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Poliarquia em Duas e Três Dimensões Luiz Fernando Vieira Vasconcellos de Miranda* * Resumo: Este trabalho tem por propósito analisar criticamente as obras ‘Poliarquia’, de Robert Dahl, e o artigo ‘Poliarquia em 3D, de Wanderley Guilherme dos Santos no intuito de chamar a atenção para a importância das duas dentro do de que se convencionou chamar teoria democrática. Para que tal análise possa ser feita, antes será apresentado um resumo sintético das mesmas. Palavras-chave: teoria política; democracia; poliarquia; Robert Dahl * Este artigo foi originalmente apresentado como trabalho final da disciplina “Teoria Política III”, ministrada pelo professor César Guimarães. Agradeço a Tiago Couto Berriel pela revisão e comentários sugestivos, que tornaram o trabalho mais claro e objetivo. * Mestrando em Ciência Política, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. E-mails: lfmiranda2005@yahoo.com.br / lfvasconcellos@iuperj.br Introdução Este trabalho tem por objetivo inicial apresentar um resumo sintético de um livro e um artigo que são complementares. Trata-se, pois, de ‘Poliarquia’ de Robert Dahl e de ‘Poliarquia em 3D’ de Wanderley Guilherme dos Santos. Por objetivo final o trabalho expõe algumas aproximações e distanciamentos dentro de uma perspectiva crítica. A Poliarquia Bidimensional de Robert Dahl Dahl já no início de seu trabalho ‘Poliarquia’ resume o objetivo de seu esforço teórico em uma indagação: “Dado um regime em que os opositores do governo não possam se organizar aberta e legalmente em partidos políticos para fazer-lhe oposição em eleições livres e idôneas, que condições favorecem ou impedem sua transformação num regime no qual isto seja possível?” (Dahl: [1971] 1997: 25) Seu livro trata, portanto, da democratização e desenvolvimento da opinião pública. O termo “democracia” em Dahl significa um sistema político que tem como uma de suas características a qualidade de ser inteiramente, ou quase, responsivo aos seus cidadãos e são três as oportunidades plenas que os cidadãos devem ter para que um governo possa ser, então, responsivo a eles: a) a oportunidade de formular preferências; b) a oportunidade de expressar suas preferências a seus concidadãos e ao governo através da ação individual e coletiva e c) a oportunidade de ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do governo, ou seja, consideradas sem discriminação decorrente do conteúdo ou da fonte da preferência. Decorre que para a existência destas três características oito garantias devem ser fornecidas pelas instituições da sociedade. Reproduzo de forma resumida, aqui, a tabela que expressa essas garantias. Tabela 1 Alguns requisitos de uma democracia para um grande número de pessoas ______________________________________________________________________ Para a oportunidade de: São necessárias as seguintes garantias: institucionais: I. Formular preferências 1. Liberdade de formar e aderir a organizações I. Formular preferências 2. Liberdade de expressão I. Formular preferências 3. Direito de voto I. Formular preferências 4. Direito de líderes políticos disputarem apoio I. Formular preferências 5. Fontes alternativas de informação II. Exprimir preferências Todos os cinco pontos anteriores mais dois II. Exprimir preferências 6. Elegibilidade para cargos públicos II. Exprimir preferências 7. Eleições livre e idôneas III. Ter preferências igualmente Todos os sete pontos anteriores mais um consideradas na conduta do governo 8. Instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência Essa escala permite, então, a comparação de regimes segundo a amplitude da oposição, da contestação pública ou da competição política permissíveis. Surge, pois, uma segunda dimensão que é complementar à contestação pública: a inclusividade, que é a quantidade de pessoas habilitada a participar deste regime. Figura 1 Duas dimensões da democratização Plena Contestação Pública [Liberalização] Nenhum(a) Direito de participar em eleições e cargos públicos [Inclusividade] * Fonte: (Dahl: [1971] 1997: 29) Um bom exemplo onde podemos encontrar as duas dimensões é o direito ao voto.Pondo as duas dimensões em um gráfico cartesiano em que o eixo da abscissa é a inclusividade (participação) e o eixo da ordenada é a liberalização (contestação pública), visualizaremos o famoso gráfico de Dahl onde ele localiza e formula sua tipologia de regimes. São quatro tipos: o primeiro localiza-se o mais próximo de onde a contestação pública é nenhuma e a participação também é nenhuma – chama-se hegemonia fechada; o segundo localiza-se mais próximo de onde a contestação pública e plena e a participação é nenhuma – chama-se oligarquia competitiva; o terceiro localiza-se o mais próximo de onde a contestação pública é nenhuma e a participação é plena – chama-se hegemonia inclusiva; e o quarto localiza-se o mais próximo de onde ambas contestação pública e participação são plenas – chama-se de poliarquia. Figura 2 Liberalização e democratização Oligarquias Poliarquias competitivas III Liberalização (contestação I pública) II Hegemonias Hegemonias fechadas inclusivas Inclusividade (participação) * Fonte: (Dahl: [1971] 1997: 30) Se um regime hegemônico se desloca através do caminho I (de uma hegemonia fechada para uma oligarquia competitiva), haverá uma maior contestação pública e, portanto, uma maior liberalização onde o regime se torna mais competitivo. Se o mesmo regime se desloca através do caminho II (de uma hegemonia fechada para uma hegemonia inclusiva), haverá uma maior participação e, portanto, uma maior popularização onde o regime se torna mais inclusivo. Se o mesmo regime se desloca através do caminho III (de uma hegemonia fechada para uma poliarquia), haverá um maior grau de democratização e, portanto, democratização é algo que diz respeito tanto à participação quanto a inclusividade. Usa-se o termo poliarquia onde se “poderia” usar democracia justamente porque o autor não vê no mundo real nenhum grande sistema como plenamente democratizado. As poliarquias podem ser pensadas, então, como regimes relativamente (mas incompletamente) democratizados e, segundo o autor, se fossemos observar os regimes nacionaisà época da feitura do livro (1971) iríamos encontrar um número significativo de países na área média do gráfico. Feita esta análise, Dahl reformula sua questão inicial desmembrando-a em três: 1a) Que condições aumentam ou diminuem as chances de democratização de um regime hegemônico ou aproximadamente hegemônico(?); 2a) Mais especificamente, que fatores aumentam ou diminuem as chances de contestação pública(?); 3a) Ainda mais especificamente, que fatores aumentam ou diminuem as chances de contestação pública num regime fortemente inclusivo, isto é, numa poliarquia(?). A transformação de hegemonias e oligarquias em quase-poliarquias foi, essencialmente, o processo que se operou no mundo ocidental ao longo do século XIX. A transformação de quase-poliarquias em poliarquias plenas foi o que ocorreu na Europa nas quase três décadas que se estenderam do final do século passado até a Primeira Guerra Mundial. A terceira transformação que corresponde a uma democratização ainda maior de poliarquias plenas coincide com o rápido desenvolvimento do Estado de bem-estar democrático que se seguiu à instauração da Grande Depressão, processo este que segundo o autor parece ter se renovado no final dos anos 60 na forma de rápido crescimento das reivindicações pela democratização de uma grande diversidade de instituições sociais. Importante frisar, aqui, que ‘Poliarquia’ trata apenas das duas primeiras transformações. Sobre a tolerância de governos para com os seus oponentes Dahl formula um axioma: ‘a probabilidade de um governo tolerar uma oposição aumenta com a diminuição dos custos esperados da tolerância’. Sobre o custo de supressão de oposições, formula um segundo axioma: ‘a probabilidade de um governo tolerar uma oposição aumenta na medida em que crescem os custos de sua eliminação’. Sendo assim, as possibilidades de um sistema político mais competitivo surgir ou durar podem ser pensadas como dependentes de dois conjuntos de custos expressos em um terceiro axioma: ‘quanto mais os custos da supressão excederem os custos da tolerância, tanto maior a possibilidade de um regime competitivo’. Figura 3 Ilustração do Axioma 3 ← custos de tolerância Custos ← custos de repressão Probabilidades de um regime competitivo * Fonte: (Dahl: [1971] 1997: 37) Dahl tem a preocupação de lidar com uma teoria razoavelmente parcimoniosa, e começa por considerar, em relação aos acontecimentos históricos, apenas três os caminhos possíveis para a poliarquia: da hegemonia fechada para a oligarquia competitiva e da oligarquia competitiva para a poliarquia; da hegemonia fechada para a hegemonia inclusiva e da hegemonia inclusiva para a poliarquia; e da hegemonia fechada para a poliarquia.1 Quadro 1 - Mudanças de Regime segundo as Seqüências Históricas (Três Caminhos) * Fonte: (Dahl: [1971] 1997: 52) I. A liberalização precede a inclusividade: A. Uma hegemonia fechada aumenta as oportunidades de contestação pública e assim se transforma numa oligarquia competitiva. B. A Oligarquia competitiva transforma-se numa poliarquia pelo crescimento da inclusividade do regime. II. A inclusividade precede a liberalização: A. Uma hegemonia fechada torna-se inclusiva B. A hegemonia inclusiva transforma-se então numa poliarquia pelo aumento das oportunidades de contestação pública III. Atalho: Uma hegemonia fechada é abruptamente transformada em poliarquia por uma repentina concessão de sufrágio universal e direitos de contestação pública. Figura 4 Mudanças de Regime segundo as Seqüências Históricas (Três Caminhos) * Fonte: (Dahl: [1971] 1997: 52) I B Liberalização A B III A II Inclusão O primeiro caminho é uma aproximação nítida com a história da Inglaterra e da Suécia. O segundo, se aproxima da história da Alemanha do Império até a República de Weimar. O terceiro, aproxima-se com o caminho da França de 1789 a 1792. Dahl aponta o primeiro caminho como o mais comum percorrido por países. Os dois outros caminhos são tomados pelo autor como caminhos mais perigosos. Sobre o segundo e o terceiro (hegemonia fechada para a poliarquia e hegemonia inclusiva para a poliarquia) diz que “chegar a um sistema viável de segurança mútua é uma questão difícil, na melhor das hipóteses; quanto maior for o número de pessoas e a variedade e disparidade dos interesses envolvidos, mais difícil é a tarefa e maior o tempo por ela exigido. A tolerância e a segurança mútua são mais passíveis de se desenvolver entre uma pequena elite representando camadas sociais com objetivos, interesses e visões largamente diferentes” (Dahl: [1971] 1997: 54). Que diferença faz a ordem social e econômica? As chances de um regime hegemônico transformar-se num regime mais competitivo são maiores em algumas ordens socioeconômicas do que em outras? As chances de uma poliarquia manter-se dependem da ordem socioeconômica? Essas são as perguntas que antecedem a continuação da análise de Dahl. Dahl continua acrescendo axiomas a sua análise e em se tratando do axioma referente a custos de supressão e tolerância deriva-se outro: ‘a probabilidade de um governo tolerar uma oposição aumenta na medida em que os recursos disponíveis do governo para a supressão declinam em relação aos recursos de uma oposição’. Deste deriva-se mais um: ‘a probabilidade de um governo tolerar uma oposição aumenta com a redução da capacidade de o governo usar de violência ou sanções socioeconômicas para eliminar uma oposição’. Então, a situação mais favorável a uma poliarquia é aquela em que o acesso à violência e a sanções econômicas estiver mais disperso ou neutralizado. À situação onde este acesso está efetivamente mais disperso ou neutralizado Dahl chama de ordem social pluralista e ao inverso desta situação de ordem social centralmente dominada. Desta forma podemos formular uma equação: Equação das implicações de uma política competitiva: política competitiva → ordem social pluralista → economia descentralizada2. A análise que se segue indaga em que medida a seguinte hipótese está correta: ‘é um pressuposto largamente aceito que um alto nível de desenvolvimento socioeconômico favorece não só a transformação de um regime hegemônico numa poliarquia, mas também ajuda a manter – se necessário for – uma poliarquia’. Seguindo a análise de dados o autor chega à conclusão de que quanto maior o nível socioeconômico de um país, maior a sua probabilidade de ter um regime político competitivo e que quanto mais competitivo o regime político de um país, maior sua probabilidade de estar em um nível relativamente alto de desenvolvimento socioeconômico. Então quantomaior o nível socioeconômico de um país, maior a probabilidade de que seu regime seja uma poliarquia inclusiva (poliarquia plena) ou uma quase-poliarquia e se um regime é uma poliarquia, é mais provável que ele exista num país com nível de desenvolvimento socioeconômico relativamente alto do que num país de nível mais baixo. Seguindo esta análise dos dados Dahl chega a um número que mostra existir um limiar superior (PNB3 per capita de U$ 700-800 – dólares em 1957) acima do qual as chances de poliarquia são tão altas que qualquer novo aumento no PNB per capita não podem afetar o resultado de maneira significativa. Do mesmo modo abaixo de PNB per capita de U$ 100-200 (dólares em 1957) as chances de poliarquia são tão fracas que as diferenças propriamente per capita ou de variáveis afins realmente não importam. As igualdades e desigualdades parecem, então, afetar as chances de hegemonia e de competição política através de dois conjuntos diferentes de variáveis, pelo menos a distribuição de recursos e habilidades políticas e a criação de ressentimentos e frustrações. As desigualdades extremas na distribuição do que o autor chama de recursos-chave (renda, riqueza, status, saber e façanhas militares) equivalem a desigualdades extremas em recursos políticos. Evidentemente, um país com desigualdades extremas em recursos políticos comporta uma probabilidade muito alta de ostentar desigualdades extremas no exercício do poder. Entretanto, muitos regimes poliárquicos existem até hoje em sociedades com enormes desigualdades de alguns tipos, por exemplo, com respeito a rendas, riqueza ou oportunidades de educação superior. Isto se daria pelo fato de que quando surgem as reivindicações por uma maior igualdade, um regime pode ganhar aceitação junto a um grupo excluído atendendo parte das reivindicações, ainda que não necessariamente todas elas, mas uma grande dose de desigualdade não gera, no grupo prejudicado, reivindicações políticas por maior igualdade. Caso um sistema esteja polarizado entre grupos fortemente antagônicos ele está seriamente em perigo. Confrontados com uma polarização aguda, os regimes competitivos tendem ao colapso, ao golpe de estado e à guerra civil. “Há, pois, conflitos com que um sistema político competitivo não consegue lidar facilmente e talvez não possa mesmo lidar. Qualquer disputa em que uma grande parcela da população de um país sinta que seu modo de vida ou seus principais valores estão seriamente ameaçados por um outro segmento da população provoca uma crise num sistema competitivo. Seja qual for o resultado, o registro histórico confirma que o sistema vai, muito provavelmente, se dissolver numa guerra civil, ou será substituído por uma hegemonia, ou ambos” (Dahl: [1971] 1997: 111). Então, no que diz respeito a subculturas, padrões de clivagem e eficácia governamental, são condições mais favoráveis à poliarquia quando a quantidade de pluralismo cultural é baixa – caso esta quantidade seja acentuada que nenhum grupo constitua maioria – e que não haja nenhum subgrupo regional e nenhum indefinidamente fora do governo. Dahl nos aponta a importância da crença dos ativistas políticos como fundamentais no alcance dos fatores precedentes que impelem um país para um regime hegemônico, para a contestação pública e a poliarquia4. As crenças destes ativistas são, pois, um estágio decisivo nos complexos processos pelos quais as seqüências históricas ou as clivagens subculturais são convertidas em sustentação de um tipo ou outro de regime. A importância dos líderes neste processo está justamente no fato de ser mais razoável de neles se encontrar sistemas de crenças políticas moderadamente elaboradas; pelo fato deles serem guiados por suas crenças em suas ações e por terem mais influência nos acontecimentos políticos, inclusive acontecimentos que afetam a estabilidade ou transformação dos regimes. Então, no que diz respeito às crenças dos ativistas políticos, são condições mais favoráveis a poliarquia quando estas crenças estipulam que as instituições da poliarquia são legítimas; que a poliarquia é eficaz na solução de problemas críticos; quando a confiança nos outros é alta; quando as relações políticas são tanto competitivas quanto cooperativas e quando os acordos são necessários e desejáveis. São igualmente condições favoráveis a poliarquia quando estas crenças vão contra a apenas uma autoridade unilateral ser legítima. O último ponto que Dahl analisa sobre condições favoráveis a poliarquia refere-se ao grau de controle estrangeiro de um país sobre outro. Já que todo país existe num ambiente que contém outros países, sob qualquer regime, os políticos devem levar em conta as possíveis ações e reações dos políticos de outros Estados. Neste sentido, até mesmo os Estados mais poderosos são, em certo grau, limitados por influência, controle e poder dos outros. Esta situação é mais forte ainda quanto mais um país participa de uma economia multinacional. Se as opções de grandes potências são ocasionalmente reduzidas pelas ações de estrangeiros, sobre quem elas têm pouco ou nenhum controle direto, a situação é ainda mais aguda para países com recursos de poder mais limitados, tais como os países pequenos e menos desenvolvidos. No entanto é possível que um país possa existir num ambiente cujas opções fossem fortemente restringidas pelas ações estrangeiras, mas é normalmente mais favorável a poliarquia quando a dominação por um poder estrangeiro é fraca ou temporária. Wanderley Guilherme dos Santos e o Terceiro Eixo da Poliarquia O argumento principal e ponto de partida da análise de Wanderley Guilherme é, como o próprio subtítulo já diz, a necessidade de um terceiro eixo ao já citado gráfico de Dahl – o eixo da elegibilidade –, para que a teoria fique mais robusta. Trata-se não somente de um acréscimo, mas de uma reformulação da teoria que se propõe a introduzir um ordenamento na cronologia política, “em maior sintonia com a história real das nações” (dos Santos: 1998: 209). Figura 5 O Terceiro Eixo da Democracia Institucionalização Participação Controle * Fonte: (dos Santos: 1998: 220) Um primeiro ponto de crítica a Dahl seria o fato de seu modelo ser excessivamente parcimonioso, o que faria com que casos importantes como o do México e o da Índia sejam tratados como anômalos se tomados em questão. Do mesmo modo a Suíça, que até 1971, negava às mulheres o direito ao voto, também seria tomado como caso anômalo. Das oito características propostas por Dahl como necessárias à poliarquia, a da elegibilidade é vista como problemática por dos Santos. Desta maneira ele desmembra a elegibilidade, que, em Dahl, é o poder votar, em mais um eixo que é o de poder ser votado. O argumento para tal é que os países têm diferentes graus de controle, que é como dos Santos chama o fato de se poder ser votado. A “variação entre os países nos requisitos para participar eleitoralmente como eleitor ou como candidato difere consideravelmente, sendo os dois sentidos de “elegibilidade”, mesmo nacionalmente, assimétricos e independentes” (dos Santos: 1998: 215). Diz também o autor que a maioria das atuais poliarquias tomadas por estáveis progrediu mais rapidamente ao longo do eixo “controle” e desta maneira se subverte a trajetória dahlsiana que tem no eixo institucionalização (possibilidade de contestação pública) a origem da estabilidade democrática. O autor propõe, então, acrescentar às oito condições dahlsianas mais uma, que é justamente o eixo ‘controle’, ou, simplesmente, ‘poder ser votado’; para num segundo momento condensá-las em quatro, segundo o princípio dasgarantias mútuas: direito de expressão, de organização (incluindo a competição pelo poder), de votar e de ser votado. Apontando para o fato de que o salto do absolutismo para a democracia se constitui em essencial equívoco pelo fato de se poder encontrar oligarquias e poliarquias depois do fim dos regimes autocráticos dos Santos mostra que, por esse motivo, a dicotomia correta seja então sistemas não representativos/sistemas representativos (ao invés de absolutismo/democracia). É, portanto, a partir da definição “minimalista” de sistema representativo5 de dos Santos que se faz possível distinguir de maneira mais formal e rigorosa as oligarquias das poliarquias. Um ponto forte da crítica de dos Santos é aquele que se debruça sobre a capacidade de análise histórica de Dahl. Lançando luz sobre o fato de que o sufrágio universal só foi adotado na Inglaterra em 1928, o autor classifica a cronologia das poliarquias clássicas de Dahl como nebulosas. Sobre os trajetos de ida e vinda da poliarquia, dos Santos afirma que não se revela qualquer padrão sistemático, concluindo que, assim como se pode chegar ao autoritarismo a partir de qualquer tipo de democracia, a qualquer uma delas se pode também voltar, fenômeno relevante para o entendimento da estabilidade democrática. E sobre o espectro temporal diz que um recuo não necessariamente extenso diminuiria a população do conjunto de democracias. Semelhanças e diferenças entre as análises de Dahl e dos Santos e uma conclusão A primeira coisa que creio ser iminente dizer é que, apesar das críticas fortes, e, em sua grande maioria, pertinentes de Wanderley Guilherme dos Santos creio que a teoria da poliarquia de Dahl não seja precária. Assim como o inconsciente estrutural de Levi- Strauss é a ossatura do pensamento (Levi-Strauss: 1974), permitam-me a estranha, mas creio, acertada comparação, a teoria dahlsiana da poliarquia é o esqueleto teórico dos regimes comumente chamados de democráticos. A preocupação de Dahl em diversificar os motivos pelos quais um regime se torna democrático (poliárquico)6 parece bastante acertada em função da comum multiplicidade de causas nos fenômenos sociais. O modelo é sim econômico, mas não menos prolífico. Mesmo diversificando os motivos pelos quais um regime possa ser chamado de democrático (poliárquico), Dahl reforça a importância de tomar certas variáveis políticas como variáveis independentes. Àqueles que apostam que a teoria de Dahl apóia-se numa crença em um continuum ou em algo teleológico erram, pois apesar de em alguns momentos, como no seguinte trecho, à primeira vista, parecer mostrar o contrário – “Dos 140 países nominalmente independentes existentes em 1969, cerca de duas dúzias eram fortemente inclusivos e possuíam sistemas de contestação pública altamente desenvolvidos: eram poliarquias inclusivas, em suma. Uma outra dúzia ou menos, talvez, eram quase-poliarquias a um alcance razoável da poliarquia plena. É nessas três dúzias que a terceira onde deve acontecer” (Dahl: 1997: 33) – mais adiante ele afirma que o advento da terceira onda de democratização parece ser duvidoso. Um ponto ruim de ‘Poliarquia’ é que em alguns momentos o autor parece ser um pouco impreciso7, mas creio que o mais problemático em Dahl seja sua definição de axioma. A obra, entretanto, não precisa ser comprometida se tomarmos o problema de definição de axioma como um problema de nomenclatura, bastando a mudança do termo axioma ou explicitação da definição usada na obra . Axioma8 é, por definição, algo que não precisa de demonstração, e, portanto, dizer que um axioma deriva do outro é absurdo, ou bem minha definição usual de axioma não é aquele usada por Dahl e dos Santos, pois este corrobora o uso do termo ‘axioma’ em ‘Poliarquia’: “Embora axiomas e tipologia sejam muito claros, em Robert Dahl...” (dos Santos: 1998: 222). A análise de dos Santos é bastante acurada e com pontos fortes a acrescentar, todavia, creio não serem pertinentes todas as suas críticas e análises. Como suas contribuições já foram mostradas na sessão anterior me deterei apenas aos pontos em que penso ou haver problemas ou serem dignos de menção. A mudança de dicotomia de absolutismo/democracia para sistema não representativo/sistema representativo é de relevância significante para o aperfeiçoamento da teoria e a ampliação dos requisitos de democracia de oito para nove mostra-se bastante acertada, mas a conseguinte condensação das nove condições em quatro é desnecessária por um motivo: outros autores podem querer reformular a teoria e acrescentarem, suprimirem, condensarem ou dilatarem as características alongando demasiadamente o debate já que as nove características são absolutamente satisfatórias ao que propõem ser. Por outro lado e por fim, gostaria de atentar para os pontos em comum dos dois autores que são fortes e relevantes. O primeiro ponto vai no sentido de mostrar como é frágil a existência da democracia e como foi preciso haver processos históricos singulares para que ela pudesse existir e subsistir. Dois trechos mostram claramente isto. “As condições mais favoráveis para a poliarquia são comparativamente incomuns e não são fáceis de se criar” (Dahl: [1971] 1997: 50). “Em verdade, o processo democratizante resulta de uma combinatória de fatores, nenhum deles suficiente em um só país, nem necessário em todos, combinatória, portanto, que pode variar de país para país” (dos Santos: 1998: 232). O segundo e mais importante ponto de proximidade entre os autores é que ambos apontam para a importância da História nos processos políticos. Importância esta que é vital, principalmente numa obra-chave como a de Dahl, dentro de uma disciplina que cada vez mais se pretende autárquica e auto-suficiente. Retiro, por fim, dois trechos que atentam para o fato. “Conceitos como ‘sociedade européia’ ou ‘povo americano’ são amplos demais ou mal definidos. Certamente estaremos nos referindo a algum subconjunto de pessoas, mas o subconjunto é extremamente difícil de especificar precisamente. Freqüentemente, o que parece que se tem em mente são aquelas pessoas de um país, ou de algum conjunto de países, que formam o que poderia ser chamado de elites pensantes, os criadores e portadores especiais de idéias – intelectuais de vários tipos, filósofos, ideólogos, panfletários, publicistas, jornalistas, cientistas e assim por diante. Pode-se ter em mente também as elites políticas, cujas crenças são de excepcional importância na vida política devido à excepcional influência de seus portadores. Mas as fronteiras dessas elites são imprecisas e não temos informações suficientes sobre seus membros. Não surpreende então que, devido a sua preocupação com o rigor e sua insatisfação com a “maleabilidade” da descrição, generalização e explicação históricas, a maioria dos cientistas sociais se afastou do movimento histórico de idéias. Como conseqüência, suas próprias teorias, por ‘rigorosas’ que possam ser, deixam de fora uma importante variável explanatória e levam, freqüentemente, a um reducionismo ingênuo...” (Dahl: 1997: 170). “Executado pelos politólogos, o seqüestro do extraordinário e inédito fenômeno democrático da agenda dos historiadores não se revelou empreendimento bem-sucedido, sendo precárias as fundações do registro temporal implícito nas recém publicadas teorias da democracia. Em vários casos, o que deveria constituir evidência ilustrativa de relevante ponto teórico é simplesmente falso, ou de significado ininteligível” (dos Santos: 1998: 210). Notas 1. Seria extremamente interessante e profícuo fazer uma comparação de ‘Poliarquia’ com ‘As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia’ de Barrington Moore Jr, mas o assunto escaparia ao foco do trabalho. Entretanto, podemos mencionar alguns pontos curiosos que o próprio Dahl faz em algumas notasde rodapé de sua obra. Uma parte de ‘Poliarquia’ e todo o livro ‘As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia’ se detém sobre a importância das seqüências históricas para se chegar à democracia, e uma crítica de Dahl a Moore é que concentrando-se em seqüências históricas mais longas e em variáveis diferentes o autor acaba ignorando experiências de países menores com fundamentos que Dahl considera não persuasivos. Entretanto, Dahl diz que este abandono de países menores se faz em função de dar prioridade a casos de países de maior destaque internacional que Moore utiliza como casos-tipo. O ponto de discussão não se esgota aqui e Dahl, mais adiante, faz outra crítica ao livro de Moore: “A ênfase de Moore na importância vital da revolução violenta como estágio no caminho para a democracia é, a meu ver, enganosa, particularmente se for aplicada ao processo de inauguração. Moore salienta veementemente a Guerra Civil inglesa, a Revolução Francesa e – um caso muito duvidoso – a Guerra Civil americana. Seu argumento aqui, penso eu, é enfraquecido por sua crença de que a experiência dos países pequenos é um tanto irrelevante. A questão é a seguinte: irrelevante para quê?” (Dahl: [1971]1997: 60) 2. A leitura se faz da seguinte maneira: lê-se → da direita para a esquerda como implicação e da esquerda para a direita como ‘condição necessária para’. 3. “Por PNB entendemos o valor de todos os bens e serviços finais produzidos num determinado ano pelos residentes num determinado país. Repare-se que neste caso o que conta é o país de residência dos detentores dos direitos sobre os bens produzidos, não o país onde a produção tem lugar”. (http://docentes.fe.unl.pt/~jbmacedo/pt/contas.html). 4. Para um aprofundamento do conceito de crença como motivador de mudanças históricas consultar: Elias (1997) e Tocqueville (1979). 5. “Sistemas políticos representativos são complexos combinatórios de quatro atributos de direito: expressão, organização, votar e ser votado, conforme estejam institucionalizados segundo o princípio das garantias mútuas” (dos Santos: 1998: 221). 6. Uso os termos, aqui, indistintamente. 7. Um bom exemplo disto é quando encontramos na sua tabela de requisitos para a democracia (Dahl: [1971] 1997: 27), mais precisamente o ponto oito, dizendo que para que se tenha preferências igualmente consideradas na conduta do governo faz-se necessário ter, entre outras características, instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência, Dahl não menciona que outras manifestações de preferência são essas. 8. Retiro, aqui, as definições correntes de axiomas usadas tanto em um dicionário da língua portuguesa, quanto de um dicionário técnico de filosofia. “1. Filos. Premissa imediatamente evidente que se admite como universalmente verdadeira sem exigência de demonstração. 3. Lóg. Proposição que se admite como verdadeira porque dela se podem deduzir as proposições de uma teoria ou de um sistema lógico ou matemático.” (Ferreira: 2004: 240). “A. Sentido mais usual: premissa considerada evidente e admitida como verdadeira sem demonstração por todos os que lhe compreendem sentido. (...) B. Muito geralmente, num sistema hipotético-dedutivo, toda proposição, evidente ou não, que não se deduz de outra, mas que é posta por um ato decisório do espírito no início da dedução” (Lalande: 1999: 119-120). Referências Bibliográficas DAHL, R. (1997), Poliarquia. São Paulo. Edusp ELIAS, Norbert. (1997), Os Alemães: A Luta pelo Poder e a Revolução do Habitus nos Séculos XIX e XX. Rio de Janeiro, J. Zahar. LEVI-STRAUSS, C. (1974), “Introdução à obra de Marcel Mauss”. In: MAUSS, M. Sociologia e Antropologia. São Paulo, Edusp. MOORE, B. (1975), As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia: Senhores e Camponeses na Construção do Mundo Moderno. Lisboa, Cosmos. TOCQUEVILLE, Alexis de. (1979), O Antigo Regime e a Revolução: Pensamento Político. Brasília, Editora da UnB. SANTOS, W. G. (1998), “Poliarquia em 3D”. Dados, vol. 41, nº 2 Dicionários: FERREIRA, A. B. H. (2004). Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Curitiba, Positivo. LALANDE, A., (1999). Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo, Martins Fontes. Sites: http://docentes.fe.unl.pt/~jbmacedo/pt/contas.html
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