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Natal-RN, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de 17 a 21 de maio de 2010. I Encontro Internacional de Estudos sobre a América Latina EIXO TEMÁTICO: Movimentos Sociais e transformação societária na América Latina REFLEXÕES SOBRE A TOPONÍMIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS LATINO- AMERICANO Camila Alves Duarte João Gilberto N. Saraiva1 RESUMO: Nos acampamentos e assentamentos do MST, assim como outros movimentos sociais latino-americanos, organizam-se espaços com os nomes de importantes personagens da rica história de resistência latino- americana. Pretendemos refletir acerca dessas toponímias como uma forma de construção de uma identidade vinculada a uma memória coletiva rebelde. Palavras-chave: toponímia, movimentos sociais, América Latina. ABSTRACT: Camps and settlements of the MST, and other social movements in Latin America, are organized spaces with the names of important personalities of the rich history of resistance in Latin America. We intend to reflect on this toponomy as a way of building an identity linked to a collective rebel memory. Keywords: toponomy, social movements, Latin America. 1. INTRODUÇÃO “A guerra iniciada no primeiro de janeiro de 1944 foi e é uma guerra para fazer-nos escutar, uma guerra por palavra, uma guerra contra o esquecimento, uma guerra pela memória. Uma rebelião da história.” (EZLN, 1995). A América Latina se constitui como um imenso e rico mosaico que abarca a diversidade sócio-cultural que vai do México a Patagônia e os movimentos sociais compõem um tema essencial para a compreensão do que é este mosaico. Pensar a América Latina em que vivemos exige que estejamos atentos para atuação dessas forças tanto hoje quanto no passado recente. Este trabalho visa contribuir com os estudos desses movimentos2 tão fecundos no cenário latino-americano através do estudo da toponímia. 1 Graduandos em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, bolsistas de iniciação científica. Respectivos projetos: Cultura e Política em manifestos e documentos da História Recente Americana e Observatório de Cultura e Política das Américas. 2 Este trabalho só foi possível graças a discussões promovidas pelo Observatório de Cultura e Política das Américas (OCUPA). Este grupo iniciou seus trabalhos no ano de 2009 na Universidade Natal-RN, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de 17 a 21 de maio de 2010. Uma grande quantidade de movimentos se mantêm ativos no mundo latino- americano3. Para estudar a toponímia, no espaço proposto para este trabalho, tivemos de fazer escolhas, delimitações. Optamos por focar nosso trabalho em dois dos mais importantes movimentos sociais: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). Ambas organizações têm grande influência dentro dos gigantes em que atuam (Brasil e México) e estão em plena atividade no fim da primeira década do século XXI4. Essa delimitação não implica que as reflexões realizadas neste trabalho tenham validade apenas para esses dois, idéias análogas podem ser utilizadas para o estudo da toponímia de outros movimentos socais. Antes de entrarmos nas reflexões acerca dos nomes de acampamentos, assentamentos e caracóis do MST e EZLN abordaremos alguns conceitos necessários a reflexão acerca da toponímia, entre eles: espaço, memória social e representação. Procuraremos aprofundar a definição para o termo “toponímia rebelde”, cunhada por Vargas (2007), que engloba uma série de personagens e eventos latino-americanos. Elaboraremos alguns pontos sobre o porquê da escolhas desses personagens. 2. TOPONÍMIAS REBELDES DA AMÉRICA LATINA Para iniciarmos nossas reflexões sobre as toponímias rebeldes latino- americanas é necessário discutir a noção de espacialidade que norteia este trabalho. Pensamos o espaço não apenas como um tabuleiro onde peças realizam movimentos de acordo com seus valores sociais, políticos e culturais. O espaço não se constitui como algo natural, um pano de fundo para o desenrolar das ações humanas no tempo. Entendemos que as espacialidades são também construções históricas, originadas das ações e emoções humanas inseridos em determinados contextos. Segundo o professor Dr. Durval Muniz ao trabalhar a idéia de região como recorte dentro de um espaço: Um dado recorte espacial é sustentado, explicado, justificado, legitimado por dadas formas de saber, que se materializam em ações e discursos, práticas discursivas e não-discursivas. A região é, em grande medida, fruto dos saberes, dos discursos que a constituíram e que a sustentam. (ALBUQUERQUE, 2009). Federal do Rio Grande do Norte visando a renovação do pensamento social sobre a América Latina, promovendo um debate entre pesquisadores e representantes de organizações. 3 Alguns deles: Associacion de Trabajadores del Campo (Nicarágua), Comité de Unidad Campesina (Guatemala), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (Brasil), Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador (Equador). 4 Desde a metade da década que precede o século XXI diversos movimentos sociais utilizam a internet que veio a ser um importante instrumento para suas lutas. Natal-RN, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de 17 a 21 de maio de 2010. Utilizamos essa forma de entender o espaço porque ela nos permite pensar a toponímia rebelde como produto de certa memória social. Ao falarmos de memória social não tratamos aqui de uma memória que permeia toda a sociedade. Fazemos referência a memória de coletividades específicas, a dos movimentos sociais que irromperam na América Latina desde a segunda metade do século XX e que se mantém ativos até o tempo presente. Os movimentos sociais se preocupam com essas memórias de lutas para a manutenção e significação deles mesmos. A história, entendida como as ações humanas no tempo, é essencial para os movimentos populares e a formação de uma consciência histórica tem esse valor porque justifica a seriedade e a importância de suas lutas. Vargas (2007) mostra que a história garante aos sem terras brasileiros e aos zapatistas mexicanos, por exemplo, um contexto para as demandas atuais. Trabalhamos a relação que esses movimentos sociais têm com a história, onde se incluem as toponímias, através do conceito de memória social. Sobre este tema, Peter Burke propõe: (...) as memórias são construídas por grupos sociais. São os indivíduos que lembram, no sentido literal, físico, mas são os grupos sociais que é “memorável”, e também como será lembrado. Os indivíduos se identificam com os acontecimentos públicos de importância para seu grupo. “Lembram” muito do que não viveram diretamente. (BURKE, 1992) A memória não corresponderia apenas a um imenso depósito de lembranças, as recordações são maleáveis. Assim como os indivíduos os grupos sociais “lembram” seletivamente, escolhendo o que deve ser memorável e o que deve ser esquecido. Essas escolhas podem ser estudadas a partir das toponímias. 2.1 Toponímia rebelde e memória Dentro da memória a toponímia corresponde a mais um lugar onde é possível ser percebida essa capacidade de seleção do que pode ser memorável. No caso dos movimentos sociais latino-americanos podemos identificar uma toponímia rebelde em constante utilização e atualização. Enquanto a palavra toponímia significa um nome (onyma) atribuído a um lugar (topos), a designação “toponímia rebelde” remete a um conjunto de significados mais específicos. Os nomesutilizados nos acampamentos, assentamentos, e demais localidades utilizadas pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) e Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) são exemplos dessa toponímia. A construção de uma memória de lutas é uma preocupação central dentro do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e do Exército Zapatista. Através das palavras de Roseli Caldart (2000), uma das principais educadoras do MST, o Natal-RN, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de 17 a 21 de maio de 2010. resgate de símbolos e da memória das lutas anteriores é uma das principais preocupações dos sem terras em relação à cultura. Podemos perceber essa preocupação na própria concepção de história utilizada pelos movimentos sociais que vai interferir diretamente nas suas toponímias. Para eles o presente só pode ser compreendido em relação ao passado, e o estudo desse passado é essencial para a transformação do presente. Cabe aos indivíduos atuar de forma engajada para a modificação do tempo em que vivem. Nessa concepção de história os indivíduos e os eventos onde eles atuam são centrais, estando nas mãos dos militantes uma grande responsabilidade com a sociedade. Em virtude disso, os personagens, os seus eventos e discursos são apropriados para a toponímia rebelde para conferir sentido a um presente de lutas, que se utiliza do passado pensando a construção de um novo futuro. Tanto os zapatistas quanto o MST acreditam que o estudo da história pode e deve contribuir para essa transformação. 2.2 Toponímia rebelde e representação Os eventos, personagens e discursos são retirados e resignificados dentro dessas formas próprias de se compreender a História. Os nomes utilizados pela toponímia rebelde transcendem o significado original e passam a também carregar um valor projetado pelos movimentos sociais. Isso é possível através de uma estratégia de representação. Assim como Chartier (1991), compreendemos a representação como um produto, resultado de uma prática. Essa prática não pode ser entendida como qualquer ato realizado ao acaso, ela é uma reposta produzida por uma condição específica. Fazendo uma aproximação com a Sociologia de Pierre Bourdieu (2008) podemos pensar que essa representação como resposta revela toda uma bagagem cultural e social dos indivíduos que a forjaram e a utilizam. Partindo do pressuposto das bagagens sócio-culturais dos indivíduos é pertinente tratar de uma “parecença” que norteia a relação entre representante e representado. Aquele que representa encontra uma semelhança em algum ponto da figura alvo da representação. As toponímias utilizadas pela memória social rebelde correspondem comumente a indivíduos ou eventos dotados de alguma carga mitológica5, por exemplo: Ernesto “Che” Guevara e o Massacre de Canudos. 2.3 A toponímia e os heróis 5 Os indivíduos e eventos dotados de uma carga mitológica seriam aqueles sobre os quais foi criada certa mitologia política. Natal-RN, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de 17 a 21 de maio de 2010. Um dos principais alvos nas representações das toponímias rebeldes latino- americanas é um conjunto do qual fazem parte heróis não atrelados diretamente aos movimentos sociais. Estamos falando daqueles eventos e indivíduos que se enquadram dentro de uma “mitologia política” 6. Segundo Peter Burke: De uma maneira geral, o que acontece no caso destes mitos é que as diferenças entre o passado e o presente são elididas, e há conseqüências imprevistas que se transformam em objetivos conscientes, como se a finalidade principal destes heróis do passado fosse veicular o presente - o nosso presente. (BURKE, 1992). Esses heróis e eventos são apropriados de forma que seu significado esteja incluído dentro das demandas de cada movimento social que o utiliza em sua toponímia obedecendo aos limites impostos pela “parecença”. Quando a distância entre passado e presente é parcialmente esquecida7 ela esta contida nas fronteiras daquilo que os indivíduos ou grupos sociais conseguem se identificar, já que o grupo social tem que achar coerente a ligação entre ele (o representante) e o representado. Um exemplo disto é a apropriação de personagens e eventos da Revolução Mexicana realizada pelo EZLN, podemos dizer que a aproximação das lutas também obedece às capacidades da “parecença”, eles se apropriam dos heróis que se tenha certa similitude com suas propostas. Se apropriar de Pancho Villa, personagem da Revolução Mexicana, é mais fácil do que de Simón Bolivar, comandante de tropas que atuaram na independência de vários países da América do Sul. Tratando especificamente dos eventos utilizados pela toponímia rebelde podemos dizer que sua imensa maioria corresponde a alguma sublevação da ordem (ou pelo menos tentativa dela)8. Esses eventos aparecem comumente nessa toponímia porque os movimentos socais também contestam as ordem. Para seguir refletindo sobre as toponímias apresentaremos uma tabela com os nomes de alguns acampamentos recolhidos por Vargas (2007): Tabela 1 - Seleção de acampamentos do MST Nome Localização Nº de famílias Antônio Conselheiro Lapa (PR) 110 Camilo Torres Pirapora do Bom Jesus (SP) 200 Che Guevara Nova Crichas (GO) 850 Chico Mendes Lagoa do Padre (RN) 200 Florestan Fernandes Mucuri (BA) 250 6 Obra seminal sobre o tema: Girardert (1987) 7 Ela é apenas parcialmente esquecida no sentido que a distância temporal é apagada para aproximar a demanda do passado para o presente. Como também a distância é relembrada para se legitimar, através da antiguidade, a demanda atual. 8 Sobre a importância dos levantes ver BEY (2004) Natal-RN, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de 17 a 21 de maio de 2010. Paulo Freire São Pedro dos Crentes (MA) 62 Roseli Nunes Castanhal (PA) 120 Zapata Graibas (AL) 600 Zumbi dos Palmares I Propriá (SE) 200 Os heróis Nomes como Zapata, Zumbi do Palmares, Antônio Conselheiro, presentes na tabela 1, ilustram a apropriação de heróis realizada pela toponímia rebelde. São personagens caracterizados por lutarem contra a ordem vigente, além disso, se identificam com a demanda do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O Quilombo dos Palmares é entendido como uma “ilha de liberdade” num período da escravidão. Uma territorialidade independente formada ainda no período colonial, desvinculada politicamente de qualquer governo. Zumbi, o líder desse grupo, é uma emblemática figura para muitos movimentos sociais por representar o “primeiro insurgente”, o escravo que rompeu os grilhões da escravidão para criar uma terra de liberdade. Antônio Conselheiro, líder do arraial de Canudos, é outro personagem incluído na toponímia rebelde. Ligado aos pobres e a terra, sua comunidade foi rechaçada em duros combates pelas tropas da República recém-criada. Canudos é identificada por sua resistência, pelo trabalho comunitário no campo e também dá nome a diversos acampamentos dos sem terras9. Uma das principais figuras latino-americanas rememoradas é Emiliano Zapata, esse líder da revolução mexicana que inspira o EZLN está também nos nomes dos acampamentos do MST. Através da revolução ele conseguiu abalar completamente o governo e inserir no México uma série de medidas visando a reforma agrária. Segundo, José Seoane e Emílio Taddei (2001) o homem do campo, os pobres, tornam-se participantes ativos de um processo que culmina na realização (de pelo menos parte) de suas demandas por terra e dignidade. Estes personagens são agora atores e protagonistas dessa conflituosa realidade latino-americana. Os “mártires”O MST também se utiliza de nomes dos seus próprios integrantes que se tornaram “mártires” das lutas. O acampamento “Roseli Nunes” de Castanhal (PA) é 9 Por exemplo, “Canudos” é utilizado em: Santa Vitória (MG), Eldorado do Carajás (PA). “Herdeiros de Canudos” existe em Terezina (PI) e “Nova Canudos” em Iaras (SP). Natal-RN, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de 17 a 21 de maio de 2010. um dos tantos10 com o nome dessa figura reconhecida nacionalmente. Segundo o sítio eletrônico do próprio movimento: “Há vinte e dois anos o primeiro acampamento do MST perdia uma de suas grandes lutadoras. No dia 31 de março de 1987, Roseli Nunes e outros três trabalhadores Sem Terra foram mortos em uma manifestação na BR 386, em Sarandi, no Rio Grande do Sul.” (MST, 2009). Outras figuras do próprio movimento que dão nome aos acampamentos e assentamentos do MST são Oziel Alves, Laudinor de Souza, Margarida Alves e Fusquinha. Os intelectuais Alguns intelectuais considerados relevantes, por de certa contribuir através de suas obras, são constantemente referidos na toponímia rebelde. Um dos principais exemplos é o educador Paulo Freire (1996) é um dos pensadores diversas vezes homenageado por sua pedagogia do oprimido, o engrandecendo como gente. Suas propostas para a educação são utilizadas nas escolas mantidas pelo MST e por vezes dá nome às escolas onde suas propostas são trabalhadas, além de outros espaços dentro da organização do movimento que também o homenageiam11. O sociólogo Florestan Fernandes, ligado à esquerda, é outro relembrado nessa toponímia. Suas obras tratam de temas como o subdesenvolvimento, reforma agrária e o papel do negro na sociedade brasileira. Entre os intelectuais apropriados encontramos Darcy Ribeiro, Josué de Castro, Caio Prado Jr., Rosa Luxemburgo, entre tantos outros que o MST acredita estar em conformidade com suas lutas. 2.4 Toponímia comparada: zapatistas e sem terras Somos produto de 500 anos de lutas... [nos quais] surgiram Villa e Zapata, homens pobres como nós aos quais se negou a preparação mais elementar[...] (EZLN, 2004) Para explicarmos a toponímia no Movimento Zapatista de Libertação Nacional são necessários antes alguns esclarecimentos sobre sua forma de organização. Os 10 Entre eles: M. Parapanema (SP), Pequi (MG), Santa Quitéria (CE) e Quixeramobim (CE). 11 Um exemplo desses espaços destinados a educação dos militantes que levam o nome de Paulo Freire é a que está localizada na Sede Estadual do MST no Rio Grande do Norte, situada no município de Ceará Mirim. Natal-RN, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de 17 a 21 de maio de 2010. indígenas do movimento estão dispostos em vários municípios autônomos rebeldes, denominados MEREZ, cada um deles podendo ser formados por inúmeras comunidades. Quanto estes municípios alcançam certo nível de articulação, eles podem constituir um “Caracol”, que é uma organização inter-comunitária. (VARGAS, 2007) Os nomes dados aos caracóis são, assim como no caso do MST na designação dos seus espaços, decididos em assembléias dos integrantes da comunidade. Além da referência a eventos históricos, que ocorre nos dois movimentos, nos caracóis a escolha é feito de forma poética, como por exemplo: Caracol de La Realidad: “Mãe dos caracóis do mar de nossos sonhos” e Caracol de Morelia: “Turbilhão de nossas palavras”. Para refletirmos sobre essa essência poética dos indígenas zapatistas, são salutares as considerações da autora Ana Esther Ceceña: O sujeito revolucionário, o portador da resistência cotidiana e calada, que se torna visível em 1994, é muito diferente ao das expectativas traçadas pelas teorias políticas dominantes. Seu lugar não é a fábrica, mas as profundezas sociais. Seu nome não é proletário, mas ser humano; seu caráter não é o do explorado, mas o do excluído. Sua linguagem é metafórica, sua condição indígena, sua convicção democrática, seu ser coletivo. (CECEÑA, 2001). Nas comunidades zapatistas podemos evidenciar também a referência de importantes personagens da sua história. É notável a maior recorrência dessa escolha após a Revolução Mexicana, com ela o aparecimento de significativos personagens que ratificam suas lutas no presente, estes também podem ser encontrados nos sem-terras do Brasil, pois como explicitaria o próprio movimento zapatista “são movimentos irmãos”, entendemos que de causas e em certos aspectos cosmovisão. São exemplos de nomes importantes aos zapatistas: Emiliano Zapata, Che Guevara, Miguel Hidalgo, Vicente Guerrero, Francisco Villa, Ricardo Flores Moregón e Lúcio Cabañas. Ao analisar aspectos de confluência entre os movimentos estudados, destacamos a relevância em homenagear um santo ou uma figura religiosa, entre os zapatistas: San Pedro Polo; Santa Catarina; San Juan de La liberdad, no Brasil aparecem: Santo Antônio, Nossa senhora. Além de expressões de esperança para o futuro recorrente nos dois movimentos, no caso do MST: Nova esperança; Herdeiros da luta, Nova estrela. Pensando a toponímia rebelde para estes movimentos latino-americanos, distantes geograficamente, entretanto muito próximos em relação as suas lutas e aspirações para o futuro. Podemos perceber que seus slogans de 500 anos de exploração rompem fronteiras, ultrapassam as barreiras da língua para lutarem por uma só causa, a liberdade. Esta liberdade legitimada pela história, não só como continuidade, mas como ruptura. Nas palavras dos zapatistas “Sonhamos com um mundo onde cabem vários mundos”. Natal-RN, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de 17 a 21 de maio de 2010. 3. CONCLUSÃO O estudo da toponímia dos movimentos sociais é um interessante passeio dentro da organização e participação política dentro da América Latina. A constituição de uma toponímia rebelde expressa que os nomes dados aos espaços também estão plenamente inseridos dentro das lutas. Os nomes fazem parte da guerra pela fala e pela memória, por um direito a uma história própria, fiada com suas próprias palavras. Aquilo que esses rebeldes escolhem para nomear suas instituições e espaços são retirados de uma certa memória que denominamos de memória social rebelde. Desta memória fazem parte todos aqueles que de alguma forma são identificados com uma rebeldia, com uma contestação. Não se tratam apenas figuras como Che Guevara e Zapata, por exemplo, mas também eventos e até mesmo expressões que tratam de sonhos e resistência. Pensando na capacidade de seleção da memória, nos utilizamos da “parecença” para pensar como os movimentos sociais escolhem determinadas figuras para se conectarem. Os nomes escolhidos por esses grupos sociais específicos têm haver com suas demandas, além disso, com a produção de sua própria história. A toponímia rebelde é uma tecelã de sentidos próprios. Esta malha de fios transforma a espacialidade na medida em que a integra ao movimento. O nomear liga o espaço a todo um conjunto de práticas e idéias que permeiam o grupo social que escolhe do nome. Quando o MST utiliza os nomes dos seus “mártires” em seus acampamentos ou quando o EZLN fala poeticamente dos sonhos em seus caracóis eles estão inserindo o espaço na sua forma de pensar o mundo. Através da representação os movimentos sociais aplicam sua bagagem sócio-cultural ao chão que habitam, adequando-o a suas lutas. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. O Objeto em Fuga: algumas reflexões em torno do conceito de região. Fronteiras (Campo Grande) v. 10/17, p. 55-67, 2008. BEY, Hakim. TAZ: Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad, 2001. BOURDIEU, Pierre.A economia das trocas lingüísticas. São Paulo: EDUSP, 2008. BURKE, Peter. A História como Memória Social. In _______. O mundo como teatro: estudos de antropologia histórica. 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