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A Revolução Russa como revolução permanente interrompida

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1 
 
A Revolução Russa como uma revolução permanente 
interrompida1. 
David Maciel* 
Introdução: 
 Como acontecimento mais importante do século XX a Revolução Russa 
despertou paixões a favor ou contra, avaliações discrepantes, mesmo no campo do 
marxismo, e posicionamentos políticos antagônicos. Para uns foi uma revolução social 
efetivamente realizada pelas massas trabalhadoras, enquanto para outros não passou de 
um golpe de Estado bolchevique. Enquanto determinados setores a consideram a mais 
importante experiência socialista do século, outros avaliam que ela não passou de uma 
bem sucedida modernização pelo alto, baseada numa variante do capitalismo, na 
exploração dos trabalhadores e a um custo social e político altíssimo. 
Neste trabalho busca-se entender o processo revolucionário russo a partir do 
contraponto entre as tendências estruturais, as tendências de longo prazo da sociedade 
russa, cujo processo de atualização em relação à sociedade contemporânea se iniciam na 
segunda metade do século XIX, e os movimentos conjunturais, pontuados por 
momentos definidores como 1861, 1905, 1917, 1921 e 1928, capazes de interromper 
determinadas tendências, inaugurar outras ou ainda atualizar outras tantas. Como 
resultado do jogo entre estrutura e conjuntura, entre necessidade e liberdade, ou ainda 
entre processo e projeto a revolução russa sintetiza a contradição entre as tendências 
estruturais da sociedade russa, e mesmo aquelas da dinâmica internacional, e as 
iniciativas e projetos para atualizar seu curso ou mesmo alterá-lo radicalmente. 
 Neste sentido, aqui se procura demonstrar como num país economicamente 
atrasado, dependente e semi-feudal o processo revolucionário oscilou entre a revolução 
passiva, ou seja, a mudança controlada de cima, onde a atualização da ordem vigente é o 
critério definidor da ação e da reação dos sujeitos históricos, e a revolução permanente, 
onde o protagonismo pertence às classes subalternas e o processo de solapamento da 
 
1 Publicado em PINHEIRO, Milton (Org.). Os cem anos que abalaram o mundo: a revolução russa na 
cena do futuro. São Paulo: ICP, 2017. 
 
2 
 
ordem é um imperativo, tornando o processo social altamente fluído e fazendo com que 
as fases do processo histórico sejam condensadas e superadas num movimento 
ininterrupto de mudanças até que a transição ao comunismo se estabeleça e concretize. 
No processo revolucionário russo a revolução permanente se impõe como 
estratégia revolucionária historicamente necessária na conjuntura da Primeira Guerra 
Mundial, concatenando a dinâmica interna à internacional. Os bolcheviques só 
conseguiram dirigir a revolução porque foram capazes de compreender esta 
concatenação e as possibilidades abertas para uma revolução socialista num país 
atrasado, tornando-se os porta -vozes das classes subalternas. 
No entanto, diante de um cenário internacional adverso e das enormes 
dificuldades internas os bolcheviques não conseguiram levar às últimas consequências 
sua opção pelos soviets e pelo protagonismo das massas trabalhadoras, optando pelo 
resgate dos métodos autocráticos e do dirigismo econômico estatal para superar os 
obstáculos e salvar a nova ordem política e social. Neste sentido, a revolução passiva é 
recolocada como uma necessidade histórica, levada às suas últimas consequências como 
estratégia de atualização pelo alto da sociedade soviética. Desta forma criou-se uma 
potência industrial e militar, mas não uma sociedade onde prevaleciam a socialização 
econômica e política. 
1- Uma revolução passiva falhada e incompleta (1861-1917). 
Apesar de compor o pequeno grupo das cinco potências do concerto europeu, até 
meados do século XIX a Rússia ainda era uma sociedade baseada na servidão feudal, 
com um Estado absolutista sustentado por uma aristocracia reacionária e por uma 
burguesia extremamente débil em termos políticos. O caráter feudal da formação social 
russa fundamentava uma política interna retrógrada, de reforço da autocracia czarista; e 
uma política externa agressiva e contra-revolucionária, de expansão territorial e de 
apoio diplomático e militar aos regimes feudal-absolutistas, fazendo da Rússia o 
“bastião da contra-revolução na Europa”. Num cenário de mudanças revolucionárias, 
enquanto em diversos lugares o absolutismo era enfraquecido ou mesmo derrubado e o 
Estado deixava de se limitar à sociedade política, com o avanço da sociedade civil, na 
Rússia o caráter autocrático do Estado era reforçado, com o czar concentrando o poder 
ainda mais em suas mãos; a aristocracia consolidando sua condição de burocracia 
3 
 
vocacionada para o serviço do Estado e este assumindo definitivamente o controle da 
Igreja e da educação (ANDERSON, 1985, p. 346-347). 
No plano externo o império russo foi beneficiário de sua postura política contra-
revolucionária, ganhando o aval de seus aliados para conquista de novos territórios, se 
expandindo para o Norte, (Finlândia), o Oeste (Polônia, Bessarábia), o Sul (Cáucaso), a 
Ásia Central e o extremo leste (Sibéria), ampliando seu território enormemente e tendo 
acesso à grandes quantidades de mão de obra e de terras para cultivo. Além disso, como 
força militar e diplomática contra-revolucionária a Rússia participou das coligações 
contra a França revolucionária, participou ativamente da restauração absolutista imposta 
pelo Congresso de Viena (1815) e pela Santa Aliança, sufocou a revolução polonesa de 
1830-31, interveio militarmente na revolução húngara, salvando a monarquia 
Habsburgo e o império austríaco da dissolução em 1849. Com exceção do movimento 
dezembrista, conspiração fracassada de nobres liberais em 1825, e da revolução 
polonesa, o império czarista passou relativamente incólume pelas agitações 
revolucionárias que varreram a Europa na primeira metade do século XIX. Desse modo, 
enquanto na Europa Ocidental a aristocracia perde força política e econômica diante das 
outras classes, principalmente da burguesia, mas também do movimento popular 
ascendente, tendo que conviver com um processo de alteração do aparelho de Estado no 
sentido do seu “aburguesamento” e com a desagregação parcial ou total da servidão; na 
Rússia a aristocracia feudal reforça sua dominação como nunca, fundindo-se com o 
Estado e intensificando a exploração feudal (idem, ibidem). 
No entanto, o atraso político e econômico russo em relação à Europa Ocidental 
começou a cobrar seu preço, manifesto dramaticamente na derrota para a Inglaterra e a 
França na Guerra da Criméia (1856) e no aumento vertiginoso do descontentamento 
camponês com o aumento da opressão feudal e o “cercamento” das terras pela 
aristocracia. Entre as décadas de 1820 e 1860 do século XIX a agitação no campo 
decuplica, com o aumento exponencial das sabotagens, pilhagens, assassinatos de 
nobres e funcionários do Estado e insurreições locais (NÉRÉ, 1991, p. 281; WOLF, 
1984, p. 77). Tais fatores levaram a monarquia czarista a desenvolver um esforço de 
atualização da economia, da sociedade e da estrutura política, desencadeando assim um 
movimento de revolução passiva no império. 
4 
 
O primeiro passo neste sentido se deu com a abolição da servidão feudal, em 1861. 
Decretada pelo czar Alexandre II, a abolição da servidão tornou os camponeses homens 
livres, permitindo-lhes a compra da terra, porém não os livrou de diversos 
condicionantes, nem de um conjunto de obrigações típicas da servidão. Em primeiro 
lugar, as terras disponibilizadas eram menores do que aquelas que eles tradicionalmente 
poderiam utilizar por meio do direito de uso, portanto, expropriando-os, reduzindo seu 
acesso à terra e aumentando as terras sobcontrole absoluto da aristocracia. Em segundo 
lugar, a maior parte das terras seria comprada sob a mediação das comunas rurais, o mir, 
ou seja, as comunas adquiririam as terras e as distribuiriam entre os camponeses 
periodicamente de acordo com critérios como número de homens na família, totalidade 
dos membros da família e/ou capacidade de investimento; a propriedade individual 
absoluta sobre a terra só se generalizaria bem mais tarde. Em terceiro lugar, os nobres 
deveriam ser indenizados pela cessão das terras, com o pagamento de parcelas pelos 
camponeses por 49 anos, quando então teriam o direito à propriedade absoluta de seus 
lotes. Como a maior parte das indenizações foi adiantada pelo Estado à aristocracia, os 
camponeses passaram a dever as indenizações ao Estado, cobradas na forma de 
impostos. Enquanto as indenizações não fossem quitadas os camponeses só teriam 
acesso mediante vínculo com a comuna rural ou algum grupo doméstico, que se 
responsabilizava pelo pagamento do imposto e pela redistribuição periódica das terras. 
Mais uma vez a comuna aparece como instância mediadora do acesso à terra pelos 
camponeses, pois na maior parte dos casos as parcelas eram pagas coletivamente, em 
nome da comunidade. Em termos gerais, os camponeses passaram a ter direito à pouco 
mais do que 30% das terras, área menor do que à que tinham acesso antes pelo direito 
de uso feudal, enquanto a aristocracia passou a deter diretamente 24% (NÉRÉ, 1991, p. 
281-283). O restante, predominantemente florestas ou terras improdutivas, continuou 
propriedade do Estado, da Coroa, da Igreja ou das comunas rurais. Em relação à 
aristocracia, a abolição da servidão foi plenamente positiva, pois lhes permitiu avançar 
sobre áreas de uso comum ou servil, conquistar um controle mais estrito sobre a terra, 
por meio da propriedade absoluta, ter a maior parte do pagamento devido pelos 
camponeses adiantado pelo Estado e ainda preservar seus privilégios e diversas formas 
de exações feudais. No entanto, ao invés de estimular a “junkerização” da aristocracia, 
com sua adesão à agricultura mercantil, à melhoria dos métodos de produção visando o 
aumento da produtividade e às relações capitalistas de produção, a reforma de 1861 
estimulou ainda mais uma postura parasitária e absenteísta, reforçando sua vinculação 
5 
 
ao Estado como burocracia. Esta postura impediu que a aristocracia não só buscasse 
alternativas econômicas para a desagregação progressiva da economia feudal, bem 
como se autonomizasse politicamente do absolutismo russo, propugnando sua reforma 
em direção a uma monarquia constitucional (NÉRÉ, 1991, ibidem; ANDERSON, 1985, 
p. 348-352; SILVA, 2012, p. 111-113). 
Portanto, a abolição da servidão não aboliu o feudalismo totalmente porque 
transformou a corvéia em formas variadas de exações feudais adiantadas pelo Estado à 
aristocracia e cobradas por este dos camponeses. Também manteve a preponderância 
aristocrática no controle da terra, métodos de produção tradicionais e a solidariedade 
camponesa em torno da comuna rural, o que a fortaleceu como instrumento de 
resistência camponesa. Após 1861 a comuna rural sobreviveu com força no centro e no 
norte, apesar de sua desintegração se acelerar no sul. A libertação dos servos fortaleceu 
a comuna rural, com o próprio apoio de setores da burocracia czarista interessados em 
criar um bastião tradicionalista, politicamente conservador e leal à monarquia e à Igreja 
Ortodoxa contra a perspectiva revolucionária dos intelectuais e de setores da classe 
média (ANDERSON, 1985, ibidem). Como veremos, esta tática fracassou na medida 
em que as comunas rurais tornaram-se o pólo do descontentamento camponês, 
assumindo uma posição fundamental nas agitações sociais que abalaram o campo russo 
em 1905. 
Na prática, a abolição da servidão “contornou” o entrave que o feudalismo 
representava ao desenvolvimento econômico, pois nem criou as condições para a 
aristocracia aderir à agricultura mercantil, como na “via prussiana”, mesmo que 
concentrando a terra em suas mãos e preservando certos privilégios; nem promoveu um 
processo de democratização do acesso à terra, como na “via americana”, de acordo com 
os conceitos de Lênin (LÊNIN, 2002, p. 28-33). Só para dar um exemplo, na maior 
parte do país a migração para as novas áreas conquistadas continuou rigidamente 
controlada, quando não proibida, num movimento inverso ao de apoio à ocupação das 
áreas de fronteira, como o ocorrido nos EUA. Na verdade, o decreto do fim da servidão 
procurou isentar a aristocracia de qualquer perspectiva de partilha das terras, desviando 
a “fome de terras” dos camponeses para as terras a que eles já tinham acesso pelo antigo 
direito de uso, desencadeando uma disputa intercamponesa pela terra. Por isto, o fim da 
servidão concentrou ainda mais as terras nas mãos da nobreza e reduziu a autonomia 
econômica dos camponeses, forçando-os a vender sua força de trabalho, pagar 
6 
 
prestações em trabalho e/ou alugar as terras dos nobres ou dos camponeses ricos, para 
compensar sua carência de terras e as dificuldades de subsistência. Entre os próprios 
camponeses há um processo de diferenciação interna, com os camponeses ricos, kulaks, 
adquirindo terras dos mais pobres, explorando seu trabalho ou mesmo emprestando-lhes 
dinheiro ou arrendando-lhes a terra. No entanto, se estes efeitos da abolição da servidão 
fortaleciam a tendência à separação entre propriedade dos meios de produção e 
propriedade da força de trabalho, por outro lado entravava seu avanço, na medida em 
que foram mantidas instituições e práticas do passado feudal russo, como as comunas 
rurais, a prestação de trabalho e as restrições às migrações internas, dificultando a 
circulação da mão de obra e a formação de um mercado de mão de obra de caráter 
nacional. As comunas rurais, mir, passaram a ter uma importância econômica e uma 
força política ainda maior, porque passaram a administrar a carência de terras entre os 
camponeses, por meio de redistribuições periódicas, em muitos lugares favorecendo os 
kulaks, isentando o Estado e a aristocracia da responsabilidade política por este 
problema social. 
Por outro lado, como assinalamos anteriormente, ocorre o reforço da aversão da 
aristocracia à gestão empresarial em favor de sua vocação como “nobreza de serviço” 
junto ao Estado, ao invés de sua adesão à agricultura mercantil, na medida em que o 
próprio objetivo estratégico da reforma de 1861 era isentá-la das pressões pela divisão 
das terras, garantindo seu monopólio sobre a terra. Por isto, em termos econômicos a 
maior parte da aristocracia continuou vivendo dos rendimentos obtidos pelas exações 
arrancadas dos camponeses, pelo aluguel da terra, pela venda de terras e/ou das 
sinecuras estatais, num processo de redução das áreas agrícolas sob controle 
aristocrático e de endividamento que se prolongou pelas décadas seguintes. Em outras 
palavras, a aristocracia russa não era a aristocracia alemã. Esta contradição evidencia os 
limites do projeto de modernização da agricultura russa, tornando a transição à 
agricultura mercantil bastante lenta e oscilante nos primeiros anos após a abolição da 
servidão. Em 1917, a economia agrária russa ainda era predominantemente feudal 
(NÉRÉ; 1991, p. 284-286; WOLF, 1984, p. 106-107, 114; ANDERSON, 1985, p. 351-
352). 
Também fazem parte das reformas conduzidas por Alexandre II a introdução de 
algumas mudanças políticas e militares, visando racionalizar o aparato militar e 
administrativo e promover alguma descentralização política. Visando modernizar o 
7 
 
aparato militar russo diante dos adversários ocidentais foi instituído o serviço militar 
obrigatório, válido para ricos epobres, a reorganização e rearmamento do exército e da 
marinha, foram abolidos os castigos corporais e valorizada a educação militar dos 
oficiais. No plano administrativo buscou-se reduzir a arbitrariedade no sistema 
judiciário, com um novo código penal e a criação da figura do mandato de segurança, 
além do fortalecimento das assembléias locais (zemstvos) nas zonas rurais e grandes 
cidades, com atribuições administrativas e tributárias. Ainda assim a autocracia russa 
continuava ainda bastante longe do formato da monarquia constitucional e da divisão 
dos poderes. No reinado de Alexandre III (1881-1894) parte destas reformas judicial-
administrativas são revertidas, reforçando ainda mais a autocracia czarista e o 
centralismo decisório (NÉRÉ, 1991, p. 283; WOLF, 1984, p. 99). 
Porém apesar destes limites, a “Era das Reformas” iniciada em 1861 favoreceu a 
transição para o capitalismo na economia russa, permitindo o avanço das relações de 
produção e propriedade capitalistas no campo, principalmente no sul, com o 
crescimento das relações assalariadas e da propriedade individual sobre a propriedade 
comunal. Também fortaleceu os kulaks, camponeses ricos que possuíam maiores terras 
e tornaram-se capazes de explorar o trabalho de outros camponeses; além dos 
investimentos dos capitalistas urbanos no campo, com a compra de terras da aristocracia 
por comerciantes, banqueiros e industriais, e o crescimento vertiginoso da agricultura de 
exportação. Entre as décadas de 1850 e 1890 a exportação de cereais se multiplica por 
seis (NÉRÉ, 1991, p. 284; ANDERSON, 1985, p. 348-354). Esta, em grande medida, 
foi uma reação tanto às dificuldades econômicas vividas pelos camponeses, 
particularmente diante do aumento demográfico, quanto à necessidade de recursos 
externos para sustentar o aparato estatal e o próprio desenvolvimento industrial. 
Por isto, grande impulso no sentido do avanço do capitalismo também foi dado pelo 
processo de arrancada da indústria, desencadeado a partir dos anos de 1860 e acelerado 
nos anos 90. Nas áreas em que a especialização agrícola era menor, pois a produção era 
mais voltada para a subsistência e o mercado local, era muito comum os camponeses 
complementarem sua renda desenvolvendo atividades artesanais ou se empregando 
sazonalmente nas indústrias locais, o que favorecia o avanço da atividade industrial 
como alternativa econômica à agricultura. Parte dos capitais investidos na indústria 
vinha dos setores comercial e bancário, que captavam parte da renda da terra por meio 
do endividamento da aristocracia. Porém, a principal alavanca para o processo de 
8 
 
industrialização russa foi o impulso dado pelo Estado, principalmente por razões 
militares e expansionistas. A partir dos anos de 1890, também sob a pressão do 
imperialismo ocidental, ocorreu um vigoroso desenvolvimento industrial na Rússia, 
com o surgimento da grande indústria em setores estratégicos como mineração, 
metalurgia e ferrovias, além do setor têxtil. O Estado investe maciçamente na 
ferroviária, triplicando-a em apenas 25 anos, visando não apenas a integração do país, 
mas também sua defesa. A grande indústria russa já nasce altamente concentrada, tanto 
em termos econômicos, quanto em termos geográficos, “pulando” o processo de 
concentração e centralização progressiva ocorrido em outros países, principalmente 
como consequência das crises cíclicas do capitalismo (NÉRÉ, 1991, p. 285-286; 
WOLF, 1984, p. 103; CHRETIEN, 2017). 
O caráter absolutista do Estado russo fez com que predominasse uma perspectiva 
estatista em que as indústrias eram financiadas pelo Estado ou eram de sua propriedade 
direta. A contraparte deste estatismo era o endividamento externo, a busca por 
dividendos obtidos por meio das exportações agrícolas e o arrocho fiscal imposto sobre 
o campesinato. Daí a relação ao mesmo tempo contraditória e complementar entre a 
estrutura semi-feudal da agricultura e o capitalismo nascente na indústria e nas cidades 
(ANDERSON, 1985, p. 353-354). 
Paralelamente, o capital externo também contribui poderosamente para o avanço 
industrial na Rússia, particularmente o capital francês, que responde por um terço do 
total das inversões externas. Mais uma vez a trajetória da indústria está vinculada à 
questão militar, pois a primazia francesa se deve fundamentalmente à aliança militar 
franco-russa, estabelecida em 1892 após o colapso definitivo da aliança dos três 
imperadores (Rússia, Áustria e Prússia). Assim, o capitalismo russo, que se torna 
predominante na formação social russa no final do século XIX, tinha no Estado e no 
capital externo seus principais agentes, revelando uma burguesia nativa 
economicamente fraca e politicamente omissa (idem, p. 356-357). Este é um 
componente importante para se avaliar o caráter da revolução passiva desencadeada no 
império russo a partir de 1861, pois a classe burguesa é uma força fundamentalmente 
passiva no processo. Paralelamente o avanço industrial gera um crescimento vertiginoso 
do proletariado, concentrando-o em grandes cidades. Por exemplo, durante a Primeira 
Guerra (1914-1917) o proletariado cresce nada menos que 62%, passando de 
9 
 
aproximadamente 242 mil para 392 mil trabalhadores, sendo que deste total um quarto 
era composto por mulheres (CHRETIEN, 2017). 
Neste sentido, a abolição da servidão não só não resolveu os problemas do 
campesinato, como os agravou, na medida em que além do baixo nível técnico, dos 
altos encargos devidos ao Estado e aos nobres e da extrema pobreza, há um grande 
crescimento demográfico no campo, com a população rural aumentando em mais de 
60% entre a década de 1860 e o final do século, tornando a “fome de terras” ainda mais 
aguda. Isto porque em muitos lugares o critério fundamental para o acesso à terra era o 
numero de membros da família camponesa, daí o aumento populacional, acirrando 
ainda mais a disputa intercamponesa pela terra. O governo czarista percebeu a 
gravidade da situação no campo e tentou atenuá-la, reduzindo as anuidades a serem 
pagas e criando um banco para financiar o resgate das terras pelos camponeses e outro 
para que a aristocracia financiasse suas dívidas sem que precisasse vender suas terras. 
No entanto, tais medidas não arrefeceram a crise agrária, nem o ódio camponês pela 
aristocracia e pelo czarismo. Ao mesmo tempo em que se deu o auge das exportações de 
cereais a década de 1890 foi marcada pela “grande fome” no campo, revelando uma 
situação social explosiva (NÉRÉ, 1991, p. 283-285). Na Revolução de 1905 as mesmas 
comunas rurais, que foram fortalecidas pela reforma de 1861 com o intuito de se 
transformarem num instrumento de contenção das agitações no campo, funcionaram 
como um mecanismo decisivo na mobilização revolucionária, demonstrando o fracasso 
da estratégia czarista (WOLF, 1984, p. 94). 
Após a Revolução de 1905, que abalou o czarismo, mas não foi capaz de derrubá-lo, 
o governo adotou um conjunto de novas reformas, com vistas a desarmar a “bomba 
relógio” no campo e favorecer o avanço definitivo do capitalismo na agricultura. As 
reformas de Stolypin (1906-1911), verdadeira política de “cercamentos” no campo 
russo, estimularam a desintegração da comuna com o avanço da propriedade absoluta e 
hereditária da terra e a colonização da Sibéria. Daí em diante os camponeses poderiam 
adquirir individualmente a terra, sem a mediação da comuna rural e a ameaça de 
redistribuições periódicas, além de poderem concentrar suas posses numa única área 
contígua, superando o sistema de lotes parcelados em áreas distintas. O objetivo era 
fortalecer a classe dos kulaks, que serviriam como base de massa de apoio à aristocracia 
e ao governo no campo. Enquanto isto, a aristocraciamanteve sua postura reticente 
diante desta perspectiva conservadora de modernização no campo, agarrando-se ainda 
10 
 
mais ao seu tradicional parasitismo econômico (NÉRÉ, 1991, p. 291; SILVA, 2012, p. 
125; ANDERSON, 1985, p. 351-352). Além disso, o Estado feudal-absolutista 
manteve-se intacto, da mesma forma que a preponderância da aristocracia em seu 
interior, tanto em termos políticos, quanto em termos burocráticos, revelando a fraqueza 
política da burguesia russa, incapaz de colocar-se diante do Estado de maneira 
minimamente autônoma. O fortalecimento da burocracia durante o processo de 
modernização capitalista da Rússia não se deu com a ampliação do acesso da burguesia 
aos cargos públicos e da prevalência de uma perspectiva meritocrática, cavando uma 
cunha progressista no interior do Estado absolutista, mas reforçando as posições da 
aristocracia em seu interior e a solidariedade do Estado para com esta (ANDERSON, 
1985, p. 355). 
Resulta daí uma revolução passiva burguesa “falhada”, quando comparada com 
outros processos como os casos alemão ou italiano, que criou uma formação social 
compósita, sob predomínio capitalista na economia urbana e industrial e em parte da 
agricultura, porém com sobrevivências feudais importantes no campo, emperrando o 
pleno desenvolvimento de um mercado consumidor interno e do próprio capitalismo 
agrário. Esta combinação criou um capitalismo francamente dependente do estatismo e 
do capital externo, com uma burguesia débil politicamente e um Estado feudal-
absolutista dominado política e burocraticamente pela aristocracia e que preservou sua 
integridade, mantendo-se imune às formas políticas burguesas representadas pelo 
constitucionalismo e pelo parlamentarismo. A força do absolutismo russo se revela não 
só no controle “mercantilista” do Estado sobre a economia industrial, mas na própria 
relação deste com o nascente movimento operário, tratado por meio de uma combinação 
de repressão pura e simples com infiltração das direções sindicais pela polícia. Neste 
sentido as tendências sócio-econômicas desencadeadas pela “Era das Reformas” e pelo 
processo de transição ao capitalismo na Rússia foram a forte presença estatal na 
economia industrial; o fortalecimento da propriedade privada no campo, particularmente 
da propriedade dos kulaks, e o desenvolvimento de uma sociedade civil estatizada, 
como no caso da Igreja e da escola, ou controlada de perto pelo Estado, como no caso 
dos sindicatos. Após a Revolução de 1905 estas tendências são reforçadas, 
particularmente pela política agrária de Stolypin, mas não se fazem acompanhar de um 
processo efetivo de atualização burguesa do Estado czarista. A monarquia semi-
constitucional e o Parlamento, criados após 1905, são concessões provisórias do 
11 
 
czarismo ao movimento revolucionário, logo anuladas em favor de uma perspectiva 
efetivamente autocrática, reforçada ainda mais pelo sistema administrativo de urgência 
suscitado pela Primeira Guerra (ANDERSON, 1985, p. 348-360). 
O tempo histórico em que se dá a transição para o capitalismo na Rússia, final do 
século XIX e início do XX, e suas relações com o capital externo, ajudam a explicar por 
que as reformas não serviram para fundamentar a transformação capitalista do Estado 
russo, mas para reforçar seu caráter feudal-absolutista. Isto porque os influxos do 
imperialismo permitiram que a transição para o capitalismo se desenvolvesse sem que a 
estrutura do Estado precisasse ser quebrada; daí a criação de uma formação social 
desigual e combinada em escala não vista antes. O aporte tecnológico e de recursos 
disponibilizado pela capital externo permitiu que a indústria russa “queimasse etapas”, 
atingindo altos níveis de concentração e capacidade produtiva sem que tivesse que 
passar por um processo de evolução lenta e gradual desde o artesanato e a manufatura, 
até a maquinofatura, nem que dependesse de um vigoroso processo de acumulação 
primitiva. Daí que o Estado pôde exercer o papel de principal agente da modernização 
capitalista da Rússia sem ter que instituir em sua plenitude o estatuto burguês da 
igualdade e da liberdade jurídica, nem ter que se abrir e adaptar aos institutos burgueses 
de participação e representação política como um regime constitucional, um parlamento 
responsável e um sistema eleitoral. Daí que o processo de transição ao capitalismo na 
Rússia fortaleceu, ao invés de enfraquecer, o absolutismo russo, como evidenciam o 
controle estatal estrito sobre a Igreja, a educação, os sindicatos e a própria indústria, 
além de sua perenidade e de sua capacidade de reação à crise, como no período 
imediatamente posterior à Revolução de 1905. Portanto, a fragilidade do czarismo russo 
se evidenciou no plano externo, não no plano interno; no enfrentamento deste mesmo 
imperialismo que o auxiliou e reforçou. As derrotas na guerra contra o Japão (1904-
1905) e contra a Alemanha na Primeira Guerra (1914-1917), evidenciam todo o 
anacronismo do czarismo russo num concerto internacional cada vez mais dirigido pela 
lógica do capital imperialista (ANDERSON, 1985, p. 356-360). 
Por isto, em princípio a revolução passiva russa, ou revolução-restauração, reproduz 
em suas linhas gerais o padrão teórico analisado por Gramsci nos casos em que ocorre 
uma transição para o capitalismo e o Estado burguês nos países em que não ocorreu 
uma revolução burguesa clássica. Esta transição se dá por meio de um processo de 
“modificações moleculares, que, na realidade, modificam progressivamente a 
12 
 
composição anterior das forças e, portanto, transformam-se em matriz de novas 
modificações”, conforme definição lapidar de Gramsci (2002, p. 317), dirigido pela 
classe dominante e pelo Estado a partir de cima com vistas ao esvaziamento da 
perspectiva revolucionária e à atualização da estrutura econômico-social e da estrutura 
política, promovendo mudanças revolucionárias ao mesmo tempo em que restauram 
elementos fundamentais da velha ordem, repondo-os em novas bases. Nisto o Estado e a 
classe dominante reagem tanto à pressão externa, exercida por outros países, quanto à 
pressão interna, exercida pelas classes subalternas e adotam variados procedimentos 
transformistas a fim de cooptar ou decapitar as forças adversárias2. As reformas de 1861 
e a política agrária de Stolypin são os momentos mais evidentes deste processo, na 
medida em que abriram caminho para as modificações que possibilitaram o avanço do 
capitalismo, ao mesmo tempo em que restauraram o Estado absolutista, a dominação 
política e social da aristocracia e a grande propriedade sob seu controle. 
Porém, o caso russo guarda peculiaridades que o afastam bastante do caso clássico 
da revolução passiva, particularmente daquele representado pela Alemanha e, em menor 
grau, pela Itália. Em primeiro lugar, salta aos olhos a fraqueza da burguesia russa não só 
do ponto de vista político, mas também do ponto de vista econômico. O 
desenvolvimento industrial foi muito mais fruto da ação do Estado e do capital externo 
do que propriamente da burguesia russa. Ao contrário da burguesia alemã, que consegue 
impor a livre circulação de mercadorias e mão de obra no interior da federação alemã 
antes mesmo do abalo de 1848 e se torna a principal credora do Estado prussiano, além 
de conquistar espaço político no Parlamento e em instâncias de poder locais, a burguesia 
russa só consegue a liberdade de movimentação da mão de obra muito tardiamente e 
ainda assim de maneira parcial. No plano político-ideológico o liberalismo sempre foi 
marginal enquanto força política e corrente de pensamento, vindo a burguesia russa a se 
organizar em termos partidários apenas depois da Revolução de 1905 com o partido“Kadete” (Partido Constitucional Democrático) e ainda assim exercendo uma função de 
força política auxiliar da autocracia quando é criada a Duma (Parlamento) e a burguesia 
liberal passa a ter uma representação parlamentar. 
 
2 - Gramsci trata do conceito de revolução passiva ou revolução-restauração em diversas passagens dos 
Cadernos do Cárcere, relacionando-o aos conceitos de transformismo, cesarismo, guerra de posição, etc. 
No entanto, discorre em especial sobre a revolução passiva quando trata da realidade italiana, seja 
discutindo a filosofia de Benedetto Croce (2004, p. 227-430) seja analisando o Risorgimento (2002). Para 
uma reflexão sobre os sentidos dos conceitos de revolução passiva e de transformismo ver MACIEL, 
2006. 
13 
 
Em segundo lugar, a aristocracia buscou se contrapor ao anacronismo e à crise da 
ordem econômica e social feudal reforçando seus laços com a autocracia, suas posições 
no interior do Estado como burocracia e seu “parasitismo” econômico, ao invés de 
aderir maciçamente à agricultura mercantil e à perspectiva empresarial. Ou seja, à crise 
da ordem social feudal e do absolutismo a aristocracia russa reagiu defensivamente, 
restaurando seus privilégios econômicos e reforçando suas posições tradicionais, não 
buscando dar a direção do processo de mudanças. Neste sentido, os setores reformistas 
da burocracia que dirigiram a revolução passiva falhada na Rússia, não só careceram do 
apoio da classe dominante fundamental, mas sofreram dela dose considerável de 
resistência, como se evidencia na ineficácia do banco estatal para financiar sua adesão à 
agricultura mercantil. 
Em terceiro lugar, a autocracia czarista e a burguesia russa nunca foram capazes de 
desenvolver um movimento transformista bem sucedido em favor de sua perspectiva de 
revolução passiva sobre seus adversários. As tentativas de transformar a comuna rural 
num bastião em defesa do czarismo fracassaram completamente, como evidenciam seu 
papel nos levantes camponeses e na defesa dos seus interesses contra o Estado e a 
aristocracia. A força dos “populistas russos”, narodnikis, e depois do partido socialista 
revolucionário no campo também é outra evidencia importante da hostilidade do 
campesinato diante da autocracia czarista. Em relação ao movimento operário o fracasso 
é ainda maior, pois tanto a social-democracia, quanto o anarquismo sempre 
vislumbraram a perspectiva revolucionária. Mesmo os mencheviques, que defendiam a 
aliança do proletariado com a burguesia vislumbravam a derrubada do czarismo pela via 
revolucionária. Assim, fracassou a tentativa de atualização da ordem social russa por 
meio de uma revolução passiva promovida pelo Estado czarista e pela aristocracia, 
tornando a revolução social ativa uma necessidade histórica. 
2- Uma revolução permanente em processo: da irrupção à paralisia (1917-1928). 
Ao contrário do que se dá nas revoluções passivas bem sucedidas, a revolução 
passiva russa não só não afastou a ameaça da revolução social, como a tornou mais 
necessária à medida que as contradições devidas ao caráter compósito de sua formação 
social se acirravam. A Revolução de 1905 abriu uma era de revolução social, 
evidenciando tanto a necessidade histórica da revolução, quanto a incapacidade 
orgânica do czarismo de anulá-la em favor da perspectiva passiva por meio de um 
14 
 
movimento de cooptação das forças revolucionárias. Com o refluxo da revolução as 
pequenas modificações promovidas na estrutura política foram rápida e decididamente 
anuladas, restaurando o czarismo em sua inteireza sob a capa de uma monarquia 
semiconstitucional, enquanto o avanço do capitalismo foi acelerado com as reformas de 
Stolypin. 
A crescente contradição entre estrutura sócio-econômica e estrutura política 
explodiu em 1917 de maneira tal que o regime não resistiu por duas semanas ao levante 
popular de fevereiro. A partir daí retoma-se um processo de revolução social manifesto 
na aceleração da organização popular por meio dos soviets, das comunas rurais, dos 
sindicatos e partidos de esquerda, na ocupação das terras pelos camponeses, na deserção 
em massa dos soldados e na criação de uma crescente dualidade de poderes entre o 
governo provisório, instalado em fevereiro, e o soviet de Petrogrado. A novidade é que a 
perspectiva socialista se colocava no horizonte da revolução russa, por conta de um 
conjunto de fatores. Em primeiro lugar, deve-se destacar o protagonismo dos 
trabalhadores, particularmente do operariado industrial, no processo revolucionário, 
devido à própria incapacidade orgânica da burguesia russa de dirigir qualquer 
perspectiva revolucionária, mesmo a de tipo passivo. Protagonismo expresso em sua 
emergência absolutamente inovadora na cena política, em termos organizativos e 
programáticos com os soviets e com a perspectiva de controle operário da produção 
industrial, de democratização das relações no interior das forças armadas e ocupação 
das terras. A partir de fevereiro a demanda pelo controle das fábricas e fazendas pelos 
trabalhadores se colocou progressivamente com uma força ainda não vista e inspirou 
inúmeras iniciativas de ocupação e autogestão, instituindo uma nova correlação de 
forças em favor do aprofundamento da revolução e atropelando a própria legalidade 
instalada com a queda da monarquia (FERRO, 1974). 
Em segundo lugar, a situação internacional de guerra, favorável à emergência 
revolucionária das massas no centro e na periferia do sistema capitalista num 
movimento articulado de revolução mundial que poderia favorecer a transição socialista 
num país ainda atrasado graças ao apoio dos países desenvolvidos cujo poder já 
estivesse sob controle dos trabalhadores. Em terceiro lugar, o avanço e a própria 
especificidade do processo de modernização econômica da sociedade russa que, apesar 
de seus limites, já possuía um setor industrial com níveis de concentração e avanço 
tecnológico consideráveis, capazes de dinamizar o desenvolvimento econômico em 
15 
 
outros setores e assim criar a base material necessária à transição socialista, além de 
concentrar a classe operária nas principais cidades do país. Esta nova situação conferia à 
revolução russa o caráter de uma revolução permanente, pois sequer as tarefas 
democrático-burguesas haviam sido realizadas e as tarefas socialistas já se colocavam 
como uma necessidade histórica (MEDVEDEV, 1978, p. 17-61; DEUTSCHER, 1968, 
p. 1-18). 
Como se sabe, a perspectiva da revolução permanente foi desenvolvida por Marx e 
Engels no âmbito da Revolução de 1848-49 na então Alemanha, a partir da análise da 
experiência histórica da Revolução Francesa (1789-1799). Para eles a revolução em 
permanência se colocava como uma necessidade histórica num país ainda 
predominantemente feudal, dividido em diversas entidades políticas, governado por 
príncipes absolutistas e bastante atrasado em termos econômicos e sociais. Em sua 
perspectiva a classe operária deveria compor o bloco de forças antiabsolutistas liderado 
pela burguesia e apoiar a revolução democrático-burguesa, sem, no entanto, perder sua 
autonomia politico-ideológica e organizativa. Após a derrubada do feudal-absolutismo e 
a criação de uma república democrática unificada na Alemanha a classe operária deveria 
apoiar resolutamente a luta da pequena burguesia contra a burguesia, fazendo a 
revolução avançar numa perspectiva mais popular e democrática, até o momento em 
que esta tomaria o poder. A partir daí a classe operária deveria pressionar o máximo 
possível a pequena burguesia e seu governo no sentido da adoção de medidas 
socializantes, conquistar instâncias de poder exclusivamente operáriase avançar em sua 
organização política e militar com vistas à sua constituição como classe dominante. 
Impedindo assim a interrupção da revolução no plano meramente político, ou seja, no 
plano da mudança do tipo de Estado e da alteração da classe dominante, e pressionando 
por sua continuidade até a expropriação política e econômica das classes proprietárias, 
com a conquista do poder de Estado pelo proletariado, a concentração das forças 
produtivas decisivas nas suas mãos e a abolição da propriedade privada e das classes. 
Ou seja, para Marx e Engels a revolução permanente continua durante todo o período do 
que chamamos hoje de “transição socialista” e em caráter internacional, ou seja, “até 
(...) que a associação dos proletários, não só num país, mas em todos os países 
dominantes do mundo inteiro, tenha avançado a tal ponto que tenha cessado a 
concorrência dos proletários nesses países” (MARX e ENGELS, 1982, p. 182). Daí a 
importância da revolução também ser bem sucedida num país mais desenvolvido que 
16 
 
pudesse auxiliar o processo revolucionário no país atrasado, como no caso da França em 
relação à Alemanha 3. 
Uma revolução permanente na Rússia era a aposta de Trotsky desde 1906, quando, 
avaliando a experiência da Revolução de 1905 e a própria história da Rússia, conclui 
pela impossibilidade de uma revolução burguesa que não fosse dirigida pela classe 
operária e conduzida por um governo operário, pois a burguesia russa era demasiado 
débil politicamente para operar tal tarefa histórica. Conclui ainda pela impossibilidade 
da classe operária no poder se limitar a realizar uma revolução burguesa, devendo 
concatená-la com as tarefas de uma revolução socialista, sob o risco de tornar o seu 
poder provisório e ser vítima de uma reação implacável. Na execução das tarefas 
burguesas da revolução permanente a classe operária atrairia o apoio do campesinato; 
mas sem partilhar o poder com ele. Para a execução das tarefas socialistas a classe 
operária precisaria não apenas tomar o poder e assim desenvolver as condições 
materiais para a transição socialista, mas também contar com o apoio do proletariado 
revolucionário europeu, ao mesmo tempo em que a revolução russa estimula a 
revolução socialista na Europa Ocidental. A concatenação entre a revolução permanente 
na Rússia e a revolução socialista na Europa tornou-se possível depois da derrota do 
Império Russo na guerra com o Japão, fraturando a unidade do concerto europeu e 
abrindo caminho para a guerra mundial (TROTSKY, 1973). 
A revolução permanente também se tornou a aposta de Lênin mais tarde, quando a 
partir da eclosão da Primeira Guerra Mundial passa a conceber a possibilidade da guerra 
patriótica se transformar numa guerra civil, abrindo caminho para uma revolução de 
caráter mundial que estouraria primeiramente no elo mais fraco da cadeia imperialista, a 
Rússia. Conseqüentemente, ao retornar do exílio Lênin propõe todo o poder aos soviets 
e a criação de um governo operário-camponês que realizaria as tarefas burguesas e 
proletárias da revolução sob a mediação da nacionalização/estatização das grandes 
 
3 - O conceito de revolução permanente foi desenvolvido por Marx e Engels em diversos trabalhos 
durante a conjuntura revolucionária de 1848-49 e no âmbito de sua militância na Liga dos Comunistas. 
Desde Princípios básicos do comunismo (1847), elaborado por Engels, passando pelo Manifesto do 
Partido Comunista (1848) e pelas Reivindicações do Partido Comunista na Alemanha (1848) a estratégia 
da revolução permanente é colocada para a classe operária como caminho para a ultrapassagem da 
revolução burguesa e a efetivação da revolução socialista, no entanto, é na Mensagem da Direção Central 
da Liga dos Comunistas (1850) que a dinâmica e as tarefas da revolução permanente são descritas com 
detalhe, particularmente no tocante à construção da autonomia política e organizativa da classe operária. 
Para uma análise do contexto de elaboração e do próprio conceito de revolução permanente ver MACIEL, 
2014. 
17 
 
empresas e da criação de um capitalismo de Estado como ante-sala do socialismo. Na 
prática, a concatenação entre revolução burguesa e revolução socialista se deu 
paulatinamente ao longo de 1917 e consumou-se em outubro com a tomada do poder 
pelos bolcheviques (LÊNIN, 2005, p. 23-169; REIMAN, 1985). 
A fragilidade da revolução burguesa de fevereiro se evidencia na incapacidade da 
burguesia liberal, dos setores conscientes da aristocracia e dos socialistas moderados 
(mencheviques e socialistas revolucionários de direita), que compuseram os sucessivos 
governos provisórios, em se desvencilhar dos compromissos assumidos pelo czarismo e 
em afastar decididamente a ameaça da contra-revolução. Apesar das vacilações da 
direção Socialista Revolucionária e menchevique do soviet de Petrogrado em assumir a 
dualidade de poderes, por conta de sua aposta no caráter burguês da revolução, foi 
impossível para o governo provisório manter-se no poder e levar a cabo as tarefas 
burguesas. A participação dos partidos de esquerda no governo não alterou este cenário, 
tornando a insurreição liderada pelos bolcheviques em outubro uma necessidade para 
salvar a revolução. A própria história dos sucessivos governos provisórios entre 
fevereiro e outubro expressa de modo acelerado a dinâmica clássica da revolução 
permanente, evoluindo de uma revolução política para uma revolução social quando no 
interior do bloco revolucionário a burguesia vai sendo deslocada pela pequena 
burguesia e posteriormente esta é deslocada pelo proletariado. De um governo formado 
exclusivamente pelos liberais (burguesia e aristocratas “esclarecidos”), preocupado 
fundamentalmente em normalizar a vida social diante da radicalização popular, a 
situação política evolui em maio para a montagem de um governo de coalizão com os 
socialistas moderados, que assumem sua direção política em julho, quando os liberais 
abandonam o governo. No entanto, o fracasso da nova ofensiva militar desencadeada 
em junho, somada à intensificação das greves e ocupações de terras curtocircuita a 
perspectiva burguesa do governo socialista abrindo caminho para a radicalização 
política e a superação do impasse (FERRO, 1974, p. 13-67). 
O dínamo por trás desta escalada em direção à revolução socialista é a contradição 
entre a inércia do governo provisório acerca do atendimento das demandas da 
Revolução de Fevereiro e o avanço político e ideológico dos trabalhadores e soldados. 
No início do processo revolucionário os operários defendiam a convocação de uma 
assembléia constituinte, a criação de uma republica democrática, melhorias salariais e a 
implantação de direitos trabalhistas; os camponeses defendiam que a terra fosse dada a 
18 
 
quem nela trabalhasse e os soldados pediam um tratamento disciplinar mais humano 
com o fim dos castigos físicos, indenização aos feridos e mutilados e abono às famílias 
dos soldados (idem, p. 41-43). No entanto, a partir de maio, com a crise do governo 
Miliukov e o lockout da burguesia, há uma retomada das greves e um processo de 
ocupação das fábricas e de estabelecimento de sua gestão pelos soviets e comissões de 
fábrica. Enquanto isto, os camponeses passam a ocupar as terras abandonadas ou 
improdutivas e se apropriar do gado e dos equipamentos agrícolas e os soldados passam 
a defender o fim da guerra e o estabelecimento da democracia soviética no Exército e na 
Marinha, com a escolha dos comandantes pelos soldados e o controle das tropas pelos 
soviets (idem, p. 62-64). Em julho, após o fracasso da ofensiva militar, enquanto o 
Exército sofre um processo de decomposição com deserçõesem massa o retorno dos 
soldados dá um novo impulso revolucionário ao campesinato, estimulando ações 
violentas contra a aristocracia e acelerando a expropriação de suas terras, e mesmo as 
terras dos kulaks (idem, p. 77-78). 
É em reação a isto e à incapacidade do governo provisório de estancar a 
radicalização popular que o general Kornilov tenta tomar o poder e instituir uma 
ditadura militar. Portanto, de um lado a contra-revolução levanta a cabeça, com a 
tentativa de golpe do general Kornilov; de outro lado os bolcheviques avançam, 
conquistando posições nos soviets, sindicatos e comitês de fábrica e habilitando-se à 
tomada do poder, como em julho. Após o fracasso do golpe de Kornilov, em grande 
medida graças à mobilização bolchevique, o governo provisório não dirige mais o 
processo revolucionário. Criam-se as condições para a dualidade de poderes com o 
soviet de Petrogrado e a insurreição de Outubro. Ao contrário da revolução alemã de 
1848, vivida e teorizada por Marx e Engels, interrompida com a derrota da pequena 
burguesia diante da recomposição da burguesia com as forças feudal-absolutistas, no 
processo revolucionário russo a revolução em permanência se acelera nos planos 
político e social, com a classe operária assumindo a direção do processo revolucionário 
e o governo através dos soviets e do partido bolchevique (idem, p. 68-96). 
A Revolução de Outubro se configura como uma revolução socialista não só porque 
institucionaliza politicamente e amplia o processo de ocupação das fábricas e das terras 
pelos trabalhadores, que já ocorria desde a queda do czar, e o controle operário da 
produção; mas também porque cria um governo baseado nos soviets, órgãos de 
democracia direta dos trabalhadores, implodindo de vez o sistema político 
19 
 
representativo criado em fevereiro e o calendário político por ele definido, como a 
assembléia constituinte. O chamado “Comunismo de guerra”, instituído mais em função 
das dificuldades impostas pela dinâmica da revolução, e logo depois da guerra civil, do 
que propriamente pela intenção do governo bolchevique, representa uma ruptura em 
relação à propriedade privada na economia urbana na medida em que combina formas 
de controle operário e formas de controle estatal das empresas e em que estabelece a 
nacionalização/estatização das indústrias estratégicas e de grande porte, dos bancos e do 
comércio exterior e entrega a administração de parte das fábricas aos soviets, sindicatos 
e comitês de fábrica. Mas a Revolução de Outubro também se configura como uma 
revolução democrático-burguesa, na medida em que rompe com a grande propriedade 
da aristocracia e da burguesia no campo, referendando e legalizando o processo de 
ocupação das terras pelos camponeses. Este processo de ocupação camponesa das terras 
se dá de forma combinada, pois são as comunas rurais e cooperativas que organizam a 
distribuição das terras, prevalecendo a perspectiva da pequena propriedade individual. 
O confisco das indústrias pelos trabalhadores e pelos órgãos ligados ao Conselho 
Supremo de Economia, criado para estabelecer um mínimo de planejamento e 
organização gerais, e a nacionalização/estatização dos bancos e do comércio exterior 
impuseram-se à iniciativa privada não apenas respondendo ao programa que motivou a 
Revolução de Outubro, mas também tentando dar respostas à grave crise vivenciada nas 
cidades nos primeiros meses com a redução da produção industrial e graves problemas 
no sistema de abastecimento e de circulação de bens. O controle operário das empresas 
conviveu com grandes dificuldades devido à inexperiência administrativa dos 
trabalhadores, à falta de articulação entre as empresas socializadas, à resistência e 
sabotagem de patrões e gerentes, à escassez de matérias primas. Em muitos casos a 
produção industrial era interrompida logo que o estoque de matérias primas era 
consumido, mas não reposto. Além disso, o comércio reduziu-se em grande parte às 
trocas naturais, abrindo caminho para o mercado negro e a especulação, enquanto a 
maior parte da produção agrícola retrocedia para a mera produção de subsistência dos 
camponeses, rompendo a unidade econômica entre e campo e cidade. Assim o controle 
estatal ou social da propriedade na economia urbana não resolveu os problemas acima 
citados, pois estes foram ainda mais agravados pelo início da guerra civil, pela 
necessidade de abastecimento do Exército Vermelho e pelo despovoamento das grandes 
cidades devido ao recrutamento militar de operários e trabalhadores urbanos e à própria 
20 
 
escassez de alimentos e produtos básicos, fazendo segmentos da população voltar para o 
campo em busca de terras para produção. Se Moscou sofreu uma redução de sua 
população da ordem de 44,5%, em Petrogrado este índice atingiu 57% da população 
(MEDVEDEV, 1978, p 85-105; CARR, 1981, p. 27-35). 
Na verdade, além da situação de emergência criada pela guerra civil, a grave 
situação econômica nas cidades se deveu também ao processo de distribuição das terras 
estabelecido no campo. Apesar dos bolcheviques terem proclamado a divisão igualitária 
da terra entre os que nela trabalhavam, prevaleceu a ocupação e distribuição das terras 
da aristocracia, da burguesia e dos kulaks entre os camponeses médios e pobres pelas 
comunas rurais e cooperativas, prevalecendo a pequena propriedade individual e a 
produção de subsistência. O processo de desorganização no abastecimento e na 
distribuição dos bens favoreceu o comércio clandestino e a ação de especuladores, os 
chamados “caixeiros-viajantes”, que enriqueciam diante da situação de caos. Isto afetou 
diretamente o abastecimento das cidades e do Exército Vermelho, motivando medidas 
centralizadoras e o choque entre a perspectiva do controle social e aquela do controle 
estatal. Inicialmente os bolcheviques criaram comitês de abastecimento e requisição de 
alimentos compostos pelos próprios camponeses para abastecer as cidades, mas o 
fracasso de tais iniciativas determinou o estabelecimento das requisições forçadas, e 
muitas vezes utilizando-se de métodos violentos, principalmente para abastecer o 
Exército. Isto reacendeu a velha desconfiança camponesa diante do centralismo estatal e 
da burocracia. Os próprios sovkoses criados pelo governo ou pelas indústrias 
estatizadas, sob controle do Comitê Supremo de Economia, para tentar atender o 
abastecimento dos trabalhadores urbanos famintos estimularam esta desconfiança, na 
medida em que muitas destas propriedades eram administradas por antigos gerentes 
agrários, em conformidade com a política que passa a ser adotada pelos bolcheviques de 
recrutar os quadros administrativos e militares da velha ordem dispostos a colaborar 
com o novo regime. Nas cidades o governo bolchevique intensifica as medidas de 
controle estatal da produção e distribuição, esvaziando o controle operário exercido por 
meio dos soviets, sindicatos e comissões de fábrica e valorizando a administração dos 
antigos gerentes e especialistas sob supervisão dos comissários bolcheviques. A guerra 
civil, o fracasso das sucessivas tentativas revolucionárias na Europa Ocidental e o 
isolamento diplomático da Rússia soviética tornaram a situação ainda mais dramática e 
caótica, favorecendo a centralização política, o autoritarismo e o esvaziamento dos 
21 
 
soviets e, por suposto, da própria perspectiva socialista (CARR, 1981, p, 27-35; NÉRÉ, 
1991, p. 425-428). 
Neste sentido, a Revolução de Outubro de 1917, o Comunismo de Guerra e a Guerra 
Civil (1918-1921) representam uma revolução política e social compósita, combinando 
revolução burguesa e revolução socialista. No entanto, a perspectiva socialista presente 
nas formas de controle operário da produção,de controle camponês da distribuição das 
terras e na nacionalização da propriedade convivem contraditoriamente com duas 
perspectivas burguesas. De um lado a perspectiva do capitalismo de Estado, presente no 
estatismo representado pelo dirigismo administrativo, que submeteu paulatinamente o 
controle operário à gestão individual dos gerentes indicados pelo governo; pela 
centralização decisória, cada vez mais intensa no âmbito do partido e do governo; pelo 
esvaziamento dos soviets como instâncias efetivas de poder, pela submissão dos comitês 
de fábrica aos sindicatos e destes ao governo e pelo privilegiamento dos “especialistas” 
no plano da gestão econômica e do comando militar, aprofundando a divisão social do 
trabalho, a diferenciação salarial e favorecendo a adesão de segmentos burgueses e 
burocráticos identificados com a velha ordem ao partido e ao novo regime. De outro 
lado, a perspectiva privatista pequeno-burguesa, representada pela propriedade 
individual camponesa e artesanal, que garantiu o apoio camponês ao governo 
bolchevique e a manutenção da aliança operário-camponesa, particularmente diante da 
ameaça da restauração aristocrático-burguesa representada pelos Exércitos Brancos, 
mas ao preço de tornar o campo russo ainda mais impermeável à perspectiva socialista. 
Ora, na medida em que a revolução mundial era derrotada e deslocada do horizonte 
político, permitindo a salvação do sistema imperialista e abortando a perspectiva de 
auxilio externo por parte de uma revolução socialista vitoriosa num país desenvolvido; 
em que o atraso econômico-social mostrou-se mais sólido e renitente que o ideário da 
mudança social e cultural, cobrando um preço econômico gigantesco; em que o cerco 
internacional e a guerra civil impunham uma situação dramática, dizimando física e 
socialmente a classe operária russa e forçando a criação de uma economia de guerra, 
prevalecem sobre a perspectiva socialista a composição com as forças sociais da velha 
ordem, o privatismo e as tendências centralizadoras e burocráticas, esvaziando o 
horizonte socialista da revolução. Neste aspecto desagrega-se uma das condições para o 
êxito da revolução permanente na ótica de Marx e Engels, qual seja a autonomia 
política, ideológica e organizativa do proletariado e sua transformação em classe 
22 
 
dominante, processo iniciado em 1905, reforçado em 1917 e agora contra-restado pelo 
estatismo e pelo centralismo decisório. Portanto, a revolução permanente consolidada 
em Outubro de 1917 começa a ser paralisada em seu próprio bojo, na medida em que a 
perspectiva socialista conviveu com grandes dificuldades e começou a ser revertida no 
seu próprio processo de implantação. 
A NEP (1921-1927) restaura em parte as tendências históricas desencadeadas 
durante a revolução passiva burguesa, porém sob poder bolchevique, manifestas no 
estatismo, no privatismo e no kulakismo. O estatismo expresso na propriedade estatal 
das grandes empresas e no controle estatal sobre a economia privada; o privatismo 
expresso nas concessões à economia privada e no restabelecimento das relações de 
mercado; e o kulakismo no estímulo à propriedade privada no campo e à produção para 
o mercado, que beneficiou prioritariamente os camponeses ricos, kulaks. Assim, durante 
a NEP a perspectiva socialista é afastada, mesmo que intencionalmente de maneira 
provisória, em nome da manutenção da aliança operário-camponesa que garantiu a 
Revolução de Outubro e a vitoria na Guerra Civil. 
A NEP (Nova Política Econômica) teve como ponto de partida o estabelecimento do 
imposto em espécie, em março de 1921, para substituir as requisições forçadas no 
campo e estimular a retomada da produção agrícola e assim aplacar o descontentamento 
do campesinato com o regime na medida em que a guerra civil era vencida pelo 
Exército Vermelho e a ameaça de restauração aristocrático-burguesa era afastada. Uma 
vez pago o imposto em espécie o campesinato podia vender o seu excedente de 
produção, o que estimulou o restabelecimento da economia de mercado no campo. Na 
prática, os principais beneficiários desta liberação foram o camponeses ricos, kulaks, 
pois o camponês pobre continuou a produzir para subsistência. Mais tarde o governo 
bolchevique liberou o arrendamento das terras e a exploração de mão de obra no campo, 
favorecendo os kulaks mais uma vez e estimulando seu enriquecimento (CARR, 1981, 
p. 41-42; NÉRÉ, 1991, p. 428-433). 
No setor industrial e da economia urbana a NEP favoreceu mais a pequena 
indústria, produtora de bens de consumo, particularmente aquela localizada na zona 
rural, do que a grande indústria do setor de bens de produção, para garantir o 
abastecimento do campo e estimular a produção de excedente agrícola. Também limitou 
o processo de nacionalização/estatização, devolvendo diversas empresas à iniciativa 
23 
 
privada, inclusive aos ex-proprietários; além de abrir a economia russa à investimentos 
estrangeiros, estimular as práticas comerciais e a busca do lucro. Neste movimento 
foram beneficiados os antigos “caixeiros-viajantes”, que passaram a explorar o 
comércio varejista, enquanto o governo procurava controlar o processo de distribuição 
no atacado. Com o retorno pleno da economia monetária a moeda sofreu um processo 
de forte desvalorização, gerando inflação e favorecendo ainda mais os comerciantes 
privados. Entre as empresas estatais o governo estimulou a formação de grandes trustes, 
reunindo diversas empresas, que também passaram a ser geridas pela perspectiva da 
lucratividade. Apesar desta tentativa de otimização da produção e de superação da 
desorganização econômica da época do “Comunismo de Guerra”, a grande indústria 
continuou estagnada, particularmente durante a chamada “crise da tesoura”, carente de 
investimentos, de maquinário e de técnicos, com aumento do desemprego e queda 
salarial. Mesmo depois, quando há uma retomada geral da indústria, o setor que mais se 
desenvolve ainda é a pequena indústria de bens de consumo, crucial para garantir as 
trocas com o campo e o abastecimento das cidades. Paralelamente o controle operário 
da produção era definitivamente enterrado, na medida em que a tendência a entregar a 
gestão das empresas para os “Gerentes Vermelhos”, recrutados entre os antigos gerentes 
e proprietários das indústrias, se consolidou, conferindo-lhes uma série de privilégios, 
salários diferenciados e permitindo-lhes a adoção de métodos administrativos 
despóticos. Se a proposta de militarização dos sindicatos foi rejeitada, por outro lado os 
mesmos passaram a ser considerados órgãos auxiliares do Estado, com a função de 
estimular o aumento da produtividade e a disciplina no trabalho, paralelamente à sua 
condição de órgão de defesa dos interesses dos trabalhadores. O descontentamento 
operário não se fez esperar, com a ocorrência de diversas greves e a denúncia por parte 
de diversos setores de que o governo bolchevique traía a perspectiva socialista da 
revolução (CARR, 1981, p. 53-60). 
A liberalidade econômica instituída pela NEP não se fez acompanhar da 
liberalidade política, ao contrário, o centralismo e o autoritarismo aumentaram, tanto no 
aparelho de Estado, quanto no interior do partido, com os diversos setores de oposição 
sofrendo forte processo de repressão e isolamento político, desde a rebelião de 
Kronstadt, em 1921, até o cerco e eliminação da Oposição Unificada (Trotsky, 
Zinoviev, Kamenev) em 1926/27. O sucesso da NEP fortaleceu seus defensores nas 
estruturas de comando, mas particularmente fortaleceu os novos segmentos recrutados 
24 
 
para a burocracia, cada vez mais dependentes dos favores e privilégios que lhes eram 
concedidos pela secretaria geral do partido (idem, p.43-52). 
Assim, ao restabelecer o avanço da iniciativa privada, mesmo que sob controle 
estatal, atraindo investimentos de capitalistas nacionais e estrangeiros, os nepmen; 
fortalecer os kulaks no campo, apesar da manutenção da comuna rural, e restabelecer o 
livre-mercado, o governo bolchevique solapou o controle operário e o papel político dos 
soviets, base política para qualquer perspectiva socialista efetiva. É fato que no campo o 
controle de parte das terras pela comuna rural e pelas cooperativas camponesas 
continuou, mas o setor mais dinâmico da agricultura era claramente baseado na grande 
propriedade camponesa e no enriquecimento dos kulaks. Apesar da retomada dos 
índices de produção para níveis anteriores à Primeira Guerra, o que permitiu a 
superação relativa da grave escassez de bens e alimentos, o reabastecimento das cidades 
e certo reequilíbrio econômico, consolidando o poder revolucionário numa situação de 
isolamento internacional e fracasso da revolução mundial, a NEP desatou novas 
contradições, antagonizando estatismo e privatismo de maneira crescente e radical. O 
que reforçou as tendências centralistas e burocráticas já manifestas durante o 
"Comunismo de Guerra" e impôs o monolitismo político no interior do partido, do 
governo e do próprio movimento comunista internacional. Neste sentido, a NEP 
significou uma paralisação (intencionalmente momentânea) na revolução permanente, 
prevalecendo as duas perspectivas burguesas que assinalamos, do capitalismo de Estado 
e do privatismo, em detrimento da perspectiva socialista. 
3- Uma revolução passiva burocrática (1928-1941). 
A partir de 1925 o debate sobre os rumos da NEP se instala, fundamentalmente por 
conta das preocupações de alguns setores do partido com as dificuldades de 
desenvolvimento da indústria de bens de capital e dos novos problemas com o 
abastecimento nas cidades. A liberação das práticas de mercado e a abertura à 
propriedade privada na indústria beneficiaram fundamentalmente o setor de bens de 
consumo, mantendo o setor de bens de capital, sob predomínio da propriedade estatal, 
carente de recursos, tecnologia e mesmo maquinário, apesar do grande avanço em 
termos de concentração e centralização econômica. A retomada do desenvolvimento 
econômico e o avanço tecnológico nos países capitalistas tornaram-se fonte de 
preocupação ante a possibilidade de um novo ataque militar, particularmente na 
25 
 
conjuntura de rompimento diplomático com a Inglaterra (1927) e isolamento 
internacional da URSS. Paralelamente, o processo de desvalorização do rublo fez com 
que os camponeses passassem a estocar o principal ativo de que dispunham, os cereais, 
ao invés de vendê-los no mercado e trocá-los por uma moeda desvalorizada pela 
escalada inflacionária, causando nova crise de abastecimento nas cidades (idem, p. 115-
121). 
Diante deste cenário as demandas por planejamento econômico e apoio à 
industrialização se intensificam, mesmo entre os defensores da NEP, redefinindo a 
correlação de forças no interior do partido e do Estado e abrindo caminho para o 
planejamento estatal, a industrialização acelerada e a “coletivização” forçada do campo. 
Isto porque como uma das bandeiras da Oposição Unificada (Trotsky, Zinoviev, 
Kamenev) era a defesa da industrialização e a redução das vantagens dadas aos 
camponeses, além das críticas ao centralismo decisório e ao burocratismo, enquanto esta 
não foi derrotada os setores dirigentes vinculados à Stálin contiveram suas críticas à 
NEP. No entanto, após a derrota definitiva da Oposição Unificada, em 1927, os ataques 
aos privilégios conferidos aos camponeses se intensificam e a “guerra aos kulaks” é 
anunciada; além da defesa do planejamento econômico e do apoio à indústria pesada 
como medidas estrategicamente necessárias à sobrevivência da URSS. A partir daí a 
aliança entre Stálin e Bukharin em torno da defesa da NEP se rompe progressivamente e 
este passa a constituir a chamada “Oposição de Direita” (Bukharin, Rikov e Tomsky), 
derrotada a seguir (idem, p. 108-114). 
Em função da proposta da industrialização acelerada, que tem como eixo 
fundamental o apoio integral à indústria de bens de capital, e de guerra aos kulaks e à 
iniciativa privada no campo, o governo passa a instituir a planificação econômica, com 
a definição de prioridades, fontes de financiamento e metas de produção e distribuição. 
O Primeiro Plano Qüinqüenal é aprovado em maio de 1929. Toda a economia passa a 
girar em torno da priorização maciça da indústria de bens de capital (metalurgia, 
siderurgia, eletricidade, maquinário), da indústria bélica (aeronáutica, tanques, armas, 
além da indústria química) e dos setores de infra-estrutura e transportes (auto-estradas, 
ferrovias, automóveis, caminhões e tratores). Entre 1928 e 1940 enquanto a 
porcentagem de bens de consumo cai de mais de dois terços da produção total para 
menos de um quinto, a produção de bens de produção sobe de pouco menos de um terço 
para mais de 60%, evidenciando não só a prioridade dada à indústria pesada, mas o 
26 
 
próprio processo de depressão do consumo das classes trabalhadoras (CALLINICOS, 
1992, p. 52). 
Paralelamente, há uma intensificação da pressão pelo aumento da produtividade, 
tendo em vista que uma das fontes de financiamento da industrialização era a inversão 
dos lucros das próprias indústrias. Daí a intensificação da extração da mais-valia, 
favorecida pela normatização crescente da atividade produtiva, pela política de 
planejamento estatal dos aumentos salariais, o que implicava no arrocho salarial e no 
esvaziamento dos sindicatos como instâncias de negociação, porém, em contrapartida, 
no seu reforço como órgãos de educação e disciplinarização dos trabalhadores no 
sentido do produtivismo. Considerando-se o índice 100 para os anos de 1927-1928, em 
1931 o índice de renda nacional cresce para 140, o índice de produção industrial sobe 
para 165, enquanto o índice de salários reais na indústria desce para 65,4, evidenciando 
o processo de arrocho salarial (NÉRE, 1991, p. 436). Em outro dado revelador do 
processo intensificação da exploração da classe operária com vistas ao financiamento da 
industrialização acelerada, entre 1928 e 1932 a taxa de mais-valia mais do que 
quadruplica (idem, p. 45). 
Além do autofinanciamento pelas próprias indústrias, outras fontes de 
financiamento definidas pelo plano eram o imposto de renda, o imposto sobre a 
agricultura, o imposto sobre o consumo (este equivalendo a nada menos que um terço 
de toda a carga tributária) e o imposto sobre os setores privados ainda remanescentes. 
Portanto, não apenas os camponeses financiaram a industrialização acelerada, mas como 
vimos acima principalmente a própria classe operária, cujo crescimento demográfico se 
amplifica rapidamente após o fim da guerra civil, com a própria industrialização e com 
o êxodo rural criado no campo pela política de coletivização forçada. Se entre 1928 e 
1940 calcula-se uma redução de mais de 10 milhões de habitantes na tendência de 
evolução demográfica do país, no mesmo período a população urbana cresce de menos 
de um quinto para um quarto da população total, enquanto o operariado industrial quase 
triplica (idem, p. 45). Com a planificação ocorre o controle político da distribuição dos 
produtos e dos preços em geral, além do avanço acelerado da estatização das empresas, 
principalmente nas grandes empresas, com a propriedade privada tornando-se cada vez 
mais restrita e limitada às pequenas indústrias até o seu desaparecimento (idem , p. 122-
140). 
27 
 
Na agricultura, o governo impõe um processo virulento de “coletivização” da terra, 
obrigando os camponeses a integrarem suas terras, equipamentose animais aos kolkoses 
ou aos sovkoses, forçando a abolição da propriedade individual e tirando dos 
camponeses a capacidade de decidir como e onde produzir e para quem vender. Com 
toda força e pela força voltam as requisições de cereais e o controle de preços, criando 
um processo de tensão no campo que opõe o governo soviético ao conjunto do 
campesinato, não só aos kulaks, abrindo caminho para uma nova guerra civil. Entre 
1928 e 1932 em média há uma tendência de queda na produção de alimentos básicos 
como cereais, batata, carne e leite, enquanto o volume coletado por meio das requisições 
forçadas aumenta em termos gerais, e em alguns casos quase duplica, como no caso dos 
cereais, ou mais que triplica, como no caso da batatas (NÉRE, 1992, p. 437). Por conta 
desta orientação, ao mesmo tempo em que há um processo de aumento da área dos 
kolkoses e sovkoses, o chamado “gigantismo”, a comuna rural russa, mir, é extinta como 
instância de organização e deliberação camponesa, eliminando-se assim o último 
resquício do passado feudal russo (CARR, 1981, p. 141-148). 
A combinação entre industrialização acelerada e “coletivização” forçada do campo 
modifica drasticamente a paisagem social da URSS na década de 1930, com o 
crescimento vertiginoso da população urbana, particularmente do operariado industrial, 
graças em grande parte ao êxodo rural, ao mesmo tempo em que há uma redução 
significativa na população geral do país. Esta situação permitia aos trabalhadores do 
campo e da cidade buscarem melhores condições de vida e trabalho, no entanto, gerava 
uma situação de instabilidade social que o governo procurou conter restabelecendo a 
antiga política czarista de passaportes internos e registro compulsório na polícia, aliada 
à uma legislação repressiva que proibia a mudança de emprego e a falta ao trabalho 
(CALLINICOS, 1992, p. 45-47). 
No plano político, as tendências centralizadoras e autoritárias desencadeadas desde a 
guerra civil se intensificam ainda mais, pois a ascensão de Stálin ao poder significou a 
vitória definitiva da burocracia sobre os trabalhadores e sobre as tendências que ainda 
vislumbravam a retomada da perspectiva socialista. Particularmente vitoriosos são os 
novos quadros recrutados para a burocracia e as funções “especializadas” entre o novo 
operariado e os recém ingressos no partido. Enquanto há um processo de expurgo dos 
antigos “especialistas”, quadros da época do czarismo que aderiram ao novo regime, 
ocorre a ascensão de uma nova geração, que herda os privilégios da antiga e a 
28 
 
legitimidade política da origem proletária ou camponesa. E mesmo entre os quadros 
vitoriosos, que ascenderam ao poder junto com Stálin, os expurgos continuaram durante 
toda a década de 1930. Após os processos de Moscou, que eliminaram o que restava das 
oposições na antiga liderança bolchevique (Oposição Unificada e Oposição de Direita), 
o acerto de contas em favor da autocracia staliniana continuou, atingindo parte dos 
próprios quadros stalinistas nos aparatos administrativo, repressivo e militar. Quanto 
mais a perspectiva da guerra se fortalecia, mais Stálin buscou eliminar toda e qualquer 
alternativa política à sua liderança, mobilizando a máquina do Terror até mesmo contra 
seus mais próximos colaboradores. Na configuração da nova ordem política destacam-
se o centralismo burocrático, que estabeleceu o esvaziamento definitivo das instâncias 
independentes e autônomas de organização dos trabalhadores, como os soviets e 
sindicatos; o controle da sociedade civil, que cresceu e se ampliou, mas voltou a ser 
rigidamente controlada pelo Estado; e uma ideologia legitimadora baseada no culto à 
personalidade, no nacionalismo russo travestido de teoria do “socialismo num só país” e 
na transformação do materialismo histórico numa ideologia estatolatra denominada 
“marxismo-leninismo”, que passou a justificar com ares de cientificidade e 
inevitabilidade histórica a realpolitik do Estado soviético. Assim, o stalinismo reviveu 
sob o manto do socialismo as tradições e práticas autocráticas do czarismo russo 
(CARR, p. 149-156; DEL ROIO, 1998, p. 313-318, DEUTSCHER, 2006, p. 317-407; 
MONTEFIORE, 2006, p. 179-403; MEDVEDEV e MEDVEDEV, 2006, p. 243-288). 
A revolução passiva burocrática (1928) identificada com o stalinismo e 
desencadeada a partir da industrialização acelerada, da “coletivização forçada” no 
campo e da planificação estatal, significou a vitória definitiva do estatismo sobre o 
privatismo e o kulakismo com o reforço da antiga autonomia burocrática sobre a 
sociedade e o dirigismo estatal sobre toda a economia. Neste sentido, o Estado voltou a 
ser “tudo” e a sociedade civil “primitiva e gelatinosa”, pois se a revolução passiva 
burocrática significou uma revolução em relação à perspectiva privatista burguesa ao 
mesmo tempo significou uma contra-revolução em relação à perspectiva proletária e 
socialista. 
Na dialética entre revolução e restauração a revolução passiva burocrática aboliu 
definitivamente a economia de mercado, a propriedade e acumulação privadas, 
eliminando a burguesia e a pequena burguesia enquanto classes, assim superando a 
própria revolução democrático-burguesa sob o imperativo da modernização econômica. 
29 
 
No entanto, a superação da revolução democrático-burguesa não implicou na retomada 
da revolução socialista, consumando a revolução permanente, mas na restauração de 
práticas e processos sociais da época do czarismo, sob a capa ideológica do “socialismo 
num só país”, configurando assim uma verdadeira contra-revolução em relação à 
perspectiva socialista original. Em primeiro lugar, é restaurado o cativeiro da mão de 
obra urbana e rural, com o controle das migrações internas e da própria mobilidade dos 
trabalhadores no trabalho, enquanto a diferenciação salarial e a desigualdade social 
entre “especialistas” e trabalhadores manuais é estimulada. O planejamento econômico 
e a estatização da economia radicalizam o intervencionismo estatal “mercantilista” do 
Estado czarista, tornando o crescimento econômico um fator de fortalecimento e 
crescimento do aparato estatal. A própria burocracia emerge como única força política 
institucionalizada e organizada, limitando a sociedade política ao governo, 
particularmente à alta cúpula, e estatizando a sociedade civil. Este processo se dá por 
meio da incorporação do partido comunista no Estado, da extinção dos outros partidos e 
organizações políticas, do fim dos soviets enquanto organizações independentes e 
autônomas dos trabalhadores, da extinção da comuna rural e da transformação dos 
sindicatos em órgãos do Estado para o controle dos trabalhadores e sua submissão à 
lógica do produtivismo e da super-extração da mais-valia. No plano ideológico há uma 
ampliação significativa dos aparatos culturais, educacionais e científicos, porém sob 
controle estrito e censura policial. A serviço de uma política de potência, da legitimação 
do regime e da submissão das repúblicas e territórios não-russos dentro da URSS à 
Rússia o velho nacionalismo grão-russo é resgatado, juntamente com valores e tradições 
do imaginário czarista como a grandeza imperial, o paternalismo do czar, etc. Porém 
não na sua forma original, mas travestidos na doutrina do “socialismo num só pais”, no 
“culto à personalidade” do líder infalível, na ideologia da “pátria do socialismo” e no 
próprio marxismo-leninismo, como doutrina da inevitabilidade histórica do socialismo. 
Nesta operação foram mobilizados não apenas a literatura, o cinema, a música e as 
artes, mas a própria historiografia, orientada para ressaltar a continuidade entre a 
grandeza da Rússia dos Czares e a infalibilidade da URSS de Stálin diante do Ocidente 
capitalista.

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