filha. — Aposto que ainda não teve tempo de preparar um copo de chá gelado para você, não é? — Para seu conhecimento, eu já fiz vários chás para mim. — Verdade? Estou surpresa. Você nunca gostou muito de cozinha, meu bem. Essa foi uma das minhas maiores preocupações quando se mudou. Imaginei o que seria de vocês com um cardápio tão limitado. — Está tudo caminhando bem, mamãe. Verdade-. Leonore cruzou as mãos em cima da mesa. — Está bem ... E ... — Fale. — Não, não é nada. — Nada? — Bem ... Quer dizer ... Talvez ... — Por exemplo? — Devo admitir que fiquei um pouco chocada ao encontrar você e as garotas na companhia daquele homem. — Paul tornou-se um bom amigo delas. — Só delas? — Não, mãe, meu também. — Gabrielle encarou Leonore. — Percebo. — Mesmo? — Sim, acho que sim. Você encontrou um amigo e, a julgar pelo seu olhar, está querendo dizer que eu não tenho nada a ver com isso. Gabrielle fechou os olhos e balançou a cabeça. — Não é bem assim, mãe. Paul é ... — O quê? — Ele é tão bom conosco ... — Mas ... — O quê? — E o rosto dele? — Mamãe! — Por Deus, Gabrielle, não venha me dizer que você consegue ignorar aquele monte de cicatrizes! Gabrielle suspirou. — Não. Como você, fui pega de surpresa quando o vi pela primeira vez, mas depois me acostumei. — O que aconteceu? — Ele é um herói — respondeu, com um brilho nos olhos. — Herói? — Sim. Ele salvou várias pessoas de uma explosão e acabou se queimando. Houve um grande rebuliço em torno do assunto na ocasião do acidente. Talvez você tenha lido a respeito. Está sempre a par de tudo ... — Hum! Acho que me lembro de algo parecido. Cinco anos atrás? Os jornais traziam a fotografia de um homem cheio de ataduras. A CNN fez uma reportagem especial sobre isso. — Sim, podeter certeza. Paul foi bastante perseguido pelos repórteres. Isso mudou sua vida. — Sim, tenho certeza de que foi um ato bastante nobre da parte dele, mas ainda assim não acho que Paul seja a companhia adequada para as meninas. — Por que não? — perguntou Gabrielle, endireitando-se na cadeira. — Bem, ele deve assustá-las. Elas podem ter pesadelos ... Gabrielle levantou-se e terminou de beber o chá. — Não seja ridícula. Paul foi a melhor coisa que aconteceu na vida das meninas. Você precisa ver a alegria delas hoje enquanto brincavam no lago. Estavam se divertindo como nunca. -Encarou a mãe. — Minhas filhas precisam de um homem em suas vidas, mãe. — Elas têm o seu pai. E o pai de John. — De um homem jovem, que brinque com elas. — E você espera que esse suposto herói venha preencher esse vazio? — O nome dele é Paul, e eu não espero nada. Acabei de me mudar para cá e tento começar uma vida nova. Sendo meu vizinho, Paul faz parte dela. — E isso é tudo? Gabrielle virou-se de costas' e foi até a pia lavar o copo. Depois, voltou-se de novo para a mãe. — Sim, mamãe, é tudo. — Achei que você já estivesse cansada dessa brincadeira. Gabrielle riu. — Ainda não. — Pensei que ... — Mamãe, nós já discutimos esse assunto mais de mil vezes. Por que você não aceita a minha liberdade? — Porque acho errado você ficar tão longe de sua família. E dos pais de John... — Pelo menos os pais de John estão se mostrando fortes. E papai também. A única pessoa que está tendo problemas é você. Leonore abriu a boca, mas fechou-a logo em seguida. Gabrielle não tivera a intenção de ser tão direta, mas a chegada inesperada de seus pais a deixara mais nervosa do que podia imaginar. Tinha até planejado um encontro secreto com Paul mais tarde, talvez na varanda, como na noite anterior. E depois do que acontecera essa tarde... Bem, estava desapontada por ter de adiar um novo encontro com ele... indefinidamente. Gabrielle mudou o assunto para temas rotineiros e logo as duas mulheres decidiram ir para a cama. Em seu minúsculo quarto, ela parou na janela e pôs-se a fitar o gramado. Como o quarto das meninas, dava de frente para a casa de Paul. Nenhuma luz acesa. Onde seria o quarto dele? Só conhecia o primeiro andar, quer dizer, a cozinha e seu local de trabalho. Não fazia a menor idéia de como era o resto. Então usou a imaginação. Fechou os olhos e pensou nele deitado na cama, em lençóis brancos, que brilhavam com o luar. Estaria nu? Com certeza; por que não? Era sua fantasia, podia fazer o que bem entendesse. Ele teria as mãos cruzadas atrás da cabeça e estaria fitando o teto, pensando nela, no dia de hoje, em como Gabrielle respondera às carícias. "Eu tenho mãos de fada." Gabrielle escondeu o rosto entre as mãos. Não acreditava que se portara tão mal, com as filhas a poucos metros de distância. Estava desesperada por sexo? Será que Paul pensava isso? Será que estava apenas sendo simpático tentando atender aos desejos de uma mulher cheia de vontades? Abriu os olhos. Não, em seu sonho Paul a queria tanto quanto ela. Era um participante ativo. Mais do que isso: tinha assumido o controle e a levava a lugares que Gabrielle nunca conhecera. Sabia que um dia ficariam a sós, escondidos dos olhos do mundo, quando então ninguém os impediria de chegar ao fim. Dessa vez eles fariam amor. Gabrielle levantou-se e andou até a cama. Deitou-se, cruzou os braços na nuca e ficou a olhar o teto, da mesma maneira que imaginara Paul. Estava cansada e precisava dormir. Sua mãe com certeza acordaria cedo e faria a maior bagunça na casa. Gabrielle fechou os olhos e virou a cabeça para o lado, como se o pequeno gesto fosse trazê-la para perto. Será que Paul pensava nela? A resposta encontrava-se em algum lugar na escuridão entre os sonhos de ambos. Sua única esperança era que um dia os sonhos se tornassem realidade. — Está na mesa! Gabrielle abriu os olhos ao escutar a voz da mãe. Na hora em que encontrou forças para abrir a porta, escutou as filhas descendo as escadas. Qual seria o cardápio do dia? Panquecas com geléia. A casa toda cheirava a manteiga. Três semanas já tinham se passado desde a chegada de seus pais, e uma nova rotina habitava seu dia-a-dia. Leonore, graças a Deus, tomara conta da cozinha. Com isso, Gabrielle não se importava nem um pouco. A mãe sabia que ela não gostava de cozinhar e, como elegera aquele como o ambiente preferido da casa, a filha a deixava ficar por lá. Era surpreendente como tinham voltado aos velhos hábitos. E essa não fora a única mudança. Suas conversas com Paul quase não existiam mais. Ele acenava de sua varanda, Gabrielle retribuía. Uma vez ou outra se encontraram no gramado, mas sempre alguém os interrompia, a mãe, o pai ou as filhas. A cada dia que passava, a depressão dela aumentava. Seu corpo parecia enfraquecer, como se sentisse falta de alguma vitamina. Era terrível vê-la e não poder tocá-la. Ou ser tocada... Parecia que tinha de percorrer uma longa distância para saciar a sede, mas, quando chegava à fonte, havia uma cerca elétrica que a impedia de beber dela. Paul era a água, e seus pais, a cerca, e se algo não acontecesse bem depressa, Gabrielle murcharia e morreria na frente de todos. Tinha certeza de que Paul não tinha idéia do que acontecia. "Deve estar contente", pensou Gabrielle, "por não ter de me encontrar". Ele nem se atrevia a chegar perto do chalé. Algumas vezes ficava dias e dias sem aparecer. Ela não sabia o que era pior: ficar sem vê-lo ou vê-la e não poder fazer nada. Gabrielle agradecia a Deus pelos dias ensolarados; precisava da energia do sol para manter-se animada. Juntando as forças, apressou-se para juntar-se aos familiares. Desceu as escadas quando todos terminavam de comer. Serviu-se de uma xícara de café e observou as filhas conversando com o avô, querendo mostrar-lhe algo aqui ou ali. Ela sorriu e sentiu um súbito enternecimento pelos pais. Com Paul ou não, era bom tê-los aqui. Gabrielle parecia não mais conseguir controlar as emoções e sentimentos. Então, decidiu parar de lutar. Aproximou-se da mãe e abraçou-a. — É tão bom tê-la aqui, mamãe. Leonore sorriu. — Eu também acho. — O que foi isso? Um barulho sobressaltou-as. As duas mulheres correram até a porta para ver o que acontecia. Gabrielle viu o pai, as filhas, Paul e um outro homem ao lado do carro. Ao sair na varanda, viu que eles descarregavam o veículo. Paul parou no instante em que a viu. — A cerca nova chegou, Gabrielle. Willy veio me ajudar a colocá-la. Willy, cumprimente Gabrielle — acrescentou Paul, e o noivo de Laura acenou com simpatia. Gabrielle retribuiu o aceno e chamou as filhas. — Alice, Amanda! Venham cá! Deixem os rapazes trabalharem em paz. — O que ele está fazendo? — perguntou Leonore, assim que as gêmeas se aproximaram. — Um pedaço da cerca quebrou, e Paul irá consertá-la. — Você toma conta de seu pai? Ele nunca pensa no problema que tem nas costas. — Ela apontou para o marido. — Patrick! O que você está fazendo? — Estou ajudando os rapazes com a cerca. — Suas costas... — Está tudo bem. — Mas que velho teimoso! — disse ela, alto o suficiente para todos escutarem. Assim mesmo, Patrick continuou a ajudá-los a descarregar a cerca. Leonore meneou a cabeça. — Ele se arrependerá depois. — Mamãe quebrou a cerca — começou Alice, tentando se infiltrar na conversa. — O que você disse, querida? — perguntou Leonore, olhando para a neta. — Alice... Não é verdade — advertiu Gabrielle. — O que não é verdade? — perguntou Leonore, confusa. — Que mamãe quebrou a cerca — adicionou Amanda. — Ela e Paul quebraram a cerca. Leonore olhou para a filha, que meneou a cabeça e sorriu sem graça. — Não foi nada de mais. — Nada? A cerca está quase toda quebrada. O que vocês estavam fazendo? — Era a vez de mamãe passear no cortador de grama. Paul tinha nos levado — explicou Amanda, rindo -, mas mamãe quase caiu, e Paul teve de segurá-la. — Sim! — Agora Alice também ria. — Mamãe saiu voando comoum pássaro, e Paul segurou-a, mas o carrinho se descontrolou e eles acertaram a cerca. Leonore sorriu para as crianças, mostrando-se benevolente. — E isso foi tudo? — Não — disse Amanda, com a expressão séria. — Eles caíram no chão. — Paul caiu em cima da mamãe, mas ninguém se machucou, não é, mamãe? — Sim, ninguém se machucou — confirmou Gabrielle, voltando a atenção para os homens trabalhando no gramado. Leonore aproximou-se logo. — Brincando no carrinho de cortar grama? — As meninas insistiram muito. Foi uma brincadeira tola, e nós perdemos o controle. — Só o controle? — O que você está querendo insinuar, mãe? — O que na verdade está acontecendo entre você e esse homem, Gabrielle? — Nada. E o nome dele é Paul. — Nada mesmo? Gabrielle olhou bem nos olhos da mãe e fez algo que jamais poderia ter feito: mentiu. — Nada. Leonore sorriu, aprovando, como Gabrielle imaginara. Ao voltar a atenção para o gramado, percebeu que seu pai, Willy e Paul riam. Pelo menos o bom e velho Patrick não o achava ameaçador. — Olhe para seu pai. Aposto como ele não conseguirá dormir a noite toda – resmungou Leonore. – Patrick! Patrick! Você está me ouvindo? Já chega, volte para casa. Gabrielle observou o pai segurar a cerca para Paul, desafiando a esposa, dando-lhe as costas. Ela sorriu. Sempre achara ter puxado pela mãe, agora não tinha mais tanta certeza. Começava a ver a aceitação silenciosa de Patrick Hudson com novos olhos. Ele não discutia com a mulher por nada. Seu modo de agir era mais sutil e de certa forma bem mais eficiente: ignorava e agia como bem entendia. “Obrigada”, pensou abraçando a mãe. Os três homens ainda riam quando Patrick acompanhou Willy e Paul até a cozinha do chalé, algumas horas depois. Eles passaram bem na frente de Leonore, e Patrick ofereceu-lhes uma cerveja gelada. Gabrielle percebeu pelo olhar da mãe que o marido pagaria caro por suas atitudes. Mas ele também sabia que a esposa jamais arrumaria a cozinha na frente de estranhos. Preferia a morte do que se sujeitar a isso. E Gabrielle não sabia qual era o mais estranho na opinião da mãe. — Vocês aceitam um lanche? — ofereceu Leonore, educada. — Que tal, Paul? Willy? Leonore sabe preparar como ninguém um sanduíche de peito de peru. — É uma ótima idéia, se não for dar trabalho — respondeu Willy. A resposta de Paul foi apenas um sorriso para a especulativa Leonore. — Não será incômodo algum. Enquanto vocês se lavam, eu preparo os lanches. Gabrielle? Você põe a mesa? — É claro, mãe. Em tempo recorde, Leonore tinha a mesa cheia de sanduíches, saladas de batata, picles, pães e frios. Mostrou aos homens onde se sentar. Gabrielle, depois de acomodar as filhas no balcão, juntou-se a eles. — Como vão os preparativos do casamento, Willy? — perguntou Gabrielle, dando uma mordida no sanduíche. — Muito bem — respondeu, olhando de soslaio para Paul. — Está tudo certo, Willy. Gabrielle já conversou comigo. — Conversou sobre o quê? — intrometeu-se Leonore. — Minha prima Laura e Willy se casarão em setembro. Eles pediram que eu cedesse a casa para a recepção. Paul fitou Leonore, que não desviou o olhar. "Está melhorando", ele pensou. — Que idéia adorável — elogiou ela. — Eu ainda não disse sim — acrescentou Paul. — E por que não? — continuou Leonore. — Paul não gosta de multidões, mãe. Paul não respondeu à provocação, mas olhou-a, irritado. Gabrielle sorriu e bebeu um gole do chá gelado. Ninguém se atreveu a dizer mais nada, e o assunto foi posto de lado. Willy parecia aliviado. Gabrielle não se surpreenderia se Laura tivesse mandando o noivo para saber algo sobre o tema. O dia do casamento se aproximava depressa, e, a julgar pela voz da corretora na última conversa por telefone, Gabrielle podia afirmar que Laura já tinha os convites prontos para enviar. Distraída com o casamento, Gabrielle nem percebeu que Willy comentava sobre uma feira de móveis que visitara na semana passada e sobre Paul ir para algum lugar. — Aonde Paul vai? — interrompeu ela. — Comprar madeira — respondeu Willy. — Paul sempre refaz seu estoque nesta época do ano. — Eles se olharam e sorriram. — Ele detesta quando chega perto da data. — Que data? — Nenhuma, Gabrielle. Apenas preciso fazer umas compras de madeira para os novos projetos que Willy me trouxe. — Quanto tempo você pretende ficar fora? — ela perguntou, sabendo que todos a olhavam, mas não conseguindo afastar a curiosidade. Sabia que, do jeito que as coisas caminhavam, nunca mais teria a oportunidade de conversar a sós com Paul. — Uma semana ... Talvez duas. Ainda não sei direito — disse ele, sem tirar os olhos de Gabrielle, que parecia aborrecida. Por que seria?, pensou Paul. Teria medo de ficar sozinha com as filhas? Não, pois estava acompanha dos pais. — Será que você poderia me fazer o grande favor de cuidar de Wilbur? — Quando percebeu o olhar confuso, preocupou-se. — Há algo errado, Gabrielle? — Não. É claro que não — respondeu ela, recostando-se na cadeira e forçando um sorriso. — As meninas adorarão ter a companhia de Wilbur o dia todo. Paul a analisou com cuidado. O que haveria de errado? Pelo que sabia, Gabrielle não ficaria sozinha. Devia existir um outro motivo para aborrecê-la de tal maneira. A menos que ela fosse... sentir sua falta. A idéia o arrepiou da cabeça aos pés. Seus olhares se encontraram, e o que Paul viu nos olhos dela agradou-lhe o coração. Não, não podia ser possível. Havia outro problema com Gabrielle. Procurou acalmar-se. Paul enxergava algo que não existia. E por que se surpreendeu? Já não sabia mais como agir com mulheres, muito menos ler-lhes a mente. Paul sorriu no intuito de minimizar a tensão dela. — Quando você partirá? — Hoje à tarde, depois de deixar Willy na cidade. Eu queria consertar a cerca antes de partir. — Já está pronta. — Sim. — Ele deu um tapinha nas costas de Willy e de Patrick. — Eles me ajudaram bastante. — Bem, faça uma boa viagem — desejou ela, fingindo entusiasmo. — Solte Wilbur quando você sair. Mais tarde cuidarei dele. — Obrigado. Deixarei a comida em uma sacola na varanda. Gabrielle sorriu. Paul também. Patrick serviu-se de salada de batata e mudou de assunto. Gabrielle não prestava atenção a nada. Empurrou o prato para a frente e limpou os lábios com o guardanapo. O lanche tinha terminado. Pelo menos para ela, pois perdera o apetite. Depois do café, Leonore e as gêmeas limparam a mesa, enquanto Patrick e Gabrielle acompanharam Paul e Willy até a porta. Ela despediu-se, mas não saiu do lugar nem mesmo quando Paul entrou em casa. Sentiu o braço do pai em seu ombros. — Obrigada por ter ajudado com a cerca, papai, mas acho que mamãe ainda mostrará sua zanga por causa das suas costas. — Eu cuido dela, querida. É você quem me preocupa. -Eu? — Sim, você. Eu soube como a cerca quebrou. — Ah, pai, foi uma brincadeira idiota em que nós perdemos o controle. — Só isso? Uma brincadeira? — Sim, é óbvio. Por que a pergunta? Patrick passou a mão na testa da filha. — Querida, eu a conheço e não é de hoje. Toda a vez que algo a incomoda, você franze o cenho. Como agora. — O que poderia estar me aborrecendo? — perguntou ela, procurando demonstrar naturalidade. Nesse instante, a porta da casa de Paul se abriu, e os dois apareceram. Conversaram enquanto se dirigiam até o carro, mas Gabrielle não escutou nenhuma palavra. Olhou para a bagagem que Paul colocava no porta-malas. Abriu a porta do passageiro depois de afagar o cão. Antes, todavia, de entrar no automóvel, olhou para o chalé, encontrando com o olhar de Gabrielle. Hesitou por um momento, mas acenou-lhe logo em seguida. Ao ver a caminhonete partir, Gabrielle não conseguiu evitar um suspiro. — Ele voltará logo — disse Patrick. Ela enxergou a compreensão no rosto do pai. — Papai, eu sou tão transparente assim? — Para mim sim, querida. — Abraçou-a com carinho. — Só uma coisa, filha. — O quê? — Não comente nada com a sua mãe. 9 A única vez na vida que Gabriellese lembrava ter ficado olhando o calendário com tanta freqüência fora perto de seu aniversário de dezoito anos, pois não via a hora de tirar a carteira de motorista. Já se passara pouco mais de uma semana desde a partida de Paul. Agosto começava, e seus pais não demonstravam nenhum indício de que partiriam logo. Ela e a mãe estavam se entendendo bem, e as meninas aproveitavam o verão na piscina inflável que o avô montara no jardim. Tudo estava bem. Todos contentes. Menos Gabrielle. Ela acenou para as filhas, que faziam guerra de água. Wilbur, sempre ao lado. — Cuidado, queridas. Gabrielle suspirou alto e cruzou as pernas. Estava de maiô e short. O livro, o último best-seller, continuava no chão, intocado. Não tinha energia suficiente para se concentrar na leitura. O cenário era novo, mas o problema, antigo. Fora tão fácil voltar à velha rotina com seus pais... Eles tomavam conta de tudo, protegendo-as, educando e supervisionando as netas. O único temor de Gabrielle ao se mudar para o campo era não conseguir dar uma boa educação às meninas sem a ajuda de que tanto dependia. E até antes da chegada dos pais estava contente consigo mesma. Não, melhor do que isso. Estava gostando de ser dona do próprio nariz. É verdade que não se passara muito tempo desde sua mudança, mas alegrava-se com o fato de conseguir se virar sozinha. E gostava disso. Apreciava a autonomia de poder fazer o que bem entendesse, quando bem quisesse. Fazia os próprios planos para si e para as filhas e não dependia mais de ninguém. Adorava a privacidade. Esse era o ponto crucial de seu descontentamento. Gostava de ter um pouco de tempo para si antes que as meninas acordassem, bem como a liberdade da noite, depois que as punha para dormir. Nada de assistir a programas de televisão para fazer companhia ao pai ou jogar cartas para passar o tempo. Gabrielle queria suas noites calmas de volta, queria poder ficar na varanda pensando sobre a vida, ver as estrelas, a lua, e... estar com Paul. "Admita, Gabrielle, é esse o seu maior dilema." Sentia falta dele. Sabia que conhecia o recluso e reservado Paul Coyle fazia pouco mais de um mês, e mesmo assim ele já se tornara parte de sua vida. Não passava uma hora, um minuto sem que não pensasse no querido vizinho. Era assim que tinha de ser. Fora Gabrielle quem se intrometera na vida de Paul. Mesmo ele tendo assustado as meninas ou se mostrado um excelente massagista, ela começou a ter sentimentos que jamais imaginara poder sentir por outro homem. Desde sua partida, Gabrielle acordava todos os dias com dor no peito, com saudade, e lembrava-se a todo o tempo: "Eu não vou vê-lo hoje". Cada vez que alimentava ou afagava Wilbur, sentia que o cachorro tinha os mesmo sentimentos., Tarde da noite, bem depois de todos estarem dormindo, Gabrielle costumava ir até a varanda e sempre era seguida pelo animal. Ficava pensando em Paul e conversava com o cão sobre seu dono, perguntando-lhe como estaria, quando voltaria. Depois sentia-se uma tola. Mas agora, tendo passado mais de uma semana, a saudade transformou-se em ansiedade. Sabia que logo, logo, Paul estaria de volta. Ao acordar, achou o dia maravilhoso; o céu estava mais azul, o ar, mais limpo, e seu coração, mais contente. Como deveria reagir quando o visse? Um beijo? Não, não se a mãe estivesse por perto. Um abraço, talvez. Sim, um amigável aperto de mão seguido por um abraço de boas-vindas. Ela levaria Wilbur até seu dono e então conversariam sobre a viagem. Talvez depois, à noite, pudessem se encontrar na varanda, até subir as escadas e... — Um dólar por seus pensamentos. Gabrielle olhou para cima. — Olá, papai. — Você quer companhia? — É lógico. Onde está mamãe? — Deitada. Sente um pouco de dor de cabeça. Por que você não sobe e também descansa um pouco? Eu cuido das meninas. — Mais tarde — disse ela, apontando para a cadeira a seu lado. Patrick acomodou-se. — Vi a caminhonete sair da rodovia faz algum tempo. — Virou-se para a filha e viu o brilho em seus olhos. — Parece-me que Paul está de volta. O coração dela disparou. — Verdade? — Gabrielle tentava parecer desinteressada, sem sucesso. — Como será que foi a viagem? — Por que não vai até lá e pergunta? — Não, ele deve estar ocupado; caso contrário teria vindo buscar Wilbur. Patrick observou o animal brincar com as meninas ao lado da piscina. — Pelo visto, Wilbur não pretende voltar para casa tão cedo. Por que não avisa Paul que está tudo bem com o cachorro? Gabrielle virou-se para Patrick. — Papai, você está me dando permissão para ir atrás de Paul? — Eu só quero que você faça o que tem vontade. — E qual é a minha vontade? — Ir atrás de Paul. Os dois riram muito. — Você é demais, pai — disse ela, inclinando-se para beijar-lhe o rosto. — Obrigada. Levantou-se e começou a caminhar até a casa de Paul, sentindo o olhar do pai às suas costas. Consumida pela impaciência, Gabrielle começou a correr, e quase deu de cara com Paul. — Ei! — exclamou ele, segurando-a pelo braço. -Oh! Paul amparou-a, impedindo que Gabrielle fosse ao chão. E então ele soltou-a e os dois ficaram a se olhar por um longo e interminável momento. Se os olhos pudessem falar... Gabrielle analisou Paul e imaginou o que se passava pela sua cabeça. Será que Paul quisera saber como ela passara esses dias? Será que tinha idéia do quando sentira sua falta? A chegada dele despertou-lhe todas as emoções. Ela olhou para o peito de Paul, à mostra sob uma camisa branca desabotoada. Como queria tocá-lo! "Por favor, meu Deus, me ajude!" Gabrielle sentiu o rosto queimar com o rumo que seus pensamentos tomavam. As mãos de Paul escorregaram pelos braços dela. Gabrielle sustentou o olhar e não se afastou. — Bem-vindo de volta — disse ela. — Obrigado. Paul estudou-a por alguns instantes. Não tinha imaginado que sentiria tanta saudade de uma pessoa. Sentia uma angústia grande no peito e não via a hora de poder voltar para casa e reencontrar-se com Gabrielle. E agora ela estava ali, encarando-o com seus lindos olhos azuis. Paul respirou fundo, tentando afastar o medo que começava a consumi-lo. "Pare de ser idiota e irracional!" Por Deus, como queria beijá-la! Queria esquecer quem era e puxá-la de encontro ao peito, abraçá-la, possuir aqueles lábios úmidos... — Como foi a viagem? "Eu te quero tanto, Paul." — Satisfatória. Consegui comprar tudo o que precisava — respondeu ele, surpreendendo-se com o tom natural de voz. "Eu quero abraçá-la, beijá-la ... " Paul sorriu para esconder seus pensamentos. Gabrielle também sorriu. Não adiantou nada. Ele só conseguia imaginar como seria tê-la nos braços, nua. Como seria percorrer os dedos por todos os cantos daquele maravilhoso corpo, pressionar os lábios atrás de sua orelha, senti-la se entregar, estar possuir Gabrielle. O pensamento foi suficiente para excitá-lo. Durante toda a viagem, pensara nela e em como seria tê-la na cama. Paul tinha de terminar o que haviam começado. De uma maneira ou de outra, teria de se controlar, ou se deixar guiar por seus sentimentos. Gabrielle o levava à loucura total. O que ela faria se Paul pedisse? E se ele não pedisse, apenas agisse? Não ousaria. Será? Fora Gabrielle quem viera ao seu encontro. Paul não se atreveria a bater à sua porta no meio da noite e convidar-se para entrar. O primeiro passo, se é que existiria, teria de partir dela. — Você parece cansado. — Sim, a viagem me deixou exausto — respondeu ele, com uma risada que Gabrielle não entendeu. O que faria? Paul precisava de um tempo para si e Gabrielle, e também de espaço. E de privacidade. Quase exteriorizou seus pensamentos. Ali estava Paul Coyle, vivendo em um dos lugares mais isolados da região e não encontrava um lugar para ficar sozinho com a mulher que... desejava. De repente, Wilbur pulou em cima do dono com tanta força que quase o levou ao chão. Gabrielle deu um passo para trás, então tentou controlar o cachorro, segurando-lhe a coleira. Tarde demais. A camisa brancade Paul, bem como a calça jeans ficaram marcadas pelas patas de Wilbur. As gêmeas apareceram logo em seguida. Cada uma agarrou-se em uma perna de Paul e começaram a pular de alegria pela volta do amigo, molhando-o. — Pelo amor de Deus, crianças! — exclamou Gabrielle, tentando afastar o cachorro e as filhas. — Está tudo bem — disse ele. — Suas roupas ... — Não faz mal. — Venha ver a nossa nova piscina — falou Alice, puxando-o para o lado da casa. — Sim, venha conhecê-la. Até Wilbur nadou conosco. — Percebi... — Paul tentava livrar-se da festa que o cão fazia, bem como dos apertos das meninas. — Eu já vou. Paul olhou para Gabrielle. — Nós nos veremos mais tarde? — À noite? Paul concordou. — Em breve — respondeu ele. — Qual o motivo de tanta bagunça? Gabrielle virou-se e deu de cara com a mãe. — Paul voltou de viagem. — Ah ... Eu devia ter desconfiado. Gabrielle preferiu ignorar o comentário irônico da mãe. Estava muito contente para irritar-se e deixar que Leonore arruinasse a alegria em seu coração. Paul estava de volta e se encontrariam naquela noite. Talvez, com um pouco de sorte, conseguissem ficar um tempo sozinhos. A idéia provocou-lhe arrepios. — Passou a dor de cabeça, mamãe? — Estava quase passando quando esse barulho começou. Gabrielle sorriu e abraçou Leonore, acompanhando-a até o chalé. — Vamos, eu lhe preparo um copo de chá gelado. — Ainda sobrou hortelã? — perguntou, aceitando que a filha a guiasse. — Acho que sim. — Tomara. Não consigo beber chá sem hortelã. É tão ácido para o meu estômago ... A hortelã ameniza. A mente de Gabrielle estava longe, nem prestava atenção à conversa da mãe. Nada mais importava, a não ser que se encontraria com Paul à noite. Ainda não sabia como agiria, mas algo iria acontecer. Algo lhe dizia isso. Gabrielle segurou a porta para Leonore entrar e seguiu-a com um sorriso bobo nos lábios. "Paul voltou!" A frustração corroia Paul. Ele andava de um lado para o outro em seu quarto e de vez em quando olhava para as estrelas no céu. Uma tempestade começava a se formar. O vento soprava forte, e distantes sons de trovão se aproximavam. Passara a maior parte da noite observando a formação da chuva enquanto estava na varanda, esperando que Gabrielle aparecesse. Aguardara até as onze horas, mas nem sinal dela. Entrou e trancou a porta, decidido a se recolher. Mas ainda não perdera as esperanças. Em seu quarto, sempre olhava pela janela, torcendo para que ela aparecesse à sua porta. Mas já era tarde e pelo visto Gabrielle não apareceria. O que teria acontecido? Por que ela não viera a seu encontro? Talvez os trovões a assustassem. Entretanto, mesmo conhecendo-a pouco, achava impossível. Gabrielle era uma mulher corajosa. Talvez algum problema com as meninas. Seria uma explicação lógica, a não ser que se tratasse de algo mais sério. Até poucos minutos atrás, as luzes do segundo andar ainda estavam acesas. Agora a escuridão encobria toda a casa. Paul sentiu um nó na garganta. Tinha tanta certeza de que Gabrielle viria... Ela o acolhera com muito carinho e fora dar-lhe as boas-vindas. Pelo que tudo indicava, ficara contente com sua volta. Tinha idéia de atravessar o gramado e bater à porta do chalé. Talvez até acordá-la e perguntar o que tinha acontecido. Quem sabe então conseguiria cair no sono. Se ficasse nessa impaciência toda, teria mais uma daquelas incontáveis noites sem dormir, quando seus pensamentos se centravam em Gabrielle, apenas nela. . Mais uma hora se passou. Chovia muito. Raios e trovões devastavam o céu escuro, e o desejo corroia Paul. Não havia por que esperar mais. Gabrielle não apareceria e todos os seus planos de beijá-la, abraçá-la, tocá-la foram por água abaixo. Tirou as roupas e vestiu um short velho antes de se dirigir até a porta. Era loucura sair para nadar em uma noite como essa, mas não se preocupava nem um pouco com sua segurança. Tinha de liberar a energia e, se não se exercitasse, explodiria... Prometeu a si mesmo que não olharia para o quarto de Gabrielle enquanto passava ao lado do chalé. Seguiu até o lago sem olhar sequer para os lados. Quando chegou ao cais, tirou o short e mergulhou nas águas escuras. Relampejava e trovejava sem parar, mas Paul não se importava. A energia dentro dele parecia alimentar ainda mais a eletricidade do ar. Seu corpo estava tenso, tanto que quase perdeu a cabeça. Paul nadava de um lado para o outro na intenção de acalmar a tormenta interior. Alcançou a jangada no meio do lago e deitou-se de costas, joelhos dobrados e braços abertos, homenageando os elementos da natureza. Os raios se aproximavam cada vez mais. Observou o relâmpago e contou até três à espera do trovão. — Vá em frente. Acerte-me — desafiou ele, fechando os olhos. Gabrielle não acreditava no que estava fazendo. Uma coisa era sair de casa no meio da noite quando se é adolescente; outra quando se tem trinta e quatro anos. Segurando a gola do roupão com firmeza, seguiu na ponta dos pés, tomando o máximo de cuidado para não acordar os pais. Agradecia a Deus cada vez que trovejava. Ela fechou a porta com cuidado. Do lado de fora, respirou aliviada. Quase morreu de susto quando um trovão a pegou desprevenida. Saiu da varanda e seguiu pelo mesmo caminho por onde Paul passara poucos minutos atrás. Tentara chamar-lhe a atenção, mas o barulho encobrira seu sussurro. Seu aceno também de nada adiantou. No meio do caminho, Gabrielle estudou as redondezas. Não o avistou em lugar nenhum. Paul devia ser maluco. Decidir nadar no meio de uma tempestade como essa, era insanidade. Loucura total. O que o levara a agir assim? Será que enlouquecera? Gabrielle também estava louca. Chegando ao cais, analisou a água. Estava muito escuro para distinguir algo com clareza, mas não teve a menor dúvida de que o brilho que vira na jangada era Paul. Gabrielle mordeu o lábio. Queria tanto vê-lo aquela noite, mas por algum motivo a mãe a segurara em uma conversa interminável. Talvez Leonore estivesse lendo seus pensamentos, sabendo aonde queria ir. Durante a conversar, Gabrielle pensou em várias maneiras de dizer que iria sair para tomar um pouco de ar. Chegara a ir até a porta, mas Leonore ofereceu-se para acompanhá-la. Ela mudou de idéia na hora, alegando que a chuva estava muito forte. Olhou para o roupão. Com ou sem roupa? Viu o short de Paul na grama, indicando que ele estava nu. Seu coração disparou. Gabrielle usava apenas a calcinha sob o roupão. "Hora de se decidir, Gabrielle." Se nadasse nua até Paul, a mensagem seria clara e certeira. Sabia o que aconteceria depois. Mas estava preparada para ir tão longe? Gabrielle pensava nisso desde o nascimento das gêmeas. Embora não tivesse planos de se atirar nos braços do primeiro homem que encontrasse pela frente, torcia para algum dia encontrar alguém que a desejasse. Tinha até se preparado para esse dia, concordando quando o ginecologista lhe recomendara um método anticoncepcional. Mas o sexo acabou se tornando uma lembrança que se esvaiu com o tempo. E agora estava cara a cara com a realidade de uma situação que tinha lhe parecido apenas uma remota possibilidade. Paul estava na jangada, sozinho. Tudo o que tinha de fazer era ir até lá encontrá-la. Seus batimentos cardíacos eram tão rápidos que nem conseguia pensar. Desamarrou o roupão com as mãos trêmulas, mas decididas. "Tente ser um pouco racional, Gabrielle Levy." Todo o seu corpo tremia agora. Não sabia se teria condições de nadar até a jangada. Fechou os olhos e mergulhou na água. Paul apenas escutava o som dos trovões. A chuva estava bem sobre ele, assustando-o com sua força e gloriosa fúria. Deixou que o vento levasse todas as suas frustrações, seus medos e desapontamentos embora. — Ajude-me... Paul abriu os olhos, achando ter escutado algo diferente. Mais um relâmpago, mais um trovão. Chovia forte. — Ajude-me... Era uma súplica, um som real. Paul se apoiou nos cotovelos e olhou em volta. Um pássaro talvez. — Paul, porfavor ... Inclinando-se sobre a jangada, ele a viu. — Pelo amor de Deus ... Paul ajudou-a a subir. Os dois se encararam. — O que você está ... — Só então percebeu que Gabrielle estava nua. Os raios iluminavam o céu, evidenciando-lhe o rosto, os olhos azuis que contrastavam com a cútis branca. Um trovão foi o suficiente para afogar todos os pensamentos de Paul. Mas não havia palavras, não sabia o que dizer. Era como uma dádiva. Inclinou-se e beijou-a com ardor. Gabrielle correspondeu com a mesma intensidade, entregando tudo o que tinha a oferecer e até mais. Acariciou as costas de Paul, o peito, depois desceu as mãos. Seus dedos estavam úmidos, sua pele, ardente. Devagar, continuou os carinhos até tocá-lo de modo mais íntimo. Paul estava pronto para recebê-la. Ele cerrou os olhos e abraçou-a. Os corpos se tocaram. Molhados e escorregadios, eles deslizavam suas mãos para cima e para baixo. Os mamilos túrgidos roçavam-lhe o peito. Gabrielle o esfriava com seu corpo. Paul estava incapaz de se mexer, de pensar, de agir, só conseguia sentir. Ficaram abraçados por um longo tempo, apenas deixando que os corações se comunicassem. Quando não agüentou mais, puxou-a para baixo, deitando-a na jangada. A intensidade da chuva aumentou. Paul tentou protegê-la com seu corpo. Gabrielle procurou acomodá-lo com as pernas, oferecendo-se nesse altar flutuante como jamais fizera antes. Por um longo instante, eles apenas se olharam. Depois Paul tirou-lhe os cabelos do rosto. — Você tem certeza? Gabrielle respondeu com o olhar. Sem adverti-la, Paul penetrou-a em um movimento certeiro. Ela arregalou os olhos. A sensação de tê-la assim tão perto o enlouqueceu. Só depois achou que deveria ter pensado antes de agir. Preliminares são necessárias. Paul logo mudou de idéia ao ver a expressão no rosto de Gabrielle. Estava tão ansiosa por aquele momento quanto ele. Paul se movimentava com tanta confiança que os dois bateram a cabeça na ponta da jangada. Ele a beijou, desculpando-se, invadindo-a com sua língua enquanto movimentava-se dentro dela... Foi então que ele se deu conta de que as preliminares não eram necessárias. Não dessa vez. Quando Gabrielle arqueou as costas, Paul perdeu o controle por completo e permitiu-se guiar pelas emoções que o consumiam. Não se lembrava de quando se sentira tão bem em toda a vida. Era perfeito. O corpo de Gabrielle o completava, quente, molhado, delicioso. A resposta era simples: nunca conhecera uma mulher tão espetacular como Gabrielle Levy. E ela não se satisfazia. Entrelaçou-o com as pernas, mas ainda queria mais. Passou os dedos, as mãos pelas costas viris. Depois de um tempo, ele percebeu que Gabrielle queria ficar por cima. Ajudou-a a virar-se sem quebrar o encanto que os unia. A chuva aumentou mais ainda, mas nenhum dos dois parecia se importar. Ela passava as mãos pelo peito úmido de Paul. Gabrielle iniciou os movimentos e, depois de alguns segundos, os dois chegaram, juntos, ao mais perfeito clímax. Ficaram abraçados por um longo tempo, escutando e sentindo a chuva. — Parou de chover — disse ele, mais tarde. Gabrielle levantou-se e observou-o com carinho. — Eu acho que não — brincou, roçando os seios nos lábios de Paul. — Ainda não. 10 Paul passou a mão pelo rosto. Embora não tivesse bebido uma só gota de álcool, parecia estar de ressaca. Só que as outras partes do corpo doíam-lhe bem mais do que a cabeça. Ele não se lembrava do sexo como uma atividade tão intensa, mas acordara sentindo dores em quase todas as partes do corpo. Estava mesmo muito fora de forma, mas também podia atribuir um pouco da fadiga muscular às braçadas que dera no lago. Deitado, Paul observava o sol entrar pela janela. Era quase meio-dia, mas não tinha a menor pressa de se levantar. Sentia-se tão relaxado e tranqüilo que podia passar o dia todo jogado na cama, pensando em Gabrielle. Mas a noite passada ele se sentira um homem. E Gabrielle fora uma mulher perfeita. Fechou os olhos para rememorar a imagem dela deitada a seu lado na jangada. Percebia com clareza o que acontecera. Um arrepio percorreu-lhe o corpo ao lembrar-se dos lábios semi-abertos dela. Paul sorriu, contente. Olhou para o lençol muito branco, imaginando Gabrielle deitada ao seu lado. Quase caiu da cama ao ouvir o telefone tocar. Com cuidado, pegou o aparelho, sem se esforçar muito. — Alô? — Olá, Paul. Como vai? Ele estremeceu e fechou os olhos. Já esperava por isso. Laura o deixara a par de que o miserável estava na cidade, fazendo perguntas a todos que encontrava. Mas· não acreditava que o sujeito tivesse a audácia de telefonar para sua casa. Ansell Walcott não tinha classe, decência nem consciência, como provara anos atrás quando tirara vantagem de uma pobre e ingênua mulher: Maureen. "As pessoas não mudam, Paul. Não se iluda." — O que você quer, Walcott? — Estou apenas telefonando para dizer "olá". Achei que você talvez quisesse conversar um pouco. — O sotaque britânico era evidente. — Não tenho nada para falar com você. Ansell riu. — Meu caro Paul, as pessoas estão querendo saber como anda o herói desaparecido e o que aconteceu depois da explosão. — Duvido. — Isso é problema seu, Coyle. Não tem noção do que as pessoas acham interessante ou não. Vamos marcar um encontro para que me deixe a par de sua vida. Soube que está fazendo móveis. Tenho ouvido bastante elogios pela cidade. — Não estou interessado. — Você está jogando fora uma grande oportunidade. Pense na publicidade! E nos novos clientes que aparecerão pedindo mesas rústicas e cadeiras de balanço. — Não quero aumentar a minha clientela, Walcott. — Continua recluso, não é mesmo? Não consigo entendê-lo, Coyle. Se eu tivesse passado por uma história como a sua, estaria milionário hoje em dia. Eu acho que ... — Eu vou desligar. — Não, por favor, não desligue. Paul, lembre-se dos velhos tempos. Convide-me para tomar um café para que eu conheça o seu pequeno paraíso escondido. — Poupe seu tempo, Walcott. Volte para o seu lugar. Não há nada para você aqui. — Está falando sério? Não quer falar comigo? Pensei que esse ano ... — Não, nem esse ano, nem qualquer outro. Pare de desperdiçar seu tempo. — Quem está perdendo tempo sou eu, não, Coyle? — Walcott... — Maureen está mandando lembranças — interrompeu o jornalista. Paul riu. Embora Maureen tivesse largado Ansell Walcott depois de alguns meses, ele ainda insistia em dizer que mantinham contato. No começo o fato o deixava possesso. Mas agora, em especial depois da noite que se passou, as palavras não o afetavam. — Pare com isso, Ansell. O jornalista suspirou. — Bem, você não pode me culpar por continuar tentando. — Fez uma pausa. — Tem certeza absoluta, Paul? Só algumas notícias, algumas fotografias para deixar o povo contente. — Esqueça. Está fora de cogitação. Paul desligou. Sabia que, falando algo ou não, sairia uma matéria no jornal sobre seu passado. Ansell Walcott entrevistaria os moradores da cidade e comerciantes para conseguir algumas informações e misturá-las à ficção. Tirou o fone do gancho, sabendo que o Walcott não desistiria de ligar inúmeras vezes. Procurando manter a calma, virou-se de lado e passou as mãos pelos cabelos. Era tudo culpa sua. Sempre que a data do acidente se aproximava, Paul procurava ficar fora da cidade, evitando assim ser assediado por jornalistas e fotógrafos intrometidos. Porém, com o passar dos anos, o número dos insistentes diminuía e alguns até aceitavam o "não" como resposta. Ansell Walcott, é óbvio, tratava-se da exceção. Dessa vez, contudo, Paul se esforçara para fazer todas as compras em tempo recorde, pois queria voltar logo para casa, para os braços de Gabrielle. Cada dia, cada hora em que estivera longe, a imagem dela o perseguira. Sentia falta de tudo o que lhe dizia respeito. O perfume, o som de sua voz, o olhar de espanto quando ele a tocara pela primeira vez. Na verdade, Gabrielle tinha se tornado tão importante para Paul como o ar queele respirava. Acostumara-se coisas corriqueiras, como a porta batendo, alertando-o de que ela se aproximava, as meninas gritando, brincando com Wilbur. Ele sentia falta de tudo o que se relacionava com Gabrielle, até mesmo a intromissão das gêmeas quando estava trabalhando. Sentia falta de cada gesto, de cada nuança mínima, de cada olhar. Gabrielle tornara-se uma necessidade e, mesmo com a chegada da data de aniversário do acidente, ele queria voltar para sua casa o mais depressa possível. Talvez Laura tivesse razão. Paul sempre cuidava de sua privacidade como uma maneira de se autopreservar. Ele achava que todos agiam a seu favor, compreendendo sua necessidade de morar sozinho, e interpretavam a atitude como uma retratação da sociedade em geral. Jamais pensara em si como um eremita. Mas talvez fosse a mais pura verdade. Talvez se mantivesse fora do curso normal de vida. Talvez estivesse se escondendo e todos estivessem certos. Porque, de repente, com a chegada de Gabrielle e das gêmeas, sua vida tomara um novo rumo. Algo imprevisível. A qualquer hora alguém poderia distrai-lo, interrompê-lo, aproximar-se... tocá-lo. Se fosse algum tempo atrás, essa agitação de gente, ou melhor, de mulheres em volta de sua casa o teria levado às raias da loucura. Quem sabe não estaria ficando louco, mesmo? Mas, junto com essa possível insanidade, vinha um novo significado de vida. Seu coração batia mais depressa havia um certo tempo. Para falar a verdade, desde a primeira vez que olhara para Gabrielle. Sentimentos incontroláveis tomavam conta de suas ações. Percebia que estava mudando ... Nunca mais seria como antes do acidente, mas notava que as mudanças eram mais profundas, internas. E agora, depois da última noite, seria pior ainda. Algo além de apenas sexo acontecera. Ele se entregara por completo, de corpo e alma, a Gabrielle, fato que jamais experimentara. Será que os elementos da natureza, raios, trovões, chuva, tinham tido alguma influência na maneira como Gabrielle se aproximara e se oferecera? Para Paul, ter feito amor com ela tinha sido quase uma experiência espiritual. Estava chocado consigo mesmo. Gabrielle representava a doçura e a luz, enquanto ele só se mostrava à noite, quando podia controlar a luz e fingir que suas cicatrizes não existiam. Mas ela o conhecia e o queria tanto de dia quanto à noite. A prova estava no que acontecera no dia anterior. Gabrielle tinha ido até o lago apenas para encontrá-lo. Paul achara ter imaginado o convite nos olhos dela quando a vira na varanda, quando a beijara, quando a tocara, ou quando Gabrielle não saía de perto. Ela o aceitava como amante. Mas ele ainda tinha dúvidas de que um dia poderia estar nos braços daquela mulher. Não se imaginava experimentando toda a feminilidade que Gabrielle exalava. Era impossível, e Paul não via sentido em suas atitudes. Gabrielle podia ter qualquer homem que desejasse. E, por mais que apreciasse os prazeres da noite anterior, Paul ainda estava confuso. Por que ele? Era bom saber que estava ali, em seu quarto, seguro e a salvo. A idéia de se reintegrar ao mundo, entretanto, ainda não o atraía. Na verdade, não gostava nem de pensar em voltar a assumir compromissos sociais. E estava disposto a aceitar tudo o que Gabrielle tinha a lhe oferecer e aproveitar enquanto durasse. Sabia que não seria para sempre. Assim que ela compreendesse a verdadeira extensão de suas necessidades, o tamanho de seu desejo, sairia correndo tão depressa que eles nunca mais se veriam. Além disso, quanto mais Gabrielle se envolvesse com a comunidade, menos precisaria de Paul. Conheceria outros homens que lhe ofereceriam o mundo. "Ela se encontrará com outros homens." O pensamento o deixou bastante perturbado. “Não pense nisso”... Respirou fundo e decidiu tomar um banho. A noite fora fantástica, e agora tudo dependia de Gabrielle. Ela o escolhera como amante e ainda tinha de decidir se continuaria a desejá-lo ou não. Paul não tinha condições para isso. O desejo ultrapassava a razão, e ele já havia resolvido seguir as regras do jogo. "Estou aqui, Gabrielle. Faça o que você quiser... " Deixou a água gelada escorrer por seu corpo. "A qualquer hora. Em qualquer lugar." Sentada à mesa da cozinha em frente à mãe, Gabrielle espirrava sem parar. — Saúde, filha — disse Leonore. — Espero que você não pegue uma daquelas terríveis gripes. — Não, mamãe. — Espirrou de novo. — Tomara que não ... — Bem, pelo menos a chuva de ontem à noite fez baixar a temperatura. Cuide-se bem para não ficar doente, filha. Gabrielle estava péssima, para falar a verdade. Depois de ter saído da jangada, ela e Paul nadaram de volta para o cais, e a brisa quente foi substituída por outra gelada. Gabrielle tremia sem parar enquanto se despedia dele. Não queria deixá-lo, mas o frio falava mais alto. Fora convidada para passar a noite aninhada nos braços quentes, mas o bom senso disse que não. Então, se separaram. Gabrielle demorou bastante para dormir. Inúmeras perguntas não paravam de rondar-lhe a mente. Como, por exemplo, por que o seguira? Por que se entregara a Paul? Fizera a maior loucura de sua vida, disso não tinha sombra de dúvida, mas estava contente e realizada. — Você está bem, filha? Parece um pouco abatida. — Não dormi direito — admitiu. Jamais revelaria a terrível dor nas costas, muito menos a lasca de madeira encravada na nádega. Sabia que a mãe ficaria curiosa em saber como conseguira tal proeza. — Você poderá cochilar quando nós voltarmos. — Voltar? De onde? — Da igreja, filha!. Pelo amor de Deus, sua memória está pior do que a minha. — Ah, a audição! Eu me esqueci! Gabrielle apoiou a cabeça nas mãos. Fechou os olhos e tentou afastar todos os pensamentos e sons, em especial as instruções da mãe. De nada adiantou. — Sim, você deve ir muito bem vestida. Por que não usa aquele vestido azul que ganhou da sra. Levy no Natal do ano passado. É fresco e adequado para encontrar-se com o reverendo. Gabrielle nem ao menos se mexeu. — Filha, já é meio-dia. É melhor você começar a se arrumar. Leonore continuou a tagarelar sem parar. Gabrielle, entretanto, decidiu ignorá-la. Queria sonhar um pouco mais. Todavia, as obrigações a impediam. O reverendo Winthrop telefonara na semana anterior para se apresentar e avisar que começaria a fazer os testes para a nova organista da igreja. E Gabrielle prometera passar na casa dele essa tarde para mostrar que era a pessoa adequada para o cargo. Relutante, ergueu a cabeça e concordou em fazer o que a mãe falara. Tinha de organizar as idéias. Levantou-se da cadeira e foi para o closet. Num piscar de olhos, Gabrielle estava pronta. Tentou tirar a farpa da nádega, mas era um exercício inútil, pois não conseguia enxergá-la no espelho. Teria de suportar o desconforto até encontrar alguém que pudesse ajudá-la. Isso, é claro, seria o grande problema. Não podia pedir à mãe sem dar-lhe maiores explicações: "Sabe aquela jangada no meio do lago, mãe? Bem, eu consegui esta farpa lá quando fazia amor com Paul sob a chuva torrencial de ontem. Você pode me ajudar a tirar? Está me incomodando demais." Não, não era a melhor opção. Seu pai, coitado, pior ainda. Imaginava a vergonha do pobre Patrick ao ter de tirar uma farpa de madeira da nádega da filha. Bem, as gêmeas ainda eram muito pequenas. Só lhe restava Paul. Um sorriso formou-se em seu rosto enquanto ajudava as meninas a entrar no carro. Qual seria a reação dele? Interessante, pelo menos. Isso é, se Gabrielle tivesse coragem de lhe pedir. Ao passar pela casa dele, a caminho da cidade, percebeu que, embora o carro estivesse no lugar de sempre, a porta da varanda estava trancada. Podia dizer que, quando Paul queria afastar-se do mundo, ele conseguia. Leonore manteve as netas quietas enquanto a filha tocava o órgão. Tocou antes as músicas mais populares. O reverendo Winthrop foi bastante simpático, mas um pouco evasivo, alegando que tinha algumas audições, advertindo-a de que ainda não tomaria a decisão final. A antigaorganista, a sra. Mallory, fora quem lhe indicara quais músicas tocar. Gabrielle suspirou aliviada quando saiu da igreja. Sua mãe comprara sorvetes para as meninas, portanto, elas estavam todas lambuzadas quando vieram abraçá-la. — Eu já volto, filha — disse Leonore. — Quero ir até a quitanda comprar mais um pouco de hortelã. Gabrielle fechou os olhos. A mãe a deixaria louca com essa história de hortelã antes de a visita terminar. Enquanto esperava pela volta de Leonore, limpou o rosto das filhas com um lenço... — Com licença? Gabrielle olhou para trás e deparou com um homem vestindo um short azul-marinho e uma camiseta amarela. Parecia ter acabado de sair de um jogo de basquete. — Pois não? — disse ela, colocando-se em pé. — Você é Gabrielle Levy? — Sim. Quem ... — Eu sou Ansell Walcott, seu criado. — Mostrou uma carteira de jornalista para ganhar logo a confiança dela. — Você se importa se meu assistente tirar algumas fotografias de vocês? Que tal uma só das garotas? O tal assistente começou a fotografá-las antes de ouvir um "sim". Gabrielle ficou boquiaberta. Amanda escondeu-se atrás de suas pernas, mas Alice começou a fazer uma série de poses. — Espere um instante — falou Gabrielle, estendendo a mão. — Posso saber o motivo das fotos? — Sou Ansell Walcott. — E deveria saber quem é o senhor? — A maioria das pessoas me conhece .. — Eu não o conheço. — Que presunção da minha parte. Deixe-me apresentar. Sou um jornalista e costumo escrever para colunas sociais. Todos os anos, volto para Wayside no aniversário do terrível acidente que deixou seqüelas terríveis em nosso amigo Paul Coyle. Procuro atualizar o povo sobre a vida de nosso herói. — Você é amigo de Paul? — Sim. Nós nos conhecemos faz ... — Ele parou e colocou a mão no queixo, pensativo. — Nem me lembro mais. Faz muito tempo. Ele nunca falou de mim? Gabrielle meneou a cabeça. Ansell demonstrou-se magoado. — Não consigo entender o porquê. Paul e eu tínhamos tanto em comum ... — Acabei de me mudar para cá, senhor ... — Walcott. — Sr. Walcott. Tenho certeza de que Paul me falará a seu respeito qualquer hora dessas. — Estou certo disso. Agora podemos prosseguir com a entrevista? — Entrevista? — Sim, todos os anos eu escrevo uma reportagem sobre Paul, e gostaria de entrevistá-la como sua vizinha. Quero saber como ele está, o que faz, coisas do tipo. — Eu não sei. . — Não sabe o quê? Gabrielle virou-se para a mãe, que voltava da quitanda. — Mamãe, este é Ansell Walcott. — O jornalista? — perguntou Leonore. — Como vai a senhora? — Ansell estendeu-lhe a mão. — Você o conhece, mãe? — É lógico. Todo o mundo conhece Ansell Walcott. Ele escreve para o jornal que costumo comprar no supermercado todas as semanas. E apresenta o programa de televisão a que assisto todas as noites. — Aquele espalhafatoso ... — Sra. Levy, por favor, não julguemos as pessoas. Muitos acham o meu trabalho tanto informativo quanto divertido. — Ele sorriu para Leonore. — E sua mãe é uma delas. — É, mas mesmo assim acho que não devo conceder uma entrevista sobre Paul Coyle. — Ele quer saber de Paul? — Sim, mãe — afirmou, lançando-lhe um olhar de reprovação. — Mas você sabe como ele preserva a privacidade. Não creio que ... — Que besteira! Paul deveria ter orgulho do que fez, de sua coragem. — Ele não gosta de comentar o assunto. — Bem, então alguém precisa falar sobre isso. Talvez nós possamos ajudar o Sr. Walcott. — Eu estava esperando por essa oferta — respondeu ele, sorrindo. — Por que não vamos todos nos sentar naquele banco para que Joseph tire algumas fotos? — Todos nós? — indagou Leonore, levando a mão ao peito. — É claro que sim. A senhora também conhece Paul, não é mesmo? — Ele guiava Leonore até o banco enquanto falava. — Sim, mas muito pouco. Um dia eu até lhe ofereci um lanche e . — Mamãe . — Ah, filha, por favor. Duvido que Paul se incomode com algumas fotografias. Além do mais, vocês são vizinhos. — Leonore virou-se para Ansell. — As fotos aparecerão nos jornais? — Depende da matéria. Se eu conseguir informações suficientes sobre Paul, então precisaremos de várias fotografias. Vamos nos sentar e conversar um pouco. Leonore acomodou-se, com as netas ao lado. — Gabrielle? — Ansell pediu-lhe para se posicionar atrás da mãe. — Que maravilha! Uma bela foto de família. — Não, tire só da minha mãe com as meninas. — Gabrielle, venha já aqui! Não desperdice o tempo deste pobre homem, Gabrielle respirou fundo e obedeceu. — Algumas vezes ela é tão obstinada... — adicionou Leonore. — Pronto — disse Joseph. — Agora — começou Ansell -, conte-me um pouco sobre Paul. Como vocês se conheceram? — Gabrielle mudou-se para o chalé que ele aluga, e eles se tornaram bons amigos. — Verdade, Gabrielle? — indagou Ansell. — Não exatamente. — Ele nos assustou — intrometeu-se Alice. — Mas não por muito tempo — defendeu Amanda. E nós adoramos Wilbur. — Wilbur? — O cachorro de Paul — explicou Gabrielle, imaginando que se ele o conhecesse mesmo deveria saber da existência do animal. — Ah! E depois que ele assustou vocês, o que mais aconteceu? — Nós ficamos amigos — respondeu Alice. — Sim, ele nos deixa ficar com ele enquanto trabalha — disse Amanda. — E nos leva para passear no carrinho de cortar grama — anunciou Alice. — Até mamãe deu uma volta. As sobrancelhas do jornalista de ergueram. — Até mamãe? — Ansell virou-se para encontrar Gabrielle com o rosto vermelhíssimo. — Conte-me, sra. Levy! — Não foi nada. Houve apenas um pequeno incidente. — Um pequeno incidente! — exclamou Leonore. — Por Deus, eles quase derrubaram a cerca toda! Meu marido, Patrick Hudson, até ajudou no conserto. — O que aconteceu? Contem-me os detalhes. Alice levantou as mãos. — Eles estavam se olhando e não viram aonde o carrinho ia. E então bateram na cerca. — Bateram? — Sim, direto na cerca. Amanda e eu tivemos de ajudá-los a se levantar. — E Wilbur também — berrou Amanda. — Interessante — comentou Ansell, sem tirar os olhos da envergonhada Gabrielle. — Foi apenas uma brincadeira tola — disse ela. — Nada mais. Ansell deu uma risadinha, depois voltou-se para as gêmeas. — Ele brinca conosco e até sobe em árvores ... — E nos leva para pescar — adicionou Amanda. — Pescar? Verdade? Parece-me divertido. , — E é. Paul até tem um lugar especial para pescar. E eu sei onde é. — Onde é, Amanda? — Seguindo por uma trilha que começa ao lado da casa de Paul e termina no lago. — Você não deveria ter contado para ele — reclamou Alice. — Agora não é mais um lugar especial. — Prometo que não conto para ninguém. Eu juro! Bem, devo admitir que estou um pouco surpreso. Paul fazia de tudo para se manter afastado de tudo e de todos nos últimos anos. Estou achando tão estranha essa amabilidade ... — Bem, creio que ele deva estar mudando — disse Leonore. — Sim, só pode ser isso. Aquele dia em que lhe ofereci o lanche, Paul até mencionou que a festa do casamento da prima seria realizado no gramado da casa. Mais de cem pessoas! Não acho que nosso vizinho seja um recluso. — Mamãe, Paul ainda não concordou. — Ele aceitará a idéia mais cedo ou mais tarde. — Vocês estão falando do casamento de Laura Hanlon? — perguntou Ansell, escrevendo sem parar em seu bloco de notas... — Sim, acho que esse é o nome da moça. Gabrielle, ela se chama... — Eu acho que está na hora de irmos para casa, mãe — ela interrompeu, estendendo as mãos para as filhas. As duas obedeceram sem hesitar. — Mas eu ainda não terminei de contar a Ansell sobre o lanche — reclamou Leonore. -Acho que o Sr. Walcott já tem informações suficientes. Ansell encarou Gabrielle. — Sim, muito obrigado. Será que você poderia me dar o número de seu telefone? Para o caso de eu precisar confirmar alguns fatos ... — Eu acho que não é ... — Aqui — intrometeu-se Leonore, pegando um pedaço de papel e anotando o número da filha. — Não hesite em ligar se for necessário. Ficarei aqui maisalgumas semanas. Gabrielle arregalou os olhos, mas a mãe a ignorou. Agosto estava chegando. A visita de seus pais se prolongava demais. Queria que eles partissem logo. No final de semana, por exemplo. — Muito obrigado, senhora ... — Hudson. Leonore Hudson. Gabrielle puxou a mãe. — Vamos, mãe. Já chega! — Eu lhe agradeço por tudo, mais uma vez, Ansell. — Apertou a mão do jornalista. — Não vejo a hora de ver as fotos e a matéria publicados. — Eu lhe enviarei uma cópia especial. — Verdade? Que simpático da sua parte! -Mãe! — Até logo, Ansell — despediu-se Leonore, acenando sem parar. — Até logo, sra. Hudson. Leonore alcançou a filha. — Paul não ficará contente quando souber da novidade? "Contente" não era bem a palavra que Gabrielle utilizaria para descrever a reação de Paul. — Espero que sim. Ansell Walcott ficou a observar as duas mulheres se afastando. Sorria. — Acho que muita coisa está acontecendo nesta cidade, Joseph. Será bom esperarmos mais um ou dois dias. Que tal? — Perfeito, chefe! — E não se esqueça de levar as lentes de aumento. 11 Gabrielle saiu da varanda e deixou a porta bater ao passar. Era seu horário de descanso. As meninas estavam no quarto, seu pai lia o jornal e a mãe assistia à televisão. Ela, por outro lado, estava sendo consumida pela raiva, pela insistência de Ansell Walcott, por Leonore ter assumido o comando da situação mais uma vez. E Gabrielle achara que começara a melhorar. Que aprendera algo. Até ficara um pouco orgulhosa com o sentimento que nutria devido à interminável visita de seus pais. Mas queria ver a mudança acontecer de verdade. Sentia-se na obrigação de contar o ocorrido a Paul. Sentou-se nos degraus, preparando-se para enfrentá-lo. Sabia que ele não ficaria contente por ela ter falado com o jornalista. Estava bem claro agora o que Wil1y dissera aquele dia, no lanche, sobre o afastamento de Paul da cidade perto do "aniversário" do acidente. Não queria nem precisava de lembranças sobre aqueles dias tão terríveis. Depois do encontro com Ansell Walcott, Gabrielle percebera que Paul fazia o possível para manter a vida do jeito que estava. Começava a notar coisas que não percebera da primeira vez que se encontrara com Paul. Ele levava a vida da maneira mais normal, isolada, tediosa possível e, por mais que tentasse, estava claro que não conseguira se desvencilhar do acidente. Também não sabia lidar com o heroísmo. Era evidente que ele escondia muito mais sob as cicatrizes. Paul protegia a si mesmo, mas sob a máscara se encontrava um homem com sentimentos profundos. Na noite anterior, em cima da jangada, ele mostrara muito sobre a sua pessoa. Os dois não trocaram palavras, mas o corpo dele falara com total eloqüência. Gabrielle ainda sentia os efeitos por ter sido tocada por Paul. As mãos fortes e possessivas em sua pele molhada lhe disseram bem mais de que uma hora de conversa. E por ter adorado a intensidade da mensagem, queria ouvir mais ... bem mais. Gabrielle não sabia se ele seria capaz de dividir mais do que seu corpo, todavia, era uma possibilidade. Tinha certeza de que, para Paul, fazer amor e levar uma vida a dois eram coisas distintas e impossíveis de ser relacionadas. Enquanto ele preferia a primeira, Gabrielle lutaria com unhas e dentes para ficar com a segunda. Paul tinha um estilo de vida estabelecido. Gabrielle era a intrusa. Se quisesse algo mais, teria de ter paciência, muita paciência. Mas depois da última noite, passou a ver uma luz no fim do túnel. Paul fora um amante maravilhoso, carinhoso e exigente ao mesmo tempo. Parecia: que algo dentro dele se libertara durante a chuva, chegando para conquistá-la. E ele conseguira. Gabrielle jamais fizera amor com tamanha urgência, tamanha paixão, com tanto magnetismo. Talvez fosse a chuva e a escuridão que a acompanhavam. Sabia que Paul. gostava do escuro. Ele ficava bem mais à vontade à noite na varanda do que sob a luz do sol. Criara um mundo só seu, quase uma imagem negativa do mundo exterior, onde sua mente podia passear em liberdade. Mas, apesar de todos os esforços, não podia fugir de si mesmo. Dia após dia, Paul via os resultados refletidos no espelho e, querendo ou não, as pessoas o forçavam a reviver o passado. E agora Gabrielle também tinha contribuído, ao conversar com o jornalista. Levantou-se e ajeitou o vestido florido. Decidida, caminhou para seu destino. O que poderia dizer para demonstrar que nada disso tinha importância? “A beleza está além de seu rosto ... " Parecia tão trivial, mas era a mais pura verdade. Paul era muito bonito para Gabrielle, mas desejaria conseguir fazê-lo acreditar. Por enquanto, tinha de lidar com o assunto sobre Ansell Walcott e o artigo que com certeza sairia nos jornais. Gabrielle entrou na varanda. A porta de trás estava aberta. Podia vê-lo dentro de casa, na banqueta de trabalho, de costas. De repente, Paul percebeu que tinha companhia e virou-se. — Posso entrar? — perguntou Gabrielle, com a mão na maçaneta. — É claro. Ela entrou e parou ao lado da porta. Paul levantou-se. Tinha um pedaço de madeira em uma das mãos e a ferramenta na outra. Era o primeiro encontro desde o beijo de boa noite, ou melhor, de bom dia. Com o pensamento centrado no que se passara e na conversa com Ansell Walcott, Gabrielle ainda não tinha pensado em qual seria sua reação ao reencontrar-se com ele. Paul percorreu-a com o olhar, o que a fez corar. — Olá — disse Gabrielle, sentindo os dedos dos pés se curvarem dentro do sapato. Paul olhava fixo para seus seios. — Oi — respondeu ele, deliciado com a lembrança de ter tocado aquela mulher, de terem feito amor. Seus olhares se encontraram e tudo sumiu da cabeça de Gabrielle. Só enxergava Paul. Ele colocou a ferramenta e o pedaço de madeira em cima da mesa. Deu um passo para a frente. Gabrielle também. Para os braços de Paul. Os dois se abraçaram. Ela moldou-se contra o corpo dele, aconchegando-se em cada curva e ângulo. Cada vez mais percebia que tinham sido feitos um para o outro. Era perfeição demais para ser verdade. Paul, por sua vez, não achava que a veria tão cedo, muito menos em sua casa. Imaginou que Gabrielle talvez necessitasse de um tempo para pensar no acontecido, no que tinham feito. Paul tinha certeza de que ela estava com segundas intenções, mesmo envergonhada, mas o evitaria até que o tempo lhe dissesse mais. Não agiria por impulso. Mas Gabrielle estava ali, e Paul não perderia a chance de abraçá-la, de beijá-la, de tê-la bem perto. Ela começou a beijar-lhe o pescoço, e sua respiração quente começou a consumi-lo. — Ah, Gabrielle ... — Diga-me que foi maravilhoso. Paul e a encarou. Tinha os olhos cheios de emoções. — Você precisa saber, Gabrielle. Foi o máximo ... Paul queria falar mais, mas as palavras não lhe vinham. Então ele a beijou, deixando que seus lábios, sua boca, sua língua dissessem tudo. Queria que Gabrielle soubesse como ele se sentia homem a seu lado, como a desejava, ainda mais depois da noite passada. Paul gemeu, sobressaltado com o desejo. Gabrielle tocou-o com a língua e abraçou-o com muita força, cravando as unhas em suas costas. Isso bem era pior do que antes. Ele sabia que seria assim, mas não fazia idéia da intensidade de seu desejo, da força com que Gabrielle lhe correspondia. Paul tinha resolvido esperar que ela desse o primeiro passo, decidindo que a noite anterior fora um ato insano, um erro, ou apenas o prelúdio para algo melhor, mais profundo, mais forte. Ele se convencera de que o melhor a fazer era deixá-la tomar conta da situação. Mas tinha de haver mais. E se Gabrielle o permitisse, Paul lhe daria tudo ... A qualquer hora do dia, em qualquer lugar do mundo ... Levantando-a do chão, ele levou-a até a parede. Então colocou-a de volta no lugar, segurando-a com o corpo e com as mãos, impedindo-a de fugir. E ficou a observá-la. Os cabelos continuavam os mesmos, as faces rosadas, os olhos azuis luminosos e acolhedores. Tinha de tocá-la. Deixou suas mãosestudarem-na, acariciando seu pescoço, rosto, colo. Sem pensar duas vezes, Paul desabotoou-lhe o vestido, um botão de cada vez e, quando notou que Gabrielle não usava sutiã, gemeu. Afastou o tecido floral e ficou a observar os seios perfeitos. Os mamilos intumesceram assim que foram tocados pelos dedos de Paul louco de desejo, ele inclinou-se para beijá-los. Gabrielle apoiou-se na parede e respirou fundo. Sentiu-se derreter por dentro ao prazer que Paul lhe oferecia. Ela acariciou-lhe os cabelos, incapaz de deter o gemido que se formava em sua garganta. Paul estava ávido para possuí-Ia. Ajoelhou-se e desabotoou o resto do vestido. Com um olhar, pediu permissão, mas já passava os dedos na virilha delicada. Como não houve resposta, começou a acariciá-la devagar até que seus dedos chegassem ao centro de seu prazer. Ao beijá-la intimamente, o perfume de mulher levou-o a um mundo além de sua fértil imaginação. Queria conduzi-Ia a um lugar onde só existissem os dois. Apenas Gabrielle e Paul. E queria proporcionar-lhe muito prazer, mais prazer do que ela jamais tivera. Gabrielle murmurou seu nome quando Paul a tocou com a língua; gemeu, gritou de prazer quando Paul encontrou o ponto mais sensível de seu ser. Precisou de apoio e encontrou-o nos ombros dele. Os lábios de Paul pareciam mágicos, e Gabrielle deixou-se levar. Fechou os olhos e esperou que o clímax chegasse. Então percebeu que não conseguiria ficar em pé. Seu corpo tremia todo. Paul levantou-se e abraçou-a, beijando-lhe o lóbulo da orelha. Gabrielle percebeu as lágrimas chegando. Nesse instante, soube que o que sentia por aquele homem era bem mais forte do que imaginara. Superava até mesmo seus sentimentos por John. Um arrepio percorreu-lhe o corpo. O medo, repentino e urgente, abateu-se sobre Gabrielle. Percebendo, Paul afagou-lhe os cabelos. — Gabrielle, meu amor, eu te quero tanto, preciso tanto de você ... A excitação dele era evidente, e a mulher dentro de Gabrielle queria dar tudo o que tinha a oferecer, retribuir o prazer que Paul lhe proporcionara. Apertou-o mais contra si, encorajando-o, Era do que Paul precisava. Puxou-lhe os quadris. E então ela gritou: -Ai! — Ai?! — Sim, ai! Paul arregalou os olhos e ficou a encará-la. — O que eu fiz? . — Nada. Fui eu quem fez. — Gabrielle passou a mão na nádega dolorida, abotoando o vestido ao mesmo tempo. Então virou-se para Paul. — Você sabe algo sobre farpas? Parecia que tinham jogado um balde de água fria em Paul. Ele deu um passo para trás e passou a mão pelos cabelos, descrente. — Farpas? — Sim, farpas. Você já teve uma cravada na pele? — Você se esqueceu que eu sou marceneiro? Já tive muitas. Qual é o problema? — Eu tenho uma. — O quê? Uma farpa? -Sim. — Onde? — Aqui — disse ela, mostrando o traseiro. — Você está brincando comigo. — Paul ria. — Eu gostaria de estar. — Como foi conseguir ... Gabrielle movimentou a cabeça na direção do lago. — Ah, meu Deus! A jangada. Desculpe-me, Gabrielle ... — Não foi culpa sua. — Mas eu deveria ter tomado mais cuidado. A madeira estava ... Bem, é que eu não conseguia pensar direito ontem ... — Nem eu. Os olhares se encontraram, enchendo o ambiente de paixão. Paul clareou a garganta. — Posso ... Isto é, há algo que eu possa fazer para ajudá-la? — Sim, pode tirá-la para mim. — Você quer dizer ... — Eu não posso pedir para mais ninguém. — E sua mãe? — Como explicar? Não, muito obrigada. — É, melhor não. Gabrielle brincou com a gola da camisa de Paul. — E então; você me faria esse grande favor? — É claro — afirmou, não sabendo se conseguiria tirar a farpa de Gabrielle sem possuí-la. — Conte até dez e mantenha-se firme. Ela já estava de costas. — Vamos dar uma olhada. Gabrielle ergueu o vestido e abaixou a calcinha. Paul ficou em silêncio enquanto examinava-lhe a pele. Ao sentir o dedo dele no local dolorido, Gabrielle olhou para trás. — Que tal? — Hum ... — Muito fundo? -Sim. — Será que consegue tirá-la? — Acho que consigo. Venha até a mesa. Vou buscar a pinça e um pouco de álcool. Gabrielle obedeceu enquanto Paul desaparecia no banheiro. Voltou logo em seguida, com uma caixa de primeiros socorros. Incline-se, por favor .. Gabrielle arregalou os olhos ao ver o tamanho da pinça. — Não gosto disso. — Se a farpa não sair, pode infeccionar. E então, o que você fará? A idéia de ir a um médico e ter de explicar como conseguira aquela façanha foi argumento suficiente para que Gabrielle o obedecesse. — Está bem, Paul. — Inclinou-se sobre a mesa. Mas seja cuidadoso, por favor. Ele foi. Muito. Gabrielle sentiu apenas uma leve fisgada e depois o gelado do álcool. Então, a mão acariciando-lhe a pele antes de colocar a calcinha no lugar. Ela endireitou-se e ficou de costas para Paul. — Gabrielle — murmurou ele, abraçando-a -, eu te quero tanto ... — Ah, Paul... Eles não escutaram o som de passos na varanda, nem perceberam que havia alguém à porta até que alguém tossiu de leve. — Papai! — Como duas crianças pegas em flagrante, eles se afastaram. — Desculpe-me, filha, mas sua mãe me pediu para vir procurá-la. Pode deixar, direi que você está ocupada. — Não! Está tudo bem. Irei em um minuto. — Fique à vontade — disse Patrick, descendo as escadas depressa. Paul soltou a respiração. — Não sei quem ficou mais envergonhado: ele ou nós. — Minha mãe não pára de controlar a minha vida. Eu não agüento mais! — Você já é uma mulher adulta, Gabrielle, não precisa mais dar satisfações para a sua mãe. — Sim, eu sei. Estou tentando resolver esse problema. Paul abraçou-a. — E eu estava pronto para lhe mostrar a casa toda. — Sua casa? — Sim, entre outras coisas. Um sorriso formou-se nos lábios dela. — Lá em cima também? Gabrielle encontrou os olhos de Paul e percebeu como ele estava perturbado. — Fica para outra hora, Paul. Ele soltou-a e deu um passo para trás. — Droga, eu nem falei o verdadeiro motivo da minha visita! . — Havia outro? — Sim — respondeu ela, enrubescendo. — E qual é? Gabrielle mordeu o lábio. — Hoje encontrei uma pessoa que se disse seu amigo. Mas, como ele não sabia nada sobre Wilbur, eu fiquei em dúvida. — Quem é? — Apresentou-se como Ansell Walcott, um jornalista. É bem famoso, pois minha mãe o reconheceu na hora. Você o conhece? -Sim. Gabrielle sorriu, um pouco mais aliviada. — Ele disse que vocês se conheceram muito tempo atrás. E que compartilharam de muitas coisas. — A minha mulher, por exemplo. — Sua mulher?! Paul sentou-se no banco, pegou o pedaço de madeira que deixara de lado e recomeçou a lixá-lo. — Quando saí do hospital, encontrei-o morando na minha casa com a minha mulher. Parece-me que Maureen sentiu-se um tanto solitária e precisava de companhia. — Que horror! Você deve detestá-lo. — Gabrielle manteve para si a opinião sobre a ex-mulher de Paul. — Foi há muito tempo. Não tenho nenhum sentimento por Ansell. Só queria que ele me deixasse em paz. Paul a encarou. — Você falou com ele? — Sim. E minha mãe também. Ela comentou que a festa do casamento de Laura e Willy será realizada aqui. E na certa a notícia sairá no jornal. — Bem, pelo menos não será uma mentira. — Você decidiu aceitar? — Sim, decidi. — Ah, Paul! — Gabrielle, eu já lhe disse qual é a minha posição sobre o assunto. Fique contente apenas por eu ter permitido que a festa seja realizada aqui. — Bem, já é um grande passo. — Muito maior do que você imagina. — E tem mais. Ele tirou fotografias de nós. — Quer dizer que você vai aparecer nos jornais? — Você não está bravo comigo? — E por que deveria estar? Se não fosse você, Ansell encontraria outra pessoa para fornecer-lhe informações. Todo ano é assim. Você terá de lidar com isso bem mais do que eu. — O que quer dizer? Paul levantou-se. Colocou a madeira em cima da mesa e virou-se para ela. — Nunca apareceu em uma reportagem de jornal? — Uma vez. Depois da morte de John. Fizeram uma matéria sobrea vida dele. -E? — Foi uma reportagem bastante interessante. — Era tudo verdade? Você ficou contente? — Sim. Foi bastante gentil da parte do jornalista. — Então espero que fique contente com a matéria de Ansell. — Estou percebendo uma certa ironia no seu tom de voz. Paul meneou a cabeça. — Não tenho como saber o que ele escreverá. — Não confia nele? — Em Ansell Walcott? Nem um pouco. Ele é uma verdadeira cascavel, e as informações que não conseguiu tirar de você, irá inventar. — O que ele poderá dizer a nosso respeito? — Teremos de esperar, Gabrielle. Nunca se sabe do que Ansell é capaz. Paul recomeçou a trabalhar no pedaço de madeira que se transformaria em uma perna de mesa. Todo o clima romântico sumiu com a menção do nome do jornalista. Gabrielle irritou-se com a atitude dele. Paul fora o único prejudicado com os feitos de Ansell Walcott. Bem, mas fazia tantos anos ... O homem lhe parecia inofensivo. O que fez com que se lembrasse de ter de encarar os pais. Agora com certeza a mãe já sabia que ela estava nos braços de Paul. Não que Patrick fosse indiscreto, mas Leonore sempre encontrava uma maneira de tirar as informações do marido. Ainda bem que ele não chegara dois minutos antes. Não imaginava como explicar ao pai que Paul tirava uma farpa de suas nádegas. Nem gostava de pensar nisso! Quer queira, quer não, Gabrielle tinha de voltar para casa e encarar os pais. Sentiu-se como uma adolescente fugindo de casa depois do toque de recolher. Ouviu a voz das filhas e decidiu se despedir. — As meninas acordaram. É melhor eu ir embora. Paul levantou-se e segurou-a pelo braço. — Nos vemos depois? — Eu não sei. Farei o possível. — Esforce-se bastante. Gabrielle enxergou só desejo nos olhos de Paul. Sabia ser o motivo e gostaria de poder ficar e satisfazê-lo da maneira como fantasiara. — Sinto muito por antes. — Antes? — Pela interrupção. Eu queria ... Quer dizer ... Quando nós ... — Ela ergueu os braços, não sabendo como se explicar. — Ah, você sabe o que estou querendo dizer. Paul riu do embaraço dela. — Sim, eu sei — disse ele, passando os dedos pelo' rosto de Gabrielle. — Você me deve uma... — Ah, é? — Sim, madame. E pode ter certeza de que eu vou cobrar. Para surpresa de Gabrielle, seu pai não comentara nada com Leonore. Ela estava sentada na varanda quando Gabrielle voltou da casa de Paul, já esperando por uma série de acusações e perguntas, mas não escutou nada. Em vez disso, sua mãe se encontrava muito mal-humorada. — Mamãe? O que houve? — Seu pai, esse é o problema. Acho que ele pensa que é um adolescente. — O que aconteceu? — Quer levar as crianças àquele novo parque de diversões que abriu ano passado. — E daí? Qual é o problema? — Ele pretende ir dirigindo! O homem tem sessenta anos de idade e quer brincar em escorregadores de água. Você não acha um absurdo? — E quando ele pensa em partir? — perguntou Gabrielle, forçando-se para não sorrir. — Amanhã! Você acredita? Ele quer que eu faça as malas para viajarmos até aquele parque ridículo. Já imaginou? E você não sabe do pior. Ele quer passar a noite lá! — Mãe, eu não estou vendo nada de mais. — Pelo amor de Deus, Gabrielle! Acho que ele perdeu o juízo. Ela mordeu o lábio. Não sabia o que o pai planejava, mas a súbita urgência de ir a um parque de diversões com as netas e passar a noite lá só podia significar uma coisa: Patrick estava dando sua aprovação para o que estivesse acontecendo entre ela e Paul. Tanto que até lhe presentearia com uma noite inteira! Seu coração disparou. Uma noite toda! Deus, o que faria? "Que pergunta idiota!" — Bem, não se preocupe, filha. Conte-me, o que Paul disse sobre o jornalista? — Ele não ficou chateado. — Como imaginei. — Sim, mãe, você tinha razão — disse ela, sabendo que eram as palavras que Leonore queria escutar. — Por falar nisso, onde estão as meninas? — Lá atrás com seu pai. Ele decidiu fazer um churrasco hoje à noite. Bem, é melhor eu ir arrumar as malas, pois Patrick já deve ter contado a novidade para as netas. Não sei por que não vamos todos nós. Não seria melhor se você viesse conosco, filha? — Acho que não, mamãe. Tenho muitas coisas para fazer. Preciso começar a preparar o material para a escola. E será ótimo ter um dia só para mim. — Inúmeras possibilidades surgiram em sua cabeça, junto com um frio na espinha, uma mistura de ansiedade e excitação. — Bem, se você quiser companhia, eu fico. Acho que seu pai conseguirá dar conta das duas. Você pode precisar de ajuda. — Não, mãe, não será necessário. Divirta-se. No dia seguinte, Gabrielle levantou cedo e despediu-se dos pais e das filhas, acenando-lhes enquanto o carro seguia pela estradinha. Agradeceu a seu pai com o olhar. Ele sorriu. Gabrielle imaginou se Patrick sabia quais eram seus planos para ocupar o dia livre. Ficou parada na varanda por mais um tempo, quase temendo começar algo antes de ter certeza de que eles haviam partido mesmo. Olhou para a casa de Paul. Tudo fechado. Não avistou a caminhonete. Achou bom, pois precisava de algumas horas para se embelezar. Wilbur estava ao seu lado, e Gabrielle acariciou-o. — Vamos lá, companheiro. Venha tomar café comigo. Assim nós podemos ter uma conversa. Fazia anos que não tinha tanto tempo para si mesma, por isso achou que devia aproveitar ao máximo. Depois de tomar café, ajeitou a casa e preparou um belo banho de banheira. Ficou quase uma hora imersa na água. Depois de vestir o roupão, foi olhar se Paul já tinha chegado. Nem sinal do carro. — Não está em casa — disse ela. Ainda tinha um longo dia pela frente, portanto, voltou para a sessão de limpeza de pele, manicure e pedicure. Esperando ver o carro dele, Gabrielle se assustou. Nada ainda. Determinada a não se aborrecer, foi para o quarto e escolheu o melhor conjunto de lingerie. Pegou um de seda creme. Vestiu-o e observou-se no espelho. — Nada mau — comentou Gabrielle, virando-se para todos os lados. — Olhe só, Paul! Demorou mais de uma hora para arrumar os cabelos e maquiar-se. Depois de muita escolha, decidiu o que usar. Optou por um vestido curto, sem mangas, amarelo, que guardava para ocasiões especiais. Planejava usá-lo no casamento de Laura. De certa forma, esse dia seria bem mais especial. Por volta do meio-dia, Gabrielle estava pronta. De banho tomado, unhas feitas e maquiada. Mas Paul não voltara. Onde estaria? Toda arrumada e sem ter aonde ir, ela sentou-se na sala e pegou uma revista, tentando fingir que o sumiço de Paul não a aborrecia. Metade de seu dia livre já havia se passado. Quando se passaram mais duas horas, seu bom humor chegou ao fim. Não seria irônico se sua mãe estivesse se divertindo no parque? O som de um carro chegando alertou-a. Foi correndo até a janela e viu Paul descendo, com as mãos cheias de pacotes. Fechou a porta do veículo, entrando em casa em seguida. Gabrielle umedeceu os lábios e retorceu as mãos. Deveria ou não dar um pouco de tempo a ele? "Não", disse uma voz interior, "não perca tempo, garota. Vá depressa!" Gabrielle forçou-se a caminhar devagar, tomando cuidado para não arruinar as sandálias, mas, depois de alguns passos, decidiu tirar o calçado. Jogou-os de volta, deixando-os na varanda. Sentia-se melhor descalça. Quando subiu as escadas da casa de Paul, não o viu em lugar nenhum. — Paul? — Entre, Gabrielle! Estou na cozinha! — gritou ele. Ela entrou e caminhou devagar até lá. Paul guardava as compras e quase nem a olhou. — Como vai? — perguntou ele, demonstrando-se casual. — Tudo bem. Meus pais levaram as meninas para um parque de diversões. — Que legal! — Sim, aposto que elas estão se divertindo muito. Eles foram hoje cedo. — E o que você fez esse tempo todo? — perguntou, abrindo a porta da geladeira. — Fiquei me preparando. — Para? — Para conhecer sua casa. — O quê? Gabrielle encostou-se, provocante, no batente da porta. — Eu esperava que o convite ainda estivesse de pé. E então? Paul suspirou. — É lógico que está depé. Quando você gostaria de ir? — Que tal agora? 12 Paul piscou, e então olhou para ela. — Agora — disse ele, assentindo com a cabeça. -Sim. Sem pensar duas vezes, Paul colocou a caixa de leite que tinha nas mãos dentro da geladeira e fechou-a. Virou-se para encarar Gabrielle, encostando-se no balcão. Gabrielle tinha de saber o que fazia. Eles haviam brincado sobre o assunto, e Paul entendera muito bem o que ela queria dizer. O andar de cima. Seu quarto. Sua cama. Ele olhou para Gabrielle. Ela também o encarava sem piscar. Gabrielle tinha de saber. Paul começou a ter mil idéias. Ela estava muito sedutora. Jamais usaria essa palavra para descrever Gabrielle Levy, mas, parada ali, descalça e usando apenas o vestido amarelo, tornara-se mais bela do que nunca. Será que era uma brincadeira? Um teste? Será que ela queria enlouquecê-lo? Gabrielle também tinha de saber que não demoraria muito para Paul se excitar, era só lembrar da tarde anterior. Tinha tido uma péssima noite, virando de um lado para o outro na cama, torcendo para que o dia amanhecesse e pudesse se levantar e encontrar alguma coisa para se distrair. "Ah, Gabrielle ... Você tem de saber ... " E agora ela estava ali, provocando-o a ponto de fazê-lo perder o controle. "Bem, vamos ver aonde isso vai dar." Paul deu um passo para a frente, depois outro. Olhou para baixo. As mãos dela estavam trêmulas. Sorriu ao perceber que Gabrielle não estava tão calma quanto queria demonstrar .. — Você tem certeza de que está preparada? — Sim, absoluta. A não ser que você não queira. Paul parou a um passo dela, tão perto que podia sentir o calor do corpo feminino, distante o suficiente para não tocá-la. — Se você pode, eu também posso — disse ele, com delicadeza. Gabrielle umedeceu os lábios. — Sim, eu quero ... ver a casa. — Então, por favor. — Paul estendeu-lhe a mão para mostrar-lhe o caminho. Gabrielle passou ao lado de Paul, torcendo para que ele não escutasse as batidas de seu coração disparado. Ela caminhou na frente, deliciando-se com a sensação da palma da mão contra as suas costas. Subiu os dois degraus que os levariam até a sala de jantar. Mobiliada com uma mesa de carvalho para seis pessoas, uma bela cristaleira e algumas plantas, o ambiente não era grande, mas arejado e claro. Também era tão imaculado que Gabrielle teve certeza de que Paul jamais usara a sala para fazer suas refeições ou para receber alguém. O cômodo seguinte era tão convencional quanto o primeiro. Gabrielle passou a mão pelos móveis enquanto se movimentava pela bela sala de estar. Havia janelas em abundância. As paredes, de um verde claro, eram um contraste calmante com o sofá de couro marrom-acinzentado, a namoradeira e as poltronas. — Você ainda não disse uma só palavra — comentou Paul, enquanto a acompanhava até a escada que os levaria até o segundo andar. — O que está achando? — Uma graça. — Mas ... Gabrielle olhou para ele. — Mas um pouco solitária, eu acho. Você não usa muito essas salas, não é? — Para ser bem sincero, nunca as uso. Gabrielle queria perguntar o porquê, mas achava saber. Paul gostava de ser assim. Apreciava sua privacidade, a vida solitária, o isolamento. A grande dúvida era: para que construir uma casa tão grande se nunca tivera a intenção de enchê-la de gente? Ao mesmo tempo que era bonita, era impessoal. "Bem, vamos ver o andar de cima", pensou ela. A sala de televisão era grande e cheia de vida. De um lado, havia um grande e moderno aparelho de som, enquanto a outra parede abrigava uma enorme televisão, o videocassete, videogames e muito mais. A um dos cantos, avistou uma bela espreguiçadeira e vários livros na estante ao lado. Um canto para leitura. Ao lado, uma bonita luminária. — Esta sala é maravilhosa. As meninas adorarão — disse Gabrielle, com um grande sorriso no rosto. — Elas já conhecem, Gabrielle. Amanda e Alice brincam aqui quase todos os dias com o. videogame. Outro dia eu quase perdi para elas. — Quer dizer que as minhas filhas conhecem sua casa inteira e eu não? — Não, elas não conhecem tudo. Você, por outro lado, terá um tratamento de primeira classe. — Abraçou-a. E um pouco de ... Gabrielle ergueu o rosto, e eles se beijaram. — A menos que sejamos interrompidos por alguém ... E eu não estou me referindo a Wilbur. — Não se preocupe com as meninas. — Seus pais? — Também não. — Você sabe a que horas eles voltam? — Não voltam. — O quê? — perguntou ele, surpreso. — Eles não voltam hoje. — Ficarão fora o dia todo? . — Sim. E a noite toda. Só voltam amanhã. E também não muito cedo. Vão fazer algumas compras antes. — A noite toda?! — A noite toda. Ele assobiou, feliz. Gabrielle sorriu. Paul abraçou-a com força, deslizando as mãos por suas costas. Ela fez o mesmo. Em seguida, apertou-lhe os quadris, sorrindo. — Gabrielle Levy! O que diria sua mãe? — Não quero pensar na minha mãe. Ou nas meninas. Em nada. Apenas nisso. — E "isso" é ... Ela o beijou, depressa e com volúpia. — Isso é isso. Gabrielle tentou se afastar, mas Paul a impediu. — Você sabe fazer melhor — disse, puxando-a de volta e dando-lhe um beijo de tirar o fôlego. — Melhor assim? — perguntou ela, depois de um tempo. — Sim. E por aí vem muito mais. — Então, dê-me mais. — Gabrielle fechou os olhos. — Mais tarde. Você ainda não terminou de conhecer a casa. — Onde termina a visita? — Onde você acha? — No seu quarto? — Na minha cama. -Ah! — Sim. A não ser que você não queira. Ela acariciou-lhe o rosto. — Desejo tudo o que você tiver para me dar. Paul segurou-lhe a mão e levou-a até seu abdome musculoso. — Comecemos por aqui, então. Atrevida, Gabrielle ficou a afagá-lo com os dedos. Dessa vez foi Paul quem arregalou os olhos. — Sim — disse ela com um sorriso maroto. Paul deu-lhe um tapinha na mão assim que ela terminou as carícias. — Você é muito perigosa quando não tem suas filhas por perto. — E nem mãe ou pai. — E nem mãe ou pai. Imagino se Leonore e Patrick descobrirem sobre ... — E a visita? Vamos continuar com a visita, Paul. — Vamos em frente — disse ele, pegando-a pela mão. Tudo era muito estranho para Paul. Fazia muito tempo que não tinha um relacionamento com uma mulher, mas não conseguia afastar o sorriso estúpido dos lábios, nem admitir que estava adorando a situação. Diversão. "Por Deus, quando foi a última vez que você teve uma mulher nos braços?" Ele não se lembrou e não queria tentar. Não existia ninguém como Gabrielle, ninguém para comparar no presente, muito menos no passado. Também sabia que, no futuro, jamais encontraria outra pessoa tão especial quanto ela. Sentia-se normal ao lado de Gabrielle. — Feche os olhos — pediu Paul, assim que chegaram à porta de seu quarto, que estava fechada. — Pronto, pode abrir. Gabrielle analisou o dormitório, que dava para a frente da casa. Era imenso. Uma porta do lado esquerdo lhe disse que lá era o banheiro. Olhou para Paul, que com certeza esperara um parecer. — É tão grande ... — Sim. Entre e venha conhecer o resto. Gabrielle obedeceu. Também havia várias janelas, todas sem cortinas, deixando o ambiente muito bem iluminado e arejado. E, apesar de a vista do bosque ser bela de todos os aposentos, dali era magnífica. Espantou-se com a cama de Paul. Era enorme, feita de imbuia, cheia de entalhes na madeira. Tinha uma cabeceira bem alta e uma delicada colcha de matelassê. — E então, o que você achou? — perguntou ele, obviamente referindo-se à cama, que era o único móvel dentro do quarto. — É um tanto quanto incomum. — Aceito isso como um elogio. — Foi você quem fez? — Sim. — E por que tão grande? "Para realizar as minhas fantasias." — Eu gosto de camas grandes — disse ele, sorrindo. — Não era bem isso o que você ia dizer. — Como você sabe? — Está escrito no seu rosto. Fale a verdade, Paul. — Você deseja saber mesmo? — Sim. Paul hesitou. — Ela me proporciona o espaço necessário de que preciso para os meuspensamentos. — Quais tipos de pensamentos? — perguntou Gabrielle. "Está bem, é você quem está pedindo, querida." — Minhas fantasias. — Eu também tenho fantasias — disse ela. — Ah, é? -Sim. — É por isso que está aqui, Gabrielle? Para realizar suas fantasias? Demorou um pouco para que ela respondesse, mas logo seus olhos se encontraram com os dele. — Sim. — O que quer de mim? Conte-me. Gabrielle olhou para o teto. — Não sei o que dizer. — É você quem decide. — Só eu? — Sim, madame. É assim que tem de ser. Você é quem dá as cartas. — Todas elas? Paul hesitou por alguns instantes, mas não havia em que pensar. A resposta era só uma. -Sim. Eram quatro horas da tarde, e no cenário sexual de Gabrielle, uma bela noite, iluminada apenas por luz de velas e o luar penetrando através das janelas. A luz do dia não era nada sensual. Só que os dois tinham apenas esse fim de tarde e uma noite inteira pela frente; era pegar ou largar. E Gabrielle não queria perder um só minuto. Iria adiante com seu plano de qualquer maneira. Afinal, por isso viera até ali. Ela nunca se sentira tão atrevida. Queria ter o máximo de experiências possíveis. Tantas coisas, tão pouco tempo... Tinha um sentimento de desespero, como se fosse a única vez na vida que fosse ter a possibilidade de estar tão próxima de Paul, tão perto de sua intimidade. Teria total atenção desse homem e não mediria esforços para satisfazê-lo por completo. Mas ainda havia uma parte que estava tão insegura... — Sente-se — ordenou Gabrielle. Com o cenho franzido, Paul obedeceu, sentando-se na beira da cama, enquanto Gabrielle se aproximava feito uma leoa, decidindo qual seria o próximo movimento. Encarou-o. Paul tinha os braços cruzados na frente do peito. Estava esperando o ataque. Gabrielle mordeu o lábio inferior. Queria fazer tanto por ele; mas não sabia por onde começar. Demorara muito tempo para se preparar, era parte de um plano. Tinha tanto a lhe dizer... Parou. Era isso o que queria fazer: um show. Em pouco tempo. Um espetáculo privado. O que ele falaria se Gabrielle lhe contasse? "Não, não conte. Aja!" De frente para Paul, Gabrielle posicionou-se de modo a deixá-lo com a visão completa de seu corpo. — Posso começar, Paul? — Brincava com o fecho do vestido. Paul sentiu um nó na garganta. Não acreditava que poderia ficar mais excitado do que já estava. Enganou-se, porém. Descruzou os braços e segurou na borda da cama, precisando firmar-se. — Por favor, Gabrielle... Ela baixou um lado, depois o outro, revelando o sutiã de seda. Com um movimento gracioso, virou-se de costas e abriu o zíper do vestido. Então, deixou-o escorregar por seu corpo e cair ao chão. Parada à frente dele usando apenas a lingerie de seda, Gabrielle abriu os olhos e o encarou. Paul estava sério e com os olhos verdes arregalados. — Está bom assim? — perguntou ela, umedecendo os lábios. — Ótimo! Gabrielle virou-se de novo, ficando de costas. Olhando para trás, tirou uma alça do sutiã, e a outra logo escorregou. Suas mãos tremiam um pouco. Paul riu do comportamento alegre. Então Gabrielle soltou o fecho e deixou que o sutiã fosse ao chão. Ele parou de rir. Gabrielle fechou os olhos de novo, torcendo para não estar fazendo papel ridículo. Com cuidado, ela se virou e abriu as braços, revelando-lhe os belos seios. Paul estava chocado. De onde vinha essa mulher? Onde a envergonhada e tímida Gabrielle Levy tinha escondido tanta sensualidade? Quando o abalo passou, Paul a encarou. Ela estava gloriosa, linda, perfeita. É claro que Paul já a vira nua antes, na noite da tempestade e em seu lugar de trabalho, mas agora era diferente. Com o sol entrando pelas janelas do quarto, a magnificência de Gabrielle era evidente. Estava quente, louco para tomá-la nos braços e possuí-Ia o mais rápido possível. Levantou-se e aproximou-se de Gabrielle. Ela o impediu com a mão. — Não, eu ainda não estou pronta. — Então termine logo — pediu ele, não vendo a hora de estar dentro dela. — Você não tem senso de humor. — Já não tem mais graça, Gabrielle. — Ah, não? — Não. Venha aqui. — Ainda não. — Gabrielle ... — Espere mais um pouco — disse ela, brincando com o elástico da calcinha, enquanto seu coração batia rápido. Gabrielle lembrou-se de quando Paul fora consertar a tela em sua casa. Ele se mantivera frio e controlado. E agora era bem diferente. Jamais fora raptada, mas tinha a sensação de que aprenderia hoje o verdadeiro significado da palavra. — Depressa — ordenou Paul. — Sente-se. Paul passou a mão pelos cabelos, mas obedeceu e gesticulou para que ela fosse rápida. Gabrielle sorriu, tentando parecer o mais sedutora possível. Jamais em toda sua vida estivera tão excitada como agora. Puxou a calcinha para baixo. A umidade que encontrou só a deixou com mais vontade de correr para os braços dele. Abaixando-se, Gabrielle tirou-a e jogou-a para Paul. Ele a apanhou. — Muito bem! — disse ela, quase não reconhecendo a própria voz. — Obrigado. Sem tirar os olhos de Gabrielle, Paul aproximou a calcinha do nariz e dos lábios .. Gabrielle respirou fundo, não conseguindo mais se controlar. Achava que não ficaria em pé por mais muito tempo. — Venha cá — ordenou ele, e, como um robô, Gabrielle obedeceu, movimentando-se devagar, posicionando entre as pernas de Paul. Ele segurou-a pela cintura, certificando-se, em sua mente pelo menos, de que ela não fugiria. Começou a beijá-la no ventre, parando apenas quando chegou à virilha. Precisou ampará-la com firmeza. — Você é tão perfeita ... — sussurrou ele, experimentando-a e acariciando-a com os dedos. — Paul... — Diga — pediu ele, aprofundando as carícias. — Eu quero ... — Continue falando. — Não pare ... — Não vou parar. Paul ficou a movimentar os dedos em ritmo constante, mesmo quando ela se inclinou, oferecendo-se. Mesmo assim não parou. Queria satisfazê-la. Quando Gabrielle gritou seu nome, Paul teve a certeza de que conseguira. Ela soltou-se em seus braços. — Ah ... Paul... Eu quero ... Enterrando o rosto entre os seios dela, Paul deliciou-se com o aroma adocicado. — O que você quer, querida? Diga-me. — Você. Eu te quero tanto ... Quero tocá-lo por todas as partes de seu corpo. — Tentou tirar a camiseta de Paul. — Não — impediu ele, afastando as mãos de Gabrielle. — Por que não? — insistiu ela, voltando a tentar. Paul levantou-se e afastou-a .. — Gabrielle, por favor. Você sabe por quê. — Você não pode estar se referindo às cicatrizes. — Como não ouviu resposta,. ela prosseguiu: — Está querendo dizer que não me permitirá tocá-lo por causa das cicatrizes? É um absurdo, Paul. Eu já as vi. — Mas era noite — disse ele, virando-se de costas. — E daí? Agora é dia. Gabrielle foi até ele e obrigou-o a encará-la. — Paul Coyle, não se atreva a me evitar dessa maneira. Olhe para mim. Relutante, ele ergueu a cabeça. — Essas cicatrizes me fazem ser menos mulher? — perguntou ela, passando os dedos pelos cortes da cesariana. — É claro que não. — Você me acha menos bonita por causa delas? — Gabrielle ... — É a mesma coisa para mim, Paul. Suas cicatrizes ou as minhas não mudam quem nós somos. — Puxou a mão dele e colocou-a em seu ventre. — Deixe-me tocá-la, por favor. Assim ... Ele não se moveu quando Gabrielle colocou a mão sob sua camiseta. Percebeu que ele se arrepiou todo ao ser tocado na pele grossa das cicatrizes. Ela ergueu-lhe a camiseta e, por fim, Paul ajudou-a a tirá-la. As marcas cobriam grande parte de seu peito e desciam até a barriga. Gabrielle o acariciou sem se importar. — Até onde vão as cicatrizes? — Só mais um pouco para baixo. — Posso? — perguntou ela, desabotoando-lhe a calça. — Vá em frente. Gabrielle ficou a encará-lo enquanto agia. Puxou o zíper para baixo. Paul não se moveu um milímetro, quase querendo que ela parasse. Mas agora era tarde demais. As cicatrizes terminavam na linha abaixo da cintura. — Eu estava usando um cinto grande aquele dia. Ele salvou mais doque você pode imaginar. Ela acariciou-lhe o abdome. — Preciso agradecer ao tal cinto — brincou Gabrielle. — Gabrielle ... — O que foi? — É melhor você parar agora. Ela sorriu. — E se eu não parar? — Eu a jogarei em cima da cama e farei amor com você feito um desesperado. -Oh! — Não acredita em mim? — perguntou Paul, vendo a descrença em seus olhos. — Não é isso. Você me prometeu. Essa é a minha fantasia, não a sua. — E quando será a minha vez? — Em outra ocasião — disse Gabrielle, levando-o até a cama. Dessa vez, ela sentou-se na beira, posicionando-o na frente. Abaixou-lhe a calça até os joelhos. Olhou para cima e umedeceu os lábios. — Em breve .. Então beijou-o como nunca ninguém o fizera. Paul engasgou com o calor que quase o consumiu. Teve de apoiar-se nos ombros dela. Jamais pensara em experimentar tamanha sensação de prazer. — Pare agora, Gabrielle, por favor. Ela ergueu a cabeça e os olhares se encontraram. Gabrielle passou a língua por toda a extensão do ventre de Paul, que sentiu um arrepio pelo corpo. Não conseguiu pensar em mais nada. Ele tirou a calça e abraçou-a, levando-a para o meio da cama. — Minha vez — disse ele, sem deixar margem para argumentação... Gabrielle afastou as pernas e o aceitou em seu corpo. Juntos, observaram o show erótico. Paul a beijava com ternura, e ela retribuía com a mesma intensidade. Não havia mais dia ou noite, nem a luz do sol ou da lua. Nada. Gabrielle parecia não estar em um mundo real, mas em outra dimensão, um lugar onde os sentimentos ditavam as regras. Havia apenas a perfeição do momento. E foi perfeito. Gabrielle abriu os olhos. Viu a paixão nos olhos verdes, o que a fez tremer. Ele tentava conversar através do olhar, dizendo-lhe coisas que ela sabia que jamais escutaria dos lábios de Paul, nem mesmo se encontrasse as palavras adequadas. Gabrielle sentiu-se nas nuvens com a pressão exercida sobre seu corpo. — Paul! — gritou, assim que seus corpos, juntos mais uma vez, alcançaram o mais extraordinário clímax. Gabrielle fechou os olhos enquanto Paul descansava. Deixou as lágrimas correrem pelo rosto. Não tinha mais nenhuma dúvida: estava totalmente apaixonada. Paul Coyle era o homem de sua vida. Era assustador. — Você está bem, Gabrielle? — Sim. E você? — Ela passou a mão na cicatriz do rosto de Paul. . E ele deixou. — Como você ousa me perguntar isso? — Eu quero escutar. — Mulheres ... — disse ele, com um sorriso. — Elas sempre precisam de palavras. — Pois é, nós somos criaturas tão imperfeitas ... — Você não. Você é perfeita. — Ele a beijou na testa, no nariz, nos olhos e por último nos lábios. — Estou morta de fome. — Ainda não está satisfeita? — brincou. — Eu quero comida, Paul. — Que garota sapeca! — Vamos sair para jantar na cidade. Laura me falou que abriu um restaurante maravilhoso. — Gabrielle não pensou duas vezes ao dar a idéia. Sabia que se tratava de um grande avanço. Tudo iria mudar. A esperança inundava seu coração. Eles poderiam ter uma vida juntos. — Nada de cidade. Se você está com fome, eu lhe preparo uma ótima refeição. — Qual é problema? Está cansado demais? — provocou. — Demais — disse ele, puxando-a e beijando-a. Além disso, a quero só para mim a noite toda. Gabrielle não resistiu à oferta. — Está certo — disse, colocando-se em pé. — O que eu posso fazer? — Fazer? — Sim, para ajudar a preparar o jantar. — Você pode ficar olhando. Será servida esta noite. — Paul levantou-se e vestiu o jeans, deixando-o aberto. — Mas há uma condição. Gabrielle caminhou até seu vestido. — E qual é? — Que você fique nua. Ela franziu as sobrancelhas. — Você quer que eu fique assim? — Sim. — Ah, você prepara o jantar e eu sou a sobremesa? Paul sorriu e puxou-a para fora do quarto. — Acertou na mosca. Eles nunca fizeram o tal jantar, tentaram se satisfazer de outras maneiras. Depois da meia-noite, comeram sanduíches de queijo, após um longo mergulho no lago. Exaustos, voltaram para o dormitório. E nada de dormir. Parecia que nenhum dos dois conseguia segurar suas mãos. Fizeram amor a noite toda. Foi Paul quem despertou primeiro na manhã seguinte. Abriu os olhos, então fechou-os de novo para certificar-se de que não sonhara. Não, Gabrielle continuava a seu lado, com o corpo coberto por seu lençol. Não queria acordá-la, mas não resistiu à tentação de acaricia-lhe o rosto. Gabrielle abriu os olhos e ficou a observá-lo por um longo instante. — Bom dia — sussurrou ela, como se estivesse em um quarto cheio de gente. — Olá — respondeu Paul, ainda espantado por essa mulher tê-lo escolhido. — Dormiu bem? — Sim, mas algo ficou me cutucando a noite toda. — O que poderia ter sido? — Não sei. Você faz idéia? — Talvez ... Ele beijou-a. Tudo iria começar de novo quando Gabrielle começou a rir. — Você vai me dar comida? — Quer dizer que eu ainda não lhe dei nada? — Bem, eu ainda não lhe disse, mas fico malvada quando faminta. — Que medo! — Você deveria estar tremendo, meu caro. — Gabrielle apoiou-se no cotovelo. — Vamos nos vestir e ir até a cidade. Conheço uma lanchonete perfeita para o nosso café da manhã. Meus pais e eu já fomos com as meninas e... — Nós não vamos até a cidade. Vou preparar algo para comermos. Gabrielle sentou-se na cama. — O que você quer dizer com "nós não vamos até a cidade"? É só hoje ou você nunca pretende ir até lá? — Gabrielle, você sabe como me sinto. Não gosto de ir lá. Não para aparições sociais. — Sim, mas isso foi antes ... — Antes? — Sim, antes do que aconteceu entre nós. — E qual é a diferença? — Tem diferença. — Não para mim. — Paul, isso é ridículo. Você quer dizer que nunca pretende ir à cidade comigo, a um restaurante, ao cinema? — Eu não vou à cidade, Gabrielle. Só quando preciso comprar algo. Você sabe disso, e não é de hoje. Nada do que aconteceu entre nós mudará a minha posição. Gabrielle o observou por um longo e interminável instante. Então começou a rir. Parecia melhor do que chorar. — Então tudo o que houve não significou nada para você? Paul saiu da cama e vestiu a calça. — Só estou dizendo que fazer amor com você não tem nada a ver com o fato de eu não querer ir para a cidade. — Tem tudo a ver, Paul. Acho que você deve começar a se questionar por que se esconde aqui se não tem nenhum motivo para isso. Paul riu. — Tenho os meus motivos. Você andou conversando demais com Laura. É isso, não é? Algum tipo de conspiração entre você e minha prima para me levarem à cidade? Gabrielle cobriu o corpo com o lençol. — O que você está dizendo? Que fiz amor com você para convencê-lo a ir até lá? Que planejei tudo isso? Paul abaixou-se e pegou o vestido no chão. — Você chegou ontem aqui vestida para matar. O que devo pensar? Gabrielle engoliu em seco, tentando afastar o mal-estar. — Você é louco! — Gabrielle... Ela demorou um tempo até encontrar suas roupas íntimas, mas, quando o fez, nem conseguiu vestir-se direito. Suas mãos tremiam demais para colocar o sutiã. Arrancou o vestido das mãos de Paul e saiu. Ele ainda tentou impedi-la. — Gabrielle, não vá assim. Ela não respondeu. Como fora tola! Como pudera acreditar que Paul mudaria por sua causa? Que ele abandonaria seu mundo exclusivo apenas por terem feito amor? Depois de apenas uma noite? No fundo, no fundo, ela achara que seria possível. Imaginou que estivessem começando um novo relacionamento. Isso não era vida. Ela queria fazer parte do mundo, junto com suas filhas. Se Paul quisesse ficar escondido, tudo bem. Para ele. Mas não para Gabrielle. E por isso não havia como pensar na hipótese de uma relação mais estável. "Esqueça, Gabrielle. Sem chances." Ela parou à porta e virou-se para ele. — Estou indo para casa. Não sei o que dizer. Obrigada pelo sexo, talvez? Sinto muito. Não sei muito sobre etiqueta da manhã seguinte. Eu peço desculpas, com sinceridade. — Gabrielle, volte aqui! Ela meneou a cabeça e surpreendeu-se com as faces molhadas. Estava chorando.Que ridículo! — Não, eu vou para a minha casa. Tenho algumas coisas para fazer antes que as minhas filhas voltem. — Nós precisamos conversar. Você tem de entender. — Que tal ir até a lanchonete para tomar café? É um ótimo lugar para uma conversa. — Por que você quer tanto ir a essa lanchonete? Não podemos conversar aqui? — Paul, você não consegue conversar na lanchonete. Eu, por outro lado, posso conversar tanto aqui na sua casa quanto em qualquer lugar. Quero uma vida além dessas duas casas, desse gramado. — Então vá em frente. Os olhos deles se encontraram. Gabrielle sentiu raiva. Não conseguia expressar seus sentimentos através de palavras. Parecia ter levado um soco de um lutador de boxe. — Adeus, Paul. — Gabrielle ... Por favor, não vá embora assim. Ela notou o arrependimento em sua voz. Mas não daria o braço a torcer. Em vez disso, desceu as escadas correndo e saiu pela porta dos fundos. Correu para casa segurando o vestido na frente dos seios. As lágrimas não paravam de escorrer-lhe pela face, e os soluços bloqueavam qualquer som ao seu redor. Gabrielle não escutou os diques, nem viu os dois homens escondido nos arbustos do jardim. Só tinha ouvidos para o seu próprio coração. — Você fotografou? — perguntou Ansell. Joseph assentiu e guardou as lentes da máquina fotográfica. — Sim, chefe. 13 O telefone tocava sem parar quando Gabrielle entrou em casa. Não foi capaz de atender, pois soluçava muito; então deixou que a secretária eletrônica o fizesse. Em vez disso, subiu a escada e correu para o banheiro. Jogou as roupas no chão, o vestido amarelo, o objeto de uma fantasia tão bela. Encostou-se na porta e deixou que as lágrimas escorressem pela face. De repente, escutou um barulho. Respirando fundo, abriu a porta para ouvir melhor. Alguém estava batendo, ou melhor, espancando a sua porta. — Gabrielle! Paul. — Vá embora! — Gabrielle! Onde você está? — Deixe-me em paz! Quero ficar sozinha. — Estou subindo. Gabrielle fechou trancou a porta ao perceber que ele falara sério. Precisava de tempo para pensar antes de encará-lo de novo. Por um longo instante, não se ouviu nada, e Gabrielle achou que ele partira. Encostou a orelha na porta e prestou bastante atenção, verificando que ainda tinha companhia. — Gabrielle? — Vá embora! — Preciso conversar com você. — Você não tem nada para me dizer que eu queira ouvir. — Não quis dizer aquilo, Gabrielle. Eu me expressei mal. — Sim, você quis dizer aquilo. Ele tentou abrir a porta. — Gabrielle, mas que droga, abra a porta! Não consigo conversar com você dessa maneira. — Então vá embora. Eu não quero ouvi-lo. — Você está sendo insensata. — Conspiradores costumam agir assim. -Gabrielle, eu não quis dizer ... — Não repita isso. Você tinha absoluta certeza de cada palavra que pronunciava. Agora saia daqui e me deixe em paz! Gabrielle percebeu que Paul estava furioso, mas não se importava. Estava com raiva, machucada, magoada, decepcionada. Tinha se entregado de corpo e alma a um homem que não ligava a mínima para o sentimento dos outros. — Já chega! — disse ele, determinado. Mas ela não respondeu, decidiu ignorá-la. Pegou o vestido amassado e dobrou-o com todo o cuidado. Seu coração se apertou quando Gabrielle ouviu os passos de Paul se afastando. Ele ia embora. "Bem, o que você queria, Gabrielle? Que Paul ficasse o dia inteiro parado do lado de fora do banheiro, esperando que você lhe desse uma chance para se explicar, para dizer que se expressara mal? Que a amava com a mesma intensidade com que você o ama?" Sim, era isso o que queria. A batida da porta indicou-lhe que Paul se fora. O homem que despedaçara seu coração. Hesitante, ela abriu a porta e olhou ao seu redor. Ninguém. Foi até o quarto das filhas a tempo de ver que a caminhonete partia, deixando nuvens de poeira para trás. Não era isso o que queria? Então por que não conseguia parar de chorar? Como um autômato, ela saiu do dormitório das meninas e foi para o seu. Tirando o roupão do armário, vestiu-o e desceu as escadas, indo para a cozinha. Enquanto preparava o café, percebeu que a luz da secretária eletrônica piscava e lembrou-se do telefone tocando. Pressionou o botão e escutou a mensagem. — Gabrielle? — disse a voz. — Aqui quem fala é Sam Johnson. Estamos a algumas semanas do início das aulas e eu estava imaginando se poderíamos nos encontrar para tratar alguns assuntos pendentes, como cuidar do horário, entre outras coisas. Bem, pensei em convidá-la para um jantar no próximo sábado. Há um restaurante novo na cidade e todos têm elogiado bastante. Se você puder, me ligue para confirmar. Antes que pudesse pensar direito no convite de Sam, a secretária começou passar outra mensagem. Era o reverendo Winthrop, parabenizando-a por ter sido escolhida como a futura organista da igreja. Enxugando as lágrimas, Gabrielle aceitou as duas ligações como presente dos deuses. "Está certo, Gabrielle, você fez papel de palhaça. Não é a primeira vez e com certeza não será a última. Paul é o máximo, fazer amor com ele foi demais, mas isso não basta. O que você quer é viver. Com esse homem e suas filhas? Encare a realidade, isso é impossível." Como não tinha percebido isso desde o começo? Será que por achar que existia uma atração entre ambos conseguiria mudá-lo? Que um pouco de conversa e sexo seriam suficientes para destruir uma vida de isolamento que ele demorara cinco anos para construir? Que seria a grande salvadora de Paul, tirando-o da reclusão e trazendo-o de volta ao mundo real? Meneou a cabeça. Como pudera ser tão ingênua? As pessoas não mudam. Quando se desviara de seus objetivos? Desde a primeira vez que olhara para Paul Coyle. Depois de ter tomado banho e trocado de roupa, sentiu-se bem melhor. Até tentou se convencer de que tudo não passara de aventura sexual. Ela era humana, portanto podia errar. Sendo assim, perdoaria seus atos. Qualquer sentimento que nutrisse por Paul não era suficiente para construir uma vida nova. Gabrielle abriu o refrigerador. Não brincara quando dissera que estava morta de fome. Preparou uma omelete e torradas. Satisfeita, tomou mais uma xícara de café e passou a arrumara cozinha. Decidiu que o melhor a fazer era ficar longe de Paul. Sentira-se atraída desde a primeira vez que olhara para ele e tinha certeza de que, quanto mais o visse, mais difícil seria manter-se firme. Ignorou a dor no coração. "Acabou. Ele não serve para você." A buzina a trouxe de volta ao presente. As filhas estavam de volta. Gabrielle pulou da cadeira e correu para a varanda. E seus pais também. Deliciou-se com a volta de todos, e acenou ao vê-los descendo do carro. Patrick sorria de orelha a orelha. Leonore, por outro lado, estava com a aparência mais azeda do que nunca. Depois de abraçar e beijar as meninas e ouvir as inúmeras histórias que tinham para contar, Gabrielle abraçou a mãe. — O que houve, mamãe? O que há de errado? — Errado? Nada de errado! Seu pai é um maníaco, é isso. Ele me puxou pelo parque como se eu tivesse dezesseis anos de idade. Minhas costas e meus pés estão doendo demais. Gabrielle levou-a até a cozinha. — Sente-se aqui, mamãe. Relaxe. Vou lhe preparar um copo de chá gelado. Leonore acomodou-se, mas não deixou de listar suas queixas. — E eu não dormi um só segundo naquela cama horrorosa do hotel... Gabrielle fingiu que prestava atenção enquanto despejava o chá em um copo. Estava prestes a fechar a porta da geladeira quando se lembrou da famosa hortelã. Foi então que percebeu. Ao colocar uma folha no chá, Gabrielle decidiu que chegara a hora de se impor. Leonore estava cansada e vulnerável, e seu subconsciente lhe dizia que teria vantagem na situação... Aquele era o dia das grandes decisões. — Mamãe — disse ela, olhando-a nos olhos -, acho que está na hora de vocês voltarem para casa. Leonore arregalou os olhos. — Gabrielle, eu não estava reclamando por estar aqui. Aquele parque ... — Eu sei, mãe. Isso não temnada a ver com o passeio. Tem a ver comigo. Você e papai já estão aqui faz mais de um mês. As aulas começarão em breve e eu preciso colocar minha vida em ordem. E não consigo fazer isso com vocês aqui. — Mas eu achei que seu pai e eu estivéssemos ajudando... com a casa, as meninas ... — E vocês me ajudaram muito! Mas não percebe? Esse é o problema. Necessito de um pouco de liberdade. Foi por isso que me mudei para o campo. — Mas ... — Mãe, preste atenção. — Ela apertou a mão de Leonore. — Quero ter a minha própria vida, separada da de vocês dois. Eu os amo muito, mas quero ter meu espaço. E acho que vocês também precisam de um pouco mais de sossego. — Não sei o que dizer. Se essa é a sua vontade, nós vamos embora. O tom magoado estava de volta. Gabrielle pensou um pouco, em busca das palavras mais apropriadas. — Você se lembra de quando John morreu? — Sim, é claro. Foi terrível para todos nós. Como eu poderia me esquecer? Você ficou arrasada. Gabrielle assentiu. — Sim, é verdade. E, naquela ocasião, eu precisava do apoio de vocês e dos pais de John. Nunca poderei agradecer-lhes pelo apoio que me deram — Ela fechou os olhos por um segundo, depois voltou a olhar para Leonore. — Mas a vida continua, mãe, e a que levo com as meninas agora é bem diferente da que eu tinha na cidade. Sou uma nova pessoa e preciso que você respeite a minha decisão. — Respeito a sua escolha, filha. Já lhe disse alguma vez como me orgulho de você? Você chegou tão longe... — Sim, mas sou capaz de muito mais. E preciso de espaço para crescer. Leonore abriu a boca para dizer algo, mas fechou-a em seguida. Fitou a filha por um longo instante, depois abraçou-a. — Acho que você tem razão, meu amor. Permaneceram abraçadas por um longo tempo, até que Patrick entrou na cozinha com a mala na mão. — Onde você quer que eu coloque a mala, Leonore? — perguntou ele. — De volta no carro. Ele sorriu. — Nós vamos voltar para casa? — Se você conseguir dirigir até lá. — É claro que eu consigo. Patrick e Gabrielle sorriram um para o outro. Ela sabia que o pai tinha inventado a viagem até o parque por mais de um motivo. Não só queria deixar a filha sozinha, mas também achava que estava na hora de voltar para seu lar. Assim que o pai colocou a mala no chão, Leonore correu para abraçá-lo. — Vamos para casa, Patrick — disse ela, descansando a cabeça em seu peito. Os olhos de Gabrielle se encheram de lágrimas ao ver o carinho entre os pais. Leonore e Patrick ficaram para o almoço, depois seguiram seu caminho. — Nós nos encontraremos no dia de Ação de Graças? — perguntou-lhe a mãe, ao sentar-se no carro. — Sim, os pais de John também virão para cá. Nós teremos um verdadeiro feriado em família. Gabrielle beijou Patrick. — Obrigada, papai — murmurou ao seu ouvido. — Cuide-se, filha — respondeu ele, olhando para a casa de Paul. — Não quero ter de me preocupar com a minha pequena. Gabrielle seguiu o olhar do pai. Paul estava de volta, parado na varanda. Ela engoliu em seco. — Nada há com o que se preocupar, pai. Nada. Patrick passou a mão no cenho franzido de Gabrielle. — Seu rosto não está me dizendo a mesma coisa. Gabrielle deu-lhe um sorriso tristonho. — Estou bem, papai. Nunca poderá existir algo entre mim e Paul. — Não seja tão pessimista. Às vezes nós homens não somos tão espertos quanto as mulheres. De vez em quando precisamos de um pouco de tempo. — Não sei, não. Há coisas que nem o tempo consegue mudar. — Sobre o que vocês tanto falam? — perguntou Leonore. — Estamos nos despedindo, querida — respondeu Patrick. Beijou a filha e entrou no carro. Os olhos de Gabrielle se encheram de lágrimas ao vê-los partir. As meninas acenavam para os avós. Quando passaram na frente da casa de Paul, Patrick parou e despediu-se dele. Assim que seus pais desapareceram, Paul voltou-se para Gabrielle. As lágrimas escorriam-lhe pela face. Ela não daria tamanha satisfação a Paul. Foi então que decidiu aceitar o convite de Sam Johnson. — Vamos entrar, filhas — disse ela. Virando-se, Gabrielle entrou no chalé e trancou a porta. Paul caminhava de um lado para o outro, impaciente. Só parava de vez em quando para ver se Gabrielle dava o primeiro passo. Seus pais tinham ido embora, portanto não havia motivos para ela não vir conversar. Mas, com o passar das horas, ela não apareceu. E, bem lá no fundo, Paul sabia que Gabrielle não viria. Pela primeira vez depois de muito tempo, não soube como agir. Desde que conhecera Gabrielle, sua vida virara de cabeça para baixo. Ela o fazia pensar mais em si próprio, coisa que não fazia desde o acidente. Não perceberam quão fácil era ser tratado como um estranho até que ela lhe mostrara que ainda era um homem. Gabrielle estava exigindo atitudes. Paul se acostumara a não ser cobrado por ninguém, e ninguém esperava algo dele. Ela o forçava a pensar no futuro, coisa que nem passava por sua cabeça, temendo entrar em desespero. Mas a esperança que Gabrielle lhe proporcionava era um sentimento pior do que o desespero. Ele não queria ter esperança, nem planos para o futuro. Tinha feito isso antes do acidente. Vivia um dia de cada vez, como quando tinha dezessete anos, sem pensar no amanhã. A insistência para que ele voltasse à vida era algo doloroso, bem pior do que tudo por que passara nos últimos cinco anos. Paul não queria ir até a cidade. Era simples. Para ele, representava tudo o que tivera e perdera. Não queria ser olhado com piedade pelas pessoas que o conheciam desde criança e com curiosidade por aqueles que 'não o conheciam. Disse a si mesmo que o melhor a fazer era continuar sozinho, apenas trabalhando. Sozinho. Mas não havia mais como ficar só. Agora existiam as gêmeas e... Gabrielle. Paul achara que conseguiria viver esse ·ano todo enquanto durasse o contrato, sem se envolver demais. Mas, de algum modo, a situação escapou-lhe ao controle. Gabrielle ocupou um lugar em seu coração. Paul sabia apenas que a desejava tanto quanto gostava de sua solidão. Mas Gabrielle preferia a cidade, as pessoas, a vida social que ele deixara para trás. O pensamento parecia que o deixaria doente. Era um dilema que jamais imaginara ter de enfrentar, mesmo tendo sido avisado inúmeras vezes por Laura. Fizera sua escolha e tinha de contentar-se com ela. Só que agora não se sentia mais uma pessoa feliz. Gabrielle lhe dera as costas e fechara a porta no dia da partida dos pais. Estava sozinha com as filhas, mas não mudara de idéia. E pelo visto ela não daria o braço a torcer. Paul começou a se questionar: o que era mais importante? Sua privacidade ou Gabrielle? Valeria a pena perdê-la? Ficaria mais satisfeito do que com a presença dela a seu lado? Estava disposto a pagar o preço? A resposta era "não". Não queria perdê-la. Então teria de levá-la à cidade, bem como as meninas. Teria de fazer um esforço, talvez sair para jantar ou ir àquele restaurante novo. E fazer tudo o que fosse necessário para consegui-Ia de volta. "Então vá para a cidade com ela, seu idiota, e acabe com tudo isso de uma vez por todas." Paul sabia que sua voz interior lhe dava um, bom conselho, mas mais uma vez não sabia como se aproximar da nova "afeição pela cidade". Gabrielle não acreditaria nem por um segundo que Paul mudara de idéia. Pensaria que havia algo além. E, é claro, havia. Ele queria ver aquele brilho outra vez nos olhos de Gabrielle, aquele que vira quando a levara para conhecer sua casa. Portanto tinha de ser mais delicado, mais cuidado ao dar a sugestão, para mostrar-lhe que falava sério e que não a queria de volta apenas em sua cama. Meneou a cabeça. Tinha certeza de que a queria de volta em sua cama. Ninguém nunca o deixara tão excitado, tão satisfeito de prazer. Paul precisava de um tempo para pensar. Foi até a garagem e tirou o carrinho de cortar grama. Assim que terminasse o trabalho, iria até o chalé e encontraria uma maneira de conversar com Gabrielle. Teria de pensar bem no que iria dizer. Teria de ser convincente o suficientepara que ela voltasse para seus braços. E Gabrielle voltaria. A dor que sentia no peito não se acalmaria se não a reconquistasse. Fazia apenas poucos dias que ela saíra nua de sua casa, mas parecia que meses haviam se passado. A noite que tinham passado juntos fora algo do além, bom demais para ser verdade. Agora sua cama já não era mais só sua. Paul nunca mais conseguira dormir direito depois de tudo o que acontecera ali. Gabrielle era bem mais importante do que Paul imaginara. Sentiu a garganta seca ao imaginar que jamais beijaria aquela boca doce de novo. Assim que ligou o motor, as gêmeas apareceram do nada. — Posso ir com você? — perguntou Amanda. — Eu sou a primeira. Você foi primeiro da outra vez — disse Alice. — Sem brigas, meninas. Levarei as duas de uma vez. Venham cá. Ele sentou cada uma em um joelho. Assim que o carrinho se movimentou, as gêmeas se agarraram ao pescoço de Paul, quase sufocando-o. Como falavam sem parar, de nada adiantaria reclamar. Paul tentava manobrar o carrinho e prestar atenção à conversa, ouvindo cada detalhe sobre o parque de diversões. — Vovó disse que levaria a gente ao cinema, mas agora ela foi embora e nós não poderemos mais ir. — Que pena, Alice — respondeu Paul, fazendo uma curva. — Mamãe vai com a gente. — Mas ela não pode ir no sábado, Amanda — insistiu Alice. — É verdade, ela vai sair no sábado. — Se ela conseguir arrumar uma babá para ficar com a gente — lembrou Alice. — Talvez Paul possa ficar conosco — sugeriu Amanda. — Você ficaria, Paul? — Sim? — Você ficaria? — O quê? — Com a gente? — Sim. É claro. Quando? — Sábado. — O que há no sábado? — Mamãe vai sair. — Aonde ela vai? — indagou ele. — Ela tem um encontro. Paul parou na hora. — Ela o quê? Amanda e Alice se soltaram. — Ela tem um encontro — repetiram as gêmeas. — Com o Sr. Johnson — adicionou Alice. Amanda fez uma careta. — E se você não ficar com a gente, teremos de ficar com uma babá. — Mas ela ainda não arrumou nenhuma. E então, Paul? — Por favor... — insistiu Amanda. Ele olhou para os dois rostinhos. Não acreditava no que estava ouvindo. Gabrielle. Um encontro. Com um homem! O pior pesadelo se tornara realidade. E com Sam Johnson, o homem mais chato que podia existir. Bem, Gabrielle queria ir à cidade e pelo visto não perdera tempo em arrumar uma companhia. Um dia na sua cama, no sábado seguinte um jantar na companhia de Sam Johnson. Sentiu um ciúme incontrolável. "Está certo. Se ela quer sair, que saia. Deixe que descubra os encantos da cidade." — Com certeza — respondeu Paul, entre os dentes cerrados. -Oba! As meninas foram correndo para casa. Paul ficou olhando o bosque ao longe, esperando qual seria a resposta para o pedido das garotas. Paul não teve de esperar muito. Dentro de alguns instantes, a porta do chalé abriu, e Gabrielle apareceu. Seus olhares se encontraram. Devagar, ela aproximou-se de Paul. — É verdade? Você disse para as meninas que ficaria com elas sábado à noite? — Sim, é verdade. Eu não gostaria que você deixasse de ir ao seu encontro. Não perdeu tempo, não é mesmo? Ela o encarou. — Não faço a menor idéia do que você está querendo dizer. — Quero dizer que a minha cama ainda nem esfriou e você já está marcando encontros com outro homem. — Você merece um tapa! — Vá em frente, mas isso não mudará nada. — Sairei para jantar com o diretor da escola, para discutir assuntos de trabalho. E também acho que isso não é da sua conta. Paul sentiu-se frustrado e irado. — Sim, tem razão. Não é da minha conta. Na verdade, eu até quero que você vá. Veja o que a cidade tem a lhe oferecer no sábado à noite. E Sam é a companhia perfeita para um passeio. — Aonde você quer chegar, Paul? — Quero apenas adverti-la. Sam é o sujeito mais chato da cidade. — Mas as pessoas mudam, como você mesmo me disse. Talvez ele seja uma companhia agradável agora. — Não conte com isso. — Não estou contando com nada. Estou apenas saindo. Vou a um restaurante na cidade, algo que parece não incomodar em nada Sam Johnson. Qual o problema, Paul? Você ficará com as garotas ou devo começar a procurar uma babá? — Eu já disse que ficarei com elas. — Ótimo. Esteja na minha casa no sábado, às sete horas. — Está bem. Gabrielle virou-se e entrou no chalé. Paul abriu a boca para dizer algo, chamá-la de volta, alterar o que já tinha decidido, mas ficou calado. O que dizer? "Ligue para o idiota e cancele o jantar. Eu levo você ao novo restaurante que abriu na cidade." Mas a porta se fechou, e Paul não pronunciou uma só palavra. 14 Então, depois da faculdade, eu lecionei em escolas de segundo grau. Mas você sabe como são adolescentes... Por isso, aceitei o primeiro cargo administrativo que me foi oferecido. — Sam ergueu o copo num brinde — E aqui estou . — Aqui está você — disse Gabrielle. Seu sorriso sem graça parecia apropriado, mas estava cada vez mais difícil continuar a mantê-la. Paul tinha razão. Sam Johnson era o homem mais maçante da cidade. Simpático, mas muito chato. Só sabia falar de si mesmo, da escola e de assuntos relacionados à educação. Assim que começou a contar sobre seu primeiro ano como diretor do ginásio, os olhos de Gabrielle se desviaram da conversa, bem como a atenção. O restaurante com decoração em estilo colonial era bastante aconchegante e acolhedor, a atmosfera, apropriada para boas horas de conversa agradável. Gabrielle sabia que estava sendo exigente, mas se impressionara bem mais com o serviço e com o jantar do que com a companhia. O programa não fora tão fabuloso quanto imaginara. A única oportunidade que a noite lhe oferecera fora encontrar vários moradores da cidade que conheciam Sam e vinham cumprimentá-lo apenas para conhecer a nova professora de música da escola. A simples menção de que também era a organista da igreja pareceu agradar a toda a população de Wayside. Sam mostrava-se orgulhoso com a companhia de Gabrielle e não fazia segredos de que gostaria de repetir o programa em breve. Ela ficou dizendo para si mesma que deveria sentir-se feliz, mas na verdade não agüentava mais a conversa de Sam. Seu coração não estava nesse encontro, mas sim bem longe, na varanda de uma casa do outro lado da cidade, nas mãos de um homem que não queria fazer parte desse mundo. Sam continuava a falar sem parar, e Gabrielle piscou ao ver o rosto de Paul à sua frente. "Ah, Paul, você é quem deveria estar aqui comigo. Nós estaríamos sentados em uma mesa de canto, iluminados por luz de velas, de mãos dadas, nos olhando profundamente, fazendo promessas que só seriam cumpridas mais tarde, quando estivéssemos a sós." Sabia que estava sendo muito crítica com Sam, com o jantar. Tinha outro tipo de fome, e nenhuma refeição ou restaurante seria capaz de satisfazê-la. Havia apenas uma coisa que queria e só existia uma pessoa no mundo capaz de atendê-la, mas, do jeito que o expulsara de sua casa sabia que não o veria perto tão cedo. Paul tinha vindo preparado para brigar quando chegara ao chalé para ficar com as meninas, e Gabrielle respondera com calma. Portanto, não tinha motivos para acreditar que seu humor melhoraria nas três horas em que estivera fora. Com certeza devia estar bem pior. — Gabrielle? — Sim? — Perguntei se você gostaria de fazer algo depois — disse Sam. — Não, Sam, muito obrigada. — Olhou para o relógio. — Nossa, só agora percebi como está tarde. Acho melhor irmos embora. Paul está cuidando das minhas filhas e ... — Paul de novo. — Como? — Você só falou em Paul a noite toda. Não percebeu? — Eu não creio que ... Sam levantou a mão para evitar que ela negasse. — Está tudo bem, não se encabule. É natural toda a sua curiosidade, vivendo tão longe e tudo o mais. — Sabe, eu não tinha percebido. É que Paul se tornou um bom amigo e, além de Laura, não fiz mais amizades na cidade. — É normal. Você ainda está se ajustando. Mas agora, com o início das aulas, virá todos os dias para a cidade e se envolverá com a comunidade. — Esperoque sim. — Fique sossegada, Gabrielle. Tudo tende a melhorar daqui para a frente. Você se sentirá um pouco sozinha, ainda mais quando o inverno chegar. Bem, mas ter Paul como amigo não é grande coisa. Às vezes ele pode ser difícil. Mesmo sendo a primeira pessoa a concordar com ele, Gabrielle fez-se de desentendida. — Eu não sei o que você está querendo dizer. — Toda aquela reclusão... Ele só fala com as pessoas em caso de extrema necessidade. Todos o consideram meio louco. De herói da cidade, Paul transformou-se em bicho-papão. As mães o usam como exemplo para manter os filhos na linha. Estou surpreso como suas filhas não se assustam com a aparência dele. Gabrielle começava a ficar furiosa. — As meninas o adoram. Ele é maravilhoso com elas, atencioso, carinhoso... — disse ela, entre os dentes cerrados. Incapaz de esconder o desgosto, Gabrielle levantou-se e jogou o guardanapo na mesa. — E eu não faço a menor idéia de onde você tirou que ele é recluso. Outro dia nós até conversávamos sobre vir até a cidade para tomar café da manhã. Sam também se levantou. — Sinto muito, Gabrielle. Não tive a intenção de aborrecê-la. É que Paul... — É o homem mais generoso do mundo, a melhor pessoa que já conheci em toda a vida. E não acredito que você, um diretor de escola, o tenha comparado a um bicho-papão só por ele ter cicatrizes no rosto. — Pegou a bolsa e caminhou para a saída do restaurante. — Gabrielle, espere! Eu ainda não paguei a conta! Ao chegar ao carro, suas mãos tremiam. Estava arrependida por não ter vindo com seu próprio automóvel para o restaurante. Sam dissera que a apanharia em casa e, ao mesmo tempo, Gabrielle queria mostrar a Paul que sairia com outro homem, por isso concordara. E agora tinha de ir com ele para casa, quando tudo o que mais queria era ficar sozinha para pensar sobre o que a impelira a defender Paul. Na realidade, era uma atitude insana. Estava confusa. Gabrielle se mantivera firme a semana toda sobre o encontro com Sam. Um dia quisera ir e no outro mudara de idéia. Até o último instante, entretanto, estava empolgada com o passeio. Mas então Paul chegara em sua casa. Tinha acabado de tomar banho, estava perfumado e exalando masculinidade. Ela ficou com água na boca. No momento em que seus olhos se encontraram, Gabrielle sentiu um frio na barriga. Se Paul lhe pedisse qualquer coisa, incluindo cancelar o jantar com Sam na última hora, Gabrielle sabia que o atenderia. Em vez disso, Paul teve uma atitude bem diferente. Chegou cedo, pronto para tomar conta das meninas, mas o que queria mesmo era perturbá-la. Gabrielle, por sua vez, não vestiu o conjunto cinza, como planejara; colocou um vestido verde-esmeralda todo abotoado na frente, certificando-se de deixar os quatro últimos botões abertos, evidenciando suas pernas. Paul observou Gabrielle descendo as escadas, e os olhos verdes se encheram de um brilho inexplicável. Paul ficou caminhando de um lado para o outro na sala enquanto ela dava os últimos retoques. Ficou analisando-a enquanto se maquiava no espelho do corredor. Gabrielle decidira sair com Sam Johnson e iria mesmo aproveitar a noite. Mesmo que detestasse cada minuto. Gabrielle sabia que Paul estava cheio de ciúme e supunha que, se ele decidisse sair com outra mulher também ficaria muito aborrecida. Enquanto esperava pela chegada de Sam, pensou sobre sua atitude em ter aceito o convite .. Bem, agora era tarde demais para voltar atrás. Tinha de ir até o fim. Havia se comprometido e, quando viu o carro de Sam, saiu de casa antes que ele pudesse vir até sua porta. A única coisa que desejava era um confronto entre os dois homens, ainda mais sabendo que o humor de Paul era dos piores. Não se despediu dele, mas percebeu que era observada. Gabrielle respirou fundo. A noite fora um desastre. Ela só pensara em defender Paul. Estava com os nervos à flor da pele, e não tinha a menor idéia de como agiria quando chegasse em casa. O que não podia negar eram os sentimentos por Paul. Se era amor, nunca sentira algo parecido. Ela e John sempre tinham estado em sintonia, sempre concordavam em tudo. E agora com Paul era o oposto. Era difícil lidar com alguém tão teimoso. Ele era um homem interessante, Gabrielle o percebera desde o início. Era verdade que, como com todas as pessoas, as cicatrizes haviam-na intrigado. Mas depois o ser humano falou mais alto e as marcas desapareceram. Como Laura dissera, depois de um tempo nem percebem mais as cicatrizes. O que Gabrielle queria era conseguir com que ele também não mais as enxergasse. Será que conseguiria? Começava a achar que, se não tentasse, jamais saberia se estaria jogando fora a chance de ser a pessoa mais feliz do mundo. — Sinto muito, Gabrielle — desculpou-se o diretor, assim que a alcançou. — Sou eu quem deve se desculpar, Sam. Acho que arruinei a sua noite. — Não, Gabrielle, você não arruinou a minha noite. Foi um jantar bastante agradável. Talvez possamos repetir outro dia. Gabrielle sorriu, mas não conseguiu concordar. Tinha outras coisas bem mais importantes em mente. — Por favor, Sam, leve-me para casa. Ela abriu a porta do carro e acomodou-se no assento. Paul tentou não ficar olhando pela janela, mas, assim que o relógio bateu dez horas, começou a espumar de raiva. "Jantares não demoram tanto tempo. Será que eles resolveram prolongar a noite? Gabrielle já devia ter voltado. Para sua casa, para as filhas, onde era o seu lugar, e não ficar por aí na companhia do chato Sam Johnson." Paul ficou a pensar aonde eles poderiam ter ido depois do jantar. Havia algum lugar para dançar na cidade? A imagem de Gabrielle nos braços de outro homem foi o suficiente para que Paul pensasse em pegar o carro e ir atrás dela. Não se lembrava de ter ficado tão agoniado antes como estava agora por causa do encontro de Gabrielle. Não conseguia acreditar no tamanho de seu ciúme por ela ter saído para jantar com outro homem. Sentiu-se frustrado, bem mais do que quando ficara meses deitado na cama do hospital. Nem a traição de Maureen com Ansell o deixara dessa maneira, tão ansioso, aborrecido, chateado. Ele sabia o porquê, embora ainda não tivesse admitido para si mesmo. Sabia estar perdido. Queria que ela voltasse logo para mostrar-lhe seus sentimentos, caso não conseguisse se expressar através de palavras. Gabrielle lhe pertencia. E Paul não iria dividi-Ia com mais ninguém. Nada mais de encontros com outro homem, de noites separados. Faria de tudo para ficar com Gabrielle. Era engraçado o quanto o encontro com Sam Johnson trouxera clareza à situação. A resistência em ir à cidade, a aversão às pessoas que o olhavam com pena lhe pareciam tão triviais agora... Que motivo imbecil para uma discussão. Faria tudo o que Gabrielle lhe pedisse. Compraria roupas na melhor loja da avenida principal, se ela quisesse. Passearia todos os dias pelas ruas de Wayside. Nada mais importava, a não ser estar com Gabrielle. Será que ela havia planejado tudo? Duvidava. Gabrielle não tinha culpa de nada, agira por instinto, por impulso. Não programara essa noite só para fazê-lo ver o que existia entre ambos. Era amor. Sim, amor de verdade. Amor eterno. Paul conseguira formar a palavra, mesmo em pensamento. Sentiu um calor pelo corpo, que crescia com a lembrança dos braços dela ao seu redor. — Eu te amo, Gabrielle — disse ele, em voz alta, testando as palavras em sua boca. Gostou do resultado. Era um homem que tinha certeza absoluta de seus sentimentos. — Volte para casa e eu repetirei para você, querida. Na cama. Onde estaria Gabrielle? Pensou em telefonar para Laura e perguntar se ela sabia de algo, mas ainda não estava preparado para bancar o ciumento na frente dos outros. "Esperarei até as onze horas." Subiu as escadas para ver as meninas. Estavam quase dormindo. Eles tinham brincando por duas longas horas de tudo o que foi possível. Paul apagou a luz do quarto, deu-lhes um beijo de boa noite e voltou para a sala. E o tique-taque do relógio não parava. Por que Gabrielledemorava tanto? A idéia de ela estar tendo uma noite agradável o enlouqueceu. De repente, desejou ter acesso às notícias da cidade, ter escutado as constantes novidades que Laura lhe contava em vez de ignorá-las. Será que Sam morava sozinho? Em uma casa? Ou apartamento? Será que eles estavam juntos, tomando um drinque? Será que estariam se beijando? "Chega!" Paul levantou-se, decidido, e caminhou até a porta. Só que dessa vez avistou luzes de carro na estradinha. Abriu a porta e foi até a varanda. Desceu as escadas e caminhou até a cadeira reclinável que Gabrielle usava para tomar sol. Estava longe o suficiente para que eles não pudessem vê-lo. O carro parou na frente do chalé. Houve um grande silêncio. Por um, dois, três minutos. Paul começava a perder a paciência. Queria pular da cadeira, ir correndo até o caro e perguntar-lhes onde tinham estado, o que tinham feito, mas pensou bem. Não desejava se encontrar com Sam. Com certeza daria um soco nele: Então esperou. Gabrielle virou-se para Sam. — Não saia do carro. Você não precisa me acompanhar até a porta. — Mas eu quero. — Não há necessidade. Sam permaneceu calado por alguns instantes. — Isso quer dizer que nós não vamos nos ver mais? — Acho que não seria sábio, Sam, pois nós trabalharemos juntos. Ele concordou. — Mas esse não é o único motivo, não é mesmo? — Eu não ... — É Paul, não é? Gabrielle o encarou. — Não sei, Sam. Gostaria muito de saber a resposta. Boa noite. — Ela saiu do carro. — Obrigada pelo jantar. Caminhou para a varanda e não virou-se para acenar para Sam. Torceu para que não estivesse muito aborrecido. Era melhor assim, não havia por que ficarem saindo juntos. Esperava também que isso não fosse afetar seu cargo de professora na escola. Ele não parecia uma pessoa vingativa, mas nunca se sabe. Respirando fundo, Gabrielle subiu as escadas, preparando-se para enfrentar Paul. — Teve uma boa noite? Gabrielle quase desmaiou de susto. Olhou para trás e o viu sentado em sua cadeira reclinável. Com a mão no peito, respirou fundo mais uma vez para diminuir seus batimentos cardíacos. — Sim, foi uma noite bastante agradável. — É, vocês devem ter se divertido bastante. São quase onze horas. — Eu não sabia que tinha horário para voltar. As meninas estão bem? _ Sim. O que vocês ficaram fazendo todo esse tempo? — Conversando. — Apenas conversando? Gabrielle meneou a cabeça, incrédula. — Por que você não me fala o que acha que nós ficamos fazendo? Paul levantou-se da cadeira e veio até ela. Apenas a luz da varanda os iluminava. Tinha os cabelos despenteados e a expressão séria. — Prefiro que você me conte — disse ele. — Não tenho de lhe dar satisfações, Paul. — Ah, então aconteceu algo entre vocês! O que foi, Gabrielle? O velho Sam levou-a para um pequeno passeio depois do jantar? — Você é louco — falou Gabrielle, tentando entrar em casa. Ele a segurou pelo braço. — Conte-me. — Não há nada para falar. Nós fomos jantar no restaurante novo. Ficamos conversando sobre trabalho. Nada além disso. — Ele tentou beijá-la? — O que é isso, Paul? Um interrogatório? — perguntou, pasma. Soltando-se, Gabrielle abriu a porta e entrou no chalé. Paul a seguiu. — Responda! Ele tentou beijá-la? Gabrielle colocou a bolsa na cadeira. Havia apenas um abajur iluminando a sala. Não conseguia enxergar direito as feições dele. Sentira tanta falta de Paul, não percebendo o quanto até esse momento. Queria tanto abraçá-lo! Mas não se atreveria. Para esconder a covardia, colocou a mão na cintura e ficou a encará-lo. — Qual é a pergunta? Se ele tentou me beijar ou se eu o beijei? — Tanto faz. — Você está sendo ridículo. — Isso não é resposta. Gabrielle abaixou-se para ajeitar as almofadas no sofá. — Gabrielle ... Ela olhou para trás. — Qual era mesmo a pergunta? — Eu perguntei se vocês se beijaram. — Ah, sim. E como! Nós nos beijamos muitas vezes. E que delícia! — Não estou achando graça, Gabrielle. — Se você não acredita em mim, então por que pergunta? — questionou ela, franzindo o cenho. — O jantar não pode ter demorado três horas! — Foi um longo jantar. Não tenho nada mais a lhe dizer. Vou até lá em cima ver as minhas filhas. — Virou-se e subiu as escadas. Seu coração batia mais depressa do que nunca. As meninas já dormiam profundamente, mas Gabrielle ficou a observá-las por um longo tempo. Não estava assustada, mas sim excitada, pois sabia o que aconteceria de Paul percebesse o que se passava em sua cabeça. Ao descer as escadas, encontrou-o parado à porta, de costas, olhando para a noite estrelada. Estava maravilhoso! Seu coração quase se despedaçou. "A quem você pretende enganar, Gabrielle?" Estava apaixonada por aquele homem. Não se importava com o futuro, mas faria qualquer sacrifício para mantê-lo em sua vida. Uma grande paz de espírito possuiu-a enquanto caminhava até ele. Com cuidado, abraçou-o. A princípio, Paul não se mexeu, mas, depois de um tempo, colocou as mãos sobre as dela. — Obrigada por ficar com as meninas hoje — agradeceu, acariciando-lhe os nós dos dedos. Paul olhou para trás. — Foi a primeira e a última vez. — Sim, a primeira e a última — repetiu ela, meneando a cabeça. — E eu não estou me referindo a ficar com as garotas, mas sim ao jantar. Nada de encontros com outros homens. Muito menos com Sam. — Só com você. — Sim, só comigo. Paul virou-se e abraçou-a. Ficaram assim por um longo tempo. Gabrielle fechou os olhos e encostou a cabeça no peito dele. — Eu te amo, Paul. Ele a empurrou para trás e fitou-a. — Gabrielle ... — Por favor, não diga nada. Não agora. Eu precisava lhe dizer isso. Hoje, quando estava sentada no restaurante com Sam, percebi o quanto queria estar com você. O lugar não faz diferença. Pode ser aqui, na sua casa, na cidade, tanto faz. E nesse instante, tive a certeza de que te amava. Acho que foi amor à primeira vista. Gostaria muito que ficasse sabendo disso, querido. Paul sentiu um nó na garganta. Era muita emoção para um homem só. Não havia palavras para descrever a declaração de amor que ela lhe fizera. Não esperava ouvir isso dos lábios de Gabrielle. Ela era perfeita demais para amar um homem como ele. Conseguiria entender o desejo, mas amor era algo bem mais sério. Jamais pensara na possibilidade de vir a ter esse sentimento de novo em sua vida. Ao ouvir as palavras dos lábios de Gabrielle, percebeu o quanto vinha se enganando nesses anos todos, o quanto seus sentimentos eram frágeis, como se importava com o amor. Paul também queria dizer algo, mas se lhe dissesse que a amava, Gabrielle pensaria que era apenas por obrigação. Não queria ser mal interpretado, então ficou calado, sabendo que teria a ocasião certa para se expressar. Em vez disso, beijou-a com volúpia, possuindo-a com total paixão. Que mulher maravilhosa! "Eu quero ficar com ela até o fim dos meus dias." Eles se beijavam, abraçavam e acariciavam como se tivessem ficado meses sem se ver, matando a saudade. A cada toque de Gabrielle, Paul se excitava mais. Ele desabotoou-lhe o vestido, com. calma. — Quantos botões tem esse vestido? — perguntou ele, irritado. Gabrielle riu, contente por estar em casa na companhia do homem que descobrira amar tanto. — Por que não contamos? Eu começo por baixo, e você ... Paul a puxou e enterrou o rosto em seu pescoço. — Eu te quero — murmurou ele. — Sei que não podemos, mas ... Gabrielle soltou-se do abraço carinhoso, esticando o braço em um convite. — O quê? — perguntou Paul. — Aonde vamos? — Para o meu quarto. Para a minha cama. — Mas e as meninas? — Elas estão dormindo. Mas nós teremos de ficar em silêncio. — Você pode colocar fita adesiva. na minha boca brincou ele. — Mais tarde ... Paul a seguiu para cima. Antes de ir para o quarto de Gabrielle, olharam as meninas e encostaram a porta do dormitório. Sorrindo, seguiram para seu ninho de amor. Gabrielle colocou a babá eletrônica ao lado da cama e olhou para trás. Paul estava parado ao lado daporta, esperando que Gabrielle desse o primeiro passo. — Não tente escapar, Sr. Coyle. Ainda tem muitos botões para desabotoar. Paul não hesitou e caminhou até ela. Abriu bem depressa todo o vestido. Gabrielle o provocava com as mãos, percorrendo os dedos pela barriga, abdome, virilha. Com a ponta do indicador, acariciou-o com maior intimidade, fazendo-o gemer. Quieto! Você quer que eu coloque uma fita adesiva na sua boca? — Ainda não — disse ele, abrindo o último botão. Paul a aproximou de seu corpo e beijou-a com tamanha paixão que Gabrielle até perdeu o fôlego. Sem o menor esforço, o vestido escorregou-lhe pelo corpo, seguindo-se pela calcinha e pelo sutiã. E então Paul começou a beijá-la. Os lábios, as faces, o pescoço, as orelhas. Todo o corpo. Beijou-lhe os mamilos intumescidos. As pernas de Gabrielle estavam trêmulas, e ela quase perdeu o equilíbrio. Paul guiou-a até a cama e deitou-a com cuidado. Gabrielle arrepiou-se toda assim que Paul tocou-lhe o ventre com os lábios, terminado as carícias ao ouvi-Ia gemer de prazer. E os dois então fizeram amor mais uma vez, perdendo-se por inteiro no tempo e no espaço, mais uma vez em um mundo só deles. — Eu te amo — disse Gabrielle, deitada a seu lado. — Agora seria uma boa ocasião para você falar. — Falar o quê? — perguntou ele, sem levantar a cabeça. — Que também me ama. — Por quê? — Por que o quê? — Por que agora é uma boa ocasião? — Porque sim. É o momento perfeito. — Não concordo — disse Paul, apoiando-se no cotovelo. — Acho que se eu dissesse agora você acharia que estou querendo apenas agradá-la, só porque acabamos de fazer amor. — Não, eu acreditaria em você. Ele beijou-lhe a ponta do nariz. — Não, você não acreditaria. — Sim Paul, eu acreditaria. — Confie em mim. Quando chegar a hora eu lhe direi e você me compreenderá. — em todos os meus trinta e quatro anos eu nunca ... Paul sentou-se na cama, perplexo. — Você tem trinta e quatro anos? — Sim, por quê? — Eu não sabia que era tão velha — brincou. — O que você quer dizer com "velha"? Quantos anos você tem? — Completo trinta no fim de outubro. — Trinta? Você tem apenas trinta anos? Por que você não me contou? — Achei que não era necessário. Isso faz alguma diferença? Gabrielle o encarou. — Não. É que ... — O quê? — Agora eu me sinto uma velha. Ele enfiou a mão debaixo dos lençóis e recomeçou as caricias. — Você não é uma velha. É uma linda e adorável mulher. Gabrielle deu-lhe um tapinha na mão, mas arrependeu-se no mesmo instante. — Não pare, por favor — pediu ela. Então eles se beijaram e todos os pensamentos e palavras foram esquecidos nos prazeres de uma noite tão especial. 15 Os sinos tocavam ... Gabrielle usava um vestido longo, cor de perola. Sorria enquanto caminhava pela passarela de flores, devagar, segurando um buquê de copos-de-leite. Paul aproximou-se e beijou-lhe a testa, e os sinos continuavam a tocar ... Paul despertou e olhou para o relógio. Quase oito horas da manhã. Demorou um certo tempo até descobrir onde estava. Era a campainha, e não os sinos da igreja, que tocava sem parar. Fora um sonho tão lindo! Relutante, se levantou da cama, pois a pessoa insistia com a campainha. Desceu as escadas enquanto vestia a calça e chegou até a porta de entrada, ofegante. — Já estava na hora — disse Laura, entrando sem fazer rodeios. — Mas o que ... — Você precisa dar uma olhada nisso. Paul virou-se para encarar a prima. — Sabe que horas são, Laura? — Sim, já são oito horas. Telefonei ontem à noite, mas ninguém atendeu. Se você comprasse uma secretária eletrônica, eu teria deixado uma mensagem. Seria mais fácil quando houvesse uma emergência. — E qual é a emergência dessa vez? — perguntou ele, passando a mão pelos cabelos. — O bufê cancelou a recepção? A previsão do tempo anunciou chuva para os próximos dias? Ou Willy está doente? — Não tem graça, Paul. Ele encarou a prima com seriedade. Laura tinha a expressão sisuda e preocupada. — Alguém morreu? — Não, muito pior. Ansell Walcott me telefonou. Queria conversar a respeito disso. — Ela estendeu-lhe um envelope. Paul não o pegou. Em vez disso, foi até o balcão da cozinha e colocou pó de café na cafeteira elétrica. — Você sabe que eu não tenho nenhum interesse no que esse homem tem a me dizer. — Acho que você mudará de idéia no instante em que olhar para isto. Paul encheu o recipiente de água e ligou a máquina na tomada. Virando-se para a prima, pegou o envelope. — O que é? — Veja. Paul abriu-o e deparou com fotografias coloridas. De Gabrielle. Nua, saindo de sua casa, com os cabelos ao vento. Quatro fotos. Furioso, Paul blasfemou. Sabia muito bem quando tinham sido tiradas: naquela manhã em que haviam discutido. O miserável devia ter se escondido nos arbustos. Imaginou se Ansell teria ficado por perto todo esse tempo. — Como você conseguiu as fotos, Laura? — Ansell me telefonou ontem à tarde. Ele disse que tinha um assunto para tratar com você, que queria fazer um acordo. Sabia que não lhe daria a chance de falar, portanto me contatou como intermediária. A princípio, eu disse que não ia, mas Ansell se demonstrou muito insistente. Então achei melhor encontrá-lo. — E o que ele quer? — Uma entrevista exclusiva. Fotografias de você, da casa, de todos os seus trabalhos. Caso não concorde, ele publicará essas fotos no jornal e uma história inventada. — Entendo. — Mesmo, Paul? Acho que você percebeu que essas fotografias podem arruinar a vida de Gabrielle. Ela não é apenas a nova professora da escola primária como também a organista da igreja. Você pensa que o reverendo Winthrop contratará uma mulher que se expõe dessa maneira? Ele meneou a cabeça, incrédulo. — Não — respondeu Paul, recolocando as fotos no envelope. — Está na cara que as fotografias são falsas, mas de algum modo ele conseguiu fazer uma montagem. Pode provocar um escarcéu. Wayside pode ser uma cidade moderna, mas o povo ainda tem uma mente atrasada. — Eu sei. — E o que você fará? Ele olhou para Laura por um longo instante. — Eu não sei. Caminhando até a porta, Paul colocou as mãos nos bolsos. Então tinha chegado a hora da verdade, talvez o momento mais decisivo de toda a sua vida. Franziu a testa. Deveria organizar uma fanfarra, pensou ele, tambores rufando ou uma trombeta para anunciar a ocasião. Mas não, apenas a luz do sol da manhã iluminava a sua cozinha. Paul sentiu a presença da prima atrás de si. Sabia que ela aguardava uma resposta, um Posicionamento, a decisão correta. Mas não estava preparado para isso e precisava de tempo para pensar. Em todos os anos de conversa com Laura, de suas insistência para reintegrar-se à sociedade, ele jamais imaginara ter de enfrentar uma situação como essa. Paul se mantivera recluso por tanto tempo ... O ato de heroísmo que o deixara famoso não passara disso: um ato. Paul tinha decidido se isolar do mundo, afastar-se das pessoas. Queria se proteger, distanciar-se da vida amarga. Mas Gabrielle mudara tudo. Ela e as filhas o haviam trazido de volta a um mundo que Paul jamais achara que habitaria de novo. E agora o forçava a fazer algo pior ainda. Gabrielle o obrigava a encarar seus maiores temores de frente... Paul deveria estar sentimento medo, apreensão, frustração e desgosto à simples idéia de ter seu rosto cheio de cicatrizes publicado na primeira página do jornal de Wayside. Mais uma vez teria de lidar com Ansell Walcott. Assim que parou de julgar seus sentimentos, sentiu apenas um grande alívio. "Acabou, Paul. Nada mais de fugir, de se esconder. Enfrente seus demônios, e Ansell o deixará em paz... " — Paul... — Olá para vocês dois. Ele a Laura olharam para a porta e encontraram Gabrielle com um prato cheio de panquecas fumegantes nas mãos. — Espero não estar interrompendo — disse ela. — A porta dos fundos estava aberta e, como eu tinha feito panquecas para as meninas, achei que ... — Gabrielle, entre — pediu Paul. — Olá, querida, como vai? — cumprimentouLaura. — Bem. — Ela olhou para Paul. — E como vão os preparativos para o casamento, Laura? Só falta uma semana! — Está tudo sob controle. Por enquanto ... Laura foi até o armário e pegou uma xícara. Depois de colocar café, passou-a para Paul, pedindo com o olhar que ele contasse agora a novidade para Gabrielle. — Que ótimo! As meninas estão tão contentes! Já que você está aqui, que tal dar um pulo lá em casa para ver os vestidos delas? Acho que vai aprovar as alterações que eu fiz. — Mais tarde, querida. Seguiu-se um longo silêncio, e Gabrielle colocou o prato em cima da mesa. Percebeu que algo acontecia entre os primos e, por algum motivo, sentiu um certo desconforto. Estava tão contente quando entrara na casa, ansiando por encontrar Paul de novo, mesmo fazendo apenas duas horas que não se viam. Tinha Se declarado para ele à noite, não, só com palavras, mas também Com seu corpo. Fora inesquecível. Mas algo havia mudado. Gabrielle imaginou o que poderia estar acontecendo. Talvez Paul quisesse conversar com a Prima sobre o terrível erro que cometera. Um tremor percorreu-lhe o corpo. — Bem, acho que vocês dois têm um assunto bastante importante para discutir. Vou deixar o prato aqui. Mais tarde nos encontramos. — Ela olhou para Paul e espantou-se ao ver a expressão em seu rosto. Não era o mesmo homem que amara com tanta paixão poucas horas atrás. — Não deixe as panquecas esfriarem. Quando estava quase na Porta, Paul a segurou pelo braço. — Gabrielle ... Acho melhor Você se sentar — disse ele, levando-a de volta para a cozinha e indicando-lhe Uma cadeira. — O que louve? Qual é o problema? Há algo errado? -Sim — respondeu Laura. — É um pequeno presente de Ansell Walcott. Dê só uma olhada. Gabrielle tirou as fotografias do envelope. Seus olhos se arregalaram; depois estudou-as com atenção. Laura afagou-lhe os cabelos e ofereceu·lhe uma xícara de café quente. — Ele na Certa sobrepôs sua cabeça no corpo de outra mulher — disse ela, evidenciando a raiva. — Não se como, mas Ansell conseguiu deixar as imagens bastante reais. Falsas ou não, se as publicar no jornal, você terá um grande problema pela frente. — Elas não são falsas — disse Gabriel1e. Paul aproximou-se. — Gabrielle, você não precisa ... — Quer dizer que não foram forjadas? — perguntou Laura, perplexa. — Você saiu nua da casa de Paul e ... — Ela olhou para os dois. — Meu Deus, vocês são amantes? — indagou, incrédula . Os olhos de Gabrielle se encontraram Com os de Paul. — Tudo bem, querido. Sim, Laura, nós somos amantes,