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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ 
CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES 
COLEGIADO DE PEDAGOGIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EDUCAÇÃO DO CAMPO: PERSPECTIVAS E REALIZAÇÕES NAS 
ESCOLAS ESTADUAIS LOCALIZADAS NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LUCIVANA PELICIOLI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CASCAVEL 
ABRIL / 2008 
 
 
8 
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ 
CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES 
COLEGIADO DE PEDAGOGIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EDUCAÇÃO DO CAMPO: PERSPECTIVAS E REALIZAÇÕES NAS 
ESCOLAS ESTADUAIS LOCALIZADAS NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LUCIVANA PELICIOLI 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Curso de 
Especialização em História da Educação 
Brasileira do Colegiado de Pedagogia da 
Universidade Estadual do Oeste do Paraná 
– Campus de Cascavel, como parte dos 
requisitos para a obtenção do título de 
Especialista, sob a orientação da Professora 
Ms. Margarete Apª Nath. 
 
 
 
 
 
 
 
 
CASCAVEL 
ABRIL / 2008 
 
 
9 
LUCIVANA PELICIOLI 
 
 
 
 
 
 
EDUCAÇÃO DO CAMPO: PERSPECTIVAS E REALIZAÇÕES NAS 
ESCOLAS ESTADUAIS LOCALIZADAS NO MUNICÍPIO DE CASCAVEL. 
 
 
 
 
BANCA DE DEFESA 
 
 
Profª Mestre Margarete Aparecida Nath (Orientadora) 
Prof. Dr. Paulino José Orso 
Prof. Mestre André Paulo Castanha 
 
 
 
 
 
 
Cascavel, 29 de março de 2008. 
 
 
 
10 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A sobrevivência da vida humana depende da mãe natureza, 
e principalmente, de quem irá cultivá-la. 
(autor desconhecido) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 
Agradeço primeiramente a Deus, por estar sempre me iluminando e ter dado as condições 
de realizar este trabalho; 
 
À minha família, pelo apoio e compreensão nos momentos que foram dedicados a esta 
construção; 
 
À minha professora orientadora, pelo apoio, paciência e dedicação junto a mim; 
 
 
Ao corpo docente do Curso de Especialização em História da Educação Brasileira, 
que não mediram esforços em repassar um pouco de seus conhecimentos. Mestres 
na arte de educar; 
 
Às Escolas Estaduais do campo no município de Cascavel, pela recepção e 
informações prestadas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
SUMÁRIO 
 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
Nesta pesquisa pretende-se estudar a educação da população que vive e estuda em 
escolas localizadas no campo, no município de Cascavel, vinculadas à rede Estadual de 
Educação. 
 
INTRODUÇÃO 
 
 07 
 CAPÍTULO 1 09 
1.TRAJETÓRIA HISTÓRICA: A ORGANIZAÇÃO DO CAMPO AO LONGO DA 
HISTÓRIA 
 09 
1.1 MST - A LUTA PELA EDUCAÇÃO E PELA TERRA NASCERAM JUNTAS 18 
CAPÍTULO 2 25 
2. AS LEGISLAÇÕES QUE REGEM A EDUCAÇÃO DO CAMPO 25 
2.1 A EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DAS LEGISLAÇÕES NACIONAIS 25 
2.2 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NAS DIRETRIZES DO ESTADO DO PARANÁ 34 
 CAPÍTULO 3 39 
3. O PROJETO DE EDUCAÇÃO DO CAMPO NAS ESCOLAS ESTADUAIS DE 
CASCAVEL LOCALIZADAS NO INTERIOR DO MUNICÍPIO 
 38 
3.1 A REALIDADE DE CADA ESCOLA DO CAMPO 39 
3.2 ALGUMAS REFLEXÕES NECESSÁRIAS 53 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 60 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 62 
 
 
 
 
 
 
 
13 
Para refletir e entender esta questão, é importante retomar os acontecimentos que 
marcaram a história brasileira no que se refere a esta temática. O contexto histórico aborda 
dede 1.500, com o início da ocupação portuguesa no Brasil, como o campo foi se 
organizando ao longo destes 507 anos e no caso específico da educação, será tomado como 
base a constituição de 1988, quando a educação passou a ser um direito público subjetivo 
e, a partir disto, esta especificidade começou a ser levada em conta. 
Assim, abordamos teoricamente, através de pesquisa bibliográfica como aconteceu 
a ocupação da terra, bem como o sistema educacional relacionado ao campo, em nível de 
Brasil. Este trabalho compreende uma verificação prática de como está se realizando a 
educação do campo em relação ao Ensino Fundamental, II segmento e ao Ensino Médio, 
na atualidade, ou seja, durante o governo do Estado Roberto Requião com a criação do 
Departamento de Educação do Campo na Secretaria de Estado da Educação e com o 
lançamento das Diretrizes Curriculares Paranaenses para a Educação do Campo, em 2006. 
No primeiro capítulo apresentamos uma retomada da questão agrária desde a época 
do descobrimento do Brasil, levantando os principais elementos em torno desta questão. 
Em seguida fazemos uma pequena abordagem em relação ao Movimento dos 
Trabalhadores Rurais Sem Terras - MST, que, ao falar deste assunto é de primordial 
importância falar deste movimento, que, foi o responsável por esta questão, ter sido posta 
em debate no cenário nacional. 
O segundo capítulo mostra as legislações, iniciando pela constituição de 1988, que 
assegura a educação como um direito, pois é neste contexto que a luta pela educação do 
campo ganha força. Serão analisadas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 
1996, as Diretrizes Operacionais para a Educação básica aprovadas em 2002, as 
considerações e prerrogativas do MST em relação à temática e as Diretrizes Curriculares 
Paranaenses sobre a educação do campo de 2006. 
Desta forma, o terceiro capítulo traz a pesquisa realizada nas oito escolas do campo 
da rede estadual de Cascavel. Nestas entrevistas buscou-se perceber a realização prática 
das propostas, confrontando o que está nas legislações e o que ocorre no dia-a-dia das 
escolas. 
 Este estudo tem como objetivo analisar a escolarização que a população está 
recebendo, e verificar até que ponto há uma diferenciação que considere esta 
 
 
14 
especificidade, ou se é a mesma educação realizada em uma escola da zona urbana. Há 
um diferencial, assegurado em lei e apontado em documentos oficiais. 
 Esta pesquisa torna-se importante pela discussão do tema, este ainda no seu 
processo inicial de construção. Toda a produção sobre o mesmo é bastante restrita e 
recente e ela necessita estar presente no dia-a-dia da escola, e principalmente, ser 
compreendida por todos os seus membros. A partir das Diretrizes Nacionais e Estaduais, 
pretende-se analisar em que medida se concretizam na prática essas diretrizes, ou seja, se 
verificará a sua efetivação ou não nas escolas pesquisadas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 1 
 
 
1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA: A ORGANIZAÇÃO DO CAMPO AO LONGO 
DA HISTÓRIA 
 
 
15 
 
 
Para compreender a questão agrária no Brasil e o modelo educacional visível e/ou 
apontado nas escolas rurais brasileiras, mais especificamente nas escolas do campo (como 
denominam os integrantes do Movimento Sem-Terra) localizadas no município de 
Cascavel, Estado do Paraná, é importante remontarmos aos primórdios da colonização do 
território brasileiro. Neste sentido, é necessário que se reflita como o campo foi se 
constituindo ao longo da história e como o homem, principal ator neste cenário, foi 
formando e transformando seu contexto social, histórico, político, econômico e cultural em 
virtude das necessidades que foram se apresentando. 
Portugal, país consagrado como o “descobridor do Brasil” foi o primeiro a se 
aventurar na expansão marítima por obter a primazia em constituir-seem um Estado 
absolutista capaz de apoiar as grandes navegações e também por sua localização 
geográfica. O Estado absolutista formou-se pela união dos nobres com o propósito de 
salvar o feudalismo das ruínas. Assim, Portugal no século XV, ainda era um Estado em 
regime feudal, apesar deste regime estar se desagregando. Esta desagregação fora causada 
por um conjunto de fatores que se interagiram e se completaram como o crescimento 
populacional europeu, o desenvolvimento de técnicas agrícolas de produção e o 
renascimento comercial e urbano provocando decisivamente a transformação da vida 
econômica, política, social e cultural da Europa. 
Para melhor compreensão necessitamos relembrar que a terra é a base do sistema 
feudal. O servo podia usá-la, mas não era proprietário da mesma – devia tributos ao dono. 
A sociedade era basicamente rural, quase todas as pessoas viviam no campo. Portanto, 
pode-se afirmar que o Brasil nasce sob a égide do regime feudal. Como sinaliza Alberto 
Passos Guimarães 
[...] desde o instante em que a metrópole se decidira colocar nas mãos da fidalguia 
os imensos latifúndios que surgiram desta partilha, tornar-se-ia evidente o seu 
propósito de lançar, no Novo Mundo, os fundamentos econômicos da ordem de 
produção feudal (GUIMARÃES, 2005, p.39). 
Portugal estava num processo de desenvolvimento de forma que, apesar do capital 
comercial empregado no Brasil, não se obteve o mesmo resultado como na metrópole. A 
conjuntura era outra, não sendo possível fazer a transposição do mesmo movimento de 
desenvolvimento de Portugal para o Brasil. Em outras palavras, o processo de 
 
 
16 
transformação em andamento em Portugal foi impossibilitado de continuar no Brasil, 
pelas condições específicas da colônia. Guimarães esclarece que 
[...] não encontrando servos [...] o feudalismo colonial teve que regredir ao 
escravismo [...], teve, ainda, de dar outros passos atrás, em relação ao estágio 
mercantil, que correspondia ao seu modelo, restabelecendo muitos dos aspectos da 
economia natural. Mas em compensação pode desenvolver o caráter comercial de 
sua produção, não para o mercado interno, que não existia, mas para o mercado 
mundial [...]. Nenhuma dessas alterações a que se precisou amoldar-se o latifúndio 
colonial foi bastante para diluir o seu caráter feudal (GUIMARÃES, 2005, p. 44). 
 
 Em 1534 Portugal dividiu o Brasil em enormes quantidades de terra e entregou 
cada uma delas a um nobre português, denominado de capitão donatário, sendo este não 
exatamente dono daquela terra, mas responsável e pela permissão para doar pedaços de 
terras que ficaram conhecidos como Sesmarias. As fatias eram territórios chamados de 
Capitanias Hereditárias. A Coroa Portuguesa fez a distribuição das terras visando à 
implantação do modelo agro exportador através da “concessão de uso”, isto é, a terra era 
de direito hereditário, porém não podia ser vendida. As sesmarias eram entregues às 
pessoas que dispunham de capital para investirem no território brasileiro visando à 
produção de mercadorias para o mercado externo. Em síntese, não havia propriedade 
privada, pois as terras continuavam sob o domínio da Coroa Portuguesa. 
A escravidão foi a saída encontrada pelos colonizadores portugueses para resolver 
um grave problema: como conseguir mão-de-obra para colonizar o Brasil? Os povos que 
aqui viviam foram obrigados a se submeterem às leis, à cultura e ao modo de produção do 
colonizador. Os índios perderam o direito de caçar, pescar, plantar, além de perderem 
também sua liberdade, foram os primeiros escravos do Brasil. A partir do século XVII os 
portugueses passaram a utilizar escravos africanos no lugar dos indígenas. A colônia nascia 
para atender aos objetivos econômicos da metrópole. Primeiramente os produtos naturais e 
a posteori os produtos cultivados pela grande fertilidade do solo. Podemos afirmar que 
desde o início da colonização a produção brasileira é voltada para o mercado externo. A 
base de toda a economia das colônias era a plantation, ou seja, a combinação de três 
elementos: o latifúndio, a monocultura e a economia voltada para atender aos interesses do 
mercado externo. Concomitante também havia a produção para a subsistência da colônia, 
 
 
17 
de forma que a alimentação dos habitantes da colônia brasileira era função subsidiária da 
exportação. 
Nos primórdios da formação social e econômica do Brasil os primeiros sinais da 
formação do campesinato brasileiro se revelaram através do pequeno trabalhador, não 
remunerado que ao mesmo tempo não era escravo e nem senhor. Esta era a grande maioria 
da população livre da colônia que era composta de brancos pobres, negros e mulatos 
alforriados ou fugitivos, de índios que haviam se afastado de sua vida tribal e de mestiços 
de toda a espécie. Ou seja, estes, não sendo escravos, nem senhores de engenho, ou 
proprietários não encontravam nenhuma posição social estável. A terra era o principal e 
mais importante meio de produção, e conseqüentemente, a classe detentora da terra se 
sobrepunha sobre as demais. 
Anne Marie Speyer afirma que, foram os grandes ciclos que determinaram a 
localização do campesinato brasileiro: o surto açucareiro (cerca de 200 anos -1550 a 1750 - 
principalmente no nordeste brasileiro e algumas faixas do litoral leste), o ciclo do fumo e 
do algodão (1775-1820 substituindo o açucareiro tanto no sertão como na zona canavieira), 
o ciclo da borracha (1840-1902 na região amazônica), o café (no centro sul a partir de 
1830), o cacau e o sisal a partir do século XIX e mais recentemente o trigo e a soja no Sul e 
centro-oeste do país – o que se constata é que sempre a monocultura esteve voltada para a 
exportação, ou seja, nosso país é condicionado pelo mercado externo. A produção de 
alimentos para o mercado interno sempre foi caracterizada por uma produtividade 
relativamente baixa, e desde os primórdios da colonização o camponês brasileiro tem sido 
também um vendedor de gêneros alimentícios em feiras locais (SPEYER, 1983, p. 24). 
Nos séculos XVI e XVII o Brasil se tornou o maior produtor mundial de açúcar. 
Nas regiões onde se produzia a cana-de-açúcar a maioria das pessoas vivia no campo. As 
poucas cidades que existiam ficavam no litoral e eram uma espécie de portos para a venda 
de açúcar. 
Não houve diferenciação essencial entre campo e cidade na época colonial. A 
cidade era uma continuação das fazendas. O primeiro acontecimento marcante, que 
começa a alterar esta relação, como aponta Speyer, ocorreu a partir da instalação da 
Família Real no Brasil. A partir desta época, morar na cidade passou a ser equivalente a 
morar na Corte. Com isto, o distanciamento entre campo e cidade foi se aprofundando. 
Instalou-se em nosso país as instituições que representavam a escala de valores da nobreza 
 
 
18 
européia, e o capitalismo entra e passa a prevalecer de forma decisiva no Brasil, com a 
abertura dos portos, onde o Brasil poderia comercializar com outros países. A cidade passa 
a ser mais importante em termos culturais e políticos. Estimulou-se o crescimento destas, 
muitos produtos estrangeiros começaram a entrar no país, a população foi aumentando, 
surgiram novos prédios, o comércio se tornou mais variado e foram criadas instituições 
como a Biblioteca Real, Escola de Medicina, entre outros. A Coroa, para cobrir os vastos 
gastos da Metrópole, recolhia mais impostos da colônia. “Esta cobrança dava-se de forma 
desigual, onde os ricos pagavam menos tributos” (SPEYER, 1983, p. 46). 
Na primeira metade do século XIX há uma forte pressão da Inglaterra no sentido de 
acabar com o tráfico de escravos. Esta luta pela emancipação não foi um movimento 
puramente humanista, favorável aos direitos dos homens. Como o capitalismo estava 
crescendo exorbitantemente nos países centrais e abarcando todos os setores da economia 
necessitava-se de maismercados consumidores. Uma parcela significativa da população 
brasileira não consumia, logo era necessário modificar esta conjuntura. Assim, 
intensificou-se na segunda metade do século XIX, a imigração de europeus para o Brasil, e 
estes vieram substituir o trabalho escravocrata. 
Antevendo a abolição da escravatura, foi promulgada em 1850 a 1ª lei de terras no 
Brasil, lei nº. 601, de 1850. Esta lei normatizou a propriedade privada da terra e 
estabeleceu um valor comercial para a mesma, ou seja, um preço. Outra característica desta 
lei, é que qualquer cidadão brasileiro poderia ser um proprietário privado de terra, podendo 
transformar sua concessão de uso, até então disponibilizada pela Coroa, em propriedade 
privada, com direito a compra e venda, teria somente que pagar um valor respectivo à 
Corte. Esta estratégia foi utilizada para que os ex-escravos, ao serem libertos não pudessem 
tornar-se donos de terras e continuassem a trabalhar nas fazendas como trabalhadores 
assalariados. Portanto esta lei consolidou o latifúndio1 no Brasil, regulamentado o modelo 
de grande propriedade rural. E como afirma João Pedro Stedile, “a Lei de Terras é também 
a ‘mãe’ das favelas nas cidades brasileiras” (STEDILE, 2005, p.24). 
A partir de 1914, por ocasião da I Guerra Mundial é cessado o uso de navios para 
transporte de imigrantes. No período que compreende o início do processo de abolição da 
escravatura até a interrupção da imigração, período este de crise, como afirma Stedile 
 
1
 A Confederação Nacional da Agricultura - na publicação “Estudos e sugestões”, 1966, considera latifúndio 
uma propriedade com área maior de 1.000 hectares. In: SPEYER, Anne Marie, 1983. 
 
 
19 
(2005, p.26), nasce no campo brasileiro, o campesinato. O referido autor explica que 
esta formação do campesinato se deu através de duas vertentes: 
1ª vertente: A vinda de quase dois milhões de camponeses pobres da Europa para 
morar e trabalhar na agricultura nas regiões Sudeste e Sul, e no Estado do Espírito Santo. 
2ª vertente: Originou-se nas populações mestiças que foram formando-se ao longo 
dos 400 anos de colonização portuguesa, com a miscigenação da raça branca, indígena e 
negra, e seus descendentes. Esta população, em geral, não se submetia ao trabalho escravo 
e ao mesmo tempo não era capitalista. Eram agricultores pobres que nasceram no Brasil. 
Impedidos pela Lei de Terras de adquirir uma pequena propriedade, esta população deu 
início à migração pelo interior do país, uma vez que nas regiões litorâneas as melhores 
terras já estavam ocupadas pelas fazendas que se dedicavam à exportação. A longa 
caminhada para o interior do país e para os sertões provocou a ocupação do território 
brasileiro por milhares de trabalhadores que foram povoando e se dedicando a atividades 
de produção agrícola de subsistência. Não obtinham a propriedade privada de terras, mas a 
ocupavam, individual ou coletivamente, provocando assim, o surgimento do camponês 
brasileiro e de suas comunidades. 
Assim, concomitante com a imigração européia houve a migração do brasileiro. 
Esses dois movimentos têm contrastes marcantes: os grupos de europeus tinham muitas 
vezes suas viagens financiadas, com residência garantida, com os gastos até a primeira 
colheita assegurados, enquanto que ao migrante brasileiro não foi garantida ajuda de 
nenhuma espécie. Ao contrário, ele já chegava endividado, uma vez que sua viagem era 
financiada e a dívida agravada com as despesas de instalação, compra de mantimentos e 
aquisição de utensílios de trabalho. Tinha que comprar tudo do proprietário, de forma que 
estava sempre endividado e devendo favores ao dono das terras. 
 
 
20 
O ano de 19302, ano de crise mundial, há uma forte crise no modelo agro 
exportador brasileiro. Getúlio Vargas assume o poder implantando o modelo de 
industrialização dependente, conceito este derivado de Florestan Fernandes3, pois não 
ocorre o rompimento da dependência econômica dos países centrais. A agricultura passa a 
ser subordinada econômica e politicamente à indústria. Até então o poder político estava 
nas mãos das oligarquias rurais. A burguesia industrial passa a deter o poder político, 
entretanto as oligarquias permanecem donas das terras latifundiárias voltadas para a 
produção para a exportação. A nascente burguesia industrial depende das oligarquias rurais 
pelos seus laços hereditários, e pelo comércio exportador, uma vez que como era um 
modelo de industrialização dependente necessitava importar máquinas e até operários da 
Europa e EUA, e a importação destes somente era possível pela continuidade das 
exportações agrícolas. 
Em 1956, quando o presidente Juscelino Kubitschek toma posse, propõe-se a 
acelerar o processo de industrialização, completar a integração física do território nacional 
mediante a mudança da capital para o centro do país e, ainda uma construção ampla da 
rede rodoviária para interligar todas as partes do país. O crescimento industrial intensificou 
a urbanização, houve o incentivo por parte do governo ao trabalho nas indústrias e com 
esta necessidade de mão-de-obra houve um expressivo acréscimo no êxodo rural, embora 
também tenha ocorrido maior incentivo à agricultura com indústrias produtoras de 
insumos, venenos, máquinas, ferramentas, herbicidas, entre outros, e também pela 
agroindústria (beneficiamento de produtos agrícolas). Surge assim a burguesia agrária, que 
moderniza a sua produção agrícola voltada para o mercado interno. 
 
2
 No início do século XX, os Estados Unidos viviam o seu período de prosperidade e de pleno 
desenvolvimento, até que a partir de 1925, diante da contínua produção, gerada pela euforia norte-
americana, e a falta de consumidores, houve uma crise de superprodução. Os agricultores, para armazenar 
os cereais, pegavam empréstimos, e logo após, perdiam suas terras. As indústrias foram forçadas a 
diminuir a sua produção e demitir funcionários, agravando mais a situação. A crise naturalmente chegou ao 
mercado de ações. Os preços na Bolsa de Nova York, um dos maiores centros capitalistas da época, 
despencaram, ocasionando o crash (quebra). Com isso, milhares de bancos, indústrias e empresas rurais 
foram à falência e pelo menos 12 milhões de norte-americanos perderam seu emprego. Abalados pela crise, 
os Estados Unidos reduziram a compra de produtos estrangeiros e suspenderam os empréstimos a outros 
países, ocasionando uma crise mundial. Como foi o caso do Brasil, que tinha os Estados Unidos como 
principal comprador de café. Com a crise, o preço do café despencou e houve uma superprodução, gerando 
milhares de desempregados no Brasil. In: http://www.historiadomundo.com.br/idade-
contemporanea/crisede29 
 
3
 Setores da elite da nascente burguesia industrial dão um golpe, pois fazem uma revolução política “por 
cima”, tomam o poder da oligarquia rural exportadora e impõem um novo modelo econômico para o país. 
(In: STEDILE, 2005, p.30). 
 
 
21 
A agricultura foi o setor mais forte da economia brasileira até os anos de 1950 
quando as decisões sobre a política governamental começaram a serem tomadas em função 
dos interesses e das perspectivas abertas à burguesia industrial (IANNI, 2005, p.129). A 
partir de 1956 as relações capitalistas se tornaram hegemônicas no campo. Com a 
modernização do sistema capitalista de produção os camponeses foram obrigados a 
atuarem de acordo com as regras do mercado. Segundo Stedile este modelo reservou aos 
camponeses quatro obrigações: os camponeses cumpriram seu papel de fornecer à indústria 
que estava emergindo, mão-de-obra barata pelo estímulo do êxodo rural; o êxodo 
pressionava para baixo os salários, através da formação do exército de reserva 
(trabalhadores desempregados); os camponeses cumpriram sua funçãoao produzirem a 
preços baixos os seus produtos, que também a preços irrisórios eram repassados aos 
compradores. Isto viabilizava a reprodução da força de trabalho operária, os trabalhadores 
que com seus míseros salários mal conseguiam sobreviver, enquanto que a indústria 
brasileira lucrava mais e mais; e por fim, os camponeses foram induzidos a produzirem 
matérias-primas agrícolas para o setor industrial (STEDILE, 2005, pp.29-30). 
A distribuição de terras no Brasil, desde o início da colonização foi desigual, 
enquanto que há regiões com fortes traços capitalistas, avançadas em tecnologia, com 
emprego de produtos essencialmente modernos, há outras regiões que preservam ainda 
hoje características de desenvolvimento precárias. Muitos dos problemas atuais do Brasil 
como a má distribuição de renda e de terras teve sua origem ainda no tempo da 
colonização. 
A expulsão dos trabalhadores rurais para outras regiões do país foi conseqüência do 
desenvolvimento capitalista da economia nacional e internacional. As leis elaboradas e 
regulamentadas impediram o acesso à propriedade da terra tanto para os imigrantes quanto 
para o camponês nacional. Portanto, pode-se afirmar que o trabalhador rural, mesmo após a 
libertação dos escravos, caracterizou-se mais pelo uso da terra do que pela posse, e esta 
situação perdura até os dias de hoje. 
Os trabalhadores saem do campo e vão para as cidades em busca de melhores 
condições de vida, como estas condições não estão postas para a maioria da população vão 
se formando os bolsões de miséria e, em muitos casos, esta mesma população acaba 
retornando ao trabalho no campo, mesmo morando nas cidades. Este movimento de 
urbanização e industrialização obrigou o país a produzir mais alimentos. O trabalhador 
 
 
22 
agrícola passou a ser o proletário rural e começou, a partir de 1960 a organizar-se em 
sindicatos rurais lutando por melhorias nas condições de trabalho, todavia estes, com a 
ditadura militar sofrem violenta interrupção. Serão retomados com o processo de 
redemocratização do país. 
Anne Marie Speyer nos traz elementos que confirmam esta realidade: “no censo de 
1970 registrou-se pela primeira vez na história brasileira uma população urbana maior que 
a população rural: 52 milhões contra 41 milhões”, e esta disparidade foi aumentando 
gradativamente a partir de então. Esta conjuntura foi gerada em função da “pobreza técnica 
e material aliada à falta de oportunidades de desenvolvimento no meio rural”. Porém, não 
podemos deixar de levar em conta que este movimento ocorreu de forma desigual nas 
diversas regiões do país (SPEYER, 1983, p. 31). 
Atualmente o proletariado rural é composto daqueles que vendem sua força de 
trabalho ao proprietário, de três modos principais: os assalariados, registrados perante a lei 
e com garantia dos seus direitos; os “bóias frias”, que são trabalhadores eventuais na 
lavoura, principalmente em épocas de plantio e colheita e que não tem seus direitos 
trabalhistas assegurados; e os parceiros que fazem parceria com o proprietário combinando 
parte da produção pelo pagamento do uso da terra e que também não tem direitos 
trabalhistas assegurados. 
Segundo Octavio Ianni, a história política do trabalhador agrícola brasileiro se 
divide em três períodos principais: “o escravo: período colonial, o lavrador: após a sua 
libertação e o proletário: sob a égide do Estatuto do trabalhador rural de 1963” (IANNI, 
2005 p. 127). 
Na verdade o camponês nunca foi chamado a opinar sobre a política e nenhuma 
coisa que excedesse o limite da sua comunidade. O campo era tido somente como lugar de 
produção de mercadorias. Apesar do Brasil ser um país de origem eminentemente agrária, 
e sua população ser essencialmente rural, a educação para os povos da zona rural não foi 
sequer mencionada nas cartas constitucionais de 1824 e 1891, deixando claro, de um lado, 
o descaso dos dirigentes com a educação desta população e, do outro, os resquícios de 
matrizes culturais vinculadas a uma economia agrária apoiada no latifúndio e no trabalho 
escravocrata, ou seja, a população rural ficou esquecida de qualquer política pública como 
é o caso da educação. 
 
 
23 
Em relação à educação para a população que mora nas zonas rurais, segundo o 
que recuperou Edla de Araújo Lira Soares, relatora das Diretrizes Operacionais para a 
Educação do Campo, ao falar da demanda escolar que vai se constituindo que é 
predominantemente das classes médias que visualizam na educação escolar um meio de 
ascensão social, afirma 
 
[...] para a população residente no campo, o cenário era outro. A ausência de uma 
consciência a respeito do valor da educação no processo de constituição da 
cidadania, ao lado das técnicas arcaicas de cultivo que não exigiam dos 
trabalhadores rurais preparação alguma, nem mesmo a alfabetização, contribuíram 
para a ausência de uma proposta de educação escolar voltada aos interesses dos 
camponeses, [...] a introdução da educação rural no ordenamento jurídico brasileiro 
remete as primeiras décadas do século XX, incorporando, no período, o intenso 
debate que se processava no seio da sociedade a respeito da importância da 
educação para conter o movimento migratório e elevar a produtividade do campo 
(2002, p.9). 
 
Negligenciou-se a educação para a população do meio rural e nos momentos que 
esta foi atendida impôs-se uma educação igual à planejada nas áreas urbanas, provocando 
desta forma duas conseqüências: alto índice de evasão e repetência daqueles que não se 
interessavam e/ou não compreendiam a educação proporcionada, e um alto índice no 
êxodo rural, uma vez que, para àqueles que desejavam dar continuidade aos estudos 
deveriam ir para os centros urbanos. Ainda hoje, muitas famílias deixam o meio rural e vão 
para as cidades em busca de uma “melhor escola”, na crença de que ela garantirá um 
emprego assalariado para seus filhos. Os que permanecem no campo, em se tratando de 
políticas agrícolas, continuam sem saída, pois, a educação também não prepara para 
permanecer no campo. 
Com a redemocratização do Brasil a meta era corrigir a falta de acesso à escola, e 
no caso das populações rurais, houve um grande esforço, entretanto por meio da 
transferência dos alunos de seu espaço social, econômico e cultural para os espaços 
urbanos, pela via do transporte escolar. Com isto, evidentemente, ocorreu a negação da 
cultura entendida como rural e a forma e estilo de vida destas populações. 
Não podemos falar atualmente em educação para a população do meio rural sem 
falar do MST. Este movimento tem contribuído decisivamente no avanço da discussão com 
vistas a melhorias para as populações rurais que além de lutarem por e pela terra, lutam por 
uma qualidade de educação. Conforme Bernardo Fernandes e Mônica Molina 
 
 
24 
 
[...] o paradigma da educação do campo nasceu da luta pela terra e pela reforma 
agrária, [...] a educação do campo não poderia ficar restrita aos assentamentos 
rurais. Era necessária a sua espacialização para as regiões, para as comunidades da 
agricultura camponesa (FERNANDES & MOLINA, 2004, p.67). 
 
 
Ressaltamos, entretanto que o foco principal desta pesquisa são as escolas 
localizadas no campo, após a colonização de Cascavel, com o objetivo de suprimir a 
demanda dos filhos dos trabalhadores residentes na zona rural. Na sua maioria, essas 
escolas foram construídas num ponto central de cada comunidade rural. Pretendemos 
analisar como acontece a educação atual nestas escolas que fazem parte da Rede Estadual 
de Educação e que tem uma diferenciação com a escola apontada pelo MST - a escola 
itinerante4. 
 
1.1 MST – A luta pela educação e pela escola nasceram juntas 
 
Todo movimento social não nasce por acaso, ele é fruto de uma construção 
coletiva, uma organização que o projeta, o pensa, e o gesta a partir dos objetivos elutas dos 
diversos sujeitos que se movem tanto no seio da sociedade civil quanto do Estado. 
 Para compreender a questão agrária no Brasil é preciso compreender o processo 
histórico de ocupação de terras, e da articulação das lutas pela terra, que foram retomadas a 
partir do final da década de 70, do século XX, nascendo o Movimento dos Trabalhadores 
Rurais Sem Terra ou MST. Ele foi gestado no período de 1979 a 1984 e criado 
formalmente no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais Sem Terra, que 
aconteceu na cidade de Cascavel, Estado do Paraná, de 21 a 24 de janeiro de 1984.
 Desde 1984, além das ocupações de terra e marchas para pressionar para a 
realização da reforma agrária no país, o MST luta pelo acesso à educação pública, gratuita 
e de qualidade em todos os níveis para a população do campo. Para falar deste Movimento 
tomar-se-à as idéias e apontamentos realizados por Roseli Salete Caldart5. O MST 
reconhece-se como lugar de formação, especialmente de uma formação humana ética e 
politicamente comprometida com a produção dos sujeitos capazes de fazer as 
 
4
 A escola itinerante, localizada em acampamentos do MST, não faz parte do nosso projeto de pesquisa nesse 
momento. Lembramos que essas escolas (itinerantes) não seguem as mesmas diretrizes das escolas da rede, 
possuem um diferencial que envolve o currículo como um todo. 
5Faz parte do setor de educação do MST e da Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo. 
 
 
25 
transformações sociais, que cada vez mais aparecem como necessárias, como garantias 
da dignidade humana. 
 O Movimento tem como pressuposto a implantação de um processo de reforma 
agrária qualitativo, onde as famílias efetivamente consigam melhorar a qualidade de vida, 
concomitante com a elevação da escolarização dos trabalhadores. Segundo o Movimento, a 
educação tem um papel fundamental na emancipação do ser humano, não só como escola, 
mas como formação do sujeito, que acontece em todos os espaços de luta. O MST exige 
uma organização própria de escola - a Escola Itinerante - que acompanha o Movimento por 
onde ele for. 
 Este movimento, no decorrer de sua existência definiu duas grandes bandeiras e 
compromissos, e reflete profundamente sobre os mesmos: 1 - “ajudar a acabar com o 
‘pecado mortal’ do latifúndio”, desconcentrando e tornando socialmente produtivas as 
terras deste imenso país; 2- “promover a humanização das pessoas, formando seres 
humanos com dignidade, identidade e projeto de futuro” (CALDART, 2003, p.51). 
 Roseli Salete Caldart aponta as três dimensões principais da obra educativa do 
MST 
 
1) o resgate da dignidade de milhares de famílias que voltam a ter raiz e projeto. Os 
pobres de tudo aos poucos vão se tornando cidadãos: sujeitos de direitos, sujeitos 
que trabalham, estudam, produzem e participam de suas comunidades, afirmando 
em seus desafios cotidianos uma nova agenda de discussões para o país; 2) a 
construção de uma identidade coletiva, que vai além de cada pessoa, família, 
assentamento. A identidade de Sem Terra, assim com letras maiúsculas e sem 
hífen, como um nome próprio que identifica não mais sujeitos de uma condição de 
falta: não ter terra (sem-terra), mas sim sujeitos de uma escolha: a de lutar por mais 
dignidade e justiça social para todos, e que coloca cada Sem Terra, através de sua 
participação no MST, em um movimento bem maior do que ele; um movimento 
que tem a ver com o próprio reencontro da humanidade; 3) a construção de um 
projeto educativo das diferentes gerações da família Sem Terra que combina 
escolarização com preocupações mais amplas de formação humana e de 
capacitação de militantes (CALDART, 2003, p.51). 
 
 
 Após o 5º congresso nacional, realizado de 11 a 15 de junho de 2007, em Brasília, 
Trabalhadores Rurais Sem Terra de 24 estados do Brasil, convidados internacionais 
representando organizações camponesas, e representantes de entidades e diversos 
movimentos elaboram uma carta com os compromissos a serem seguidos para a 
organização do povo na luta pela garantia de seus direitos e contra as desigualdades e 
injustiças sociais. Nela são destacados alguns compromissos: 
 
 
26 
 
Articular com todos os setores sociais e suas formas de organização para construir 
um projeto popular que enfrente o neoliberalismo, o imperialismo e as causas 
estruturais dos problemas que afetam o povo brasileiro. 
Defender os nossos direitos contra qualquer política que tente retirar direitos já 
conquistados. 
Lutar contra as derrubadas e queimadas de florestas nativas para a expansão do 
latifúndio. Exigir do governo ações contundentes para coibir essas práticas 
criminosas contra o meio ambiente(...). 
Exigir o fim imediato do trabalho escravo, a super-exploração do trabalho e a 
punição de seus responsáveis (...). 
Lutar contra todas as formas de violência no campo, bem como a criminalização 
dos movimentos sociais. Exigir punição dos assassinos – mandantes e executores - 
dos lutadores e lutadoras pela reforma agrária, que permanecem impunes e com 
processos parados no poder judiciário. 
Lutar por um limite máximo do tamanho da propriedade da terra. Pela demarcação 
de todas as terras indígenas e dos remanescentes quilombolas. 
Lutar para que a produção dos agrocombustíveis esteja sob o controle dos 
camponeses e trabalhadores rurais, como parte da policultura, com preservação do 
meio ambiente e soberania energética de cada região. 
Defender a sementes nativas e crioulas. Lutar contas as sementes transgênicas. 
Difundir as práticas da agroecologia (...). 
Defender todas as nascentes, fontes e reservatórios de água doce. A água é um bem 
da natureza e pertence à humanidade. Não pode ser propriedade privada de 
nenhuma empresa. 
Preservar as matas e promover o plantio de árvores nativas e frutíferas em todas as 
áreas dos assentamentos e comunidades rurais, contribuindo para a preservação 
ambiental e na luta contra o aquecimento global. 
Lutar para que a classe trabalhadora tenha acesso ao ensino fundamental, escola de 
nível médio e a universidade pública, gratuita e de qualidade. 
Desenvolver diferentes formas de campanhas e programas para eliminar o 
analfabetismo no meio rural e na cidade, com uma orientação pedagógica 
transformadora. 
Lutar para que cada assentamento ou rádio do interior tenha seus próprios meios de 
comunicação popular (...), lutar pela democratização de todos os meios de 
comunicação da sociedade contribuindo para a formação da consciência política e 
valorização da cultura do povo (Carta do 5º Congresso Nacional do MST, junho de 
2007). 
 
 
 Para o MST a educação ajuda a construir e a fortalecer identidades e formar os 
sujeitos. São novos sujeitos que se formam e que passam a exigir seu lugar no mundo, na 
história; sabem que podem e devem lutar pelo direito de ser humano. Ao assumir a 
identidade social e coletiva: somos Sem Terra e somos do MST, as pessoas aos poucos vão 
descobrindo também outras dimensões de sua identidade pessoal e coletiva. Educar é 
ajudar a enraizar as pessoas em coletividades fortes, é potencializar o convívio social, 
humano, na construção de identidades, de valores, de conhecimentos e de sentimentos. 
 
 
27 
 Este movimento é uma coletividade. As pessoas não aprendem a ser humanas 
sozinhas; ninguém conquista sua terra sozinho; as ocupações, os acampamentos, os 
assentamentos, são obras coletivas. A força de cada pessoa é única, e sua participação está 
ligada numa coletividade com memória e projeto de futuro. É fazendo parte do coletivo e 
de suas obras que as pessoas se educam na relação umas com as outras, sem isto não 
conseguem avançar na sua condição plenamente humana. Pessoas sem esta base são 
pessoas desumanizadas, que não se reconhecem em nenhum passado e nem têm projeto de 
futuro. No Movimento os Sem Terra aprendemque o mundo e o ser humano estão para ser 
feitos, e que o movimento da realidade, constituído basicamente de relações que precisam 
ser compreendidas, produzidas ou transformadas, deve ser o grande mestre deste fazer. 
 A conjuntura brasileira promoveu o ciclo do êxodo rural, e atualmente, em alguns 
locais, está ocorrendo o inverso, inúmeros trabalhadores rurais e da periferia das cidades 
(os excluídos da zona urbana) estão voltando ou indo para o campo em busca de melhores 
condições de vida. 
 O MST tem como referência o educador Paulo Freire6, ele não foi educador apenas 
pelo que disse ou escreveu, mas pelo testemunho de coerência entre o que pensou, disse e 
efetivamente fez como pessoa e como militante das causas populares. 
 Para além das polêmicas existentes entre os estudiosos da questão agrária no Brasil, 
a respeito dos avanços e retrocessos desta luta na conjuntura atual, e do papel político 
desempenhado pelo MST na reentrada deste tema na agenda do país, há um fato social, 
histórico, e que é quase um consenso entre os analistas, seja os movidos por preocupações 
conservadoras, ou preocupados com o avanço das transformações sociais. O fato é que no 
Brasil hoje, há um novo sujeito social que participa ativamente da luta de classes, com sua 
identidade e seu nome próprio: Sem Terra. Neste sentido, Sem Terra é mais do que sem-
terra, exatamente porque é mais do que uma categoria social de trabalhadores que não têm 
terra; é um nome que revela uma identidade, uma herança trazida e que já pode ser deixada 
aos seus descendentes, que tem a ver com uma memória histórica, e uma cultura de luta e 
de contestação social contra os princípios do sistema capitalista. 
 Representa constantes lutas não só pela reforma agrária, como também por um 
projeto de desenvolvimento sustentável do campo (contrapondo-se ao latifúndio, ao 
 
6
 Paulo Freire nasceu em 19 de setembro de 1921, em Recife, e faleceu em 2 de maio de 1997. Foi grande 
mestre na arte de ensinar utilizando a conscientização, método pedagógico que tinha como meta a 
libertação dos analfabetos. 
 
 
28 
agronegócio, a agroecologia e aos transgênicos); demarcação das terras indígenas; 
fortalecimento e expansão da agricultura familiar/camponesa; relações e condições de 
trabalho que respeitem os direitos trabalhistas e previdenciários das trabalhadoras e dos 
trabalhadores rurais; erradicação do trabalho escravo e da exploração do trabalho infantil; 
estímulo à construção de novas relações sociais e humanas, que combata todas as formas 
de discriminação e desigualdade fundadas no gênero, geração, raça e etnia. O movimento 
luta pela articulação campo - cidade, por um projeto de desenvolvimento do campo onde a 
educação desempenhe um papel estratégico no processo de sua construção e 
implementação. É constante a preocupação com os milhões de adolescentes e jovens que 
estão fora da escola e de outros processos educativos formais ou que estão em escolas 
inadequadas ou ainda, que precisam ir à cidade para estudar e que a cada dia se descobrem 
sem alternativas sociais dignas de trabalho e de permanência no campo. Segundo Roseli 
Salete Caldart, o MST 
 
Trabalha o tempo todo no limite entre humanização e desumanização; sua luta é de 
vida ou morte para milhares de pessoas, que fazem da sua participação neste 
Movimento uma ferramenta de reaprender a ser humano. Este é o dia a dia da 
educação dos Sem Terra em cada ocupação, em cada marcha, em cada 
acampamento, assentamento... E é este mesmo dia-a-dia que mostra que esta é uma 
tarefa possível e necessária; e que se é possível resgatar uma humanidade quase 
perdida, e ajudar pessoas adultas ou já idosas neste reaprender a ser humano, tanto 
mais possível e necessário é ajudar nesta aprendizagem desde a infância 
(CALDART, 2003, p.52). 
 
É no campo que se encontrarão os valores primitivos da cultura popular do povo 
brasileiro e é a partir destes valores que deverão ser construídos novos parâmetros 
educacionais para a parcela da população que tem uma relação direta e dependente com a 
terra. A produção, cultivo e criação de animais dependem exclusivamente dela. O homem 
conta com elementos e forças da natureza que foge absolutamente do seu controle. Por 
questões ambientais e de trabalho o homem do campo tem especificidades diferentes do 
homem da cidade e, para melhor compreensão do assunto estudado, faz-se necessário aqui 
uma reflexão. 
Os homens que são capazes de controlar seus instrumentos de trabalho, submetê-los a 
sua vontade e condicioná-los a certas experiências não têm as mesmas reações e 
concepções de mundo daqueles que, apesar dos avanços tecnológicos em relação á 
melhoria do plantio e da produtividade depende diretamente daquilo que a natureza 
 
 
29 
determina a cada dia. Outro aspecto desta especificidade é a organização e necessidade 
do espaço físico. A ocupação do homem urbano requer pouco espaço físico tanto para sua 
moradia quanto para seu trabalho propriamente dito. Ao contrário, para o homem 
camponês a necessidade de certa extensão territorial é primordial. Quanto mais terra, maior 
a possibilidade de produzir e, conseqüentemente, mais rentabilidade. O urbano reflete a 
heterogeneidade uma vez que os indivíduos se relacionam com diversos indivíduos, em 
decorrência do trabalho e dos contatos pessoais serem mais numerosos. As relações 
humanas do homem urbano estão baseadas na causalidade, superficialidade e na curta 
duração. O nível de interação humana se dá em maior número ao mesmo tempo em que é 
mais fracionada. Quase exclusivamente, este relacionamento se dá em maior grau a partir 
do papel que exerce na sociedade e, em menor grau, nas relações de afetividade. No 
campo há uma homogeneidade, apesar dos contatos serem mais reduzidos às pessoas se 
conhecem mais. As relações são mais duráveis, estáveis e menos superficiais, são de 
pessoas que se conhecem (sua história, angústias, incertezas). Entretanto, ao se fazer estas 
distinções, não estamos querendo generalizar, supondo que essas relações se concretizem 
em todos os espaços sociais. Necessitamos ter clareza de como é o homem, foco principal 
deste estudo, e que tem no o seu lugar de vida e sustento. 
Para o MST a luta não tem sido uma batalha fácil: cultivar e recuperar valores humanos 
como a solidariedade, a lealdade, o espírito de sacrifício pelo bem estar do coletivo, o 
companheirismo, a sobriedade, a disciplina, a indignação diante das injustiças, a 
valorização da própria identidade Sem Terra, a humildade, numa sociedade que dia-a-dia 
se corrompe nos contra-valores do individualismo, do consumismo, da insensibilidade e 
indiferença social, da degradação do meio ambiente, do descompromisso com a vida, da 
desqualificação de quem participa de lutas sociais, mas é somente assumindo a tarefa de 
educar e reeducar as pessoas em seus valores, que o MST pode ajudar a realizar o que 
projeta em sua história. 
O termo “educação do campo” foi elaborado e difundido pelos movimentos sociais no 
final de século XX, quando se tem o propósito de resgatar a cultura deste povo - o povo do 
campo – reconhecendo-os e valorizando-os como sujeitos. Portanto, vai além de uma 
designação jurídica configurando-se como um conceito político que leva em conta as 
especificidades destes sujeitos e não somente sua localização espaço-geográfica no 
território brasileiro. Este conceito de campo vem romper com o conceito de “escolinha 
 
 
30 
rural”, empregado ao longo dos tempos em nosso país. A educação do campo visa 
desmistificar a crença de que a escola é o meio de sair do campo, e os que permanecem são 
considerados ignorantes. Esta luta por escola se dá por ser um direito de todos, garantido 
constitucionalmente. 
Neste capítulo apontamos alguns aspectos da questão agrária no Brasil, os 
trabalhadores do campo,primeiramente os indígenas, posteriormente os escravos e 
atualmente o trabalhador livre. E que para estes, não foi pensado em escola. Nos poucos 
momentos que o foi, a partir de século XX, deu-se uma adaptação à educação realizada nas 
zonas urbanas. No final deste século os movimentos sociais colocaran na agenda nacional a 
necessidade da educação destes povos levando em conta as suas particularidades. No 
próximo capítulo abordaremos as legislações nacionais e estaduais que regem e abordam 
este tema e os princípios do MST em relação à educação do campo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
31 
 
 
 
 
CAPÍTULO 2 
 
2. AS LEGISLAÇÕES QUE REGEM A EDUCAÇÃO DO CAMPO 
 
 2.1 A educação no âmbito das legislações nacionais 
 
A Constituição de 1988 coloca no seu artigo 205 a educação como direito de todos 
e dever do estado, transformando-a em um direito público subjetivo, independentemente 
do local geográfico que habitam. Desta forma, os princípios e preceitos constitucionais da 
educação abrangem todos os níveis e modalidades de ensino ministrados em qualquer parte 
do país. Apesar de não se referir diretamente e especificamente ao ensino rural no corpo do 
texto, possibilitou às Constituições Estaduais e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação 
Nacional (LDB9394/96) o tratamento da educação rural no âmbito do direito à igualdade e 
do respeito às diferenças. No artigo 62 do ato das Disposições Constitucionais Transitórias 
a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), mediante lei específica, 
reabre a discussão sobre educação do campo e a definição de políticas para o setor. 
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - faz referência em apenas um de 
seus artigos sobre a educação básica para a população rural. Assim segue delimitado no 
capítulo II, da Educação Básica, artigo 28. 
 
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino 
promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida 
rural e de cada região, especialmente: 
I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e 
interesses dos alunos da zona rural; 
II – Organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às 
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; 
III – Adequação à natureza do trabalho na zona rural (LDB 9394/96, p.43). 
 
Em relação aos currículos, no artigo 26, estabelece 
 
 
 
32 
Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional 
comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento 
escolar por uma base nacional diversificada, exigida pelas características regionais 
e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (LDB 9394/96, p. 42). 
 
 Na verdade os textos constitucionais abordam a questão, mas deixam-na imprecisa, 
à margem de inúmeras interpretações, não apontando efetivamente uma proposta, como é o 
caso desta base nacional diversificada. A maioria faz uma abordagem de maneira 
periférica, tratando as questões de forma superficial. As mudanças, quando identificadas, 
decorrem da presença dos movimentos sociais do campo no cenário nacional. É dessa 
forma que se pode explicar a realização da I Conferência Nacional por uma Educação 
Básica do Campo, que teve como principal objetivo recolocar sobre outras bases o rural e a 
educação que a ele se vincula. 
Em 1998 foi constituída a Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo, 
integrada por representantes da Conferência Nacional dos Bispos no Brasil (CNBB), 
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Universidade de Brasília (UnB) 
Organização das Nações Unidas para a educação, ciência e cultura (UNESCO), e Fundo 
das Nações Unidas para a infância (UNICEF), e, a partir deste momento, com a 
participação de outros movimentos e entidades. Esta Articulação formou-se no processo de 
preparação da I Conferência Nacional por Uma Educação Básica do Campo, realizada em 
Luziânia - Goiás em 1998. Nesta conferência reafirmou-se que o campo existe e é legitima 
a luta por políticas públicas e por uma identidade própria à educação e às escolas do 
campo. Foi uma ação que teve papel significativo no processo de rearticulação da questão 
da educação da população do campo para a agenda da sociedade e dos governos, e 
inaugurou uma nova referência para o debate e a mobilização popular: a Educação do 
Campo que é contraponto ao silêncio do Estado, às propostas da chamada educação para o 
meio rural e, de uma nova forma de lutar e olhar a educação para as pessoas que vivem no 
e do campo. No campo estão milhões de brasileiros que vivem e trabalham, brasileiros 
estes de todas as idades. 
Este movimento de luta traçou algumas linhas de ação na construção de um projeto 
específico articulado a um projeto nacional de educação: trabalho pautado no ser humano, 
nos processos de humanização, de formação integral com as questões de gênero, raça, de 
respeito às diferentes culturas e às diferentes gerações, de soberania alimentar, de 
desenvolvimento sustentável e de proteção ao meio ambiente. A educação e a escola do 
 
 
33 
campo estão na esfera dos direitos humanos, direitos das pessoas e dos sujeitos sociais 
que vivem e trabalham no campo. E este direito deve ser garantido a todas as pessoas, uma 
escola pública, gratuita e de qualidade a todos e em todos os níveis, voltada sempre aos 
interesses da vida do campo. Luta-se pela vinculação deste movimento com o movimento 
mais amplo do povo brasileiro: por um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil. 
Afirma Roseli Salete Caldart, 
Construir uma escola do campo significa estudar para viver no campo. Ou seja, 
inverter a lógica que se estuda para sair do campo, e se estuda de um jeito que 
permite um depoimento como esse: foi na escola onde pela primeira vez senti 
vergonha de ser da roça. A escola do campo tem que ser um lugar onde 
especialmente as crianças e os jovens possam sentir orgulho desta origem e deste 
destino; não porque enganados sobre os problemas que existem no campo, mas 
porque dispostos e preparados para enfrentá-los, coletivamente (CALDART, 2002, 
pp.34-35). 
 
 Roseli S. Caldart destaca ainda que a educação deve ser DO e NO campo. “NO, 
pois o povo tem direito a ser educado no local onde vive; DO: o povo tem direito a uma 
educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e as 
suas necessidades humanas e sociais” (CALDART, 2002, p.26). Os povos e educadores 
devem ter o direito de pensar e participar na definição da política educacional e na 
construção do projeto educativo do povo que vive no campo. “O direito à educação 
somente será garantido no espaço público, o Estado necessita ser pressionado para que se 
torne um espaço de participação”. Os movimentos sociais (expressão do povo organizado 
que faz e pensa sobre a vida no e do campo) “devem ser guardiões desse direito e o Estado 
deve traduzir em políticas públicas” (Por uma educação do campo: Declaração 2002, In: 
KOLLING, CEROLI e CALDART, 2002, pp. 19-20). 
 A discussão sobre a educação do campo e este olhar e novos paradigmas ainda é 
recente. Nunca houve uma política de educação que contemplou os anseios do próprio 
povo do campo. Houve políticas de ação domesticadora e atrelada ao capitalismo 
expropriador. Esta Articulação Nacional surgiu a partir da conjuntura atual, de uma 
distribuição desigual de renda, que exige transformações sociais urgentes. Estando na 
esfera do direito, a educação não pode ser tratada como um serviço. “Políticas públicas são 
a única maneira de universalizar o acesso de todo o povo brasileiro à educação, 
concomitante com um projeto de desenvolvimento do país” (Caldart, 2002)). Busca-se 
assim, construir uma qualidade de educação que constituaas pessoas do campo como 
 
 
34 
sujeitos de direitos, para que se articulem, organizem-se e construam a direção de seus 
destinos. 
 As elites, através da história do Brasil, convenceram a classe trabalhadora do 
campo que, para trabalhar na roça, não é preciso de escola, pois sabem que é fácil dominar 
um povo ignorante, que não teve acesso à escola e ao conhecimento historicamente 
acumulado e sistematizado. 
Grande parte deste ideário que está sendo construído é novo e muito recente, e os 
Estados que tem conseguido garantir maiores resultados são aqueles nos quais os 
movimentos sociais têm maior organização. A necessidade de políticas públicas para a 
formação de educadores é grande. Este olhar para a educação do campo como um direito 
tem uma particularidade importante como aponta Caldart, “pensar uma política de 
educação que se preocupe também com o jeito de educar quem é o sujeito deste direito, de 
modo a construir uma qualidade de educação que forme as pessoas como sujeitos de 
direitos” (CALDART, 2002, p.27). Continua a mesma autora, para que efetivamente 
aconteçam estas mudanças, “todos precisam colocar as questões da educação do campo na 
agenda de cada um dos seus sujeitos do campo: das famílias, das comunidades, dos 
movimentos sociais e de organizações populares (pp.28-29)”. 
 A relação campo versus cidade não é hierárquica, mas de complementaridade: a 
cidade não vive sem o campo e vice-versa. Segundo Mônica Castagna Molina 
 
A educação do campo tem a tarefa central na perspectiva de contribuir com o 
desafio de repensar e redesenhar o desenvolvimento territorial brasileiro: educação 
do campo com desenvolvimento social, educação do campo com cultura, educação 
do campo com saúde, com infra-estrutura de transporte, de lazer, Educação do 
campo com cuidado do meio ambiente (MOLINA, 2002, pp. 39-40). 
 
 Através da Resolução do Conselho Nacional de Educação e da Câmara de 
Educação Básica Nº 1, de 3 de abril de 2002, instituiu-se as Diretrizes Operacionais para a 
Educação Básica nas escolas do Campo que teve como Conselheira e Relatora Edla de 
Araújo Lira Soares e, a partir desta data passam a vigorar. De acordo com o artigo 2. 
“Estas diretrizes [...] constituem um conjunto de princípios e de procedimentos que visam 
adequar o projeto institucional das escolas do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais 
[...]” Em seu parágrafo único está delineando que 
 
 
 
35 
A identidade da escola do campo é definida por sua vinculação às questões 
inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos 
estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e 
tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos 
que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida 
coletiva no país. 
 
O artigo quatro ao falar do projeto institucional destaca “[...] expressão do trabalho 
compartilhado em todos os setores comprometidos com a universalização da educação [...] 
direcionados para o mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento social, 
economicamente justo e ecologicamente sustentável”. O artigo quinto trata das propostas 
pedagógicas para as escolas do campo afirmando, “respeitadas as diferenças e o direito à 
igualdade [...] contemplarão a diversidade do campo em todos os aspectos: sociais, 
culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia”. 
No décimo artigo diz que o projeto institucional das escolas do campo “garantirá a 
gestão democrática, constituindo mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre 
escola, a comunidade local, os movimentos sociais, os órgãos normativos do sistema de 
ensino e os demais setores da sociedade” (p. 40). No seu Parágrafo único do artigo doze 
contempla, “os sistemas de ensino, de acordo com o art. 67 da LDB desenvolverão 
políticas de formação inicial e continuada, habilitando todos os professores leigos e 
promovendo o aperfeiçoamento permanente dos docentes” (p. 41). 
Em seu artigo treze afirma que os sistemas de ensino 
 
[...] observarão, no processo de normatização complementar na formação de 
professores para o exercício da docência na escola do campo, os seguintes 
componentes: 
I – estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças, dos 
jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida individual 
e coletiva, da região, do país e do mundo. 
II – propostas pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a diversidade 
cultural e os processos de interação e transformação do campo, a gestão 
democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico [...]. 
 
 
 Aborda o financiamento da educação no seu artigo quatorze 
 
O financiamento da educação nas escolas do campo, tendo em vista o que 
determina a Constituição Federal, no art. 212 e no art. 60 das Disposições 
Constitucionais Transitórias, a LDB, nos artigos. 68, 69,70 e 71 e a 
regulamentação do FUNDEF – Lei Nº. 9424 de 1996 será assegurado mediante 
 
 
36 
cumprimento da legislação a respeito do financiamento da educação escolar no 
Brasil. 
 
 
 E, em seu artigo quinze diferencia o custo-aluno e acrescenta 
 
[...] diferenciação do custo-aluno com vistas ao financiamento da educação escolar 
nas escolas do campo o poder público levará em consideração: 
II – as especificidades do campo, observadas no atendimento das exigências de 
materiais didáticos, equipamentos, laboratórios e condições de deslocamento dos 
alunos e professores apenas quando o atendimento escolar não puder ser 
assegurado diretamente nas comunidades rurais. 
III – remuneração digna, inclusão nos planos de carreira e institucionalização de 
programas de formação continuada para os profissionais da educação que 
propiciem, no mínimo, o disposto nos arts. 13, 61, 62 e 67 da LDB (Diretrizes 
Operacionais para a Educação Básica das Escolas do campo, CNE/MEC, 
2002). 
 
 
 Estas diretrizes foram uma grande conquista, pois traduzem muitas das aspirações 
dos movimentos sociais, sendo proposta pelos mesmos. Entretanto, precisam ser 
conhecidas por todos para acontecer. Bernardo Mançano Fernandes ao comentar tais 
diretrizes diz que 
 
[...] a aprovação das Diretrizes representa um importante avanço na construção do 
Brasil rural, de um campo de vida, onde a escola é espaço essencial para o 
desenvolvimento humano. É um novo passo dessa caminhada de quem acredita que 
campo e cidade se complementam e, por isso mesmo, precisam ser compreendidos 
como espaços geográficos singulares e plurais, autônomos e interativos, com suas 
identidades culturais e modos de organização diferenciados, que não podem ser 
pensados como relação de dependência eterna ou pela visão urbanóide e totalitária, 
que prevê a intensificação da urbanização como modelo de país moderno. A 
modernidade é ampla e inclui a todos e a todas, do campo e da cidade. Um país 
moderno é aquele que tem um campo de vida, onde os povos do campo constroem 
suas existências (FERNANDES, 2002, pp.91-92). 
 
 
De 02 a 06 de agosto de 2004, também em Luziânia/Goiás, foi realizada a II 
Conferência Nacional Por uma Educação do Campo, onde participaram representantes dos 
movimentos sociais, movimento sindical, e organizações sociais de trabalhadores e 
trabalhadoras do campo e da educação; das universidades, Organizações Não 
Governamentais, de Centros Familiares de formação por Alternância, de secretarias 
estaduais e municipais de educação e de outros órgãos de gestão pública com atuação 
 
 
37 
vinculada à educação do campo, trabalhadores e trabalhadoras do campo, educadores e 
educandos do campo: de comunidades camponesas, ribeirinhas, pesqueiras e extrativistas, 
de assalariados, quilombolas, povos indígenas e outros. Desta conferência nacional foi feita 
uma declaração final assinada por 39organizações, onde constam todas as reivindicações 
feitas pelos participantes da mesma, suas lutas, indicando o que e como fazer para alcançá-
las. Foi reafirmada a luta social por um campo visto como espaço de vida, por políticas 
públicas específicas para sua população e apontou-se os graves problemas enfrentados na 
conjuntura atual: faltam escolas para atender a todas as crianças e jovens; a infra-estrutura 
é precária; falta uma política de valorização do magistério; falta apoio às iniciativas de 
renovação pedagógica; os currículos são deslocados das necessidades e interesses dos 
sujeitos do campo; falta financiamento diferenciado e os mais altos índices de 
analfabetismo estão no campo. 
Para entendermos melhor esta questão, novamente referenciamos Roseli S. Caldart, 
que aponta como um dos desafios deste movimento a contribuição na construção da 
educação do campo no estado do Paraná. Ser um espaço de incentivo e vivência da 
cultura popular, resgatando especialmente a cultura camponesa. Os princípios 
pedagógicos da educação do MST são apontados a seguir: relação entre teoria e prática; 
combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação; a realidade como 
base da produção do conhecimento; conteúdos formativos socialmente úteis; educação 
pelo trabalho; vínculo orgânico entre os processos educativos e os processos políticos; 
vínculo orgânico entre educação e cultura; vínculo orgânico entre os processos 
educativos e os processos econômicos; gestão democrática; auto-organização dos e das 
estudantes; criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores e 
educadoras; atitudes e habilidades de pesquisa; combinação entre processos pedagógicos 
coletivos e individuais. O MST luta por uma educação que ajude a fortalecer um projeto 
popular de agricultura que valorize e transforme a agricultura familiar/camponesa e que 
se integre na construção social de um outro projeto de desenvolvimento sustentável de 
campo e de país; uma educação que supere a oposição entre campo e cidade; uma 
mudança da forma arbitrária atual de classificação da população e dos municípios como 
urbanos ou rurais, pois dá uma falsa visão do significado da população do campo em 
nosso país, e tem servido como justificativa para a ausência de políticas públicas 
destinadas a ela; um campo como um lugar de vida, cultura, produção, moradia, 
 
 
38 
educação, lazer, cuidado com o conjunto da natureza, e novas relações solidárias que 
respeitem as especificidades sociais, culturais e ambientais dos seus sujeitos, um 
tratamento específico da Educação do Campo: a importância da inclusão da população 
do campo na política educacional brasileira, que é condição de construção de um projeto 
de educação nacional; e defesa de políticas públicas de educação articuladas ao conjunto 
de políticas que visem a garantia do conjunto dos direitos sociais e humanos do povo 
brasileiro que vive no e do campo. O direito à educação somente será garantido se 
articulado ao direito à terra, à permanência no campo, ao trabalho, às diferentes formas 
de produção e reprodução social da vida, à cultura, aos valores, às identidades e às 
diversidades. 
Os Eixos pedagógicos são: estudo, trabalho, organicidade, relações humanas, 
gênero e valores. Estes eixos possibilitam o desenvolvimento de todas as dimensões da 
pessoa humana. 
 Na experiência pedagógica do MST, a luta social aparece como base da educação 
dos Sem Terra, exatamente porque aciona o movimento como princípio educativo. A 
educação é concebida como uma oficina de formação humana. Pensar na escola como uma 
oficina de formação humana, explicita Roseli Salete Caldart, quer dizer pensá-la como um 
lugar onde o processo educativo ou o processo de desenvolvimento humano acontece de 
modo intencionalmente planejado, conduzido e refletido para isso; processo que se orienta 
por um projeto de sociedade e de ser humano, e se sustenta pela presença de pessoas com 
saberes próprios do ofício de educar, pela cooperação sincera entre todas as pessoas que ali 
estão para aprender e ensinar, e pelo vínculo permanente com outras práticas sociais que 
começaram e continuam com esta tarefa. É preciso planejar estratégias pedagógicas 
diversas, em vista dos diferentes aprendizados que compõem o complexo processo de 
formação humana. Nesta escola concebida como oficina de formação humana educadores 
são arquitetos, organizadores e animadores do ambiente educativo. Isto exige muita 
sensibilidade e domínio das artes da pedagogia, para fazer as escolhas a partir de uma clara 
percepção de como está se desenvolvendo o processo educativo em cada educando e na 
coletividade como um todo; perceber as contradições e não se apavorar com elas: trabalhá-
las pedagogicamente; dar-se conta de que dimensões precisam ser enfatizadas num 
momento ou noutro; que ações precisam ser provocadas e com que conteúdos, que relações 
devem ser trabalhadas e em que momento. 
 
 
39 
 Paulo Freire, grande defensor das causas populares nos oferece grandes reflexões 
em seus livros Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Autonomia. Em uma de suas falas, 
afirma que “nenhuma pedagogia realmente libertadora pode ficar distante dos oprimidos” 
ou seja, pode fazer deles seres infelizes, “objeto de um tratamento humanitarista, para 
tentar, através de exemplos retirados de entre os opressores, modelos para a sua 
‘promoção’. Os oprimidos hão de ser o exemplo para si mesmos, na luta por sua redenção” 
(FREIRE, 1987 p, 41)7. 
 O MST forma os Sem Terra colocando-os em ação permanente, ações estas da 
dinâmica de uma luta social. Estas ações produzem e são produzidas através de relações 
sociais colocando em movimento um outro elemento pedagógico fundamental que é o 
convívio e a interação entre as pessoas mediada pela cultura das mesmas, possibilitando ao 
mesmo tempo a construção e reconstrução de suas identidades, seu jeito de pensar, ser e 
agir. Cada ação traz junto o jeito de ser humano que estas pessoas carregam; toda a sua 
vivência anterior e o tipo de educação que receberam ou vivenciaram. Ao mesmo tempo, 
sua ação coletiva também costuma ser a negação de algumas tradições que marcaram suas 
vidas, e a projeção de valores que aprendem ou reaprendem no processo pedagógico do 
Movimento. Os gestos, os símbolos, a arte, o jeito de lutar dos Sem Terra encarnam um 
movimento cultural que nem começa nem termina no momento da ação. Todos os Sem 
Terra que entram no MST entram também num mundo já produzido de símbolos, gestos, 
exemplos humanos, valores, que a cada ação ensinam a significar e ressignificar. 
 Um dos grandes desafios pedagógicos do MST com sua base social tem sido 
justamente ajudar as pessoas a fazer uma nova síntese cultural, que reúne seu passado, 
presente e futuro numa nova e enraizada identidade coletiva e pessoal. Outro desafio 
colocado é exatamente o de repensar as práticas educativas e as matrizes pedagógicas de 
uma educação que se assuma como parte dos dilemas sociais deste final de século. Roseli 
Salete Caldart diz que, 
 
Como educadores precisamos ter clareza daquilo que está em questão cada vez que 
nos encontramos com nossos educandos: estamos diante de seres humanos, que 
merecem nosso respeito e dedicação, como seres humanos, e como sujeitos de uma 
organização que luta por dignidade. Nosso trabalho em uma escola onde estudam 
os Sem Terrinha, por exemplo, precisa ser pensado na perspectiva de uma obra 
 
9 Recomenda-se a leitura destes dois livros que são riquíssimos em informações e discussões sobre as causas 
populares. 
 
 
40 
educativa grandiosa, o que nos responsabiliza, fascina e compromete 
(CALDART, 2003, p.53). 
 
 
A educação do campo convive com a rotatividade das famílias e, por isto deverá 
levar em conta esta realidade. Na sociedade são criadas as concepçõesque deformam a 
concepção de homem do campo. Estes preconceitos somente serão extintos se também o 
forem do seio da própria sociedade. Por que os alunos sentem-se discriminados na escola 
da cidade, tendo que engolir uma educação voltada exclusivamente para uma população 
urbana, atrelada aos moldes de sustentação do capitalismo? A diferença (de cultura, de 
onde vive, onde trabalha) deve proporcionar conhecimento ao outro e não serem tratadas 
como desiguais. 
A constituição de 1988 tem fragilidades, entretanto somente a partir dela a 
educação passou a ser um direito público subjetivo, ou seja, dos 7 aos 14 anos a criança 
tem garantida a escola. Devido a este direito, hoje a maioria das crianças do campo estão 
na escola, ou seja, o ensino fundamental está praticamente universalizado. 
Assim, a partir dos anos 90, os povos organizados do campo conseguem colocar na 
esfera pública a questão da educação do campo como uma questão de interesse nacional 
ou, pelo menos, se fazem ouvir como sujeitos de direito. A educação do campo que se quer 
instituir não é aquela educação rural que nossa história vivenciou: extensão da escola 
urbana com a intencionalidade de levar a modernidade para o campo, sendo onde o pólo 
urbano se impõe ao rural, que estaria fadado a desaparecer (educação bancária, passiva e 
adaptada) e a universalização sendo interpretada como homogeneização da cultura, onde a 
história haveria de ser conduzida por uma elite social. Contrariamente a estes princípios, 
luta-se pelo protagonismo dos sujeitos sociais do campo; uma nova postura frente a escola 
e um novo projeto político pedagógico que leva em conta a tradição popular: o aluno é 
sujeito de cultura (sua sobrevivência depende exclusivamente de sua ação direta com a 
natureza). 
 
2.2 A educação do campo nas diretrizes do Estado do Paraná 
 
Segundo Yvelise Arco-Verde, superintendente da Educação no Estado do Paraná, 
no prefácio dos Cadernos Temáticos - Educação do campo, publicados pela Secretaria de 
Estado da Educação do Paraná, a educação do campo é uma política pública e se apresenta 
 
 
41 
também como expressão de uma política nacional que promove o resgate da dívida 
histórica social, frente à obrigatoriedade da oferta de educação para toda a população. 
A questão da educação do campo sempre esteve marginalizada na política 
educacional brasileira até fins da década de 1980 quando a Constituição 1988 estabelece a 
educação como direito de todos. No caso do Paraná não foi diferente. Entretanto, neste 
Estado, a educação do campo é uma política pública que nos últimos anos vem sendo 
discutida no Estado do Paraná. Em 2006 foi lançada as Diretrizes Curriculares da Rede 
Pública de Educação Básica do Estado do Paraná, através da SEED – Secretaria de Estado 
da Educação. São trazidos aqui os principais elementos contidos neste texto de diretrizes. 
A educação do campo é caracterizada como um “resgate da dívida histórica do 
Estado aos sujeitos do campo”, que tiveram seu acesso e direito à educação negados onde 
os modelos pedagógicos “ora marginalizavam os sujeitos do campo, ora vinculava-se ao 
mundo urbano, ignorando a diversidade sociocultural do povo brasileiro”. Nas diretrizes 
afirma-se, “os sujeitos do campo têm direito a uma educação pensada, desde o seu lugar e 
com a sua participação, vinculada a sua cultura e as sua necessidades humanas e sociais”. 
Estas diretrizes têm o objetivo de auxiliar e contribuir na organização da prática 
educativa do professor, com o intuito de torná-la mais próxima da realidade dos sujeitos, 
para que estes criem um sentimento de pertença, passando a escola a ser algo vivo e com 
sentido na vida de cada estudante. “A intenção é que as diretrizes possam motivar os 
professores na observação e apropriação da riqueza que o campo brasileiro oferece à 
ampliação dos conhecimentos escolares”. 
No I ENERA - Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária, em 
1997, foi lançado o desafio: pensar numa educação pública levando em conta o seu 
contexto, identidade e sua cultura, surgindo, a partir disto o termo educação do campo. A 
partir deste encontro e da I Conferência Nacional Por uma Educação Básica no Campo, o 
espaço público reconheceu a necessidade de uma legislação específica para a educação 
destes povos. Como anteriormente apontamos foi aprovado em âmbito nacional as 
diretrizes Operacionais e em 2006 as Diretrizes Estaduais. 
Em 2000 foi criada a Articulação Paranaense Por Uma Educação do Campo e uma 
de suas reivindicações foi a criação de um departamento específico dentro da SEED para a 
educação do campo efetivando-se em 2002, somente a partir da posse do governador 
Roberto Requião. A partir de então “passou a ter espaço de articulação entre o poder 
 
 
42 
público e a sociedade civil organizada”. O Estado passou a adotar este termo como 
atenção a estas demandas sociais que não podem ser compreendidas isoladas de seus 
interesses políticos e contextos sociais. 
O campo é compreendido como um lugar de trabalho, de cultura, de produção de 
conhecimento em suas relações de sobrevivência e existência. Essa compreensão vai “além 
de uma definição jurídica”, e configura-se num “conceito político ao considerar as 
particularidades dos sujeitos e não apenas sua localização espacial e geográfica”. 
As diretrizes tratam da questão da diversidade8, são os diferentes povos que fazem 
parte da educação do campo e passou a ser um compromisso governamental. A educação 
deve ser coerente com cada realidade, com cada cultura, considerando-a e valorizando. 
Ao entender o campo como um “modo de vida social contribui para auto-afirmar a 
identidade dos povos do campo, para valorizar o seu trabalho, a sua história, o seu jeito de 
ser, os seus conhecimentos, a sua relação com a natureza e como ser da natureza”. Para 
este modelo é imprescindível a construção de uma concepção de mundo, de escola, de 
conteúdos e metodologias e de avaliação. Nesta concepção de mundo “o ser humano é 
sujeito da história”, ele “não é atrasado e submisso”, apenas possui “um jeito de ser 
peculiar” que pode tanto organizar suas atividades pelo relógio mecânico ou pela 
observação do movimento da Terra. A escola é concebida como um “local de apropriação 
de conhecimentos científicos construídos historicamente pela humanidade e local de 
produção de conhecimentos em relações que se dão entre o mundo da ciência e o mundo da 
vida cotidiana”. Os aspectos da realidade devem ser sempre o ponto de partida e nunca de 
chegada. Cabe ao professor “definir os conhecimentos locais e aqueles historicamente 
acumulados que devem ser trabalhados nos diferentes momentos pedagógicos”. Estamos 
inseridos numa sociedade capitalista e estas relações precisam ser estudadas na escola. Os 
conteúdos e metodologias deverão ser selecionados de acordo com a importância de cada 
comunidade escolar. Isto requer do professor investigação, estudo, preparação das aulas e 
relações dialógicas. O professor deve relacionar os conteúdos científicos com os da vida do 
educando que trazem consigo para a sala de aula. Concepção de avaliação: um processo 
 
8
 A diversidade compreende as diferentes identidades socioculturais do povo do campo: assalariados rurais 
temporários, posseiros, meeiros, arrendatários, acampados, assentados, reassentados atingidos por 
barragens, pequenos proprietários, vileiros rurais, povos das florestas, etnias indígenas, comunidades 
negras rurais, quilombos, pescadores, ribeirinhos, entre outros. Entre estes há ainda a vinculação ou não em 
organizações populares. Ou seja, são diferentes gerações, etnias, gêneros, crenças, modos diversos de 
trabalhar e olhar o mundo, de se organizar, lutar e resistir no campo. 
 
 
43 
contínuo e realizado em função de cada momento pedagógico, deve ser um diagnóstico 
do

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