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Interpretação da realidade brasileira (livraria - Câmara dos Deputados)

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COLEÇÃO
João Camilo 
de Oliveira Torres
Interpretação
da 
Realidade
Brasileira
Câmara dos 
Deputados
Interpretação da R
ealidade Brasileira
I
COLEÇÃO
João Camilo 
de Oliveira Torres
Interpretação
da 
Realidade
Brasileira
Mesa da Câmara dos Deputados
55ª Legislatura – 2015-2019
Presidente
Rodrigo Maia
1º Vice-Presidente
Fábio Ramalho
2º Vice-Presidente
André Fufuca
1º Secretário
Giacobo
2ª Secretária
Mariana Carvalho
3º Secretário
JHC
4º Secretário
Rômulo Gouveia
Suplentes de Secretário 
1º Suplente
Dagoberto Nogueira
2º Suplente
César Halum
3º Suplente
Pedro Uczai
4º Suplente
Carlos Manato
Diretor-Geral
Lúcio Henrique Xavier Lopes
Secretário-Geral da Mesa
Wagner Soares Padilha
COLEÇÃO
João Camilo 
de Oliveira Torres
Câmara dos 
Deputados
Centro de Documentação e Informação
Edições Câmara
Brasília | 2017
Introdução à história das 
ideias políticas no Brasil
Interpretação
da 
Realidade
Brasileira
CÂMARA DOS DEPUTADOS
DIRETORIA LEGISLATIVA
Diretor Afrísio de Souza Vieira Lima Filho
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO
Diretor André Freire da Silva
COORDENAÇÃO EDIÇÕES CÂMARA DOS DEPUTADOS
Diretora Ana Lígia Mendes
Projeto gráfico e capa Mariana Rausch Chuquer 
Diagramação Roberto Câmara e Fabrizia Posada 
Revisão de provas Danielle Ribeiro, Jonas Santos e Pedro do Carmo
O texto desta edição foi baseado no da 2ª edição da Editora José Olympio de 1973.
COLEÇÃO
João Camilo de Oliveira Torres
n. 1 PDF
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
Coordenação de Biblioteca. Seção de Catalogação.
Torres, João Camilo de Oliveira, 1915-1973.
Interpretação da realidade brasileira [recurso eletrônico]: introdução à 
história das ideias políticas no Brasil / João Camilo de Oliveira Torres. – Brasília: 
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2017. – (Coleção João Camilo de Oliveira 
Torres; n. 1 PDF)
Versão PDF.
Modo de acesso: livraria.camara.leg.br
Disponível, também, em formato impresso.
ISBN 978-85-402-0665-6
1.Ideologia. 2. Doutrina política. 3. Filosofia. I. Título. II. Série.
CDU 316.75
ISBN 978-85-402-0664-9 (papel) ISBN 978-85-402-0665-6 (PDF)
Câmara dos Deputados
Centro de Documentação e Informação – Cedi
Coordenação Edições Câmara – Coedi
Anexo II – Praça dos Três Poderes
Brasília (DF) – CEP 70160-900
Telefone: (61) 3216-5809
editora@camara.leg.br
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 9
PREFÁCIO 11
INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE BRASILEIRA 13
NOTA DO AUTOR 19
I – INTRODUÇÃO 23
II – COMO NASCEM AS IDEOLOGIAS 29
III – COMO SE PROPAGAM AS IDEOLOGIAS 33
PARTE 1 
FUNDAMENTOS DA CULTURA BRASILEIRA 43
CAPÍTULO I 
“DE CIÊNCIA CERTA E PODER ABSOLUTO...” 45
1. O primado do rei na formação brasileira 45
2. Os percalços da revolução prematura 67
3. As Forças Armadas como força política 85
4. Povo e representação 94
CAPÍTULO II 
A DEMOCRACIA RACIAL 121
1. Século XIX e o triunfo da raça branca 121
2. O mito da democracia racial 129
3. O Brasil e o Oriente 134
CAPÍTULO III 
O CONFLITO IDEOLÓGICO PORTUGUÊS 139
1. As ideologias portuguesas 139
2. Religião e política 143
3. A ideologia da inquisição 146
4. A grande luta de Vieira 165
CAPÍTULO IV 
A CULTURA INTELECTUAL E SUAS CONTRADIÇÕES 175
1. O nominalismo no pensamento lusíada 175
2. O barroquismo como visão da vida 179
3. A alienação das elites brasileiras 187
4. Pequena anotação sobre o espiritismo 196
5. Entre o ufanismo e a negação 200
CAPÍTULO V 
A FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL 209
CAPÍTULO VI 
O BRASIL COMO IMPÉRIO 227
1. O drama do governo imperial 227
2. O Poder Moderador 235
3. O caráter monárquico do Brasil 240
4. O universalismo brasileiro 243
CAPÍTULO VII 
ELEMENTOS PARA UMA COSMOVISÃO BRASILEIRA 259
1. A problemática da cultura brasileira 259
2. Introdução à teoria do “jeito” 263
3. O futebol como síntese 270
PARTE 2 
O TEMA E SEUS INTÉRPRETES 275
SEÇÃO I 
A CRISE DA REPÚBLICA 277
CAPÍTULO I 
NABUCO E A RECUPERAÇÃO TEÓRICA DO IMPÉRIO 279
1. Relâmpago em céu azul 279
2. O homem e o tema 280
3. Uma ideia e uma época 287
CAPÍTULO II 
EUCLIDES – A PRESENÇA DA TERRA 295
1. Um homem, símbolo de uma geração 295
2. Um homem, símbolo de um povo 298
3. Um livro, símbolo de um impacto 301
CAPÍTULO III 
ALBERTO TORRES – TENTATIVA DE RECONSTITUIÇÃO 307
1. Em busca de uma práxis 307
2. Tentativa de constituição 312
CAPÍTULO IV 
D. LUÍS – VOX CLAMANTIS IN DESERTO 319
1. Os manifestos restauradores 319
2. O programa restaurador 321
3. Significado da ideia restauradora 326
SEÇÃO II 
RETORNO ÀS FONTES 335
CAPÍTULO I 
OLIVEIRA VIANA DESCOBRE UM POVO 337
1. O Brasil se descobre em seu passado 337
2. Oliveira Viana põe um povo como raça 343
3. O estranho paradoxo de Oliveira Viana 352
CAPÍTULO II 
PAULO PRADO DESCOBRE UM PECADO 357
1. Quase um escândalo... 357
2. Mas, de fato, um paradoxo feliz... 362
CAPÍTULO III 
GILBERTO FREYRE DESCOBRE O TRÓPICO 369
1. Outra descoberta do Brasil 369
2. Temas e métodos 372
3. Tradição ou renovação? 377
PARTE 3 
O BRASIL E O MUNDO 381
CAPÍTULO I 
EDUARDO PRADO E A ILUSÃO AMERICANA 383
CAPÍTULO II 
BRASIL E ÁFRICA 387
CAPÍTULO III 
O DESTINO DA AMÉRICA LATINA 393
CONCLUSÃO 
O MISTÉRIO BRASILEIRO 399
9
João Camilo de Oliveira Torres
APRESENTAÇÃO
A arte da política dificilmente pode ser captada, em sua ple-
nitude, se não levarmos em consideração elementos que passam 
despercebidos no nosso cotidiano. Apenas com o tempo, mediante 
reflexão madura e desapaixonada, torna-se possível vislumbrar o 
panorama em que os protagonistas políticos se inseriam, os limites 
a que se achavam submetidos e os objetivos que almejavam quando 
de suas decisões.
É justamente por reconhecer essa realidade que a Câmara dos 
Deputados procura trazer à luz estudos que tenham como objeto 
precípuo de análise nossa identidade nacional.
João Camilo de Oliveira Torres foi um original e dedicado 
estudioso dos problemas institucionais brasileiros. Suas reflexões, 
vastas e profundas, materializaram-se em extensa bibliografia. 
Com o lançamento da coleção “João Camilo de Oliveira Torres”, a 
Edições Câmara busca resgatar esse pensador e facilitar o acesso 
a suas obras.
Deputado Rodrigo Maia
Presidente da Câmara dos Deputados 
11
João Camilo de Oliveira Torres
PREFÁCIO
João Camilo de Oliveira Torres: 
um brasileiro e um Brasil a ser contado.
Com a reedição da coleção João Camilo de Oliveira Torres, 
a Câmara dos Deputados dá início a sua linha editorial “Legado”, 
por meio da qual pretende oferecer ao público, entre outros temas 
relevantes, obras fundamentais à compreensão de nossa identidade 
nacional.
João Camilo de Oliveira Torres foi um verdadeiro gigante 
do pensamento brasileiro. Escritor, historiador e jornalista, pro-
curou entender o Brasil – mais especificamente o Estado brasi-
leiro – a partir de suas origens, seguindo sua evolução ao longo 
do tempo. Nasceu em 31 de julho de 1915 na cidade de Itabira-MG. 
Diplomou-se em filosofia pela Universidade do Brasil e começou a 
escrever para jornais em 1937. Foi professor de filosofia moral e de 
história do Brasil em diversas universidades mineiras. Pertenceu à 
Academia Mineira de Letras e ao Instituto Histórico e Geográfico 
de Minas Gerais e, em 1959, foi eleito membro do Instituto Histórico 
e Geográfico Brasileiro. Faleceu em sua mesa de trabalho, no gabi-
nete da Superintendência Regional do Instituto Nacional de Previ-
dência Social (INPS), em Minas Gerais, no ano de 1973, vítima de 
colapso cardíaco.
Ao longo de sua carreira historiográfica, João Camilo de 
Oliveira Torres idealizou aquilo que seria sua História das Ideias 
Políticas no Brasil, compostade doze títulos. Apesar de não ter sido 
concluída, a obra é, sem dúvida, sua maior contribuição ao pensa-
mento político brasileiro. A democracia coroada: teoria política do 
Império do Brasil, por exemplo, recebeu os prêmios “Cidade de Belo 
Horizonte”, em 1952, e “Joaquim Nabuco”, da Academia Brasileira 
de Letras, em 1958.
É com o objetivo de resgatar a obra desse pensador sin-
gular que a Edições Câmara, consciente de seu papel na promoção 
e difusão do patrimônio cultural do Brasil e de suas instituições, 
lança a presente coleção. Que esta seja uma grande contribuição 
12 Interpretação da Realidade Brasileira
para a formação da sociedade brasileira e para seu reencontro com 
as origens de nossa identidade nacional.
Evandro Gussi
Deputado Federal
Interpretação 
da Realidade 
Brasileira
Introdução à história das 
ideias políticas no Brasil
15
João Camilo de Oliveira Torres
A AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO
Resposta (com 30 anos de atraso) a uma 
carta aos que tinham vinte anos.
Por um deles.
17
João Camilo de Oliveira Torres
Todas as penas nasceram em carne e sangue, e todos na tinta de 
escrever misturaram as cores de seu afeto.
ANTÔNIO VIEIRA
Que na verdade escrever história com as partes que ela requer é 
mais obra da Providência divina que de forças humanas.
Porque considerando o trabalho do escrever e os descontos que 
a escritura (inda que seja a mais acertada) tem por prêmio de juízos 
torcidos, e, muitas vezes, errados de quem lê, se não houvera instinto 
do Céu, que movera espíritos, fora impossível haver nenhum sisudo 
que se sujeitara a tamanha carga.
FREI LUÍS DE SOUSA
19
João Camilo de Oliveira Torres
NOTA DO AUTOR
Em dias já muito distantes, atendendo a uma sugestão 
de Frei Damião Berge, O. F. M., professor de história da filosofia 
moderna, na antiga e saudosa Universidade do Distrito Federal, 
tentamos a grande aventura de mocidade – a descoberta do positi-
vismo no Brasil. Como um bandeirante, sem mapas, nem bússola, 
nem roteiro, partimos em busca de uma espécie de serra das Esme-
raldas, que encontramos. Depois, muitos outros autores trataram 
do tema. Como o guarda-mor Garcia Rodrigues Pais, que abriu o 
“Caminho Novo” para as Minas Gerais, teve seguidores ilustres, 
como o Comendador Mariano Procópio, como a Central do Brasil, 
como as rodovias modernas, assim aconteceu conosco – e hoje uma 
fita asfaltada livremente percorrida segue o nosso modesto trilho, 
a nossa modesta picada aberta na mata virgem...
A ideia levou-nos a elaborar outros livros de História das 
Ideias; chegamos a pensar numa obra sobre a Escola de Recife. 
Mas, tema bem estudado, trabalho sem perigos, viagem tranquila 
em mares bem conhecidos nunca nos animou; um dia, a leitura de 
um livro do Prof. Orlando M. Carvalho sobre o governo britânico 
ofereceu-nos a sugestão: um livro sobre a organização política do 
império, tão pouco e tão mal conhecida. Daí surgiu A Democracia 
Coroada. Vimos, então, que era possível enfrentar o tema das ideias 
políticas. E os volumes vieram em seguimento. Cada um pode ter 
tido a sua história – e há notícia disto, geralmente, no prefácio de 
cada qual. Ou, então, história muito sem importância, que não pre-
cisa ser lembrada. Este ano de 1966, graças à generosidade e com-
preensão do Departamento de História da Faculdade de Filosofia 
da Universidade Federal de Minas Gerais, foi possível dar o impulso 
final, que levará a obra, considerada por muitos ousada, ao término 
ou, pelo menos, muito perto dele.
Em cada volume estudaremos uma peculiar ideologia de 
influência no Brasil, segundo o método que temos adotado desde 
o princípio, e que vem exposto em nossa Teoria Geral da História. 
Isto é: a doutrina encarnada em instituições e sofrendo os efeitos 
da sociedade em sua realidade concreta. Alguns destes volumes 
tratam quase que tão somente de instituições – a ideologia ficou 
20 Interpretação da Realidade Brasileira
por assim dizer subjacente à ação, era uma ideologia de fato incons-
ciente. O “coronelismo”, por exemplo, embora tenha sido a ideo-
logia dominante na I República, nunca foi objeto de um corpo de 
doutrina, senão, talvez, e em alguns de seus aspectos, a política 
dos governadores, na obra tão ilustrativa de Campos Sales. Mas a 
base da mesma, o “coronelismo” como tal, nem ao menos mencio-
nado era, provocando, apenas, comentários azedos de jornalistas e 
políticos, que não compreendiam a sua realidade fundamental. Daí 
termos, no volume dedicado ao tema, mais um estudo da realidade 
social do “coronelismo” do que propriamente da ideologia “coro-
nelista”, que, na realidade, foi formulada post-mortem. Para que se 
tenha uma ideia de como o tema era pouco assinalado pelos con-
temporâneos, basta recordar que um dos poucos autores que, antes 
de 1930, tiveram a coragem de mencionar o assunto foi o príncipe 
D. Luís, em seus manifestos de pretendente ao trono e nos quais 
considera o coronelismo, de modo exemplarmente correto, como 
“feudalismo”.
Outros livros cuidarão mais de doutrinas do que de institui-
ções, por força da natureza dos temas.
No volume sobre a Igreja e o Estado, escrito primitivamente 
para uma coleção organizada pelo Prof. Luís Washington Vita, 
que nos pediu um volume sobre o tema Ideias Religiosas no Brasil, 
fixamo-nos não numa história do catolicismo, mas da visão política 
dos católicos brasileiros. Era a intenção da coleção ideada pelo filó-
sofo paulista e a nossa.
Finalmente, reunimos, em volume final, alguns estudos que 
achamos de utilidade aproveitar no conjunto.
No presente volume, de caráter introdutório, tentaremos um 
esboço de análise dos fundamentos de nossa cultura e faremos um 
levantamento geral das tentativas de interpretação da realidade 
brasileira, de preferência as que podemos considerar clássicas ou 
que se tornaram definitivas.
É o seguinte o plano geral de nossa História das Ideias Polí-
ticas no Brasil:
I – Interpretação da Realidade Brasileira1
II – A Igreja e a Sociedade Brasileira3
III – O Pensamento Político do Reino Unido 
IV – A Democracia Coroada3
V – Os Construtores do Império3
21
João Camilo de Oliveira Torres
VI – A Formação do Federalismo no Brasil3
VII – O Positivismo no Brasil3
VIII – O Presidencialismo no Brasil3
IX – A Vida Partidária no Brasil1
X – A Estratificação Social no Brasil3
XI – A Ideia Revolucionária no Brasil1
XII – Textos e Documentos Para a História da Monarquia no 
Brasil2
E ao paciente esforço do leitor que conseguir vencer as aspe-
rezas do caminho e chegar ao fim da viagem – sacrifício digno de 
louvor e glória – pedimos que não considere defeitos, falhas, omis-
sões, lacunas, mas o fato de ter sido a obra realizada quase sem 
ajuda e com toda sorte de obstáculos. Atente, principalmente, que 
quase todos os volumes da coleção foram os primeiros no gênero – 
ou sobre o tema, ou segundo o ângulo da História das Ideias.
Belo Horizonte, 29 de julho de 1966.
J.C.O.T. 
Notas
1. Livros concluídos ou em via de conclusão.
2. Livros parcialmente publicados (ensaios diversos a serem reunidos em um só tomo).
3. Livros publicados.
23
João Camilo de Oliveira Torres
I – INTRODUÇÃO
O primeiro problema para o estudo da gênese e difusão das 
doutrinas e ideias políticas é o da exata fixação dos termos – que 
devemos entender quando mencionamos certos termos como 
“ideologias”, “doutrinas”, “ideias políticas”. Como ninguém ignora, 
reina muita confusão a respeito. Daí ser necessário distinguir ideo-
logia e doutrina.
Todas as épocas possuem as suas palavras mágicas, que 
servem para justificar todas as coisas, e que todos nós empre-
gamos constantemente. Uma das que aparecem mais comumente 
nos artigos, nos livros, nos discursos e nas palestras é “ideologia”. 
De tal modo a palavra e, mesmo, o conceito deideologia vem 
impregnando a vida brasileira, que muitos consideram uma espécie 
de dever de ofício para políticos ou instituições ter uma ideologia.
Ora, as ideologias não se inventam – nascem em conse-
quência de situações; não são necessárias, mas constituem uma 
contingência muito comum, apenas. Apesar de sua aparência 
racional, quase uma tautologia ou redundância, etimologicamente 
falando, a ideologia, normalmente, e no sentido corrente da palavra, 
é, habitualmente, a expressão de estados afetivos e de ressonâncias 
emotivas, a partir de uma situação social. Uma ideologia, apesar do 
que aparenta o nome, não é um sistema coerente de ideias, mas, na 
verdade, a cristalização, mais ou menos conceitual, das maneiras 
de sentir e apreciar de uma comunidade qualquer. Max Scheler, em 
obra conhecida, estabelece um esquema que, lamentavelmente, não 
explorou com a sua acuidade característica, de “ídolos de classe”, 
que muito bem esclarece o problema. Aliás, ideologia faz lembrar 
mais os “ídolos” de Sir Francis Bacon, do que as ideias de Platão 
ou Aristóteles. Para Scheler, as pessoas, conforme a sua posição, 
de classe ascendente ou classe decadente, adotam determinadas 
maneiras de ver as coisas, geralmente adequadas a todas as pes-
soas na mesma situação. Assim, por exemplo, uma pessoa de classe 
ascendente tende a valorizar o futuro e colocar no porvir uma idade 
de ouro, que os da classe decadente colocam no passado. Admito, 
aliás, que nem sempre a referência à base é exata – mas a colocação 
é bem fundada. Há uma ideologia do futuro, outra do passado. 
24 Interpretação da Realidade Brasileira
Castro Alves fala na “esposa do porvir” e podemos, aliás, docu-
mentar longamente na obra do poeta uma grande quantidade de 
referências ao “porvir” como um estado em que as coisas estariam 
realizadas. A situação atual seria uma transição necessariamente 
desagradável e dolorosa entre um passado torvo e funesto – não por 
ter sido, acaso, mau, mas por ser passado – e um “porvir” radioso, em 
que as promessas teriam cumprimento. Ora, em face dele, Machado 
de Assis sai-se com esta estranha resposta a um amigo que criticara 
um trecho da cidade: “Feio, mas velho”. Ser velho, para Machado, 
era ser valioso: era grande e nobre o antigo. Aliás, Péguy, com muita 
acuidade, faz uma distinção que merece acolhida – entre “velho” e 
“antigo”. Ser velho é ser decadente, arcaico, desmantelado; ser antigo 
é ser nobre, ilustre e glorioso. Não elogiamos um homem, dizendo-o 
“velho”; honramo-lo, se o classificamos como um “ancião”.
Assim, considerar que o futuro, o porvir, vai realizar as pro-
messas; ou admitir que o passado, o pretérito, é que foi a golden 
age, eis posições ideológicas, simples ressonâncias afetivas de uma 
maneira geral de pensar e de sentir que ninguém poderá com-
provar. A primeira, aliás, é algo de muito evidente: não posso pre-
dizer o futuro. E se tiver meios de prever as tendências da História 
e fixar as linhas gerais da evolução, corro o risco de cair na situação 
do profeta Jonas – as minhas previsões sendo consideradas válidas, 
os homens se prevenirão, evitando as catástrofes. Em previsões 
humanas há o que se chama em Teologia profecia condicional, 
como a de Jonas: o profeta, em geral, é apedrejado se diz a verdade. 
Mas ocorrem, por vezes, novos reis de Nínive a fazer penitência e 
afastando assim o perigo...
Não tenho nenhuma prova de que o radioso porvir vai sig-
nificar um dia de sol depois de uma noite de tempestade: pode ser 
um dia tempestuoso depois de uma noite serena... Nós estamos 
sofrendo isto na própria carne: o século XIX profetizou mundos de 
luz sobre o século XX, que tem feito grandes coisas, mas não se 
parece em nada com as esperanças radiosas de nossos avós...
Igualmente, a justificação do passado, como passado, 
também nada prova. Podemos conhecer o passado e justificar o 
acerto de muitas coisas; podemos considerar como altamente notá-
veis as realizações dos homens que vieram antes de nós e dizer que 
tal ou qual solução foi genial e acertada. Ninguém, todavia, poderá 
valorizar uma situação pretérita em face do presente, e muito menos 
25
João Camilo de Oliveira Torres
considerá-la boa somente por ser velha. Os românticos achavam 
belíssimos os castelos medievais, com suas torres, suas barbacãs e 
seteiras (eu que sou um romântico incurável também os acho mara-
vilhosos). Mas o homem medieval talvez não achasse nada disto 
interessante, e no Renascimento tudo aquilo foi derrubado em nome 
de um gosto novo. E há a variação do gosto e dos padrões de conforto. 
O Palácio de Versalhes serve, hoje, de museu – alguém aceitaria o 
luxo de Luís XIV como “confortável” para o gosto moderno? Dizem 
que o conde de Paris, ao regressar do exílio, quis alojar a sua dúzia 
de filhos num dos belos castelos do Loire, creio que o de Amboise, 
que os faustosos reis do Renascimento francês haviam construído, 
ao longo de um dos mais belos rios do mundo. Desistiu logo: uma 
família moderna não se ajeitaria num palácio que, em tempos de 
Francisco I, era o máximo em matéria de gosto em todo o mundo...
São pois duas posições ideológicas, nenhuma exatamente 
bem fundada na razão – a de que História é um progresso conti-
nuado sempre no sentido de uma perfeição constante, ou que a 
História é uma decadência incessante, cedendo o homem, inexora-
velmente, ao chamado dos abismos de um futuro negro e terrível...
Este exemplo define bem o que seja uma ideologia – que 
não é necessariamente de classe. Há ideologias nacionais, há ideo-
logias políticas, sociais, etc. O mito da “república” na França, por 
exemplo. Não se discute objetivamente, friamente, a superiori-
dade de um sistema político sobre o outro – combate-se em favor 
ou contra a república, tomada mais como uma espécie de paraíso 
do que, exatamente, um tipo de governo. As pessoas impelidas por 
uma ideologia não raciocinam – irritam-se quando alguém procura 
mostrar a falta de consistência de sua posição ideológica. Em certos 
casos, não podemos provar a falta de fundamento de uma ideologia 
(caso da crença no progresso – não temos meios de demonstrar que 
o futuro será isto ou aquilo). Em outros, como no caso de regimes 
políticos, podemos argumentar – em pura perda, afinal.
Ora, se hoje cuidamos demasiado de ideologias, esquecemo-
-nos de que, acima de tudo, importam as doutrinas. Não é neces-
sário que tenhamos uma ideologia; até que, muitas vezes, estas 
são inconvenientes. Mas devemos ter uma doutrina. Mesmo que 
se funde sobre uma base indemonstrável, a doutrina é articulada 
racionalmente, de acordo com os princípios da Lógica. Por vezes 
acontece que uma ideia se torna objeto de uma ideologia ou de uma 
26 Interpretação da Realidade Brasileira
doutrina, indiferentemente. É o caso da democracia. Como ideo-
logia, a democracia é um estado de espírito, geralmente de con-
teúdo afetivo, sem fundamentos racionais, mas inspirando amor e 
dedicação. É a Democracia do Contrato Social, da Marselhesa, dos 
“soldados do ano II”, dos velhos discursos nossos conhecidos... 
Funda-se em posições não demonstráveis, ou mesmo falsas, como, 
por exemplo, a “soberania do povo”, ou de que a vontade geral é 
necessariamente boa, e muitos outros ideais. Rousseau não provou 
suas teses – mas durante gerações os homens aceitaram tranquila-
mente que, em “estado natural”, o homem vivia só e livre, a socie-
dade nascendo da abdicação destas liberdades individuais prévias. 
Para muita gente, até hoje, o povo deve escolher o melhor, e que 
a escolha popular não pode, necessariamente, conduzir senão à 
liberdade. Esta crença prevalece apesar dos exemplos em contrário 
e, mesmo, a observação de um dos mais inteligentes representantes 
do liberalismo radical em nosso tempo, o filósofo Alain, que nos 
lembra que o tirano pode ser eleito por sufrágio universal.
Por outro lado, há umadoutrina da democracia, racional-
mente fundada, que estabelece um corpo de argumentos para 
provar que o bem comum é o objetivo da política e que o governo 
deve fundar-se no consentimento dos governados...
Este exemplo, entre a ideologia democrática, de Rousseau e 
outros, e a doutrina democrática, como estabelecida, por exemplo, 
por Francisco Suárez, mostra muito bem como pode ser claramente 
feita a distinção entre ideologia e doutrina...
A proliferação das ideologias constitui um dos males de nosso 
tempo. Como a propaganda está se tornando, de maneira cada vez 
mais acentuada, a rainha do século XX, como o homem comum 
mal tem tempo de ler um jornal cheio de manchetes berrantes e 
de assistir a um programa de televisão, pouca gente dispondo de 
lazeres para ler verdadeiros tratados, como, também, as decisões 
nascem do concurso de multidões colossais, quase sempre com-
postas de pessoas que não podem fundar suas opiniões em princí-
pios logicamente estabelecidos, o resultado é que nós nos deixamos 
levar por simplificações ideológicas de todos os tipos, em lugar de 
raciocinar com base e consistência.
Nestas condições tornou-se um verdadeiro dever de quem 
escreve ou ensina colaborar para a formulação de doutrinas bem 
fundadas, estabelecendo corpos doutrinários rigorosamente cons-
27
João Camilo de Oliveira Torres
tituídos e metodicamente articulados, a fim de que se possa ter uma 
orientação segura. Importa, não há dúvida, demonstrar as ideolo-
gias; mas, como são muitas, como se sucedem rapidamente, como 
em geral possuem base sentimental e afetiva, irracional mesmo, 
não é simples coisa destruí-las e, muitas vezes, chega-se tarde na 
demonstração. Em certos casos, a consistência racional da ideo-
logia é praticamente nula e cairemos na mesma situação de quem 
procura provar a superioridade essencial de um quadro de futebol 
sobre outro: não a de uma equipe atual, composta de melhores 
jogadores, mas justificar as razões pelas quais um clube deve ser 
preferido a outro...
A melhor posição é a de apresentar a doutrina verdadeira, ou 
que achamos que o seja, demonstrando objetivamente as razões de 
nossa solução. Pode não ser fácil – há necessidades de estudos filo-
sóficos, sociológicos e históricos. Mas o problema não é o da faci-
lidade ou da dificuldade. Há um dever indeclinável no sentido da 
justificação da verdade. Há um dever de fugir a uma posição como-
dista e simplista, que consiste em evitar debate, sob a alegação de 
que os regimes políticos (se este é o problema) pouco importam.
Devemos evitar as ideologias e fundar em bases sólidas as 
doutrinas.
A doutrina, portanto, obra de um autor e organizada siste-
maticamente, distingue-se da ideologia, que é a aceitação, muitas 
vezes sem base racional, de um ponto de vista qualquer. Um aspecto, 
porém, não pode ser desprezado – muitas doutrinas nascem como 
ideologias. Ou melhor, na maioria dos casos, os pensadores mais 
sistemáticos não estabeleceram raciocínios a partir de uma ideia 
racional ou experimentalmente verificada. O ponto de partida de 
quase todos os sistemas políticos – e não diremos de todos, pelo 
fato de não se conhecer a origem de muitos – é uma intuição, de 
fundo não racional, motivada por um acontecimento de experiência 
pessoal do autor. A morte de Sócrates, por exemplo, gerou a repú-
blica aristocrática de Platão e não é por acaso que o grande diá-
logo começa com um debate em torno da justiça. Hobbes escreveu 
o Leviathan ao ver as crises e confusões da ditadura republicana de 
Cromwell e enquanto que os desastres da Revolução Francesa ins-
piraram as ideias autocráticas de Maistre, Bonnald, Auguste Comte 
e Balzac. Já o medo e a angústia provocada pela trágica opção que 
se abria aos franceses, entre o terror e a ditadura, levou Benjamim 
28 Interpretação da Realidade Brasileira
Constant à teoria do Poder Moderador para preservar a liberdade e 
a autoridade. Maquiavel e Dante elaboraram suas teorias em face 
da crise italiana de Medio Evo e Maurras associou Atenas à França 
e partiu daí para a teoria do neoabsolutismo. Igualmente, o bár-
baro direito criminal do século XVIII, contrastando com o policia-
mento dos costumes, gerou toda a literatura liberal e pré-liberal 
(Filangieri, Beccaria, Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Locke), e 
podemos ver que, mais do que um bom sistema de governo, a filo-
sofia política do século XVIII e da Aufklaerung procurava princi-
palmente garantir os homens contra o despotismo de uma injustiça 
cega e cruel.
São exemplos ao acaso: toda a História das Ideias Políticas 
nos mostra infinitos outros. Um filósofo, em face das desgraças de 
sua pátria, sofre um choque emocional e funda uma teoria política 
a partir desta emoção inicial.
29
João Camilo de Oliveira Torres
II – COMO NASCEM AS IDEOLOGIAS
Há uma observação de Marx sumamente interessante – se 
uma ideologia qualquer não se acha ligada a um interesse definido, 
cai no ridículo. É o fato que tanto tem apaixonado os autores e causa 
perplexidade a muitos – por que motivo soluções que se fundam em 
raciocínios que parecem perfeitos a seus autores não são aceitas? 
Como se explica a razão do que se poderia considerar “fé política”? 
Muitos livros deixam de ser lidos por certas pessoas unicamente 
pelo fato de serem conhecidas as posições básicas de seus autores, 
isto importando em condenações severas. Quase todo o mundo 
tem o seu lndex Librorum Prohibitorum, decretado por conta pró-
pria. O fato é tão alarmante que muitos indivíduos, no decorrer de 
sua vida, consideram irrelevante ou de suma importância, o debate 
sobre formas de governo, na melhor das intenções, simplesmente 
se o problema interessa ou não. Citemos o caso interessante do 
“ideólogo da república”, Alberto Sales. Quando pregava contra a 
monarquia, dizia que a questão da forma de governo era de suma 
importância; implantada a República, o assunto perdeu o interesse. 
Chegou, mesmo, a escrever que não se justificava o debate. Quer 
dizer: quando discutir formas de governo era uma arma contra o 
império, o tema era importante; quando poderia conduzir a pôr 
em dúvida a República, não interessava. Seria Alberto Sales insin-
cero ou desonesto? Certamente, nem uma nem outra coisa. Era 
um homem honesto, como a maioria dos que foram educados no 
império. O problema era, exatamente, o deste “mistério” das ori-
gens ideológicas. Deste fato de que geralmente não adotamos posi-
ções políticas na base de silogismos, mas por força de intuições de 
fundo inconsciente, a partir das quais construímos os silogismos.
Podemos dizer que as posições ideológicas nascem de um 
primado da vontade sobre o conhecimento, são atos fundados 
numa decisão da vontade (no sentido amplo, não apenas de “apetite 
intelectual”, para usar do jargão escolástico). Uma posição política 
é muito mais uma decisão do que uma deliberação.
A respeito das fundações afetivas do conhecimento, diz 
Scheler em página magistral, incorporada definitivamente nos 
grandes textos da filosofia:
30 Interpretação da Realidade Brasileira
[...] l’origine de tout acte intellectuel et de son contenu 
respectif d’image et de signification, de la plus simple 
perception sensitive jusq’aux formations mentales et aux 
représentations les plus complexes, non seulement dépend 
de l’existence des objets extérieurs et des réactions qu’ils 
provoquent (ou aux excitations reproductrices telles que 
le souvenir), mais, en outre, se trouve essentiellement 
et nécessairement lié aux actes de la prise d’intérêt et à 
l’attention que ces actes dirigent, et, en dernière analyse, 
aux actes de l’amour et de la haine. Par conséquent, cette 
psychologie, loin de considérer ces actes comme relevant 
d’un contenu sensitif, perceptif, antérieurement donnés 
dans la conscience (si bien que l’événement psychique serait 
dû à une activité purement intellectuelle),voit dans la prise 
d’intérêt à quelque chose, dans l’amour pour quelque chose, 
les actes primordiaux fondant tout autre acte par lequel 
notre esprit saisit un objet ‘possible’. Ils sont au principe 
des différents jugements, perceptions, représentations, 
souvenirs et intentions signifiantes se rapportant à un 
même objet.
De cette conception il y a lieu de retenir trois aspects: tout 
d’abord que sans une prise d’intérêt, soit volontaire, soit 
pulsionnelle, à un objet quelconque (intérêt de n’importe 
quel degré au-dessus de zéro) nulle sensation, nul sentiment, 
nulle représentation de cet objet n’est possible; ensuite, que 
le choix de ce qui nous parvient dans la perception actuelle de 
la sphère objectivement perceptible de l’objet, de même que 
le souvenir de ce à quoi nous pensons, est dirigé par l’intérêt, 
mais que cet intérêt lui-même reste déterminé par la haine 
ou l’amour que nous vouons à l’objet, autrement dit, que les 
directions de notre perception et de notre représentation 
se conforment à celles des actes de la prise d’intérêt, de 
notre amour et de notre haine; enfin et surtout, que toute 
accentuation de l’aspect et de la signification que prend 
pour nous tout objet se présentant à notre conscience est 
dépendante de l’intérêt et de l’amour allant en s’accentuant 
pour cet objet. Ces définitions ne renferment pas seulement 
ce fait évident que l’objet constant de nos pensées, de nos 
représentations, de notre souvenir ou de n’importe quoi 
d’autre est celui de notre amour. Si c’était là le sens exclusif 
de ces définitions, la prise d’intérêt et l’amour seraient alors 
conçus comme facteurs déformant notre image du monde, la 
31
João Camilo de Oliveira Torres
particularisant et nous rendant nous-mêmes plus ou moins 
aveugles. Tout indépendamment du fait que ces définitions 
concernent expressément la perception sensible, voire la 
sensation, donc la source originelle à laquelle s’alimente 
notre conscience de l’univers, elles établissent, bien plutôt 
que le contenu, la structure et l’ensemble des éléments 
de notre image du monde, se trouvent, dès le procès du 
devenir de toute image du monde concevable, déterminés 
par l’élaboration, la direction et la composition des actes de 
l’amour et de la prise d’intérêt. C’est donc, tout au contraire, 
d’un élargissement et d’un approfondissement antérieurs de 
la sphère de notre amour et de notre intérêt que dépendent 
l’approfondissement et l’élargissement de notre image du 
monde. Il se pourrait qu’une autre interprétation de cette 
doctrine n’attribuât son importance qu’au fait d’avoir tracé 
la “voie” étroite et subjectivement humaine par laquelle nous 
autres “humains” parvenons à la connaissance du monde. 
Dans ce cas, la doctrine augustinienne ne surpasserait 
guère essentiellement la doctrine platonicienne de l’Éros 
en tant que musagète philosophique, en tant que méthodes. 
Elle comporterait sans doute plus qu’une signification 
simplement psychologique; mais non point en même temps 
une portée métaphysique et ontique.1
33
João Camilo de Oliveira Torres
III – COMO SE PROPAGAM AS IDEOLOGIAS
O problema, fundamental, não está em saber como um deter-
minado cidadão adotou, de repente, uma posição ideológica – o que 
nos interessa é o fato de transformar-se uma doutrina em ideologia, 
de difundir-se afinal. Geralmente, quando lemos um livro e ele nos 
agrada, nos convence, nos estimula, isto significa que o autor disse, 
clara e explicitamente, o que já estava em nosso coração...
Vamos estabelecer algumas das razões básicas para a trans-
formação de uma doutrina em ideologia, razões que, igualmente, 
servem para explicar as motivações particulares e o nascimento 
das doutrinas nos mestres.
Podemos fixar as razões em duas categorias básicas: 
a) psicológicas; 
b) sociológicas. 
A) Causas Psicológicas
Há motivações psicológicas perfeitamente definidas. Talvez 
a mais importante das bases psicológicas para a formação de ideo-
logias é a ligada ao ressentimento, cuja importância Nietzsche e 
Scheler souberam estudar em páginas clássicas. Para resumir, 
podemos dizer que o ressentido nega o valor daquilo que não pode 
atingir. O ressentido passa a considerar mau o bom, pequeno o 
grande, feio o belo, simplesmente por estar fora do alcance de seu 
poder, como a raposa da fábula que considerou verdes as inatin-
gíveis uvas. É um caso de desvalorização de valores. Eis o que diz 
Scheler:
O ponto de partida mais importante na formação do res-
sentimento é o impulso de vingança. Já a palavra ‘res-
sentimento’ indica, como dissemos, que as emoções aqui 
referidas são emoções baseadas na prévia apreensão 
dos sentimentos alheios; isto é, que se trata de reações. 
Impulso reativo é, com efeito, o impulso de vingança, dife-
rentemente dos impulsos ativos e agressivos, de direção 
amistosa ou hostil. Um ataque ou uma ofensa precede a todo 
impulso de vingança. Mas o importante é que o impulso de 
vingança não coincide, em hipótese alguma, com o impulso 
para o contra-ataque ou defesa, mesmo quando esta reação 
vá acompanhada de cólera, furor ou indignação. Quando, 
34 Interpretação da Realidade Brasileira
por exemplo, um animal agredido morde seu agressor, isto 
não se pode chamar vingança. Tampouco o contra-ataque 
imediato a uma bofetada é vingança. Dois caracteres são 
essenciais para a existência da vingança: um refreamento 
e detenção, momentâneos pelo menos (ou que duram um 
tempo determinado), do contraimpulso imediato (e dos 
movimentos de cólera e furor enlaçados com ele), e um apra-
zamento da contrarreação para outro momento e situação 
mais apropriada (‘Você não perde por esperar...’). Este 
refreamento, porém, é devido à previsora consideração de 
que a contrarreação imediata seria fatal. Um caso de sen-
timento de ‘importância’ vai enlaçado, pois, com esta con-
sideração. A vingança em si é, pois, uma vivência que se 
baseia em outra vivência de impotência; sempre, portanto, 
sempre, coisa do ‘fraco’ em algum ponto. De resto per-
tence à essência da vingança o conter sempre a consciência 
de ‘isto por isto’, o não representar nunca, portanto, uma 
simples contrarreação acompanhada de emoções. Graças a 
estes dois caracteres, o impulso de vingança é o ponto de 
partida mais próprio para a formação do ressentimento. 
Nossa língua (alemã) estabelece finas diferenças. Desde o 
sentimento de vingança, passando pelo rancor, pela inveja 
e pela ojeriza, até à perfídia, corre uma gradação do senti-
mento e do impulso que chega à cercania do ressentimento 
propriamente dito. A vingança e a inveja têm objetos deter-
minados as mais das vezes. Estes modos da negação hostil 
necessitam motivos determinados para aparecer; estão 
ligados, em sua direção, a objetos determinados, de modo 
que desaparecem com o desaparecimento destes motivos. 
A vingança conseguida faz desaparecer o sentimento de vin-
gança, e, analogamente, o castigo daquele a quem aponta o 
impulso de vingança; por exemplo: o autocastigo. Também 
a inveja desaparece quando o bem pelo qual invejo alguém 
se faz meu. A ojeriza, ao contrário, é uma atitude, que não 
está ligada a objetos determinados, no mesmo sentido; não 
surge por motivos determinados, para desaparecer com 
eles. Antes, são buscados aqueles objetos e aqueles valores 
de coisas e pessoas, nos quais possa satisfazer-se a inveja. 
O rebaixá-lo e derrubá-lo de seu pedestal é próprio desta 
disposição. A crescente atenção que despertam os valores 
negativos de coisas e pessoas, justamente por aparecerem 
unidos com fortes valores positivos num e no mesmo objeto; 
35
João Camilo de Oliveira Torres
o deter-se nestes valores negativos, com um acentuado sen-
timento de prazer no fato de sua existência, converte-se 
numa forma fixa das vivências, na qual podem encontrar 
lugar as matérias mais diferentes. Em quem tem ojeriza,a 
experiência particular e concreta da vida toma essa forma 
ou estrutura, eleita como real entre a experiência somente 
possível. O despertar da inveja já não é o mero efeito de 
tal experiência, e a experiência se forma com total indife-
rença com relação a se seu objeto tem uma relação, direta 
ou indireta, com o possível dano ou proveito do indivíduo 
correspondente. Na ‘perfídia’, o impulso detrativo se fez 
mais fundo e mais íntimo ainda; está disposto sempre, por 
assim dizer, a saltar e adiantar-se num gesto impensado, 
num modo de sorrir, etc. Um caminho análogo vai desde a 
simples ‘alegria do mal alheio’ até a ‘maldade’; esta procura 
provocar novas ocasiões de alegrar-se do mal alheio, e se 
mostra já mais independente de objetos determinados que a 
alegria do mal alheio. Mas nada disto é ressentimento. São 
só estádios no processo de seus pontos de partida. O senti-
mento de vingança, a inveja, a ojeriza, a perfídia, a alegria 
do mal alheio e a maldade não entram na formação do res-
sentimento, senão ali onde não tem lugar nem uma vitória 
moral (na vingança, por exemplo, um verdadeiro perdão), 
nem uma ação ou – respectivamente – expressão ade-
quada da emoção em manifestações externas; por exemplo: 
insultos, movimentos dos punhos, etc.; e se não têm lugar, 
é porque uma consciência, ainda mais acusada da própria 
impotência, refreia semelhante ação ou expressão. Aquele 
que, ávido de vingança, é arrastado à ação por seu senti-
mento, e se vinga; aquele que odeia e causa um dano ao 
adversário, ou, pelo menos, lhe diz ‘sua opinião’ ou o ofende 
diante dos outros; o invejoso que procura adquirir o bem que 
inveja, mediante o trabalho, a trapaça ou o crime e a vio-
lência, não incorrem em ressentimento. A condição neces-
sária para que este surja dá-se tão só ali onde uma especial 
veemência destes afetos vai acompanhada pelo sentimento 
da impotência para traduzi-los em atividade; e então se 
‘exasperam’, seja por fraqueza corporal ou espiritual, seja 
por temor e pânico àquele a quem se referem tais emoções. 
O ressentimento fica circunscrito por sua base aos servos e 
dominados, aos que se arrastam e suplicam, em vão, contra o 
guante de uma autoridade. Quando se apresenta em outros, 
36 Interpretação da Realidade Brasileira
ou existe uma transmissão por contágio psíquico – espe-
cialmente fácil para o veneno psíquico do ressentimento, 
extraordinariamente contagioso –, ou há na pessoa um 
impulso violentamente reprimido, do qual o ressentimento 
toma seu ponto de partida e que se resolve nesta forma de 
uma personalidade ‘amargada’ ou ‘envenenada’. Quando 
um servidor maltratado pode ‘desafogar-se’ na copa, não 
incorre nessa ‘venenosidade’ interna que caracteriza o res-
sentimento; mas sim, ao contrário, quando é preciso ‘rir na 
tristeza’ (como tão plasticamente diz o brocardo) e sepulta 
em seu íntimo os afetos de repulsa e hostilidade.2
Há ressentimentos individuais, fenômeno muito conhecido, 
e ressentimentos coletivos, quando minorias, mesmo maiorias, 
religiosas, étnicas, ou políticas, passam a adotar uma posição de 
negação em face de um conjunto de valores, condenados em bloco. 
Os fenômenos são bem conhecidos, e, talvez, não precisemos 
documentá-los exaustivamente – e depois das finas análises de 
Scheler acerca do ressentimento da formação da moral, nada se 
precise dizer a respeito. Caso de ressentimento muito interessante 
que não tem sido considerado devidamente é o das relações entre 
os intelectuais e a sociedade industrial, e as pessoas que o estudam 
geralmente o fazem em função desse ressentimento, expressando, 
em suas análises, exatamente a situação que deve ser estudada obje-
tivamente. Trata-se do seguinte: numa sociedade essencialmente 
agrária, o intelectual, quase sempre, é um porta-voz dos agricul-
tores, impondo-lhes, todavia, seus pontos de vista – os agricultores, 
não podendo exercer o poder, pela distância entre as fazendas e as 
cidades, não sabendo manejar facilmente os conceitos e não conhe-
cendo os meios de ação, entregam-se em mãos dos intelectuais, que 
admiram. Numa sociedade industrializada, os homens de empresa, 
instalados no coração das cidades, sabendo manejar diretamente 
as alavancas do poder, reduzem os intelectuais à condição de ser-
vidores, como advogados, políticos, jornalistas, técnicos, etc. Não 
é curioso o fato de vermos os grandes intelectuais do século XIX 
hostilizarem as consequências econômicas do liberalismo? Se con-
siderarmos lado a lado, Karl Marx, o socialista, falando em nome 
do proletariado, Balzac, o legitimista, falando em nome da aristo-
cracia, vemos, sempre, o mesmo protesto contra a burguesia que 
37
João Camilo de Oliveira Torres
subia... Ambos expressão do mesmo ressentimento do intelectual 
contra o homem de empresa numa sociedade industrial.
Dois exemplos, nossos, e muito interessantes: como a Abo-
lição foi obra da Princesa Isabel, os fazendeiros começaram a votar 
nos candidatos republicanos – os valores próprios e essenciais da 
monarquia foram negados, em virtude da mágoa provocada pelo 
gesto da soberana... Outro: como reconhecer que a independência 
do Brasil foi obra da monarquia (D. Pedro I) e como isto seria, afinal, 
admitir a legitimidade essencial e indiscutível do regime monár-
quico, por motivos objetivamente fundados e livres de contestação, 
os historiadores republicanos se esforçam, constantemente, em 
retirar a importância da ação de D. Pedro, e procuram acentuar a 
posição do Tiradentes...
Mas não é o ressentimento a única influência psicológica 
na difusão das ideologias. Outra, muito importante, dá-nos a psi-
canálise. Os choques de vontade e os conflitos de autoridade sur-
gidos no seio da constelação familiar não são essencialmente de 
fundo erótico, mas ligados às tendências de autoafirmação, criam 
uma série de complexos, com importantes ressonâncias políticas. 
Podemos dizer que há um “complexo de Bruto”, que é a atitude 
antirrégia sistemática e universal. Começa com a agressividade do 
filho contra o pai, adianta-se no aluno contra o professor, e segue 
para a hostilidade permanente à autoridade como tal. É notório que 
as rainhas são bem recebidas e que os Bourbons e os Habsburgos 
tiveram maiores dificuldades modernamente, não por tendências 
absolutistas, mas por serem mais visivelmente afirmativos como 
homens e como reis. Certos casos como o do Brasil são quase verti-
ginosos – combatia-se, em D. Pedro II, acima de tudo a projeção da 
figura paternal...
Um fenômeno que confirma o fato é a tolerância ao ditador 
em face da agressividade ao rei, mesmo tranquilos e inócuos reis 
constitucionais. Um ditador pode mandar matar e fuzilar; mas, 
como seu poder nasce de circunstâncias ligadas à vontade dos 
homens, podemos tirar o ditador e pôr outro no lugar. Um rei nasce 
feito, não depende dos homens, não é criatura da vontade nossa. 
Não podemos aprofundar, aqui, toda a questão das ligações entre a 
psicanálise e as ideologias. O fato é conhecido e basta registrá-lo. 
E, não fora o medo da generalização e da simplificação, poderíamos 
dizer que o republicanismo e todas as formas de anarquismo 
38 Interpretação da Realidade Brasileira
e anomismo derivam de uma atitude de agressividade à figura 
paterna, e expressão do complexo de Édipo – e a aceitação dos 
valores de autoridade e de lei, um sinal de harmonia tranquila com 
o poder paterno. Auguste Comte, que não apreciava a discussão e o 
debate, e tinha em santo horror o “metafisismo democrático”, não 
queria uma realeza hereditária, mas uma ditadura, como não queria 
uma religião com um Deus, mas com uma deusa – a Humanidade...
B) Causas Sociais
A importância dos fundamentos sociais na formação e 
difusão das ideologias não precisa ser assinalada com muita ênfase, 
pois o marxismo elevou isto à condição de princípio universal, em 
bases por assim dizertotais e em proporções muito exageradas. 
O erro essencial do marxismo, no caso, pode ser capitulado em 
estabelecer uma ligação direta entre a classe social estritamente 
considerada e a ideologia e de haver transformado isto em princípio 
único, o que é, obviamente, falso. É, quiçá, perigoso afirmarmos 
existirem ideologias especificamente burguesas ou proletárias. 
Scheler, com mais objetividade e profundidade, fixa a questão em 
termos de “classe alta” e de “classe baixa”, melhor ainda, em “classe 
descendente” ou “classe ascendente”. Certamente há posições que 
podem ser tipicamente burguesas, mas podem ser de classe em luta 
para obtenção do poder, ou em luta para a conservação do poder. 
A classificação de Scheler é a seguinte:
1. Prospectivismo de los valores en la conciencia del tempo – 
clase baja; retrospectivismo – clase alta.
2. Punto de vista de la génesis – clase baja; punto de vista del 
ser – clase alta.
3. lnterpretación mecánica del mundo – clase baja; interpretación 
teleológica del mundo – clase alta.
4. Realismo (el mundo preponderantemente como “resistencia”) – 
clase baja; idealismo – clase alta (el mundo preponderantemente como 
“reino de ideas”).
5. Materialismo – clase baja; espiritualismo – clase alta.
6. Inducción, empirismo – clase baja; saber a priori, racionalismo 
– clase alta.
7. Pragmatismo – clase baja; intelectualismo – clase alta.
8. Visión optimista del futuro y retrospección pesimista – clase 
baja, perspectiva pesimista del futuro y retrospección optimista, 
“aquellos buenos tiempos” – clase alta.
39
João Camilo de Oliveira Torres
9. Modo de pensar que busca las contradicciones o modo de pensar 
“dialéctico” – clase baja; modo de pensar que busca la identidad – clase 
alta.
10. Pensar inspirado por la teoría del medio – clase baja; pensar 
nativista – clase alta.3
É, sem dúvida, arriscado fixarmo-nos em termos de classes 
definidas. Tomemos a ideologia liberal democrática. Como bem 
viu Auguste Comte, é uma arma de demolição e teve sua razão de 
ser na fase de destruição do absolutismo – mas torna-se incômoda 
depois. O filósofo do positivismo exemplifica, com suas ideias a 
respeito e sua posição pessoal, um fenômeno geral. Os homens 
que marcharam alegremente cantando a Marselhesa tornaram-se 
alarmados quando ouviram outros marchando sombriamente can-
tando a Internacional. Os argumentos que serviram contra o Direito 
Divino dos Reis e os privilégios da nobreza podiam ser usados 
contra os burgueses. E não há saída. Como tivemos, também, a 
perplexidade dos políticos republicanos da França, em face das 
revoltas anticolonialistas. Os argelinos e outros aplicaram contra 
a França os mesmos argumentos que os franceses aplicaram contra 
os seus reis...
Como ficaria um liberal de velha guarda, um republicano 
histórico, em face de um plebiscito favorável, visivelmente favo-
rável, à restauração da monarquia, ou mais gravemente ainda, 
que se definisse claramente em apoio a uma ditadura? A crise da 
política brasileira vem, grandemente, do fato de haver preferido o 
eleitorado em muitas eleições os homens do Estado Novo, criando, 
assim, geral confusão nos espíritos.
Além deste aspecto que, como vimos, Comte assinalou muito 
bem, tanto que era, no fim da vida, contra o “metafisismo demo-
crático”, bom para destruir e ruim para construir, temos outro, que 
devemos considerar.
Primeiramente a relação campo-cidade. Está fora de dúvida 
que a política sofre consideravelmente das influências do caráter 
agrário ou urbano da população. Eleições em meio rural, em 
pequenas e médias cidades, e em grandes metrópoles industria-
lizadas conduzem à formação de regimes políticos perfeitamente 
diferentes – são três realidades distintas. Aí entram em conta, de 
fato, muitos fatores – gênero de vida, concentração da população, 
densidade demográfica, etc. Aliás, Montesquieu já dizia que a 
40 Interpretação da Realidade Brasileira
república era o regime próprio às pequenas comunidades, a monar-
quia, às grandes e o despotismo, às enormes. Numa comunidade 
agrária, o eleitor será sempre um vassalo; nas cidades, o cidadão 
segundo os padrões medievais e liberais clássicos; nas metrópoles, 
o indivíduo-massa, simples unidade atomizada.
Basta o exemplo da propaganda: ela somente surtirá efeito em 
grandes concentrações. Como aplicar a propaganda aos moradores 
de uma comunidade reduzida, principalmente de uma comunidade 
rural, de casas esparsas? Modernamente o rádio permite uma pro-
paganda atingindo o meio rural, mas aí temos todos os moradores 
de uma região e de um país – não os membros da mesma comu-
nidade rural. Não será a propaganda aplicada aos moradores do 
vale do rio Tanque – mas a todos os lavradores do vale do rio Doce. 
Um candidato local não poderá usar da propaganda, embora possa 
conversar com todos os homens. Um candidato nacional poderá 
aplicar a propaganda – mas aí a região se diluirá na confusão geral. 
(O rádio está permitindo um fenômeno novo – a massificação de 
indivíduos separados, a formação de multidões de indivíduos que se 
ignoram, mas que estão sujeitos aos mesmos fenômenos que fazem 
a psicologia das multidões.)
A difusão, portanto, de uma ideologia que, em linguagem 
filosófica, deve ser identificada à doxa, ou “opinião”, dos antigos, 
depende, portanto, de circunstâncias diversas, não da força probante 
dos raciocínios, aos quais, em geral, ninguém dá muita importância.
Certamente não se poderá, nunca, fixar as razões concretas 
pelas quais um determinado sujeito adota esta ou aquela posição, 
mas podemos achar perfeitamente natural que um comerciante, 
que se fez por seu esforço, seja republicano e que um agricultor, 
cuja riqueza depende de fatores naturais, do tempo, das estações, 
da fecundidade da terra e dos animais, seja monarquista, por ser um 
modo de sucessão que segue os mesmos processos que a natureza.
A definição de uma pessoa concreta ou de uma certa categoria 
de indivíduos, vale dizer, uma classe, relativa a uma posição polí-
tica, é uma afirmação de valores e, assim, está ligada a estados afe-
tivos. Certamente são estados afetivos que determinam os valores 
que aceita uma pessoa, são eles que revelam os valores. Toda a obra 
de Scheler – e é o filósofo por excelência destas questões – nos diz 
em muitos tons e acordes a mesma coisa: os valores nos são dados 
por nossos estados afetivos, é o amor ou ódio que revelam o valor 
41
João Camilo de Oliveira Torres
ou o desvalor de uma coisa. Ora, as razões que levam o homem a 
amar ou a odiar concretamente nos são desconhecidas – só Deus, 
“que sonda os rins e o coração dos homens”, pode saber, efetiva-
mente, como e porque um homem determinado formulou a decisão 
valorativa concreta.
Ninguém, esta a verdade, se define racionalmente a respeito 
de regimes e soluções políticas, mas pelas razões do coração – daí 
preferirem os homens as ilusões da liberdade à liberdade efetiva, 
daí preferirem um mau governo que se funda em motivos passio-
nais, no ódio ao estrangeiro, aos “burgueses”, aos “judeus”, ou a 
qualquer outra espécie de bode expiatório, a um governo racional 
que nos resolva os problemas, mas não nos aquece o coração. Daí 
Salvador de Madariaga, com desconsolada filosofia de castelhano, 
dizer que “países excessivamente bem administrados produzem o 
tédio”. Não é importante o fato de que o “securitismo” escandinavo, 
que resolveu os problemas sociais e econômicos de nosso tempo, 
não despertar entusiasmo nos jovens, nem ter produzido farta lite-
ratura, embora apresentando soluções verdadeiramente revolucio-
nárias, enquanto o regime de Fidel Castro, que nada resolveu até 
agora, e ter cometido crimes vários, seja a coisa mais conhecida da 
América Latina, hoje? A razão é simples: na Suécia adotam soluções 
frias, como o gelo – embora resolvendo. Castro fala às paixões dos 
homens,e não às inteligências... E em política, como em qualquer 
atividade ligada à fixação de valores, “o coração tem razões que a 
inteligência desconhece”.
Notas
1. M. Scheler, Le Sens de la Souffrance. Paris, 1936, p. 176-177.
2. Apud Luís Washington Vita, Momentos Decisivos do Pensamento Filosófico. S. Paulo, 
1964, p. 426.
3. M. Scheler, Sociologia del Saber. B. Aires, 1947, p. 192.
Parte 1
Fundamentos 
da Cultura 
Brasileira
45
João Camilo de Oliveira Torres
CAPÍTULO I 
“DE CIÊNCIA CERTA E PODER ABSOLUTO...”
1. O primado do rei na formação brasileira 
O eminente senador Vergueiro, representante de São Paulo 
na Câmara vitalícia do império e membro da primeira regência 
trina, proclamou certa vez uma verdade de pensador político e não 
apenas de estadista: “Todos sabemos bem que as agitações que 
têm havido entre nós... procedem de havermos antecipado a nossa 
organização política à social”. Outro grande estadista do tempo, 
também senador, agora mineiro, o ilustre Bernardo Pereira de 
Vasconcelos, concorda com Vergueiro, e, no mesmo dia, confirma 
que “as desgraças do país” vieram de “terem as reformas políticas 
precedido as reformas sociais”.1 Isto foi dito em 12 de julho de 1841. 
Poderia ter sido repetido ontem, por senadores mineiros e paulistas 
de hoje, que a palavra não teria sido inadequada.
Em 1922, quando os intelectuais brasileiros procuravam 
fazer o balanço da nacionalidade, ao primeiro centenário da inde-
pendência, o jovem Alceu Amoroso Lima, certamente sem conhecer 
o texto de Vergueiro, o confirmaria de modo amplo, estendendo a 
tese a todas as instituições:
Foi-se vendo pouco a pouco – e até hoje o vemos ainda com 
surpresa, por vezes – que o Brasil se formara às avessas, 
começara pelo fim. Tivera coroa antes de ter povo. Tivera 
parlamentarismo antes de ter eleições. Tivera escolas supe-
riores antes de ter alfabetismo. Tivera bancos antes de ter 
economias. Tivera salões antes de ter educação popular. 
Tivera artistas antes de ter arte. Tivera conceito exterior 
antes de ter consciência interna. Fizera empréstimos antes 
de ter riqueza consolidada. Aspirara a potência mundial 
antes de ter a paz e a força interior. Começara em quase tudo 
pelo fim. Fora uma obra de inversão, produto, como vimos, 
de um longo oficialismo.2 
E poderíamos nós, com algumas revoluções de permeio, acres-
centar: “tivemos legislação trabalhista antes de haver proletariado”... 
A legislação trabalhista ilustra grandemente o fato. Quando foi 
46 Interpretação da Realidade Brasileira
instituída, quase que por doação do governo – tanto assim que os 
trabalhadores a aceitaram como dádiva e expressão da munificência 
oficial – vivíamos, no comércio, ainda sob o regime patriarcal das 
lojas em estilo português e a grande indústria constituía algumas 
escassas manchas aqui e ali. O sindicalismo era apenas esboçado e 
atingindo classes especiais, mais politizadas, como a dos gráficos. 
E não é significativo o fato de que o IAPC possua mais segurados de 
classe média do que de proletários no sentido técnico da palavra? 
Outro aspecto curioso: o sindicato, no Brasil, não surge da livre ini-
ciativa dos associados – a sua organização é regulamentada por lei, 
e só é sindicato a entidade devidamente aprovada pelo Ministério do 
Trabalho, que exerce uma suprema inspeção sobre a vida sindical. 
Ora, esta organização é bem aceita e os grupos interessados, geral-
mente, resistem às tentativas de modificá-la, seja em que sentido for, 
tentativas sempre levantadas por pessoas fora dos meios sindicais 
e operários. Esse sindicalismo oficializado e esse movimento traba-
lhista entrosado com a máquina governamental não constituiriam, 
talvez, fatos únicos. Acreditamos, porém, que a verdadeira anomalia, 
nunca estudada completamente, estará no apelo ao governo por parte 
das classes patronais. Trata-se de um lugar-comum universalmente 
admitido o da aliança entre o liberalismo econômico e o capitalismo. 
O teórico do neoliberalismo, Ludwig von Mises escreveu que um 
dirigente de empresa que recorresse ao governo em defesa de seus 
interesses estaria cometendo um suicídio ideológico total. Trata-se, 
assim, de verdade evidente por si mesma e que reflete uma situação 
universal, e cuja explanação encontramos por assim dizer em todos 
os livros: as classes patronais são contra o intervencionismo, que 
lhes compromete a liberdade de movimentos, e são partidárias da 
free enterprise, condição de progresso na base da livre concorrência. 
No Brasil, porém, em plena belle époque, os produtores de café se 
organizaram e conseguiram do governo a montagem de um meca-
nismo destinado a manter os preços, artificialmente, no mercado 
internacional, jogando pela janela os princípios do livre-cambismo, 
da divisão do trabalho no campo internacional, da economia de mer-
cado e da lei da oferta e da procura. O Convênio de Taubaté significa, 
no Brasil, o repúdio mais formal aos princípios manchesterianos, não 
em nome de operários, mas de patrões. A justificação, feita por um 
dos mais lúcidos estadistas do grupo chamado do Jardim da Infância, 
que gravitava em torno da nobre figura do Conselheiro Afonso Pena, 
47
João Camilo de Oliveira Torres
com a tranquila paz de um homem que escrevia num tempo em que 
todas as colunas do universo pareciam estáveis para sempre, uni-
verso que, daí a dois ou três anos, seria sacudido por Deus como um 
tapete velho e atirado fora, expõe lisamente a sua posição:
De excepcional valor para a vida econômica da nação pela 
relevância e complexidade das questões que agita e pela alta 
responsabilidade de que estão investidos os seus promo-
tores, a iniciativa que assumiram os chefes dos três grandes 
Estados da União esboça uma fase, nova entre nós, de ação 
fecunda e decisiva por parte dos poderes públicos no revi-
goramento da principal das nossas fontes de riqueza a que 
deve o país cerca de metade de seus valores exportáveis e a 
sua quase única moeda internacional.
A situação penosa em que se encontra há anos a lavoura 
cafeeira deixou de ser um problema obscuro cujos termos 
carecem de nitidez e cuja revelação se fazia sentir na prática 
pelo depauperamento e ruína daquela indústria, sem acordo 
razoável quanto à eficácia dos meios a opor como resistência 
ao mal.
O conhecimento mais perfeito das estatísticas de produção, 
de consumo, do vulto e movimento dos estoques, do meca-
nismo comercial por cujas complicadas engrenagens passa o 
café desde o produtor até o consumidor definitivo, estudos e 
observações pacientemente feitos – assaz autorizam a espe-
rança de solução positiva que ampare o trabalho e os valores 
opulentos que a indústria cafeeira representa.
As disposições que estabelece o convênio, no que particu-
larmente respeitam à regularização do comércio do café e 
desenvolvimento do seu consumo, não podem ser acoimadas 
de aventurosas tentativas inspiradas mais pela urgência 
do momento e por interesses meramente regionais ou de 
classe, do que por convicções amadurecidas no estudo e pelo 
benefício que delas se espera para todo o trabalho nacional.
A crise agrícola teve, sem dúvida, a sua origem no desequilí-
brio entre a massa da produção e as exigências do consumo. 
Mas, como bem se observou, o aumento da produção, o 
aumento, em proporção menor, do consumo são fatos mate-
riais que deveriam traduzir-se em cifras, mas obedecendo 
a uma marcha mais ou menos regular; os estoques visíveis 
deveriam constituir outro fator de apreciação, mas esses 
48 Interpretação da Realidade Brasileira
resultados deveriam ter uma aparência ao menos de norma-
lidade e tal aparência não existe, sendo, ao contrário, subs-
tituída por variações despropositadas e inexplicáveis.
Moderar a produção e melhorá-la, ampliar o consumo e gra-
duar a oferta por tempo determinado, até restabelecer-se o 
equilíbrioperdido, não são meios artificiais contrários aos 
bons métodos econômicos.
Certamente que a própria ação do tempo, agravando cada vez 
mais as condições do lavrador indefeso, tenderia a nivelar a 
produção e o consumo sem necessidade da intervenção do 
Estado, nem aplicação de engenhosos aparelhos econômicos.
Seria a livre ação impiedosa das leis naturais eficaz, sem 
dúvida, mas permitindo que continuem, na frase de emi-
nente brasileiro, ‘a horrorosa liquidação por cujas entrosas 
vai passando esmagada a nossa lavoura, a cessação do tra-
balho numa parte imensa de nossos estabelecimentos agrí-
colas, a absorção de inumeráveis fortunas rurais no estô-
mago insaciável da onzena, a substituição dos pequenos 
patrimônios independentes pelos grandes sindicatos e a 
transmissão progressiva das nossas propriedades territo-
riais a mãos estrangeiras’. 
Da valorização do café, ou da fixação temporária de um 
preço mínimo a essa mercadoria, pode sorrir a economia 
clássica, limitada aos fenômenos elementares da mecânica 
dos preços, porque nenhum produto pode ter valor arbi-
trário e porque os preços obedecem a regras conhecidas às 
quais seria preciso abrir exceções que se não compadecem 
com a rigidez dos princípios.
Mas, no mercado mundial da oferta do café, representa o 
Brasil uma exceção de fato, como produtor que goza de um 
quase monopólio instituído pelas condições naturais que o 
favorecem.
A possibilidade de agir com êxito feliz sobre os mercados de 
consumo, graduando-lhes o suprimento e mantendo, com 
eficácia, um certo limite aos preços, provém exatamente 
daquela circunstância de exceção.
Consegue assim o nosso país, exclusivamente por liberalidades 
da natureza, colocar-se independentemente dos excessos da 
concorrência, concentrando a grande força da produção – ideal 
a que a indústria moderna procura atingir por meio de asso-
49
João Camilo de Oliveira Torres
ciações comerciais e organismos complicados que reduzem 
ao mínimo a concorrência, que influem poderosamente sobre 
os mercados e que constituem, no dizer de um economista, 
um dos fenômenos econômicos mais consideráveis da época 
contemporânea.
São organizações que, revestindo formas diversas, operam, 
às vezes, como verdadeiros tratados de aliança entre pro-
dutores tendentes à diminuição do custo de produção e à 
fixação de um preço mínimo de venda e outras, como inte-
gração de todas as empresas do mesmo gênero ou da maioria 
delas; com o intuito de fazerem prevalecer uma vontade 
única no mercado dos preços e governá-lo soberanamente. 
Centralizar a produção é o primeiro elemento; coordenar-lhe 
as forças com um fim determinado é outro.
Do primeiro dispõe o nosso país; do segundo é que justa-
mente cogita o Convênio de Taubaté.
Labutando na crise que os arruína; sem as vantagens que 
normalmente proporcionam às indústrias os aparelhos de 
crédito correspondentes, em constante intranquilidade e 
insegurança, os nossos lavradores de café representam forças 
isoladas, dispersas e, por isso mesmo, incapazes de profícua 
resistência, de eficaz solidariedade e cooperação de esforços.
Em outros países, poderiam os produtores apelar para a sua 
própria energia, harmonizando seus interesses, sua ação 
e organizando a cooperação em proveito da coletividade. 
Entre nós – por enquanto – não passa o cooperativismo de 
uma vaga e sedutora aspiração.
Nos países ricos, de forte organização comercial, dizia o 
Sr. Presidente da República na sua mensagem de 1903 ao 
Congresso Nacional, estas crises são facilmente combatidas 
pela ação comum dos interessados para regular as condições 
da oferta e circulação dos produtos. Os que, entretanto, e 
essa é a nossa situação, não dispõem de bons elementos de 
defesa, se podem contrariar os efeitos da crise diminuindo 
o volume dos estoques, pela eliminação das impurezas e 
qualidades baixas do café, beneficiando melhor o que se 
destina à exportação e reduzindo ao mínimo os gastos para 
produzi-lo, não podem prescindir do concurso dos poderes 
públicos para auxiliar os lavradores na organização daquela 
resistência e remover os embaraços que entorpecem o 
50 Interpretação da Realidade Brasileira
desenvolvimento da grande indústria ou submetendo-a a 
um regime fiscal atrofiante, ou sobrecarregando o produtor 
de ônus exagerados.
Infelizmente não oferece ainda o nosso meio econômico 
condições propícias à implantação e desenvolvimento 
desses organismos delicados de solidariedade e cooperação, 
que tão exuberantemente prosperam e frutificam em socie-
dades mais densas, onde a iniciativa particular e o espírito 
de associação são vivos e generalizados.
Cabe, neste particular, ao Estado, como órgão de coor-
denação dos interesses coletivos, um papel supletivo que 
amplamente se justifica, como necessário à prosperidade e 
desenvolvimento econômico do país.
Não podem servir de embaraço – mormente em países 
novos como o nosso – preocupações doutrinárias, incapazes 
aliás de soluções irredutíveis, sobre intervenções oficiais no 
mundo econômico. 
Seja o Estado uma simples instituição de polícia e de boa 
ordem, seja efetivamente uma máquina de progresso, não se 
pode sensatamente reduzi-lo, entre nós, ao invariável papel 
de demitir-se solenemente diante de cada dificuldade que 
aparece e que joga com os mais elevados interesses da nação.
Principalmente nas crises econômicas e financeiras, a inter-
venção do Estado tem sido frequente e salutar.
Se fôssemos, modernamente, colecionar pronunciamentos 
de entidades patronais em favor da intervenção estatal iríamos 
longe – e, curiosamente, são tímidos os protestos de entidades de 
empregadores quando divergem do governo. Se tomarmos os anais 
da Associação Comercial de Minas, por exemplo, verificaremos que 
o comércio de Belo Horizonte considera perfeitamente legítimo, 
em si, o direito de intervenção, sujeito, naturalmente, a ressalvas, 
como qualquer outro...
Um fato que causou funda impressão ao autor destas linhas, 
que vinha de estudar o pensamento de Von Mises: quando, no 
governo Milton Campos, começou em Minas, a organizar-se o sis-
tema estadual de eletricidade, na base de companhias de economia 
mista, montando-se o esquema que veio a constituir a atual Cemig, 
ao ser lançada a primeira delas, que teria por base as quedas do 
Salto Grande, no rio Santo Antônio, logo a Companhia Força e Luz 
51
João Camilo de Oliveira Torres
de Minas, concessionária em Belo Horizonte, e ligada ao grupo 
americano da Bond and Share, adquiriu um respeitável lote de 
ações. O capitalismo privado e estrangeiro interessado num pro-
grama governamental, que representava a intervenção e a nacio-
nalização no próprio ramo de negócios em que operava a empresa...
Uma das consequências desta situação de reconhecimento 
expresso, por parte do povo, da legitimidade e da prioridade da 
ação oficial está na fé que o brasileiro médio deposita “no governo”. 
Um dos aspectos curiosos é revelado pelo insistente mito do herói-
-salvador. Raro o brasileiro que não acredita em alguém “que vai 
salvar o país”. Ou, pelo menos, numa revolução salvadora – sempre 
se espera algo de uma ação política que será a definitiva realização 
de todas as aspirações coletivas.
Ora, o século XIX legou-nos uma verdade que não devíamos 
desprezar: o fundamento da liberdade é a soberania da razão, 
nunca a soberania da vontade – seja do povo, seja do rei, seja de um 
homem de gênio...
Esta crença nacional na legitimidade do poder, no seu pri-
mado ontológico, foi-me revelada na primeira lição de filosofia 
política, em dias distantes da adolescência itabirana... Deu-ma, 
enquanto a tarde caía lá fora, envolvendo de sombras o vale natal, 
crepúsculo que não era apenas de um dia de verão, mas de um mundo 
que desaparecia, o velho Luís Camilo de Oliveira Pena, ao sintetizar 
a experiência haurida em váriasdécadas de vida municipal: “Se os 
homens fossem perfeitos, o regime ideal seria a monarquia absoluta. 
Mas, como os reis são sujeitos a erros, precisamos de constituições 
para limitar-lhes o poder”. E depois de uma pausa, como a querer 
esclarecer dúvidas: “Mas, nada de fidalguias”. Estas palavras, profe-
ridas nos últimos dias do regime de 1891, da “república velha” e seus 
“coronéis”, encerravam, não somente a filosofia política do mundo 
agrário e conservador dos antigos mineiros, mas uma verdade pro-
funda de toda nossa civilização e é, sem dúvida, a mais correta abor-
dagem do tema central de política. O poder é um fato originário, 
fato normal, natural, benéfico. Existe por si e para o bem comum, 
de que é condição, causa formal e razão de ser. Não uma anomalia, 
algo que surge a posteriori, talvez ratione peccati, uma excrescência 
ou absurdo. Para que a sociedade exista, impõe-se o poder, como 
necessidade lógica e exigência da ordem. Não se admite como fato 
real, como dado do mundo dos homens, uma sociedade de homens 
52 Interpretação da Realidade Brasileira
efetivamente autônomos, isto é, fazendo sua própria lei, no seio da 
qual brotasse o poder. Nem muito menos um mundo de homens des-
ligados uns dos outros, sem lei nem roque, an-arquicos, que, depois, 
fizessem a sua própria ordem, a sua própria lei, a sua própria autori-
dade. No princípio o poder organiza a sociedade, e ela, então, começa 
a existir à sombra do fator de unificação...
Como se vê, trata-se de uma colocação situada, exatamente, 
nos antípodas da posição pessimista, atribuída a Santo Agos-
tinho, que coloca o poder como efeito do pecado. O poder é um 
bem, condição da vida social. É o fato fundamental – se os homens 
não fossem inclinados à tirania, à cobiça, ao aproveitamento das 
vantagens menos nobres do poder, o justo seria entregar-se a um 
único homem, que detivesse a plenitude da autoridade, o poder 
sem limitações de qualquer espécie, nem funcionais (separação de 
poderes) ou temporais (mandatos fixos). O dado essencial, assim, é 
a plenitude soberana. Mas, como há os riscos inerentes à condição 
humana, limite-se o poder, para evitar o abuso. Quer dizer: o poder 
é o fato primitivo – o fato posterior e secundário, a limitação do 
poder. Não há, talvez, melhor demonstração de confiança na legiti-
midade da ação do poder, melhor prova de que a autoridade, em si, 
é expressão da perfeição do corpo político do que esta doutrina, que 
considera a autoridade soberana e absoluta como a normalidade e 
a limitação da autoridade como expressão de carência e fraqueza. 
Não seria o poder, consonante a doutrina pessimista, mas a demo-
cracia, a limitação do poder, que viria ratione peccati.
O brasileiro, assim, acredita no poder – e com razão, pois toda 
a sua história é a história de uma desalienação pelo poder: a pro-
teção dos senhores reis de Portugal garantiu a sobrevivência dos 
moradores no período colonial, D. João VI elevou o Brasil a reino, 
deu-lhe categoria de nação e mil benefícios; D. Pedro I concedeu-lhe 
as liberdades essenciais, do decreto de 12 de julho de 1821, que esta-
beleceu a liberdade de imprensa, a Constituição que nos deu o Estado 
Liberal de Direito, assim como a independência. Se o império foi flor 
de requintado liberalismo, isto se deve mais à maneira perfeita com 
que D. Pedro II foi o Poder Moderador, do que ao esforço dos liberais. 
D. Isabel fez a abolição. A federação foi decretada por uma ditadura. 
E outra criou quase toda a legislação trabalhista...
53
João Camilo de Oliveira Torres
Se esta versão não correspondesse à verdade objetiva dos 
fatos de um modo geral, não fosse a lei natural das sociedades polí-
ticas, sê-lo-ia pelo menos com relação à nossa formação.
Mas não era uma anomalia brasileira – cumpria-se aqui o des-
tino português. Portugal foi uma empresa de seus reis; os grandes 
feitos da história lusitana, obra da coroa, a ponto de Manuel Nunes 
Dias, em obra recente, extraordinariamente documentada, deno-
minar “capitalismo monárquico” o regime português ao tempo dos 
grandes descobrimentos, ou sempre. De qualquer modo, é ponto 
pacífico, que o Estado, como entidade soberana e abstrata, como 
a entendemos hoje, nasceu em Portugal, com a gloriosa revo-
lução popular do Mestre de Avis, tomando figura definitiva com 
D. João II – o príncipe perfeito, isto é, acabado, realizado.
A própria organização militar da primeira dinastia, em que 
o rei comanda exércitos, revela, claramente, tais diretrizes 
de conquista e colonização. O militar conquista e assegura a 
defesa das terras que o colono valoriza. O português nasceu 
guerreiro e colonizador. Soldado e povoador, constrói os 
fundamentos de uma autêntica e original monarquia colo-
nizadora, de desenvolvimento simultâneo rural e marítimo.
À medida que o organismo político-econômico se vai desen-
volvendo, organizando-se sob o comando único da realeza, o 
monarca vai reduzindo, e mesmo anulando, a ação daqueles 
elementos que lhe haviam sido indispensáveis nas aflitivas 
horas da conquista, colonização e defesa do território.3
E acrescenta para a política ultramarina:
A coroa, só ela e mais ninguém, dirige a empresa que é 
seu patrimônio inalienável. As terras descobertas, como 
se fossem conquistadas, pertenciam, de direito e de fato, à 
monarquia. Senhora das terras e dos homens, é-o, também, 
das rotas e do tráfico. Do exclusivo domínio sobre as 
descobertas e conquistas decorre, naturalmente, o mono-
pólio do comércio, que leva ao capitalismo monárquico, sis-
tema experimental de exploração econômica ultramarina.
Do novo patrimônio advém nova riqueza, geradora de força 
política e econômica. Os novos homens e as novas terras, 
com as suas mercadorias altamente comerciáveis, amea-
lhadas pelo monarca, aumentam, consideravelmente, a 
54 Interpretação da Realidade Brasileira
padronádiga da coroa. A soberania da realeza não só é man-
tida mas largamente dilatada.4
O Brasil oficialmente entrou a existir quando D. João III, o 
Povoador, nomeou Tomé de Sousa governador geral do Brasil. Este 
fidalgo chegou à Bahia trazendo uma espécie de Constituição para 
o país, o famoso Regimento do Governo, um ministro da Justiça 
(o ouvidor-mor), um ministro da Fazenda (o provedor-mor), o poder 
espiritual, no clero, soldados, e fundou a cidade de Salvador, que 
logo passou a ter, inclusive, uma câmara municipal. Era o Estado 
do Brasil, que nascia com todos os órgãos que um governo que 
se preza deve ter. Notava-se, apenas, uma ligeira ausência, uma 
sombra no conjunto: não havia povo. A rigor, não havia o Brasil 
que o governador geral devia governar – um litoral mal conhecido, 
com alguns pontos de povoamento, alguns postos de contraban-
distas, e no interior a mataria selvagem e desconhecida – e índios 
ferozes. A História tem conhecido casos de precedência ontológica 
do Estado ao povo – mas ao povo como entidade organizada, a res 
publica dos antigos. Sempre havia uma espécie de multidão, amorfa 
e difusa, sobre a qual a autoridade se exerceria, consolidando o 
poder. Mas, no Brasil, o fato realmente espantoso era o da prece-
dência física do Estado ao povo; não havia, a rigor, ninguém para 
ser governado pelo nosso estimável Tomé de Sousa. Este famoso 
“barão assinalado” conheceu um fato que, tirante fábulas antigas, 
raramente deve ter acontecido: um governante que desembarca no 
espaço vazio, chegando primeiro que seus governados, e constrói 
no mato a sua capital.
Tivemos o Estado antes de ter povo, esta a verdade.
Dando um salto no tempo, vamos encontrar um fato que, se 
não deixou marca profunda na vida nacional, passa, geralmente, 
e com razão, por ser uma das primeiras demonstrações de que 
este povo que veio atrás de Tomé de Sousa começava a sentir-se 
“um” povo, diferente das populações originárias. A Inconfidência 
Mineira foi, na opinião de muitos historiadores,

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