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Resenha O Suicídio – Émile Durkheim Émile Durkheim elaborou a sua famosa tese O Suicídio em 1897, em seguimento às obras Da divisão do Trabalho Social (1893) e As Regras do Método Sociológico (1895). Para desenvolver a sua tese, Durkheim utilizou uma classificação etiológica (referente às causas), do suicídio, ao invés de uma classificação morfológica (referente ao tipo). De acordo com a teoria durkheimiana, o que garantia a vida em coletividade e a coexistência em sociedade era a ligação entre as pessoas por meio de uma solidariedade social; essa solidariedade social proporcionaria a necessária coesão social que manteria o grupo unido, e serve de fundamento à sua teoria social. A base da tese durkheimiana é a solidariedade social. Segundo a sua concepção, nas sociedades primitivas, ou de organização social mais simples (o clã e a tribo, por exemplo), haveria uma maior identificação entre os indivíduos e um acentuado sentimento de pertencimento ao grupo, o que acarretaria na conformação de uma consciência coletiva muito acentuada e numa consciência individual muito atenuada, devido ao fato de os indivíduos ligarem-se diretamente às sociedades. Nessas sociedades a coesão social se consolidaria por meio de uma solidariedade mecânica. Por outro lado, as sociedade complexas, sociedades modernas, como por exemplo, a europeia do século XIX, caracterizam-se por uma forte diferenciação e interdependência entre os indivíduos; nelas a consciência individual estaria muito acentuada, ao passo que a consciência coletiva estaria muito atenuada. Ainda segundo Durkheim, nestas sociedades complexas a coesão social se dá por meio de uma solidariedade orgânica. Durkheim fez da obra O Suicídio um exemplo do modelo metodológico proposto em sua obra As Regras do Método Sociológico, fazendo meticuloso uso de métodos estatísticos, através de censos, mapas estatísticos e dados qualitativos e quantitativos dos caos de suicídios em diversos países do ocidente europeu, a partir dos quais, extraiu as suas análises e deduções, que o levaram a conceber os três tipos de suicídio: o altruísta, o egoísta e o anômico. O suicídio altruísta Segundo Durkheim, o suicídio altruísta é característico das sociedades mais simples, onde a consciência coletiva é muito acentuada e, portanto, a consciência individual é muito atenuada. Nelas o homem está fortemente integrado ao grupo e a individualidade se anula. Ele está relacionado ao predomínio da consciência coletiva sobre uma fraca consciência individual. O autor usa como exemplo algumas sociedades antigas nas quais o costume estabelecia que as mulheres deveriam suicidar-se quando da morte do marido, juntamente com os seus serviçais (p.273); um exemplo contemporâneo desse tipo de suicídio seria, segundo Durkheim, o sacrifício de militares, na guerra, que perdiam a sua vida por idealismo em defesa da pátria. Ainda segundo Durkheim, nas sociedades primárias o suicídio egoísta era desconhecido, porém o suicídio altruísta era largamente praticado. Nelas, embora não houvesse uma imposição formal, existia uma coerção moral muito forte, um sentimento de dever que impelia o indivíduo a praticá-lo; assim, embora a sociedade não a impusesse formalmente, ela lhe era favorável e lhe atribuía uma valor de virtude; logo, um “prêmio social” estava ligado ao suicídio altruísta, e era em vistas dos fins sociais que a sociedade impunha esse sacrifício (p.273). Durkheim chama o suicídio altruísta de ativo, ao passo que chama o suicídio egoísta de depressivo. Suicídio egoísta Segundo Durkheim, nas sociedades complexas predomina o suicídio egoísta; nela a consciência coletiva é muito reduzida e as condições de sociabilidade contribuem para que a consciência individual esteja muito desenvolvida. Em consequência, o indivíduo está menos integrado à coletividade e mais individualizado; nelas, os indivíduos se unem não porque são parecidos, mas porque são interdependentes na esfera social, como diferentes organismos de um mesmo corpo. Segundo Durkheim, o suicídio egoísta ocorre quando o indivíduo não está devidamente ligado à sociedade, e geralmente encontra-se isolado dos grupos sociais (família, amigos, comunidades, etc.); ele é mais comum nos grandes centros urbanos, locais de concentração de indústria, de comércio e das finanças. Ainda segundo Durkheim, o suicídio egoísta está relacionado ao afrouxamento dos laços do indivíduo com a sociedade e, em consequência, o estado de individualização exagerada leva à apatia (p.363); nessas condições, “o indivíduo é tomado de uma languidez melancólica que o deixa sem ação; uma indiferença para com o mundo exterior, do qual desliga-se, voltando-se para dentro” (p.357). A partir da análise dos mapas de suicídio na Europa Durkheim concluiu que a incidência de suicídios era maior entre protestantes do que entre católicos e judeus (p.177). Isso estaria relacionado, segundo ele, à prática do livre exame de consciência entre os protestantes e a uma menor proporção entre de pastores e fies entre os mesmos (p.186) que, juntamente com outras características, fazem do protestantismo uma Igreja menos integrada que a católica; essa ausência de coesão tornaria o fiel mais vulnerável à prática do suicídio. No caso do judaísmo, a baixa taxa se explicaria devido às condições de minoria no seio de outras sociedades, o que os levaria a uma maior coesão social na busca pela sobrevivência (p.188). Estados Média de suicídio /milhão de habitantes Estados Protestantes 190 Estados mistos (católicos e protestantes) 96 Estados católicos 58 Durkheim concebe ainda que, quanto mais desenvolvida a civilização, maior a predisposição ao suicídio; e que, quanto mais elevado o nível de escolaridade, maior é a propensão ao suicídio. Ainda segundo o autor, nos períodos de guerra a tendência ao suicídio diminui, graças ao maior grau de integração (coesão) entre os indivíduos, como, por exemplo, durante a Guerra franco-Prussiana (1870-1871). Suicídio anômico Segundo Durkheim, quando a sociedade passa por mudanças bruscas a taxa de suicídios tende a aumenta, seja uma crise econômica ou em virtude de do crescimento da economia e prosperidade. Então, em virtude de suas características próprias, as sociedades contemporâneas estavam sujeitas a momentos de crises e sobressaltos; a esse fato social patológico ele chamou de anomia, a qual tem efeitos perturbadores na vida dos indivíduos afetados, ocasionando a perda de identidade e de referenciais. Ele concebeu a anomia como um estado de patologia social no qual a sociedade perdia a sua influência benéfica de prover harmonia ao corpo social. Durkheim observou que na França, de 1845 a 1869, houve três ocasiões de elevações súbitas de falências, sintoma de crise econômica. Enquanto no período considerado o número médio de falências era de 3,2%, ele chegou a 26% em 1847, a 37% em 1854 e 20% em 1861. Nesses três momento o autor constatou também u8ma ascensão excepcionalmente rápida no número de suicídios. Enquanto nesses 24 anos a média anual de suicídios era de 2%, ela chegou a 17% em 1847, 8% em 1854 e a 9% em 1861. Por outro lado, Durkheim constatou que os momentos de vertiginosos aumento da prosperidade não acarretava uma redução do número de suicídios. Ele observou que a unificação da Itália em 1870 inaugurou uma fase de prosperidade e otimismo para o país, que experimentou um surto de crescimento da economia, na indústria, no comércio, no consumo e um aumento dos salários, porém, adversamente, paralelamente a esse renascimento coletivo ele constatou um crescimento excepcional no número de suicídios. Ano 1864 a 1870 1871 1872 1873 1874 1875 1876 1877 Média Nº de suicídios 29 31 33 36 37 34 36,5 40,6 30%Durkheim observou que algo semelhante ocorreu na Prússia, após a unificação alemã, que sofreu um vertiginoso crescimento econômico no período de 1875 a 1886, durante o qual a riqueza, a economia e a prosperidade aumentaram, todavia o número de suicídios aumentou em 90,6% no período, passando de 3.278 em 1875 para 6.286 em 1886. Acerca do suicídio anômico, Durkheim concluiu que quando a sociedade é perturbada por uma crise ou por transformações favoráveis, todavia muito repentinas, ela fica provisoriamente incapaz de exercer a sua função (benéfica) de harmonia no corpo social sobre os indivíduos; nesse sentido, Durkheim conclui que da condição de anomia provém as bruscas ascensões da curva de suicídios. Por fim, cabe destacar que Durkheim, na obra O suicídio, estava preocupado em estabelecer uma lei geral acerca do suicídio, conforme concebeu nas suas As Regras do Método sociológico, à maneira das ciências empíricas do século XIX. Concebendo o homem como produto da sociedade, ele diagnosticou que o suicídio era um fenômeno social e não biológico ou meramente psicológico (individual). Referência bibliográfica: DURKHEIM, Èmile. O Suicídio. Editora Martins Fontes , São Paulo, 2000.