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Essie Summers PADECER NO PARAISO

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PADECER NO PARAÍSO (Adair of Starlight Peaks) Essie Summers
Padecer no paraíso
(Adair of Starlight Peaks)
Essie Summers
Lagos de águas cristalinas, montanhas nevadas, flores por toda parte: um verdadeiro paraíso terrestre! Ali vivia Jane, na longínqua Nova Zelândia, onde a grandiosidade da natureza era fonte de inspiração para as suas pinturas. Nem tudo, porém, era felicidade. Uma dúvida cruel entristecia o coração de Jane. Por que seu vizinho, o atraente fazendeiro Broderic Adair, era tão desconfiado e estranho com ela? Aquele homem era um mistério; ora a tratava com carinho, ora a desprezava. Beijos e indiferença, carícias e ofensas... Uma situação insustentável que estava levando Jane ao desespero. Por que Broderic a fazia sofrer tanto assim?
Copyright: Essie Summers
Titulo original:Adair of Starlight Peaks
Publicado originalmente em 1977 pela Mills & Boon Ltd., Londres,Inglaterra
Tradução: Vera Lidice Reys
Copyright para a lingua portuguesa: 1984
Abril S.A. Cultural São Paulo
Esta obra foi composta na Linoarte Ltda,e
Impressa na Divisão Gráfica da Editora Abril S.A.
Foto da capa: R.J.B. Photo Library
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CAPÍTULO I
Jane Grey embrulhou cuidadosamente a tela em que pintara uma paisagem do rio Shotover, sentindo, como sempre, a tristeza de separar-se de algo tão seu, e entregou-a aos canadenses que a haviam comprado. Despediu-se deles e ficou olhando para o cheque que recebera. Sentiu de repente uma imensa felicidade, coisa que se repetia com freqüência nesses últimos dias. Tinha conseguido!Tinha provado que era possível ela e a mãe ganharem a vida naquele local turístico.
Só havia um, porém, por sinal muito importante. Precisavam encontrar um lugar para morarem. Queenstown era paraíso dos artistas, mas ali os aluguéis eram caros.
Entretanto, se, por um milagre, encontrassem algo de preço razoável e conseguissem viver com o mínimo necessário, valeria a pena.
Sua mãe queria tanto isso que Jane estava determinada a conseguir.
Seus amigos, no norte, tinham torcido o nariz para a idéia; duas artistas desconhecidas expondo seus trabalhos e ousando pensar que poderiam ganhar o sustento para uma família de quatro pessoas! Não, era sonhar demais!Só um conto de fadas aconteceria assim. Era melhor cada uma procurar um emprego comum e alugarem um apartamento num lugar mais barato. Diziam que Noel, o padrasto de Jane, tentara durante a vida toda conseguir algo assim, sem o menor êxito.
E era justamente por isto que as duas se encontravam em tão difíceis circunstâncias, atualmente. Fiji no meio do Pacífico, também era um centro turístico movimentadíssimo e lá ele conseguira apenas garantir a subsistência.
Era óbvio que todos os bem-intencionados amigos delas não confiavam muito nos dotes artísticos nem de Jane nem da mãe.
Jane acabou se rebelando, ao ver que a mãe, tão cheia de coragem e esperanças, começava a se desanimar.
— Pois é assim mesmo que se começa! — disse ela, com veemência. — Os artistas nunca são ricos, não recebem nada de mão beijada, é preciso ir a luta mesmo!
Noel tinha morrido em Fiji, na véspera de voltarem para a Nova Zelândia, onde pretendia montar seu ateliê e vender seus quadros em Otago Central. No outono anterior, ele e Jane tinham ido até lá para examinarem as possibilidades e ficaram encantados com as paisagens. O cenário montanhoso, os lagos, os tons vibrantes de vermelho e dourado despertaram um sentimento novo em Noel Eastwood, uma nova inspiração. Ele ficou tão entusiasmado que comprou a camioneta que havia alugado durante os dois meses de estada e deixou-a guardada em Christchurch para quando voltassem definitivamente e se estabelecessem na Nova Zelândia. Logo que voltaram a Fiji, Noel queixou-se de um mal-estar aconselharam-no a procurar um médico. Depois de muita relutância, ele acabou concordando, porém teve um enfarte fulminante antes do dia da consulta marcada.
Jane pensou nele com um aperto no coração. Sabia que ali, ao lado do lago Wakatipu, ele teria conseguido uma realização artística tal como ela gostaria de encontrar.
Aquele era um país ideal para ser retratado em telas, com toda aquela grandiosidade desafiando a imaginação do artista, as incríveis tonalidades e cores dos rios e lagos, do pôr-do-sol e da alvorada, os desfiladeiros e a vegetação...
Descobriram logo que Noel usara o dinheiro do seu seguro de vida para comprar a caminhoneta e a casa dele em Fiji estava hipotecada.
Depois de tudo vendido e quitado, sobrara uma pequena quantia que daria ao menos para alguma emergência.
A mãe de Jane, entretanto, vendo as telas da filha com reproduções da viagem com o padrasto, ficou deslumbrada.
Estes são os melhores quadros que você já pintou até agora!
Você herdou o dom do meu avô! Você precisa mesmo estabelecer em Ontago...
E foi assim que decidiram concretizar a idéia mesmo sem a presença de Noel. Foram primeiro para a casa de uns amigos, que acharam uma loucura o que pretendiam fazer.
No início ainda teriam uns quadros de Noel para venderem, mas depois disto seriam apenas as duas, Jane e a mãe, que pintava aquarelas com delicadeza e habilidade das pinturas chinesas e que refletiam a saudade que sempre sentira da Nova Zelândia.
Naturalmente, não vendiam bem em Fiji, pois os turistas queriam comprar algo que retratasse o esplendor tropical.
Jane quis sair logo da casa dos amigos e arranjou o quanto antes um apartamento onde se instalaram com Laurie e Louise, as duas gêmeas de onze anos. Alugou também uma pequena lojinha em Queenstown Mall, onde expunha os quadros, primeiro os de Noel e os da mãe; depois, quando as telas de Noel se esgotaram, começou a expor as dela própria. O interesse em comum pela pintura é que aproximara Noel e sua mãe viúva, nos círculos artísticos de Christchurch. Jane era muito pequena, quando o pai morrera, e nem se lembrava dele: lembrava-se apenas do avô, ríspido e severo, que criticava e menosprezava as tentativas de pintura da jovem nora viúva. E, no entanto, era isso agora que iria ajudar a conseguir o pão de cada dia.
Tinham vendido muito bem, ali, a alguns quilômetros ao sul de Christchurch, as delicadas aquarelas da mãe, reproduzindo paisagens de Canterbury, com seus rios, as pontes em arco, os chorões às margens com suas folhas tocando nas águas, as aves voando...
Já as haviam vendido quase todas, mas havia ainda telas encaixotadas com cenas do lago Wanaka e do lago Hawea, o próximo lugar que pretendiam visitar. Jane passou o olhar pelos quadros remanescentes. Estava na hora de mudarem. Suas telas eram assinadas com seu segundo nome, Esmeralda Grey, porque Jane era muito parecido com o da mãe, que era June. Quando era pequena, não gostava de seu segundo nome, talvez porque tivesse sido escolhido pelo avô.
Estava imaginando se valeria a pena manter a loja aberta por mais tempo ainda, quando entrou uma mulher que já estivera lá antes, examinando um de seus quadros, e parou diante dele outra vez, contemplando-o com olhar sonhador e nostálgico, como se estivesse além de suas posses. Realmente, os quadros de Jane eram caros, ela os valorizava muito; além disso, precisavam do dinheiro.
Aproximou-se da mulher.
— Olá — disse ela. — Infelizmente não temos mais muitos para escolher, vendemos quase tudo...
A mulherzinha mirrada virou-se para ela e, apesar da idade, seu olhar não era opaco, os olhos azuis brilhavam como as águas do lago. Tinha a testa larga e um ar de serenidade. Sorriu. 
— Ah, escolha não é problema para mim. Se eu fosse comprar, escolheria este, sem vacilar. Eu adorava essa árvore perto do lago e agora ela não está mais lá...
— Não está? Mas ainda no outono passado estava lá, quando pintei essa tela.
— Foi derrubada por uma terrível tempestade, em julho, e caiu dentro do lago. Ficou tão triste, meio submersa na água, que um amigo meu a tirou de lá e plantou outra no lugar. Mas eu tenho saudades daquela árvore.
— A senhorasabe de uma coisa? — disse Jane, sem hesitar. — A minha exposição teve muito mais sucesso do que eu esperava. A maioria dos meus quadros foi embora para outros países, com os turistas, e eu adoraria que um deles ficasse aqui, onde teve origem, com alguém que conheceu e amou aquela árvore tão bonita. Sei que as pessoas ficam sem jeito quando alguém desconhecido lhes oferece algo, mas a senhora quer me dar o prazer de lhe fazer um presente deste quadro? Mesmo eu sendo uma desconhecida?
O rosto enrugado da mulher enrubesceu e os olhos se iluminaram. A voz saiu ligeiramente trêmula:
— Mas você não é uma desconhecida... a sua gentileza me dá coragem para lhe dizer o que vim fazer aqui. Meu nome é Esmeralda Grey também e eu sou a madrasta de seu pai.
Jane levou um tal susto que recuou um passo.
— Desculpe ter causado esse impacto, mas o seu nome foi dado por minha causa. Muito tempo atrás, eu rompi o meu noivado com seu avô e depois, bem mais tarde, nos últimos anos da vida dele, quando estava velho e solitário, eu me casei com ele. Adorei o seu quadro, é verdade, mas eu voltei mesmo porque você estava sozinha e achei que teria coragem de lhe contar quem sou.
— Já vou fechar a loja. O resto vou vender em Wanaka. Vamos lá para o fundo tomar um chá e conversarmos.
Enquanto a água fervia na chaleira, Esmeralda ia falando com seu jeito manso:
— Reparei na assinatura de seus quadros e levei um susto, ao ler o meu próprio nome. Você tem dois nomes, não é?
— É, sou Jane Esmeralda, mas adotei Esmeralda para assinar os quadros porque mamãe assina June Grey, e assim evito confusões. Apesar de mamãe ser conhecida por Willy, porque, antes de casar, ela era June Willymore. Eu gosto de Esmeralda...
— Combina com você... com seus cabelos castanho-escuros, tão bonitos, e os seus olhos verdes! Hum... este chá está uma delícia! Bem que eu estava precisando. Faz um tempão que estou rondando você para tentar descobrir, pelo seu tom de voz e seu jeito, se receberia bem ou não o que eu iria dizer. Daí, quando você fez aquela oferta tão gentil, achei que era hora de eu contar. Naturalmente, agora você vai querer saber como é que eu vim a casar com Henry Grey.
— Vou, sim. Nós perdemos o contato com ele e só viemos a saber que tinha morrido mais de um ano depois. Nós mudamos muito de um lugar para outro. Ele brigou com mamãe em Christchurch, porque ela se casou de novo. Minha mãe ficou viúva muito jovem ainda e arranjou um emprego para me sustentar; o horário dela coincidia com o da minha escola e, assim, sempre estava em casa quando eu chegava. Ela não quis ir morar com vovô e foi aí que começou a encrenca. Mas ela cuidava dele muito bem. Não sei como arranjava tempo para cuidar da nossa casa e da dele, além de trabalhar fora. Depois de algum tempo, mamãe casou-se com Noel, mas vovô já estava afastado de nós. Ela ficou chateada, é claro, porque, apesar do mau gênio, ela não queria perder o contato com ele, em memória de meu pai. Vovô, porém, fechou a porta na cara dela e não atendia ao telefone, quando ela ligava, até que mamãe acabou desistindo. O que poderia fazer num caso desses?
Esmeralda meneou a cabeça.
— Ele era muito dominador, muito egoísta. Quando eu tinha vinte anos, fui apaixonada por ele, completamente fascinada. Ele era tão bonito! Mas logo percebi que era uma pessoa difícil de se conviver e desisti do casamento. Ele se sentiu ferido em seu orgulho e tornou-se um cínico. Sua avó, a primeira mulher dele, era uma criatura adorável, meiga e gentil. Nós três fomos colegas de escola. Ela sempre o amou e, se tivesse vivido mais, teria amansado Henry, tenho certeza. Henry era superpossessivo em relação ao filho e, por conseqüência, quando Gerald morreu, passou a ser possessivo com sua mãe, que era nora dele.
— E por que a senhora acabou se casando com ele, afinal, apesar disso tudo?
O sorriso de Esmeralda era cativante e o olhar ficou sonhador.
— Foi mais para aliviar a minha consciência, pois eu achava que o tinha transformado num homem amargo. Quanto a mim, fui muito feliz. Havia me casado com um homem maravilhoso, alegre, bem-humorado e muito carinhoso. Vivemos trinta e cinco anos de felicidade absoluta, em Queenstown. Tínhamos uma casa encantadora, com vista para o lago. Nossa única queixa era não termos tido filhos. Já fazia dez anos que Thomas tinha morrido quando, um dia, visitando Christchurch, encontrei Henry por acaso. Ele estava tão triste, desleixado e solitário! Sei que a culpa era dele, claro, mas cheguei até a pensar em promover a reconciliação entre sua mãe e Henry. Falei-lhe sobre a única neta que tinha, mas ele parecia empedernido. Não se comoveu. Fiquei com pena, então, e achei que seria capaz de cuidar dele. Com o tempo, comecei a ver nele vestígios do Henry que eu tanto havia amado na juventude. Não achei entre os papéis dele nada referente a você; a única coisa que Henry me disse foi que pediu ao filho dele para lhe dar o nome de Esmeralda. Gostei disso. Mas ter encontrado você agora parece um sonho! Será que você e sua mãe não queriam passar umas férias comigo, na casa do lago? — Fez uma pausa. — Ou será que sua mãe não quer saber de nada que a lembre de um tempo que deve ter sido muito infeliz?
— Ah, tenho certeza de que mamãe vai adorar — disse Jane. — Nós estamos pensando em vir morar aqui. Eu tenho duas meias irmãs gêmeas, Louise e Laurie, de onze anos. Meu padrasto morreu há alguns meses e nós resolvemos levar avante o projeto dele, que era estabelecer-se aqui, pintar e vender os nossos quadros. Porém, a vida em Queenstown é muito cara para nós e então eu vou até Wanaka amanhã para dar uma pesquisada. Lá também é um bom ponto turístico. Quem sabe eu encontro uma chácara para alugar e consigo uma loja para deixar expostos os quadros meus e de minha mãe, em consignação. Assim ficaremos perto da senhora também. Mamãe vai gostar de conhecê-la. — Jane ficou pensativa. — Meu padrasto, Noel, também não tinha muitos parentes... Já que o meu nome foi escolhido em sua homenagem, será que posso chamá-la de madrinha? Sempre quis ter uma! Acho a palavra tão carinhosa e bonita!
De novo o rosto de Esmeralda iluminou-se de satisfação.
— É uma alegria para o meu velho e romântico coração! 
Conversaram sobre várias outras coisas, contentes e animadas, até que Esmeralda falou:
— Ah, que pena que você vai para Wanaka amanhã! Por que não a encontrei antes? Adoraria que ficassem comigo.
— Teria sido ótimo! Embora não tenha de me queixar do camping onde estou com a minha camioneta. — De repente ocorreu-lhe uma idéia: — Madrinha... e se a senhora fosse comigo até Wanaka? Vou ficar cinco dias lá. Tem bastante espaço na camioneta e a senhora poderia ficar comigo, Poderíamos aproveitar para nos conhecermos melhor e a senhora me ajudaria a procurar uma casinha. Que tal? Não gostou da idéia?
Esmeralda arregalou os olhos, entusiasmada.
— Se gostei? Eu adorei! Rory pode tomar conta da minha casa e dos meus gatos.
— Rory?
— Ele mora no lote vizinho ao meu. Amanhã cedo ele poderá me levar para encontrar você. A que horas pretende sair? Ah, e por falar nisso, fiquei de encontrá-lo no mercado às cinco horas. Nós fazemos as compras juntos. Preciso correr. Depois eu o trago aqui e nós combinamos o horário certo.
Jane sentiu o coração mais leve. Afinal de contas, não seriam completamente estranhas. Terem Esmeralda ali era quase como terem uma família.
Pouco depois, a porta escancarou-se e Esmeralda entrou de novo, acompanhada de um homem alto, de ombros largos, cabelos loiros. Tinha um rosto anguloso, nariz aquilino, feições firmes, que pareciam talhadas em madeira e que lhe davam um ar um tanto severo.
Esmeralda puxou-o para o seu lado.
— Jane Esmeralda, este é Rory Adair of Starlight, meu bom vizinho e estimado amigo.
Jane cumprimentou-o e acrescentou:
— Parece nome de um poema! Que bonito!
Antes que ele dissesse qualquer coisa, Esmeralda acrescentou:
— Na verdade o nome completo é Starlight Peaks, o mesmo nome da região, que ficapara lá de Remarkables e é um dos lugares mais bonitos do mundo.
Rory sorriu, dizendo:
— A gente costuma abreviar para Starlight. São três lugares lindos e muito conhecidos. Você já ouviu falar de Moonlight, em Queenstown, aonde se vai a cavalo? E há também uma região onde se criam carneiros, chamada Fairlight, depois de Kingston, à beira do lago. E nós aqui. Estamos entre Garston e Athol, mais para o sul.
— Mas que nomes lindos e pitorescos! E Rory por acaso é abreviação de Roderick?
— Quase. Meu pai se chama assim, sem o "k" final, o que não tem menor importância, é claro. Mas eu sou Broderic, só os amigos é que me chamam de Rory.
Jane teve a impressão de que ele estava querendo com isso estabelecer uma distância entre eles. Mas não podia ser... Que pensamento mais absurdo!
— A senhora Grey me disse que você é neta de Henry Grey — continuou ele.
Jane não tinha idéia do quanto ele sabia a respeito da história da família, por isso apenas assentiu com um gesto de cabeça e disse:
— Pois é, foi uma grande coincidência ela ter entrado na loja e visto a minha assinatura nos quadros. Se eu assinasse Jane Grey, ela talvez nem tivesse me notado.
O rosto dele assumiu uma expressão ríspida, quase carrancuda.
— Quer dizer que você mal descobre esse parentesco e já vai levar Esmeralda para Wanaka?
Jane contraiu-se.
— Vai ser bom para nós duas. Eu apenas sugeri isso porque preciso viajar amanhã, mas eu lhe garanto, senhor Adair, que vou tomar conta dela muito bem. Sou muito cuidadosa e prudente para dirigir.
Ele refletiu um pouco antes de retrucar:
— Você sabe por acaso que não se pode ir de camioneta por Crown Range?
— Sei, sim — respondeu, com certa rispidez. — Mas eu vou por Kawarau Gorge. Já passei por lá e adorei. Estava com meu padrasto, e foi no outono passado. — A voz tremeu-lhe um pouco. Virou-se depressa para o balcão, pegou o quadro embrulhado e entregou-o a Esmeralda.
— Eu levo Esmeralda para encontrar você em Frankton — disse Broderic.
— Não quero lhe causar inconvenientes — respondeu Jane, com frieza. — Posso muito bem ir até o lago para buscar minha madrinha.
— Não é inconveniente nenhum — retrucou ele, com a mesma frieza. — Afinal, Esmeralda é considerada como se fosse da família Adair.
— Então diga a que horas vai deixá-la em Frankton para eu chegar junto, assim ela não fica esperando.
— É melhor eu trazê-la direto para cá, assim evita desencontros.
— Diga a hora que estarei lá — insistiu Jane, melindrada. — A pontualidade é uma das minhas poucas virtudes, não vou fazer ninguém esperar.
— Teria de ser muito cedo, porque eu tenho um compromisso às nove horas.
— Então, às sete e meia em Frankton, está bem? Dará tempo de sobra para o seu compromisso. É sempre bom contar com algum imprevisto.
— O que é uma atitude bastante pessimista, para alguém da sua idade. Parece uma coisa da senhora Bindle.
— Senhora Bindle? Quem é ela?
— Personagem de histórias humorísticas de Herbert Jenkins. É coisa antiga, do tempo do meu avô. Meu pai também gostava muito. Essa senhora Bindle sempre esperava o melhor, preparava-se para o pior e sempre era tomada de surpresa pelo inesperado. Você está feito ela.
Jane crispou os lábios.
— Humm... Sempre pensei que os pessimistas nem tivessem esperanças. Bom, mas eu estarei lá.
Esmeralda riu.
— Estou vendo que vocês dois vão ser bons amigos! Espero que Jane e a família encontrem um lugar bem perto daqui. Tenho certeza de que ela e Kate poderiam fazer amizade.
— Ah, sem dúvida — disse Rory, sem muita convicção.
Quem seria Kate? Noiva? Esposa? Namorada? O certo é que era estimada por aquele homem de expressão árida.
Jane chegou a Frankton às sete horas e Rory às sete e vinte, num reluzente Jaguar. Jane imaginara que ele tivesse um jipe ou uma camioneta. Sem dúvida, pertencia à nata da sociedade rural. Esmeralda estava sentada ao lado dele e Rory a tratava com carinho e atenções, como se fosse avó dele. Antes de deixá-la, fez recomendações e perguntou se tinha levado os remédios do coração.
Jane não se conteve.
— Não acha que é um pouco tarde para perguntar isso? Se ela esqueceu, não vai dar tempo de voltar para buscar. Daqui à sua casa é mais de uma hora, não é?
Esmeralda riu.
— Ele já perguntou a mesma coisa lá, antes de sairmos. Isso agora é um modo indireto de dizer a você que eu sofro de angina. Não se preocupe Rory, se eu sentir alguma dor, tomo uma pílula e fico boa num segundo. Está tudo bem. Esse remédio é ótimo, milagroso!
— Tome conta dela direitinho, Jane, porque ela nunca se queixa e tem mania de não querer atrapalhar ninguém.
Esmeralda fez uma careta para ele. Rory pediu licença e fez questão de entrar na camioneta e praticamente inspecionar tudo para ter certeza de que a protegida dele viajaria com todo conforto.
Jane tinha orgulho daquela camioneta tão bem cuidada. Nos últimos dias que passaram em Christchurch, Noel havia feito várias adaptações de melhoramentos, inclusive compartimentos para guardar a barraca, mantimentos e material de pintura.
— Papai pensava em tudo, gostava de trabalhar com conforto e organização.
— Muito louvável — comentou Broderic, com uma inclinação da cabeça. — Esses pintores ambulantes que a gente vê em filmes, esfarrapados, sujos, tomando café em xícaras encardidas, só comprometem a imagem dos artistas itinerantes.
— Mas é bom lembrar — retrucou Jane — que os artistas variam de acordo com o temperamento e o método de trabalho, tanto quanto os fazendeiros. Tem fazendas que são tão bem cuidadas que mais parecerem jardins; outras, em compensação, são desleixadas, com tratores velhos e quebrados largados à beira da estrada, e casa quase caindo aos pedaços!
— Você tem idéia de quanto custa manter uma fazenda em forma, nos dias de hoje? — perguntou Broderic. — Não são todos que podem se dar ao luxo de fazer reformas e melhoramentos. Mal dá para alimentar os rebanhos durante os invernos rigorosos. É uma questão de prioridade; ou se compram fertilizantes ou se fazem reformas na casa, e é preciso manter a produção para que as finanças não sofram um baque.
Esmeralda caiu na risada.
— Não se preocupe Jane, a fazenda dele não é desleixada, você vai ver. Ele preservou até o estilo da casa antiga. Ê tudo perfeito e imaculado. Vocês estão discutindo à toa. Rory tem a mesma opinião que você, Jane. Sabe que um discurso que ele fez no clube dos fazendeiros até saiu no jornal? Falava justamente sobre isso, conservação das casas, das cercas... Recomendava que se mandassem máquinas em desuso para o ferro-velho e se plantassem árvores que são úteis e decorativas... Dizia que se conservasse o trabalho dos nossos antepassados... Qualquer dia eu lhe mostro fotos antigas de Queenstown, Jane. Você não imagina o deserto que eram essas colinas ao redor da cidade!
Fizeram Esmeralda entrar no carro e se acomodar, mas Jane não entrou logo em seguida; deu a volta e foi verificar a parte traseira da camioneta. Rory seguiu-a. Jane virou-se e o encarou diretamente.
— Fiz isso só para ficar a sós com você e poder dizer que a sua atitude é irritante. Não acha que é um pouco possessivo demais com Esmeralda? E por quê? Eu adorei tê-la encontrado! Tenho tão poucos parentes, e foi uma emoção encontrar um aqui, mesmo que não seja consangüíneo. Ela também parece ter ficado muito contente de encontrar alguém com o mesmo nome e sobrenome. Portanto, não precisa ficar com esse jeito de cão de guarda! Não gosto disso!
Ele estreitou os lábios.
— Ah, não gosta, é?! Não se faça de ingênua! Kate e eu gostamos muito de Esmeralda e nos preocupamos com ela. Ficaríamos felizes se ela encontrasse parentes de verdade. Mas ela acredita demais nas pessoas, tem muita boa fé.
Uma lufada de vento agitou os cabelos castanhos de Jane, afastando-os da testa larga, e nos olhos verdes um brilho de raiva fez a cor ficar mais forte.
— Eu também acredito nas pessoas, senhor Broderic, até mesmo nos homens como o senhor, que ficam desconfiando de gente honesta.Se está pensando que tenho algum interesse material com relação a Esmeralda, está muito enganado! Não sei o que ela tem nem me interessa. Não quero nada dela, a não ser dar-lhe a afeição que eu daria a uma avó ou madrinha!
— Está bem, se é assim como diz, desde que não a considere uma fada-madrinha que, num toque mágico, vá enchê-la de presentes... Aliás, na verdade, ela é muito pobre.
Jane mordeu o lábio, contendo uma resposta malcriada, e ele continuou:
— Ela tem vivido tão feliz, ultimamente, e eu quero que continue assim. Por isso, não vá fazer como a que tem o seu nome e que a deixou mais sozinha do que antes.
Jane arregalou os olhos, surpresa.
— A que tem o seu nome?! Como assim, se o meu nome é igual ao de Esmeralda?
— Estou falando de Jane Grey. Lady Jane Grey foi um sonho que durou nove dias, para Esmeralda. Já estou imaginando você fazendo o mesmo. Fica uma semana dando-lhe atenções, enchendo-a de esperanças, e depois some, evapora. Não creio que vai ser fácil alugar algum lugar por aqui. Além do mais, acho que só com a venda de quadros não vai conseguir sustentar quatro pessoas. Não pense que Esmeralda ficou com o dinheiro do seu avô. Ele não só gastou todo o dele, como avançou no dela também. 
Jane ficou branca como papel.
— Que mente poluída você tem! Até parece meu avô. Não estou nem um pouco interessada no dinheiro de Esmeralda. Será que não entende? Dinheiro não é a coisa mais importante da vida. É importante apenas para a gente poder se sustentar. Se minha mãe gostasse de dinheiro, teria se casado com um pretendente rico lá de Christchurch, e não com o meu querido padrasto, que era um artista pobre. Mas ele sempre achou o amor e o respeito mais importantes e nos ensinou isso! Esmeralda é uma criatura adorável, senti isso logo que a vi. — Fez uma pausa. — Ela deve estar pensando que você está me fazendo mais recomendações, mas, se continuarmos aqui discutindo, vai desconfiar e pode ficar chateada, se descobrir. Pode ficar sossegado que eu vou cuidar bem dela e devolvê-la sã e salva. Até logo, senhor Broderic.
Jane percorreu um bom trecho da estrada, antes que conseguisse recuperar o bom humor, embora mantivesse a aparência de alegria. Esmeralda estava contente e entusiasmada, falou pouco de Henry, mencionando apenas que ele não tivera sorte com alguns investimentos que fizera. Jane era capaz de jurar que se tratava de apostas em cavalos. Esmeralda disse ter vendido a casa por achá-la grande demais, mas Jane achou que tinha sido para pagar dívidas do marido. Agora morava numa pequena propriedade ao lado da fazenda Starlight, onde fizera um jardim que era seu orgulho e sua ocupação.
— Eu vendo vasos com plantas e adoro fazer isso... Até no inverno, é incrível o número de turistas que passam por ali. Vêem a placa e o meu jardim e param para comprar. Estou bem no caminho do lago, onde eles tomam o vapor que vai até Queenstown. Anthony Trollope fez esse caminho, sabia?
Jane admirou-se.
— Anthony Trollope? O escritor de romances vitoriano? O autor desse que estão passando em capítulos na tevê agora? É mesmo?!
— É. Ele e a mulher Rose atravessaram esses desfiladeiros, na neve, de carroção.
— Ah, mas que fascinante, madrinha! Conheço tão pouco da história local, a não ser alguma coisa da época da corrida do ouro. Mas pretendo ler bastante. Acho que pode me ajudar a captar o sentimento do lugar e expressar melhor a minha pintura. Conte-me mais sobre a sua casinha, madrinha.
Esmeralda riu.
— Bem, não é tão pequena, na verdade, mas custou barato porque estava abandonada há muito tempo e precisou de uma bela reforma. Como tinha piscina e quadra de tênis, para pagar a reforma eu a abri para que fosse freqüentada pelos jovens da cidade, e são eles que a mantém em ordem. Assim, também, eu nunca fico sozinha. Atrás da piscina plantei rosas, margaridas e uma porção de outras flores. Lá no fundo fica Starlight Rocks. Todo mundo acha uma beleza. Tem também um playground para crianças, com balanços e outros brinquedos.
Jane imaginou que devia ser um lugar lindo.
— Tem flores por toda parte — continuou Esmeralda. — Eu plantei ao longo das alamedas e até na beira da estrada. Na primavera fica uma beleza! E Rory construiu uma ponte de pedra, em arco, sobre o riozinho que passa pela minha propriedade. Ele faz de tudo! Você não imagina quantos pássaros tem por lá, cantando de manhã à noite. Nunca me arrependi de ter-me desfeito da minha moderníssima casa em Queenstown. Agora tenho algo que eu própria criei. Pintei as portas de verde e branco. Rory construiu para mim uma pérgula rústica no jardim, e é lá que, muitas vezes, eu faço as refeições, cercada de rosas, gerânios e verbenas. Nada como o lar da gente!
Jane sentiu um aperto no coração. Elas quatro que ainda nem tinham um lugar para morar, quanto mais um aconchegante lar! Pobre de sua mãe, que já não era jovem e jamais conhecera um pouco de segurança na vida!
A estrada seguia por entre montanhas verdejantes, até que saíram do desfiladeiro e viraram em direção a Wanaka. Por toda parte havia macieiras em flor. Uma terra realmente linda e encantadora.
Logo depois do monte Iron surgiu o lago Wanaka, com suas águas azuis.
Pararam um pouco na lojinha onde Jane iria deixar os quadros expostos, depois contornaram o lago até o camping e estacionaram a camioneta.
— Este é o único jeito de podermos viajar e passar férias todos juntos — comentou Jane. — Ainda mais do jeito que papai equipou o carro. É bem confortável; espero que goste. Mamãe tem um pequeno carrinho que comprou em Fiji, mas, se precisarmos, vamos vendê-lo. Primeiro vamos alugar um lugar qualquer e experimentar um ano para ver se dá certo.
Esmeralda aprovou a idéia. Mostrou-se uma ótima vendedora e conhecia tanta gente ali perto do lago que os cinco dias foram muito proveitosos.
Ali, entretanto, a história repetiu-se como em Queenstown. Os preços dos aluguéis eram altíssimos e só alugavam por temporada de férias. Desesperada, Jane procurou em outras regiões nas redondezas, percorrendo todas as propriedades e chácaras.
No último dia da procura voltaram para a camioneta desanimadas. De repente, o olhar de Esmeralda iluminou-se.
— Jane, minha filha, isso me dá coragem de lhe propor uma coisa.
Não quis fazer isso antes porque achei que sua mãe fosse preferir ficar independente com a família dela, mas gostaria tanto de ter vocês por perto! Minha casa é tão grande! Que tal ficarem comigo? Antes de resolver lidar com plantas e vendê-las, eu alugava quartos da parte da casa que não uso. Tem duas cozinhas e quatro entradas independentes. Assim sua mãe não precisa recear que vá me atrapalhar, as crianças não vão incomodar, tem bastante espaço. Afinal, já estou com oitenta anos e não é bom que eu fique sozinha... Tenho tanto medo de acabar num asilo! Com vocês lá, Rory não precisará ir a toda hora ver se estou bem e se preciso de algo. Ele é um bom rapaz. Tão atencioso!
Jane não gostara muito dele, mas talvez essa impressão se desfizesse com a convivência, quando ele percebesse que não era a interesseira que estava pensando. Apoiou os cotovelos na mesa e o rosto nas mãos, e fitou a madrinha com os olhos brilhando.
— Tem certeza mesmo? Para nós seria maravilhoso! Apesar de...
— Apesar de que, minha filha?
Jane sabia que, se falasse de Rory, poderia parecer fofoqueira e mudou logo de assunto.
—... de achar que não merecemos esse milagre!
— Para mim vai ser uma maravilha — disse Esmeralda, com olhos sonhadores. — Vocês podem expor os seus quadros na loja onde vendo as minhas plantas. Quando você estiver pintando, sua mãe poderá ficar comigo, vendendo. O ônibus da escola passa na porta e pode levar as crianças. Agora é em Athol, e não mais em Maunga-Whetu.
— Maunga-Whetu? Esse é o nome do município?
— É. Na verdade, é um pequeno vilarejo, e a escola de lá fechou. O nome quer dizer "Montanha das Estrelas". "Maunga" é montanha, e "Whetu", estrela. Só tem uma igreja, um armazém e uma oficina mecânica. Jane, o que sua mãevai achar da idéia? Pode ser que ela não queira ter ligações com alguém que tem o nome de seu avô.
Jane foi franca:
— Pode ser que ela ache isso... antes de conhecer a senhora. Gostaria que ela a conhecesse primeiro e depois soubesse quem é. A senhora concordaria em ser apresentada só como alguém que conheci e que deseja alugar uma dependência da casa? Assim ela não fica com idéias preconcebidas.
Esmeralda meneou a cabeça.
— Não, é arriscado demais; ela pode se sentir enganada, traída. É melhor que saiba de tudo.
— É, a senhora tem razão. É mais sensato. Também, não tem vinte e quatro anos como eu. ..
— Não sou tão sensata assim. Não me casei com Henry aos sessenta e nove anos? E ainda bem, porque agora eu tenho você!
Jane sentiu uma onda de afeição e simpatia.
— Vou telefonar para mamãe hoje à noite, assim ela terá dois dias, até chegarmos, para se acostumar com a idéia. Madrinha, a senhora não quer telefonar para Broderic?
— Não. Quando estivermos a caminho, eu ligo dizendo que vou conhecer a minha nova família.
Jane sentiu que isso era para impedi-lo de intrometer-se e dissuadi-la da idéia. Sabia que ele não iria gostar nem um pouco de saber que ela, Jane, e sua família iriam morar com Esmeralda. Mas, e daí? O que esse tal de Broderic Adair of Starlight tinha a ver com isso?
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CAPITULO II
Quando Jane telefonou para a mãe, foi ela quem deu notícias, antes de ouvir qualquer coisa.
— Jane, minha filha, eu estava louca para falar com você! Consegui um emprego temporário como auxiliar de enfermagem, aqui. É ótimo, assim não vamos precisar mexer nas nossas economias. E outra coisa também, o nosso aluguel não aumentou. Por isso, não se preocupe se não arranjou ainda casa por aí. Agora já não é tão urgente.
Jane contou a ela o que acontecera, disse que iria levar Esmeralda para conhecê-la e passarem algum tempo juntas. Acrescentou que a decisão final seria da mãe.
— Mas seria maravilhoso estabelecermo-nos aqui, em termos de venda para os nossos quadros. Além do mais, para Esmeralda seria muito bom ter uma família morando junto, mesmo sendo em dependências completamente separadas.
June Grey, ou Willy, como era mais conhecida, achou boa a idéia, mas não se entusiasmou muito; disse que era preciso ir com calma e pensarem bem antes. Contudo, assim que conheceu Esmeralda, todos os seus receios dissolveram-se como neve ao sol. Louise e Laurie gostaram dela no mesmo instante.
— Nunca tivemos avó — disse Laurie —, e a senhora parece uma vovó de livro de histórias, com esses olhos azuis, o rosto corado e os cabelos brancos presos num coque.
— Nós quase não temos parentes — acrescentou Louise. — Minha melhor amiga, em Fiji, tinha seis avós. A senhora não imagina como se divertiam!
Esmeralda pestanejou.
— Seis?! Mas como assim?
— Bem, dois eram bisavós, um de cada lado, a senhora entende?
— Sei — disse Esmeralda —, deviam ser os dois viúvos.
Jane riu.
— Pelo que vejo, a família já adotou a senhora, madrinha! Vai se entender muito bem com as gêmeas.
— É muito chato ser gêmea — disse Louise, e suspirou. — A gente perde a personalidade individual. As pessoas sempre falam da gente no plural, quase como se fôssemos... hã... objetos inanimados.
— Inanimados?! — Jane arregalou os olhos. — Santo Deus! Com o trabalho que nos deram, até que sempre foram bem animadinhas.
Laurie tomou a defesa de Louise:
— Você entendeu o que ela disse. É que as pessoas sempre falam "as gêmeas" como se estivessem dizendo "as mesas" "as cadeiras". Isso, ahn... como é mesmo a palavra?, subestima a nossa personalidade.
Esmeralda disfarçou o riso e Jane falou:
— E você está cometendo o mesmo erro. Acabou de falar "nossa personalidade".
— Vocês é que fazem a gente se acostumar assim... — disse Louise. — Ainda bem que papai e mamãe não vestiam a gente igual, como muitos pais e também temos a vantagem de não sermos idênticas.
— Ainda bem — disse Jane —, porque, se não conseguíssemos distinguir vocês, como poderíamos castigá-las quando fazem artes?
— Ela fala assim da boca para fora, mas no fundo gosta muito de nós. É só um problema de diferença entre gerações — afirmou Laurie.
— Ah, que bom ter encontrado vocês! — disse Esmeralda. — Há muito tempo que não me divirto tanto. Estou me sentindo uns dez anos mais jovem.
E quando as gêmeas, então, lhe perguntaram se podiam chamá-la de vovó, sentiu-se imensamente feliz. Achava que era algo que a vida lhe negara e não contava mais ter.
— Olhe, já estou até fazendo gorrinhos de tricô para vocês — disse Esmeralda. — Laurie, de que cor você quer o seu? Quer todo colorido? E você, Louise? Este ano vão passar o inverno num lugar onde poderão esquiar, só que vão precisar juntar dinheiro para usar as pistas. Esse é um esporte muito caro. Precisa-se alugar esquis, pagar o bondinho que leva até o topo da montanha. Quem sabe, Rory pode levar vocês, algum dia; ele é perito em dirigir na neve, com correntes nas rodas do carro. Além disso, esquia muito bem. Sempre viveu nesta região.
— Quem é Rory? Que nome lindo! Ele é jovem e bonito? E tem cabelos ruivos? Para mim, isso é nome de gente ruiva — falou Louise.
— Pois está completamente enganada — disse Jane, sarcasticamente. — Ele é loiro, sério e carrancudo.
Esmeralda riu.
— Jane ficou com má impressão porque não o conheceu num bom momento. Rory ficou desconfiado dela e achou que foi uma maluquice ter convidado uma octogenária como eu para viajar de camioneta com ela, como se eu tivesse vinte anos. Ele ficou implicando e ela achou ruim. Mas quando Rory vir como estou bem-disposta e que até engordei, vão acabar bons amigos. Ele vai ter muito menos trabalho, com vocês por perto cuidando de mim. Rory fica preocupado por ter uma vizinha idosa...
— A sua casa fica na propriedade dele? — perguntou Laurie. 
Jane ficou apreensiva. Não tinha pensado nisso. Imagine se ele iria gostar de toda aquela gente morando nas terras dele, ainda mais duas gêmeas levadas! Seu sossego acabaria.
— Antigamente, tudo fazia parte de uma propriedade só — disse Esmeralda —, mas depois as terras foram sendo retalhadas pelas estradas. Há dois anos, inclusive, Rory perdeu um bom pedaço de terra.
Jane imaginou como Rory teria reagido, quase podia vê-lo andando de um lado para outro, consumindo-se de raiva. Depois refreou-se. Por que estava pensando tanto nele? Nunca sentira aquilo por nenhum homem; era uma sensação estranha de hostilidade, quase de raiva dele. E, afinal, era preciso reconhecer que Rory tinha razão de desconfiar de uma estranha que aparecia de repente, dizendo-se neta do homem que arruinara a fortuna de sua melhor amiga. Porém iriam desarmá-lo. Quando Rory visse como estavam cuidando bem de Esmeralda, talvez ficasse até grato.
As meninas continuavam fazendo mil perguntas:
— E a mulher dele é boazinha? Ele tem filhos da nossa idade?
— Não, ele não é casado. Mas já era tempo; afinal, está com mais de trinta anos. Dirige essa fazenda há anos. Os pais dele foram ficar com a irmã mais velha, que enviuvou e tem filhos. Isabel é professora em Wanganui. Eles compraram uma fazenda perto dessa cidade, construíram uma pequena casa para a filha e cuidam das crianças para ela. Mas há outras crianças na fazenda, sim: Josef, Stewart e Gretchen. A mãe deles é austríaca. Veio certa vez passar as férias aqui com o irmão, que é instrutor de esqui, e conheceu Hamish. Eles se apaixonaram e acabaram casando. Ela se chama Lisel e eles têm também um nenê, gordinho que é uma graça. Chama-se Sholto.
— A senhora falou numa tal de Kate — disse Jane. — Por acaso é noiva de Broderic?
— Não, é a irmã caçula. Ela também está em North Island; é fisioterapeuta e faz já alguns anos que está lá. Agora vai voltar para cuidar da casa para Rory.
— Aposto como ela vai voltar porque sofreu alguma desilusão — disse uma das meninas, com ar esperto.
— É, pode ser... — Esmeralda admirou-se. — Mas ela não vai dizer e é uma moça muito sensata.
Louise e Laurie trocaram um olhar cúmplice.— E aposto também como ela vai descobrir que, no fim das contas, está mesmo é apaixonada pelo rapaz vizinho.
Esmeralda riu de novo.
— Não tem vizinho nenhum, só montanhas e um vale no fundo. Por lá passam a estrada que circunda o lago até Queenstown e várias rodovias secundárias. Não tem ninguém para Kate namorar. Além do mais, isso é problema dela e acho melhor voltarmos ao que estávamos falando sobre esquiar. Tenho certeza de que Rory vai lhes arranjar algum trabalho para poderem juntar dinheiro.
Foi com muita relutância que Esmeralda concordou em que elas pagassem aluguel, e assim parecia estar tudo acertado. O mês passou rapidíssimo. Esmeralda não era de muito escrever e mandava só de vez em quando um cartão-postal para Broderic. Jane admirou-se das longas cartas que ele escrevia e que Esmeralda lia alto para a família. Mais parecia um filho do que um vizinho. Se Jane não o tivesse conhecido nas circunstâncias em que conhecera, o teria achado, pelas cartas, um sujeito adorável e atencioso. Contava tudo o que estava se passando por lá.
A época da procriação do rebanho estava quase no fim, informava ele. Tinha sido um ano ótimo, com poucas perdas.
"Estamos com muita saudade da senhora, é claro, e tem feito muita falta aqui, mas Lisel tem ajudado com os carneirinhos recém-nascidos e as crianças têm alimentado suas galinhas; estão ganhando até um dinheiro extra para fazerem isso. As aves estão engordando a olhos vistos, acho que as crianças têm dado ração demais e cheguei a falar isso, mas elas protestaram como se eu estivesse ordenando alguma maldade.
Josef tem mostrado mais boa vontade com os devedores da escola e está mais interessado nas aulas de alemão que Lisel nos dá. Ela acha que é porque eu tenho ficado mais em casa, depois do jantar. Sinto falta das nossas prosas nesse horário; agora só assisto televisão. Fico contente de saber que está se divertindo, aí em Oamaru, mas gostaria que voltasse logo. Não exagere. A senhora é bastante ativa e cheia de energia para sua idade, mas também não pode se arriscar demais.
No sábado passado servi de guia para um grupo de naturalistas de North Island. Arranjei emprestado alguns carros e levei-os até Miners' Diversion. Eles adoraram o cenário e as plantas que encontraram; nem acho que poderia ter sido de outro modo. Até eu, que sempre vivi neste meio e convivi com esta paisagem, ainda me encanto. Ficaram todos com Rob e Stella."
Esmeralda olhou-as por sobre os óculos.
— Robert Adair é um tio de Rory, e Stella é a esposa. Eles têm uma hospedaria perto de Moonlight. Provavelmente, vocês vão ser convidados a ir lá. Os netos mais velhos de Stella têm a idade de vocês.
E continuou lendo:
"Josef e Gretchen ganharam prêmios na escola, com a exposição de animais. Foi a primeira vez que levamos jumentos e, sem dúvida, a última. Não imagina o trabalho que nos deram. Empacaram no caminho e foi preciso montá-los para forçá-los a andar. Para Hamish, não teve muito problema, mas eu me senti ridículo, com os pés arrastando no chão, e, além disso, estraguei os meus sapatos."
As gêmeas olharam-na encantadas e cheias de entusiasmo.
— Jumentos! Mas que espetáculo! Será que ele deixa a gente montar? Ah, que engraçado!
Quando terminou a leitura da carta, Laurie comentou, decepcionada:
— Ele não falou nada sobre a nossa mudança para lá... Que estranho!
— Bem, é que achei melhor só contar a ele pessoalmente, quando voltar para casa — disse Esmeralda. — Não dá para se falar muita coisa num cartão-postal.
— Ah, mas eu acho que a senhora deveria ter escrito uma carta Ele iria ficar bem contente! Parece tão solitário... Acho que vai gostar da nossa companhia, não é? — falou Laurie.
— Não fique sonhando demais nem imaginando que vai poder espalhar-se por toda Starlight, Laurie — disse Jane, secamente. — Vocês não são como as crianças que moram lá. Vão ter que esperar serem convidadas.
— Ah, não se preocupe — disse Esmeralda. — Rory gosta de crianças e é muito bom com elas, embora seja severo.
Jane, entretanto, tinha certeza de que ele não iria gostar. Era por isso que Esmeralda ainda não contara nada.
Afinal chegou o dia em que Esmeralda avisou que iria voltar para casa.
— Eu não vou deixar a senhora ir sozinha — disse Jane —, porque vai ter que trocar de ônibus em Dunedin. Sabe de uma coisa? Vou levá-la até Dunedin, no carro de mamãe, e de lá a senhora toma um ônibus para Queenstown. Vai ter alguém esperando pela senhora, não vai?
— Vai, sim. Rory estará lá, mas eu tenho uma idéia melhor. Por que não me leva até em casa de uma vez? Assim já aproveita para conhecer as acomodações e também pode levar alguns quadros para deixar na loja. Quem sabe já vende alguns... Ou talvez vá pintar algumas paisagens. Tenho certeza de que vai acabar ficando.
June aprovou a idéia.
— Acho que seria o ideal, minha filha. Eu gostaria de ficar algum tempo ainda, e esperar terminar o ano letivo em dezembro, já que arranjei esse emprego temporário. Apesar de estar louca para mudar-me para Maunga-Whetu. Mas afinal são só uns dois meses. Não quero que as meninas fiquem prejudicadas na escola.
E assim Jane arrumou as telas e bagagens na camioneta. Ficou combinado que a mãe despacharia depois o que estava guardado no depósito de Auckland.
— Boa idéia — concordou Esmeralda —, porque eu só mobiliei com o necessário para férias. Levando os seus móveis, vai ficar com mais jeito de lar.
— E nós temos uma porção de esteiras — disse Louise. — Fica bonito para enfeitar a loja e pôr vasos em cima.
É tudo feito à mão — acrescentou Laurie, com entusiasmo. — Os turistas adoram essas coisas!
Sem dúvida — disse Esmeralda —, essas duas sabem o que querem. Tenho certeza de que Rory vai adorá-las. Sinto isso aqui dentro de mim.
O que Jane sentia, porém, era bem diferente. Sabia que Rory iria sentir seu território invadido por um batalhão de mulheres desconhecidas.
Iniciaram a viagem num belo dia de fins de outubro, através dos campos de North Otago. De vez em quando Jane parava no acostamento e fazia o esboço de alguma paisagem que atraía seu olhar sensível e experiente em captar cores e formas; uma montanha ao longe, uma curva de estrada com alguma árvore florida, uma casa isolada entre a vegetação, contra o céu azul sem nuvens...
Pararam um pouco para comer o lanche que haviam levado e retomaram o caminho, agora por entre os desfiladeiros, com suas paredes maciças de pedras enormes. Ao se aproximarem dos limites de Kawarau, Jane sentiu-se assaltada por um súbito e irracional medo do futuro, como se aquele cenário rude e pesado representasse uma ameaça. Ou seu temor seria em relação a um homem igualmente rude e atraente: Broderic Adair?
Procurou controlar-se e dominar aquele estranho receio. Logo depois surgiu o lago azul ao pé das montanhas. Já estavam quase em Frankton e começavam a aparecer as casas de veraneio com seus quintais terminando em ancoradouros particulares. Atravessaram a ponte de Kawarau, passaram sob um túnel de árvores e encaminharam-se para o sul. A estrada circundava o lago por vários quilômetros e só de longe em longe havia uma ou outra casa. Do outro lado do lago, como que encravadas nas montanhas, ficavam algumas mansões.
Já quase no fim da tarde avistaram o pequeno povoado de Kingston, aninhado à beira do lago. Quando passaram pela placa indicando Fairlight, Esmeralda disse:
— Agora estamos perto.
E, pouco depois, realmente, viram uma profusão de cores às margens da estrada, onde estavam plantados os mais diversos tipos de flores. Logo em seguida estavam sob a placa indicando a loja de plantas. O lugar, na verdade, era paradisíaco, e era impossível algum carro passar por ali sem que as pessoas sentissem um impulso irresistível de parar para admirá-lo e levarem mudas e arranjos tão bem dispostos nos vasos.
Jane olhou em redor, procurando a casa, e viu logo as portas pintadas de verde e branco, conforme Esmeralda as havia descrito.
A construção era de uma antiga escola de aldeia. Reconhecia-seo estilo simples. Talvez pequena demais para uma escola, mas suficientemente grande e confortável para um lar. E, além disso, Esmeralda embelezara as linhas funcionais com o jardim espetacular que circundava a casa.
Esmeralda não dissera nada a respeito, talvez por esquecimento, mas agora Jane entendia por que ali tinha piscina, quadra de jogos e playground, além do barracão coberto que deveria ter sido o pátio de recreio.
Ah, como as meninas iriam adorar aquele lugar! O ar das montanhas, todo aquele espaço livre para brincadeiras, e que paz! Só poderiam ser felizes ali, cercadas de tanta beleza e alegria, embaladas pelo canto dos pássaros.
Virou-se para Esmeralda e disse, entusiasmada:
— A senhora criou um lugar de sonho, aqui, onde deve ter sido tão rude e sem encanto! É muito mais bonito do que eu imaginava! Todas essas flores coloridas e esse perfume... E que paisagem!
Esmeralda meneou a cabeça, satisfeita.
— É uma boa construção, e até o telhado ainda está tão bom como quando foi feito. Você viu como é inclinado e pontiagudo? É para que a neve não se acumule, no inverno. E olhe que já agüentou tempestades terríveis. E as paredes, então! São tão grossas e resistentes! As janelas são bem vedadas e firmes, não passa vento de jeito nenhum, quando estão fechadas.
Jane fez uma citação, com ar sonhador:
"De cedro fazemos as vigas de nosso lar e de abeto os caibros..." Esmeralda virou-se para ela, encantada, mas nesse momento alguém se interpôs entre elas: Broderic Adair.
Jane achou que ele a olhou de maneira estranha.
— Desculpe a minha falta de romantismo, mas, para ser exato, as vigas são feitas de kauri e os caibros de rimu. Eles construíam as escolas com bons materiais, naquela época. O kauri da Nova Zelândia é uma das madeiras mais duráveis do mundo.
Ela ficou meio confusa, mas logo se refez:
— Ah, senhor Broderic, acha que eu não sei disso? Pensa que sou de Fiji e só conheço bambus, palmeiras e outros materiais frágeis?! Eu nasci e fui criada em Christchurch e só fui para Fiji aos doze anos. Estava apenas citando a Bíblia, a Canção de Salomão.
— Desculpe, eu percebi isso, mas é que tenho mania de dar informações. É o hábito de viver numa região freqüentada por turistas que estão sempre perguntando tudo. — Broderic beijou Esmeralda. — A senhora está com ótima aparência! Pelo que vejo, as férias lhe fizeram bem.
— E não era para estar? — riu Esmeralda. — Todas as manhãs me levavam café na cama e eu comia coisas deliciosas em todas as refeições. E como me diverti com as meninas! Tão engraçadas, Louise e Laurie! Nunca ri tanto na minha vida. June foi ótima, ela me tratou tão bem!
— June? Mas quem...
— É a mãe de Jane, a nora de Henry, exatamente a que eu queria para mim, se tivesse tido um filho. Chamava-se June Willymore, antes de casar-se; depois o sobrenome ficou sendo Grey e então começou a assinar os quadros que pinta como June Grey. Mais tarde casou-se de novo, com Noel Eastwood, mas continuou assinando Grey nos quadros. Só que, quando Jane se tornou artista também, achou que o nome seria muito parecido com o da mãe e começou a assinar as suas pinturas como Esmeralda Grey. Não foi providencial?
Broderic pôs a mão na cabeça.
— Nossa, a senhora me deixou confuso! Que atrapalhada! Não entendi por que isso foi providencial.
— Jane usou o segundo nome, Esmeralda, para não ficar parecido com o da mãe, June. E, se não fosse por isso, eu não teria descoberto que éramos parentas.
Broderic pareceu não gostar muito, mas não comentou mais nada.
— A senhora Daniel precisou fechar a loja mais cedo, hoje — continuou ele. — Mas eu vi lá um grupo de turistas gastando para valer, e tia Stella telefonou de Drumlogie pedindo cheiro-verde e peças de cerâmica. Eu ia indo até a sua casa para guardar o dinheiro. Lá é mais seguro.
Esmeralda agradeceu-lhe pela atenção e acrescentou:
— Mais tarde eu mostro a loja para Jane. Ela deve estar exausta, por ter dirigido o dia inteiro. É melhor que tome um banho, coma alguma coisa e descanse um pouco.
— Foi muita bondade sua ter trazido Esmeralda para casa — disse ele, virando-se para Jane. — Eu lhe agradeço por isso.
A frase era gentil, mas Jane sentiu a insinuação. Era como se ele estivesse agradecendo a uma completa desconhecida que fizera um favor à sua velha amiga. Não estava considerando que Esmeralda era quase sua avó. Imagine, então, quando Esmeralda contasse o resto!
— Senhor Broderic, acho que é melhor eu lhe dizer...
Esmeralda interrompeu-a depressa:
— Jane, minha filha, não seja tão formal. Já que vão ser vizinhos, é melhor começar a chama-lo de Rory.
Ele franziu as espessas sobrancelhas.
— Vizinhos? Que história é essa? O que está acontecendo?
Esmeralda fez cara de inocente.
— Ah, pois é, eu queria contar a você, mas num cartão-postal não dava. .. Jane estava procurando lugar para morar, no campo, mas não achou nada. Daí, eu ofereci a elas a metade que alugo para temporada de férias.
O rosto dele contraiu-se e o olhar anuviou-se.
— Não achou nada em lugar nenhum? Não é possível! Tentou por acaso em Hawea e Tarras?
— Tentei em todos os lugares — respondeu Jane. — Em Cardrona, Luggate, Albertown, e até bati de porta em porta em várias chácaras para saber se não alugavam algumas dependências. Temos um apartamento em Oamaru, mas precisamos ficar no centro da região turística.
— Claro, e Esmeralda pode fornecer-lhes tudo de que precisam: a casa, a posição social e uma loja já estabelecida de artesanato e plantas — disse ele, com voz suave e gentil.
— Pois é! — retrucou Esmeralda, feliz. — Não foi uma enorme coincidência?
— Demais — concluiu Rory, em tom seco.
— E é claro que, tendo também quadros aqui — continuou Esmeralda —, vamos atrair mais compradores, terei mais fregueses. Isso para não dizer que ter companhia em casa vai aliviar você de muitas responsabilidades para comigo, Rory.
— E desde quando eu considero você um peso, Esmeralda? — Ele sorriu.
A velha senhora olhou-o com afeição. Considerava-o como um neto que não tivera.
— Rory... eu não quis dizer isso, sei que você gosta de mim, mas isso não impede que eu fique contente de ter mais companhia.
— Quando Kate chegar, ela poderá lhe fazer companhia também.
— Vou adorar, mas é diferente ter uma família dormindo na mesma casa.
— É verdade... Bem, eu vou indo. Não quer guardar a camioneta na garagem?
Mas, em vez de ir embora, o próprio Broderic foi guardar a camioneta na garagem e voltou para perto das duas, abrindo-lhes a porta da casa. Jane preferia que ele tivesse ido embora.
A casa adaptada de uma escola era bem diferente, com um corredor comprido, o chão de pedra coberto com uma passadeira. Em todas as janelas havia jardineiras, construídas depois, com flores de toda espécie.
— Ah, Rory, meu filho — exclamou Esmeralda —, você cuidou bem delas para mim! Como estão bonitas! — E olhou para cima, de onde pendiam vasos. — Ficou tão bom assim, com as plantas dependuradas! Suaviza o teto alto. Mas como vou fazer para molhá-las?
Ele sorriu.
— Não se preocupe. Está vendo que cada vaso tem uma corda? Eu os instalei todos com roldana, para a senhora poder baixá-los.
Jane não pôde deixar de sentir uma onda de simpatia; afinal, um fazendeiro tão ocupado ter todo aquele trabalhão para agradar uma velha senhora!
Quando Esmeralda acabou de admirar as novidades, abriu uma porta que dava para uma antiga sala de aula, que fora dividida em duas por uma parede com abertura em arco e porta sanfonada, para quando se quisesse separar os ambientes. De um lado era sala de jantar, e do outro, sala de estar. Era acarpetada de ponta a ponta, as mobílias antigas e confortáveis em tons pastel de verde e rosa.
Ao fundo, na grande lareira, a lenha já estava arrumada, e Broderic agachou-se para acendê-la.
— Vou trazer-lhes leite e alguma coisa para comerem. Que tal costeletas de porco? É fácil e rápido de fazer. A sua correspondência está na escrivaninha. — Virou-se para Jane. — Quandoé que pretende instalar-se com a sua família?
— Eu já vou ficar aqui. Mamãe está trabalhando em Oamaru e quer esperar terminar o ano letivo para vir com as gêmeas. Elas já se mudaram demais, coitadas... Primeiro fomos para Auckland e depois para o sul.
— E por que escolheram este lugar especificamente?
— Porque papai e eu havíamos planejado assim. Estivemos por aqui pesquisando e conhecendo a região. Ele se apaixonou pela paisagem e achou que seria ótimo para a produção artística. Só que... ele não viveu para realizar o seu sonho.
— Ah, sei, sinto muito. Mas por que então não continuaram em Fiji?
— Mamãe prefere o clima daqui, ela nasceu em Christchurch. Além disso, eu também senti que aqui seria um lugar ideal para a minha pintura. Se por acaso não conseguir vender os quadros tão bem quanto em Queenstown e Wanaka, posso trabalhar num dos hotéis. Já fiz muito disso em Fiji, trabalhei como garçonete, recepcionista, camareira... Mas, aqui, com a loja na porta de casa e a estrada passando em frente, acho que vou me sair muito bem.
— Ainda mais não precisando pagar aluguel — comentou ele, disfarçando o veneno.
Jane ergueu bem a cabeça e encarou-o, mas, antes que falasse algo, Esmeralda interferiu:
— Não, imagine! Ela não aceitou de graça, nem a mãe dela; não quiseram nem ouvir falar nisso. Na verdade, eu precisei convencê-las a aceitarem a minha oferta e só aceitaram com a condição de pagarem aluguel. Estavam com receio de atrapalhar o meu sossego! Mas as dependências são bem separadas e elas insistiram em separar as despesas também.
Jane não se agüentou:
— Nós fizemos um acordo lá; é verbal ainda, claro. Porém, assim que eu me estabelecer, antes do fim do ano, faremos um contrato de aluguel por escrito. Está bem assim para você, Broderic?
Rory ignorou o tom sarcástico e respondeu como se tivesse todo o direito de opinar e decidir:
— Está sim. Podemos deixar isso para mais tarde.
— Acho que minha madrinha está ficando cansada — disse Jane.
— Vou fazer um chá, por enquanto; depois preparo uma refeição melhor. Se quiser, eu vou buscar as costeletas, assim não precisará ter o trabalho de voltar aqui. É só me dizer onde estão. Uma boa caminhada até que me fará bem.
— Depende do que você chama de boa caminhada. É só subir a colina pelo bosque. Logo ali, depois da garagem, tem uma trilha bem marcada; a casa fica lá em cima. Acho que é uma boa idéia você ir, sim.
A princípio, Jane não entendeu, mas logo percebeu que o que ele queria talvez fosse ficar a sós com ela para poder falar o que quisesse sem receio de magoar Esmeralda. Pois ela não iria deixar que aquele desconhecido arrogante estragasse aquele acordo que era uma resposta às suas preces, em todos os sentidos.
Rory recusou o chá que Esmeralda lhe ofereceu. Jane fez com que ela se acomodasse numa poltrona, os pés apoiados num pufe.
— Ah, minha filha, você está me mimando demais! — riu ela.
— Vou ficar mal acostumada... Não sabia que era tão bom ter uma afilhada! Ainda bem que você veio junto, porque, depois de todo esse tempo em Oamaru, com tanta companhia, eu iria me sentir muito solitária, aqui nesta casa.
Depois do chá, Jane deixou Esmeralda cochilando na poltrona e foi buscar a carne. Em outras circunstâncias, teria se encantado com a beleza do bosque, as tonalidades das folhas, as pedras cobertas de musgo, os arbustos, as florzinhas montanhesas, tudo o que seus olhos e sua sensível alma de artista costumavam captar por onde passava. Porém estava tensa demais. Broderic não tinha nada a ver com a presença delas na casa da madrinha, mas sabia que não seria agradável ouvir as objeções e acusações dele.
Subiu mais um pouco, sentindo o coração pulsar forte; atravessou um aglomerado de lilases e viu-se diante da casa da fazenda Starlight. Era uma construção tão sólida e em harmonia com a paisagem, entre rochas e vegetação, que parecia até ter crescido ali, e não sido construída. Devia ter sido o lar de no mínimo umas quatro gerações. Tudo ali sugeria segurança, firmeza, estabilidade, raízes... Gente assim não podia nem imaginar o que era insegurança, vida itinerante, transitoriedade. Jane sempre tivera só um abrigo provisório para a família.
Quantas crianças, de tantas outras gerações, não haviam brincado naquele jardim, olhado por aquelas enormes janelas... Quantos casais não teriam se namorado naquele terraço... E quantos avós não teriam se balançado naquelas antigas cadeiras...
Naquele momento tomou uma resolução: trabalharia o máximo que pudesse, na pintura e em outras atividades, e juntaria dinheiro para comprar uma casinha por ali, onde pudesse fazer um lar, sem depender de favores nem ter que ouvir insinuações ofensivas de um homem hostil como aquele.
Broderic saiu na varanda para recebê-la. Jane encarou-o de cabeça erguida, olhando bem dentro daqueles olhos castanhos e altivos. A expressão dele era indecifrável. Sem dizer nada, fez com que ela entrasse.
Por dentro, a casa era confortável, aconchegante e muito bem cuidada. Só faltava um toque feminino, alguns vasos com flores e outros enfeites.
A cozinha estava em ordem, apesar de um par de botas com lama seca num canto e algumas ferramentas em cima da mesa, ao lado da cesta de mantimentos. Não havia louça suja na pia.
Broderic sentou-se à cabeceira da mesa, cruzou os braços e olhou para ela, analisando-a. Jane olhou para a cesta preparada e, com estranha satisfação, foi retirando o pão, a manteiga e as frutas.
— Já comprei tudo isso em Alexandra, quando passamos por lá, muito obrigada. Esmeralda disse que não precisava comprar ovos, mas comprei outras coisas também. As costeletas de porco já bastam.
— Você sabe cozinhar?
— Mas é claro! Por que não saberia? Ah, já sei. Você acha que artistas não sabem fazer coisas práticas. Mas que ingenuidade! Pois eu sei fazer pratos típicos muito especiais. Esmeralda se deliciou com as tortas e os doces de mamãe. Essas coisas que uma pessoa sozinha nunca faz, naturalmente. Eu acho que a sua protegida vai ficar muito bem cuidada, senhor Broderic. Até parece que está pensando que somos um bando de aproveitadores!
— E será que não são? Até agora, não vi nada que me provasse que vocês são diferentes do velho Henry. Esmeralda é uma pessoa muito bondosa e atrai sempre gente assim. Precisa de alguém que a proteja.
Jane encarou-o sem medo.
— Pois garanto que vai mudar de opinião em poucos meses. Todo mundo adora minha mãe, ela é uma pessoa alegre, comunicativa, cheia de energia e otimismo. Só não conseguiu conquistar meu avô, mas esse também não tinha jeito. Vai ver como será bom para a minha madrinha ter a nossa companhia. Ela já melhorou tanto! Laurie e Louise estão adorando ter uma avó, afinal, e vão cobri-la de carinho. Eu sei que você sempre cuidou dela muito bem, mas isso tudo é diferente... — Fez uma pausa e continuou: — Neste exato momento, diante da sua atitude, a minha vontade seria de voltar correndo para Oamaru, mas, quando se tem uma família para sustentar, a gente não pode se dar ao luxo de ser muito suscetível, tem que engolir alguns desaforos. Ah, não precisa ficar constrangido... não estou procurando compaixão ou simpatia, apenas afirmando que não tenho condições financeiras para ter uma atitude orgulhosa. E, além disso, agora que encontrei Esmeralda, não me separaria mais dela. Eu adoro minha madrinha!
Ele semicerrou os olhos.
— É claro, para você ela é como uma fada-madrinha, por enquanto! Está bem de saúde e não dá trabalho, mas, afinal, já está com oitenta anos. O que vai fazer, se ela ficar paralítica ou se o problema do coração piorar? Não quero que ela seja abandonada de novo. E já vou avisando: se está pretendendo se instalar aqui com a sua família e depois internar Esmeralda em algum asilo, se ela ficar doente, eu expulso vocês todos daqui no mesmo instante. Vocês serão inquilinos daquela casa só enquanto Esmeralda viver.
Jane ficou branca e com esforço conteve a raiva.
— E o que você tem com isso? Sei que a conhece há muito tempo, masnão é parente dela. Nós somos parentes, através do casamento do meu avô, é claro, mas existe uma ligação de família. Acho muito estranha essa sua atitude... parece até que tem algum outro motivo oculto.
— Eu tenho um motivo, sim, mas não oculto. Vou lhe dizer o que tenho a ver com isso, já que quer saber. Acontece que sou... bem... o curador dos bens de Esmeralda. Antes de mim, foi meu pai, e pode estar certa de que não vou deixar ninguém se aproveitar dela.
Jane pegou a sacola.
— Ah, sei, é bastante compreensível, mas fique sabendo que de nós Esmeralda só receberá benefícios. Tenho certeza de que daqui a um mês você estará engolindo tudo o que me disse e, embora nunca vá admiti-lo, ficará contente com a nossa vinda!
Já ia se encaminhando para a porta quando a voz dele a deteve.
— Acho bom não falar nada a Esmeralda sobre essa nossa conversa. É diante dela é melhor tratarmo-nos bem, para que não perceba as hostilidades. É melhor me chamar de Rory também. Não quero aborrecê-la com nada.
Ela o fitou com frieza, os olhos verdes brilhando.
— Quanto a isso, pelo menos, estamos de acordo. Eu também não quero aborrecê-la. Mas acho que não vou conseguir chamá-lo de Rory, isso é um apelido carinhoso para os amigos, o que não é o nosso caso, naturalmente. Vou chamá-lo de Broderic. E pode ficar sossegado que vou lhe prestar contas do aluguel e de tudo o mais. Aliás, já paguei um adiantamento. — Deu mais três passos, parou de novo e olhou-o por sobre o ombro. — Só mais uma coisa: quero que trate bem minha mãe e minhas irmãs para que se sintam bem-vindas, senão não vou esconder de Esmeralda a minha opinião a seu respeito!
E saiu sem bater a porta.
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CAPITULO III
Apesar de tudo, na manhã seguinte Jane acordou sentindo-se alegre e bem-disposta. Talvez por causa do sol brilhando, o canto dos pássaros e o rumor das águas correntes.
Foi até a janela, puxou as cortinas e ficou contemplando, fascinada, a árvore florida à margem do riacho. Realmente, o lugar era paradisíaco; nada de poluição e ruídos. O silêncio e a paz eram tão grandes que era possível ouvir o bater de asas dos pássaros. E a variedade de aves, então! Não se cansava de admirar e descobrir a cada instante um tipo com plumagem diferente. Até que resolveu ir lá fora e alimentá-los com migalhas de pão. Vestiu um roupão e passou pelo quarto de Esmeralda.
A madrinha, que estava à janela, virou-se para ela e sorriu de pura felicidade. O sol, batendo em seus cabelos brancos, dava-lhes um brilho prateado. Jane aproximou-se e beijou-a no rosto.
Vou lhe trazer o café no quarto, madrinha. Num instante eu preparo tudo.
Não precisa, basta uma xícara de chá, por enquanto. Quero fazer a minha primeira refeição com você. É tão bom ter companhia e saber que vai ser para sempre! Não quero perder um minuto sozinha no quarto ou na cama. Na minha idade, todos os instantes são preciosos, principalmente agora que você está comigo.
Espero chegar à sua idade com a mesma disposição da senhora e o mesmo entusiasmo de viver! Enquanto a água ferve, vou até lá fora levar um pouco de pão para os passarinhos.
Enquanto espalhava as migalhas na mesa do caramanchão, Jane ia cantando uma conhecida canção popular. Sentia que tudo iria bem agora, apesar da desconfiança daquele homem, lá na casa da fazenda.
Olhava em redor de si e sorria encantada como se estivesse num mundo de sonho. Correu para dentro, feliz, e seu roupão de algodão amarelo esvoaçou à brisa da manhã.
Cortou fatias de pão preto, passou manteiga e arrumou tudo na mesa, com o bule e as xícaras de chá. Juntas, comeram e conversaram, contentes; depois lavaram a louça, arrumaram as camas e foram conhecer a parte da casa onde Jane se instalaria com a família.
Todas as portas davam para o corredor alto em que Rory dependurara os vasos de plantas para Esmeralda. No fundo havia uma porta trancada que separava a parte alugada da casa.
— Não vamos mais precisar desta chave, agora — disse Jane —, seremos uma família de verdade. Eu sempre achei que uma família, para merecer este nome, deve ter no mínimo três gerações. E finalmente consegui isso.
A porta dava para uma sala de estar com pouca mobília e ficaria ideal com as peças que trariam de Fiji.
— É claro que vocês irão assistir tevê comigo todas as noites, ou então poderemos jogar, ou apenas ler juntas — disse Esmeralda.
Depois, onde tinha sido o refeitório, ficava a cozinha, que era muito bem equipada. Tinha, inclusive, uma enorme geladeira com congelador na parte de cima. Dali se passava à lavanderia e a um pequeno banheiro com chuveiro. Havia um outro banheiro grande perto dos quatro quartos, que davam para um mesmo corredor e que tinham sido salas de aula.
— Se você quiser ficar dormindo no quarto em que dormiu ontem, ao lado do meu, sobrarão dois quartos para você e sua mãe fazerem o ateliê. Pode ser nos dois últimos, que são os mais iluminados — disse Esmeralda, abrindo as portas. — Os quartos não são luxuosos, mas os colchões são bons. Gosto que as pessoas durmam com conforto. As camas eu ganhei da mãe de Rory, quando ela redecorou a casa dela. Assim fiz uma boa economia. Então, o que acha?
Jane abraçou-a.
— Simplesmente maravilhoso, madrinha! É perfeito. Nós temos roupa de cama e cobertores, claro, e algumas peças de mobília de que mamãe não se separa nunca. Louças, quadros e enfeites, uma porção de coisas. Vamos mandar trazer de lá... quer dizer, a senhora tem mesmo certeza de que quer que a gente venha?
Esmeralda virou-se de frente e encarou-a.
— Jane! Eu sempre quis ter companhia. Tinha medo de não poder mais continuar aqui sozinha por causa da minha idade e ter que me afastar deste lugar que eu amo tanto. Essas montanhas, meu jardim, meus passarinhos... Vocês estando comigo, eu me sinto mais segura e sei que não vou precisar me mudar para nenhum asilo. Não quero mais que você fale em estar me atrapalhando. Vocês estão me dando amor, segurança, paz de espírito, e isso é muito mais precioso do que o teto que eu estou lhes oferecendo. Agora chega de conversa fiada e vamos começar a preparar tudo isto aqui. E nada de me impedir de ajudar. Vai ser menos cansativo do que jardinagem. Jane assentiu.
A que horas a senhora abre a loja, madrinha?
Não tem hora certa. Depois eu lhe mostro como trabalhamos. Rory colocou um interfone lá na entrada e uma placa, avisando os turistas para tirar o fone do gancho e chamar, quando querem alguma coisa. Daí eu vou atender. Às vezes avisam com antecedência que vai chegar um ônibus cheio de turistas.
Jane estava deslumbrada. Como era gostoso preparar um lar! Foi até a camioneta e pôs-se a descarregar a bagagem. Tinha trazido o máximo possível para economizar no frete da carga. A primeira coisa que arrumou foi o ateliê. Montou o cavalete e armou uma mesinha onde arrumou os potes de tinta, os pincéis e jarras que usava. Trouxe uma pequena estante da sala, por sugestão de Esmeralda, onde guardou seus livros sobre pintura e estudos fotográficos.
Sobre a lareira colocou as fotos do padrasto, da mãe e das gêmeas. Esmeralda acrescentou um vaso de flores, dando um toque alegre ao ambiente.
Jane afastou-se um pouco para contemplar a arrumação.
— Ah, nem acredito! Que beleza! Lugar para tudo outra vez. Estava ficando maluca, lá naquele apartamento. Falta de espaço, barulho de trânsito... Tinha um ponto de ônibus bem diante da nossa porta... Aqui, sim, vou poder pintar de verdade!
Nesse momento, Esmeralda virou-se para a porta e ela fez o mesmo. Lá estava Broderic.
— O principal vai ser poder vender os quadros — disse ele.
Jane resolveu manter-se calma.
— Concordo com você. Em geral, as pessoas que vivem de arte passam certas dificuldades e às vezes sentem medo. Mas, se não ousassem começar, se não abrissem mão da segurança, da comodidade e... dessem ouvidos às dúvidas dos outros, o mundo seria bem mais pobre. Isso pode parecer arrogante e pretensioso, mas qualquer atividade criativa necessita de fé. A pessoa precisa acreditar na sua própria habilidade.Estou decidida a levar avante o sonho de papai e acredito que vou ter sucesso aqui. Mas, se por acaso isso não acontecer, bem... posso trabalhar em outras coisas, como já fiz várias vezes, e ganhar o dinheiro necessário. Quero que minha mãe saiba o que é ter um lar e segurança. Afinal, ela já não é tão jovem.
Esmeralda riu.
— Nossa, que discurso! Nunca vi Rory escutar tanto sem dizer nada. Gostei de ver.
Ele caiu na risada.
— É que eu estava esperando uma chance para poder aplaudir tanta eloqüência.
O telefone tocou e Esmeralda foi atender. Jane olhou bem nos olhos de Broderic e falou:
— Se quis fazer com que eu me sentisse uma tola por defender o meu ponto de vista, enganou-se redondamente. Eu repito: acho que tenho capacidade para pintar e tino comercial suficiente para tirar proveito disso.
Ele sorriu.
Eu também acho e admiro a sua coragem. Mas, como já disse, protejo os interesses de Esmeralda. Ela já está muito idosa para se decepcionar de novo. E se isso não for apenas uma aventura inconseqüente, vou ser o primeiro a aplaudir o seu sucesso.
Muita gentileza sua.
Esmeralda voltou para perto deles e Broderic falou:
Vou a Maunga-Whetu para fazer umas compras. Acho que você vai precisar de muita coisa, depois de ter estado mais de um mês fora, não é Esmeralda?
Vou precisar, sim, obrigada. Ah, Jane, você não devia tirar esse avental de pintura, é uma boa propaganda e fica tão engraçadinho em você!
Jane sorriu, mas tirou o avental com manchas de tinta e colocou uma jaqueta que deixara dependurada atrás da porta.
Isso é só para usar quando estou trabalhando — disse ela. Depois passou um batom rapidamente e pegou uma sacola de compras grande. — Acho que não vai caber tudo, aqui. Será que eles me arranjam uma caixa para trazer os meus mantimentos?
Arranjam, sim — disse Broderic. — Mas quem vai fazer as compras não é Esmeralda?
Não, isso agora é por conta da minha família. Pelo amor de Deus, nem toque nesse assunto, agora. Eu passei quase a noite inteira, ontem, para convencer a minha madrinha. Já estamos pagando tão pouco de aluguel! E depois ela acabou confessando que já está um pouco cansada de cozinhar e prefere comer conosco. Quem cozinha para quatro cozinha para cinco, não faz a menor diferença. Esmeralda precisa parar um pouco de só fazer benefícios para os outros; agora está na hora de receber um pouco. Estamos dispostas a cuidar muito bem dela.
Teve a impressão de que Broderic a olhou com respeito, o que era uma mudança.
Ele sorriu.
— É verdade, Esmeralda, você sempre fez o bem para todos, a vida inteira, agora precisa aprender a receber.
Esmeralda admirou-se:
Broderic! E logo você vai me dizer uma coisa dessa?! Se não fosse você, eu não...
Chega dessa conversa fiada — disse ele. — Tome a sua sacola. Não podemos ficar aqui o dia inteiro. O carro está logo em frente.
Broderic apresentou Jane ao dono do armazém como a afilhada de Esmeralda que tinha ido morar com ela. Era mais fácil do que explicar todo o complicado parentesco. Disse apenas que antes Jane morava em Fiji e agora resolvera mudar-se para lá; logo viriam também a mãe e as irmãs. Acrescentou também que era pintora.
Alun Hughes, o dono do armazém, perguntou se ela iria fazer conta para pagar por mês.
Não. Vou pagar por compra. O senhor sabe, nós não somos ricos e assim é mais fácil controlar. Só compro o que dá com o meu dinheiro.
Seria bom que mais gente pensasse assim — disse ele. — Os fazendeiros me pagam por mês, mas eu preciso pagar os fornecedores toda semana. Não que eu tenha queixa dos meus fregueses — acrescentou ele depressa, com um sorriso obsequioso, olhando para Broderic.
O vilarejo era um encanto. O jardim central, muito bem cuidado, com árvores floridas fazendo sombra para os bancos, as ruas limpas, as casas alinhadas simetricamente em torno da praça. A igreja era feita de pedras, rústica, pintada de branco por dentro e com vitrais coloridos nas janelas. Atrás ficava um pequeno cemitério bem cuidado, cercado de pinheiros.
Ao lado da igreja ficavam uma hospedaria e um Centro para a juventude que, embora de construção moderna, não destoava da paisagem.
O armazém era num prédio antigo, mas fora modernizado por dentro e as mercadorias estavam dispostas separadamente, quase como num supermercado, a única diferença sendo que o freguês era atendido pelo dono e não havia caixas registradoras na saída.
Na frente ainda se conservavam os velhos postes onde antigamente se amarravam os cavalos. E mesmo agora, como naquele momento, via-se algum cavalo por ali. Aquele era um belo e bem tratado animal, e Jane teve vontade de pintá-lo.
Não demorou muito para que Jane ficasse sabendo que Rory jantava na casa de Esmeralda desde que os pais se mudaram para o norte: foi Lisel quem falou.
Lisel era uma criatura meiga e doce, de longos cabelos loiros que usava trançados e presos no alto da cabeça, e de olhos azuis como safiras. Exatamente como se imagina ser uma moça austríaca. A casa em que morava com o marido era um pouco melhor que a dos outros casais que trabalhavam na fazenda.
Isso é porque Rory é um excelente patrão — explicou Lisel. — Antes de nos casarmos, Hamish vivia no alojamento dos colonos solteiros. É lá que mora o pessoal da tosquia do rebanho. O casal que morava nesta casa foi embora um pouco antes de nós chegarmos. Hamish foi para Innsbruck conhecer a minha família e lá nos casamos. Enquanto isso, Rory teve a gentileza de mandar fazer a sacada e as jardineiras sob as janelas, com gerânios, para que eu sentisse um pouco da Áustria aqui na Nova Zelândia. Ele foi tão atencioso, não acha?
Extremamente atencioso — concordou Jane. — Mas eu tenho certeza de que devem ter ficado muito contentes com a escolha de Hamish. Você é tão alegre, bem-humorada, gosta de animais e se dá bem aqui. Muitas esposas não se acostumariam a esta vida, tendo sido criadas na cidade. E você se adaptou bem, não é? Este jardim deve ser criação sua, naturalmente. A gente percebe um arranjo diferente de flores.
Ah é, eu plantei muitas flores de montanha, embora tenha canteiros dos tipos mais variados.
Está lindo, Lisel! Só não sei como acha tempo para cuidar disso tudo e manter as flores assim tão bonitas! E você ainda cuida da casa de Rory e faz comida para ele!
Lisel riu.
É bom receber um dinheiro extra. Eu gosto de ter sempre uma boa reserva, porque, se alguém da minha família fica doente e precisa de mim, posso pegar um avião e ir imediatamente, ou então posso levar as crianças de vez em quando para vê-los. E não é tão pesado assim o trabalho. Faço limpeza duas vezes por semana e preparo só o almoço de Rory, pelo menos era assim antes.
Antes de quê? — quis saber Jane.
Antes de Esmeralda ir passar o mês com vocês, Rory sempre jantava com ela, para fazer companhia e obrigá-la a se alimentar direito. Sabe como é, pessoa de idade, quando fica sozinha, negligencia a alimentação. Além disso, era uma ajuda em outro sentido também...
Você quer dizer que ele pagava pelas refeições?
Não... — Lisel hesitou. — Bem, sabe como é, as verduras e legumes são da fazenda mesmo, e a carne também. Os doces, bolos e pudins é que ficavam por conta de Esmeralda. O supérfluo, como ela diz.
Quer dizer que a minha mudança para cá vai lhe dar mais trabalho, Lisel?
Só um pouquinho, mas eu não me importo. Rory é muito paciente com as crianças, mais do que a maioria dos solteirões. Talvez ele prefira um pouco mais de sossego no fim do dia, mas...
Jane tomou uma decisão impulsiva:
— Lisel, acho que vou procurá-lo e dizer-lhe que as coisas devem continuar como antes. Ele vai jantar conosco e, depois que mamãe chegar com as meninas, se ele preferir, pode comer separado, só com Esmeralda. É só uma questão de combinarmos.
Jane sabia onde Rory estava trabalhando e sabia que estava sozinho, o que seria ideal. De manhã ele passara pela casa de Esmeralda e, com a intimidade de um neto, roubara uns bolinhos, enquanto dizia que iria até o riacho retirar uns galhos

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