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Resenha: Neoliberalismo e criminalização da pobreza (Loic Wacquant)

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Resenha: Neoliberalismo e criminalização da pobreza.
Loic Wacquant
 Loic Wacquant inicia sua obra chamando a atenção para o fato de a ênfase dos governos nana divulgação dos gasto público, sob a rubrica de “Segurança criminal”, surgiu repentinamente no final do século XX, entre os países da União Europeia, entre os quais e no primeiro plano a França.
 Ironicamente, o autor destaca que esse tipo de gasto público foi associado ao que ficou conhecido, no governo do 1º ministro Jean-Pierre Raffarin (em 2002-2005), de “gesta pornográfica” e “pornografia penal”: um processo de midiatização da violência associado a um projeto do governo para gastar altas somas de dinheiro na construção e proliferação de presídios na França. Fortemente criticado, Raffarin substituiu o secretário encarregado da missão.
 Pornografia penal ou gesta pornográfica: a crítica feminista ao projeto de Raffarin fez uma alusão às cenas ensaiadas dos filmes pornôs que, extraordinariamente repetitivas, mecânicas, uniformes, são eminentemente previsíveis. 
 Segundo o autor, esta “Pornografia Penal” consiste fenômeno, atual e generalizado, do Estado neoliberal de investir grandes somas de dinheiro sob a rubrica de segurança, “concebida e executada não tanto por ela mesma, mas sim com a finalidade expressa de ser exibida e vista. A prioridade absoluta é fazer dela um espetáculo, no sentido próprio do termo (Wacquant, p.9). 
 Ainda segundo Wacquant, para que tal política se efetive, as palavras e ações anticrime devem ser metodicamente colocadas em cena (na imprensa), dramatizadas e mesmo ritualizadas (Wacquant P.10). 
 Wacquant observa que o “Estado de bem estar social” ou “Estado providência” desenvolveu-se no pós-guerra, na Europa e Estados Unidos. Como o próprio nome indica, esses governos, principalmente dos países escandinavos, destinavam grande parte do PIB em investimentos sociais, visando o bem estar da população. Cabe destacar que, conforme acentua o autor, o Estado de bem estar social é diferente do Estado assistencialista.
 Todavia, essa política econômica e social foi deliberadamente desmontada. A partir do final dos anos 70 ocorreram mudanças na Europa. Na Inglaterra, o governo de Margareth Tatcher (1979-1990) representou o marcos histórico do desmonte do Estado de bem estar social. 
 No Brasil, as ideias neoliberais tiveram seu aparecimento e aplicação no governo FHC (1995-2003) que caracterizou-se, principalmente pelas privatizações, ajuda aos bancos privados e política de recessão; por outro lado, impôs mudanças nos direitos trabalhistas, num momento de extrema fragilidade da classe trabalhadora. 
 O resultado foi pauperização de amplos setores da sociedade, o aumento da miséria, da exclusão social e a marginalização dos grupos mais atingidos por esse processo: pobres e negros da periferia d dos grandes centros . Simultaneamente a esse processo foi se constituindo e aprofundando o modelo de Estado q qa que Wacquant chama de Estado Penal. 
 Nesse sentido Wacquant entende que “a expansão da rede policial, judiciária e penitenciária do estado desempenha a função, econômica e moralmente inseparável, de impor a disciplina ao trabalho assalariado dessocializado entre as classes trabalhadoras, na nova realidade imposta pelo modelo neoliberal da economia.
 Segundo a perspectiva de Wacquant, a inconteste hegemonia do pensamento neoliberal oculta o fato de que as sociedades contemporâneas dispõem de três estratégias para tratar das condições e condutas que julgam indesejáveis, ofensivas ou ameaçadoras:
 A primeira é a socialização, como fazem, por exemplo, com relação ao aumento do número de pessoas sem domicílio fixo, moradores de rua que “sujam a paisagem”, subvencionando abrigos públicos.
 A segunda estratégia é a medicalização, considerando que a pessoa vive na rua porque sofre da dependência do álcool e das drogas, ou tem um problema de saúde mental.
 A terceira estratégia é a penalização, que serve como técnica para a “invisibilização dos problemas sociais que o Estado não pode ou não se preocupa mais em tratar, e a prisão serve de lata de lixo judiciária em que são lançados os dejetos humanos da sociedade de mercado” (Wacquant, p.20).
 A lógica da concepção de Wacquant é mais ou menos a seguinte: no Estado de bem estar social o Estado atuava no sentido de prover direitos sociais para evitar que as pessoas ficassem em situação vulnerável (atuava na causa). No Estado neoliberal, sujeito às regras do mercado, o Estado atua nos efeitos de sua política, penalizando a miséria.
 Segundo Wacquant, nos EUA, à medida em que o Estado penal se hipertrofou o Estado de bem estar social deu lugar a um Estado “de compaixão”. Nesse sentido, destaca que Estados como a Califórnia, o Texas, Nova Iorque e a Flórida lideram os esforços do “todo carcerário” (p.87).
 O autor observa que, nos EUA, depois de desmontar o Estado de bem estar social, o governo ainda oferece algumas formas de auxílio (o “Estado de compaixão”), apesar dos discursos dos políticos em defesa do fim do “Big Governmeant” (Estado Providência), em consonância com o “Discurso sobre o Estado da União” (neoliberal), proferido por Bill Clinton (1993-2001).
 Mas, adversamente, a maior parte dessas modalidade de garantias e auxílios tem beneficiado as pessoas de renda mais alta (p.87). Por exemplo: cerca da metade dos US$ 64 bilhões concedidos por Washington a títulos de incentivos fiscais (quase três vezes o orçamento para habitação pública) para o pagamento dos juros das hipotecas dos impostos imobiliários, concedidos em 1994 foram parar nos bolsos de 5% das famílias do país que ganharam mais de US$100.000 naquele ano; e 16% destinaram-se a 1% dos contribuintes com renda superior a US$ 200.000 ( Dinheiro que vai para os bancos que financiam os imóveis). Dessa forma os mais pobres são duplamente penalizados: sofrem os efeitos do neoliberalismo e são preteridos no momento de receber os chamados auxílios”. 
 Ainda nos EUA , Wacquant observa, nas três ultimas décadas do século XX o fim do Estado caritativo e a ascensão do Estado penal. Isso ocorreu simultaneamente e como estratégia para enfrentar “o crescente fluxo de famílias deserdadas, marginais das ruas, jovens desempregados e alienados, a desesperança e violência que se intensificavam e se acumulavam nos bairros segregados.
 Nesse sentido eles combinaram as três estratégias, a socialização, a medicalização e a penalização dos pobres (p.110). 
 Segundo o autor, o desdobramento dessa política estatal de criminalização das consequências da pobreza patrocinada pelo Estado opera de acordo com duas modalidades principais de contenção.
 A primeira, menos visível, consiste em reorganizar os serviços sociais em instrumentos de vigilância e controle das categorias indóceis à nova ordem econômica e moral. O segundo componente dessa política de contenção repressiva das consequências da pobreza é o recurso macio e sistemático à prisão (p.113)
TABELA 3. EFETIVOS DE DETENTOS NAS PRISÕES FEDERAIS E ESTADUAIS NOS EUA 1970-1996
	Em milhares
	1970
	1980
	1990
	1995
	1970-95
	Número total 
	199
	320
	74
	1078
	+442%
	Crescimnto anual %
	-1,22
	+6,1
	+13,2
	+9,0
	
	numero de negros 
	81
	168
	366
	542
	+569%
	crescimento anual % 
	-0,7
	+10,8
	+17,9
	+9,7
	
 Observe que justamente no período que vai do Estado de bem estar social a a até a implantação Estado neoliberal houve um aumento astronômico da população penal nos Estados Unidos. 
 Segundo o autor, um importante motor por trás do crescimento carcerário nos EUA foi a “guerra às drogas” , cujo nome não é adequado, uma vez que designa, na realidade, uma guerra de guerrilha à perseguição penal aos traficantes das calçadas e aos consumidores pobres. 
 Perseguição dirigidaprimordialmente contra jovens de áreas urbanas centrais decadentes, para quem o comércio de narcotráfico no varejo fornecia a fonte mais acessível e confiável de emprego lucrativo, na esteira do recuo do mercado de trabalho e do bem estar social.
 Em vista do que foi visto da obra de Wacquant, podemos concluir que o fenômeno contemporâneo de criminalização da pobreza e penalização das práticas associadas aos grupos em situação de vulnerabilidade são mecanismo de controle e contenção do modelo neoliberal, para lidar com a massa de desempregados e excluídos gerados pelo próprio neoliberalismo, após o fim do Estado de bem estar.

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