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DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós: O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site: lelivros.love ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link. "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível." Augusto Tavares Rosa Marcacini As Inovações do CPC de 2015 Da propositura da ação até a sentença São Paulo 2016 As Inovações do CPC de 2015: Da propositura da ação até a sentença © Augusto Tavares Rosa Marcacini Sobre o autor: Augusto Tavares Rosa Marcacini é Advogado em São Paulo, Bacharel (1987), Mestre (1993), Doutor (1999) e Livre-docente (2011) em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É Professor no curso de Mestrado em Direito da Sociedade da Informação da UniFMU, instituição em que também leciona Direito Processual Civil no curso de Graduação em Direito. Foi Presidente da Comissão de Informática Jurídica (2004-2006 e 2007-2009) e da Comissão da Sociedade Digital (2010-2012) da OAB-SP. Foi Vice-Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB-SP (2013-2015). Dados bibliográficos: Marcacini, Augusto Tavares Rosa. As Inovações do CPC de 2015: Da propositura da ação até a sentença. São Paulo: A. Marcacini, 2016. ISBN da versão impressa: ISBN-13: 978-1530589074 ISBN-10: 153058907X Aos meus pais, Nobil Marcacini (in memoriam) e Marly Tavares Rosa Marcacini. À minha esposa, Luciana, e aos nossos filhos, Ana Helena, Maria Clara (in memoriam) e João Pedro. Sumário Prefácio do Autor Introdução Capítulo I - Procedimento comum 1. Aspectos gerais 2. Estrutura do novo procedimento comum 3. Flexibilização do procedimento 4. Procedimentos especiais extintos e a aplicação do procedimento comum Capítulo II - Propositura da ação 1. Competência 1.1. Limites da jurisdição nacional (a antes chamada “competência internacional”) 1.2. Competência territorial 2. Instrumento de mandato 3. Petição inicial 4. Valor da causa 5. Pedido Capítulo III - Deferimento, ou não, da petição inicial 1. Aspectos gerais 2. Questões apreciáveis de ofício pelo juiz 3. Emenda da petição inicial 4. Indeferimento da petição inicial 5. Improcedência liminar do pedido 6. Da decisão judicial Capítulo IV - Citação do réu 1. Formas de citação e suas formalidades 2. Efeitos da citação 3. Finalidade da citação no procedimento comum Capítulo V - Audiência de conciliação e mediação Capítulo VI - Resposta do réu 1. Aspectos gerais 2. Prazo 3. Questões processuais em preliminar de contestação 3.1. Poucas modificações quanto ao tema 3.2. Novas disposições quanto à alegação de ilegitimidade passiva 3.3. Arguição de incompetência 4. Defesas de mérito 5. Reconvenção Capítulo VII - Providências preliminares, réplica e o julgamento conforme o estado do processo 1. Providências preliminares 2. Réplica 2.1. Considerações gerais 2.2. Forma 2.3. Conteúdo da manifestação 3. Julgamento conforme o estado do processo 3.1. Considerações gerais 3.2. Julgamento antecipado parcial do mérito 3.3. Saneamento e decisão de organização do processo Capítulo VIII - Alterações do NCPC em matéria de provas 1. Parte geral 2. Produção antecipada de prova 3. Meios de prova em espécie 3.1. Ata notarial 3.2. Prova documental 3.3. Documentos eletrônicos 3.4. Prova testemunhal 3.5. Prova pericial 4. Audiência de instrução e julgamento 5. As provas e o direito intertemporal Capítulo IX - Sentença 1. Resolução da causa com ou sem julgamento de mérito 2. Requisitos da sentença e a motivação das decisões 3. Do dispositivo da sentença 4. Hipoteca judiciária 5. Remessa necessária Capítulo X - Intimações e prazos no NCPC 1. Intimações e o termo inicial dos prazos 2. Contagem dos prazos Capítulo XI - Honorários advocatícios e despesas processuais 1. Obrigação de antecipação das despesas e responsabilidades decorrentes da sucumbência 2. Critérios de fixação dos honorários 2.1. Disposições gerais 2.2. Honorários nas causas em que a Fazenda é parte 3. Honorários progressivos 4. Outras disposições sobre honorários 5. Novas disposições sobre custas e despesas Capítulo XII - Gratuidade da justiça Capítulo XIII - Informatização do processo no NCPC 1. Generalidades 2. Da prática eletrônica de atos processuais 3. Outras disposições relevantes sobre o uso da tecnologia Bibliografia Prefácio do Autor Um novo Código de Processo Civil vem à luz em nosso país. Abro este prefácio esclarecendo que, se o leitor quiser saber a minha opinião pessoal sobre o novo CPC, eu lhe diria que ela oscila do mais entusiasmado otimismo ao mais empedernido pessimismo. Não que me considere portador de uma personalidade volátil: são as diferentes disposições da nova lei que fazem oscilar o meu humor. Umas delas trazem à mente os mais elevados princípios processuais: estimulam a clareza, a transparência, o exercício do contraditório, a eliminação das armadilhas, a boa-fé das partes, o fim da chamada “jurisprudência defensiva”. Outras, porém, enveredam por caminhos tortuosos a complicar demasiadamente o procedimento, a tornar incertos os rumos do processo e a atuação das partes, a cercear liberdades sem uma razão meritória que o justifique, a aplicar as novas tecnologias sem horizontes definidos e sem conhecimento preciso dos seus riscos e vantagens, a deixar a suspeita de que ainda vamos assistir ao milagre às avessas da multiplicação dos incidentes... Quanto aos alardeados propósitos com que o poder político justificou a opção por uma nova lei, tenho uma opinião absolutamente neutra. O novo CPC não vai acelerar os processos, simplesmente porque não é a lei a causa maior da morosidade, nem será a solução única para esse mal; pudéssemos agilizar o processo simplesmente produzindo leis, o Brasil teria a justiça civil mais expedita de todo o planeta, eis que durante pouco mais de duas décadas o CPC de 1973 foi constante e freneticamente emendado e remendado. Mas, no todo, também não penso que o novo CPC vá retardá-los. Nesse aspecto que envolve a celeridade, estou apostando num simples zero a zero. Que não me entenda mal o leitor. Tudo somado, devo dizer que gosto do novo CPC. E, como sempre, as palavras por vezes não permitem expressar o porquê do apreço que sentimos por algo ou alguém. Tenho por ele certa compreensão, a compreensão de saber que foi promulgado num país inusitado que se encontra de pernas para o ar, mas mesmo assim, sem sabermos bem o porquê, ainda funciona razoavelmente, ao menos até o dia em que completei este prefácio; a compreensão de saber que suas normas foram fruto de uma espécie de “pega, estica e puxa” político, em que, diante do cobertor curto, os vários atores potencialmente interessados nas normas processuais tentaram como puderam aquecer os seus próprios pés. E assim saiu uma lei um tanto quanto contraditória, mas que mesmo assim gerou um punhado de regras que considero bastante promissoras. Apesar de algumas “vedetes” muito comentadasda nova lei, tenho dito por aí que o que mais me encanta nela são as suas entrelinhas, pequenas disposições que querem consertar grandes equívocos, e que, de algum modo, parecem assoprar algo na nossa consciência. Regras que impõem ônus mais claros às partes, como a exigência de formulação de pedidos líquidos, ou que ordenam mais precisão e especificidade nas contestações e impugnações em geral, ou o aumento progressivo dos honorários advocatícios, que nos fará pensar junto ao cliente se vale ou não a pena recorrer, sugerem que o Código propõe a nós, advogados, uma observância mais rígida da boa-fé processual, uma maior atenção ao direito que a parte efetivamente tem, pois é especialmente para discutir tal direito que o contraditório é assegurado aos litigantes e, não, para tumultuar o processo e postergar o seu final para as calendas. Por outro lado, regras como a publicação da ordem de processos que aguardam decisão, as que revogam caso a caso as armadilhas da “jurisprudência defensiva”, ou a excêntrica definição do que não se considera uma decisão motivada, fazem-me crer que o Código também espera maior diligência dos juízes no desempenho de suas relevantes funções, para que dediquem seus melhores esforços a julgar bem o direito sobre o qual os jurisdicionados divergem, e que é motivo do conflito a ser pacificado, ao invés de se apegarem às minúcias mais irrelevantes do direito processual para justificar uma moderna forma de dizer sibi non liquet. Enfim, que me perdoe o leitor pela falta de jeito ou pelas palavras que possam parecer ásperas. É que quando, no silêncio da noite, leio algumas dessas entrelinhas que me entusiasmam e em seguida fecho os olhos, poderia jurar que ouço o novo Código a me sussurrar algo nos ouvidos. Ouço uma voz grave, como se invocasse a alma de todos os juristas mortos que se dedicaram a construir a ciência do processo, mas com um sotaque cearense que só pode provir de Capistrano de Abreu, a me dizer: que tal se todos vocês brasileiros aí do Século XXI tivessem um pouco mais de vergonha na cara? Quem sabe seja disso que precisamos! Quem sabe a nova lei ao menos sirva para nos lembrar desse detalhe nada desprezível. O CPC me informa que ele é só mais uma lei, dessas muitas que vêm e vão desde a origem dos tempos. Não vai solucionar os problemas que criamos e alimentamos por nós mesmos. O que precisamos é de atitudes! Seja lá quais bons ou maus resultados concretos a nova lei poderá produzir, importa de imediato a todos os profissionais que atuam no foro, advogados, juízes e promotores, conhecer, interpretar e bem aplicar as novas disposições que regem o processo civil brasileiro. Daí meu propósito em publicar esta obra, destinada a comentar as alterações práticas decorrentes da nova lei e que afetarão o cotidiano desses profissionais. E, seguindo uma opção pessoal que tomei recentemente, quando passei a publicar os meus escritos tanto no formato tradicional, em papel, como, especialmente, no formato digital, esta obra será encontrada nessas duas mídias. Sem dúvida, minha preferência recai sobre o meio digital, pois julgo que os chamados e-books são um modelo muito mais prático e acessível – e ao mesmo tempo um destino inafastável e inevitável – para a transmissão do conhecimento (e também, por certo, das tolices humanas...). Tento, com isso, somar a minha pequena contribuição, apoiada nos anos de experiência docente e de militância na advocacia privada, para a construção da melhor interpretação acerca das disposições do nosso novo Código. Por ora, apresento-lhes apenas as minhas considerações sobre o processo de conhecimento e alguns temas necessários aos primeiros passos na aplicação da nova lei, como as intimações e prazos, os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência, a gratuidade processual e alguns comentários mais sobre a informatização do processo, dentro das limitações com que as novas tecnologias foram tratadas no novo CPC. Assumindo esse propósito, este livro se resume a abordar as novidades advindas do novo Código, deixando de discorrer sobre os pontos que não foram por ele alterados. Portanto, que o leitor não tome este livro como um estudo completo sobre a totalidade do processo de conhecimento. O livro é voltado para aqueles que, já atuantes nas profissões jurídicas, conhecem a matéria, compreendem seus conceitos e regras, tais como previstos no finado Código de 1973, ou mesmo para os estudantes que, já tendo superado algumas etapas do curso, foram surpreendidos com alterações a respeito de conteúdo já ensinado segundo o regime anterior. Assim, este livro aborda exclusivamente aquilo que sofreu modificação pelo novo Código. São expostos comentários sobre os seus aspectos mais práticos, que atenderão às necessidades do profissional, ao lado de opiniões interpretativas que integrem possíveis lacunas, e mais algumas análises críticas sobre os propósitos e possíveis resultados da nova lei. Para encerrar, ao leitor a quem essa obra porventura agradar, deixo no ar a promessa de completar esse estudo das inovações processuais com a publicação futura de outros volumes, comentando as alterações que recaem sobre os demais temas que não foram abordados aqui. Espero, assim, ofertar à comunidade jurídica uma obra que se mostre útil e que, ao lado dos excelentes trabalhos que proficuamente têm lançado boas luzes sobre o novo CPC, possa contribuir para divulgar e esclarecer as suas diferenças em relação às velhas regras e proporcionar o mais preciso entendimento acerca das novíssimas disposições que passam a reger o processo civil brasileiro. Bons estudos a todos! Augusto Tavares Rosa Marcacini Março de 2016 Introdução Após cinco anos de trâmite no Congresso Nacional, veio finalmente à luz, em março de 2015, um novo Código de Processo Civil, vigente a partir do dia 18 de março de 2016, um ano após a sua publicação. Desnecessário dizer a dimensão do impacto que uma lei desse porte e com essa relevância causa no cenário nacional, em muitas frentes. O Direito Processual Civil, embora não regule diretamente a vida das pessoas, regula o exercício de um poder por parte do Estado, o poder que tem por finalidade solucionar os conflitos mediante a imposição da lei. É um conjunto de normas garantidoras da correta aplicação da lei ao caso concreto, da realização da justiça, da proteção aos direitos assegurados pelo restante do ordenamento jurídico. A revogação e promulgação de um novo Código de Processo Civil produz reflexos profundos sobre toda a esfera da justiça civil, com induvidosas repercussões nas relações negociais e até mesmo na economia do país. Uma das razões para a proposta de um novo Código, como foi amplamente divulgado pelo poder político pátrio, quando iniciou a movimentação inicial de reforma mediante a nomeação, pelo Senado Federal, de uma notável Comissão de Juristas para elaboração de um anteprojeto, era a tentativa de solucionar os conhecidos males que acometem os processos judiciais, especialmente a sua morosidade. Como se vê, trata-se de um mesmo discurso que se repete ao longo dos tempos. Desde o início da grande e quase interminável Reforma processual, que desde 1994 promoveu alterações quase anuais no Código de Processo Civil anterior, não deixou jamais o legislador de prometer um processo mais efetivo, mais rápido, mais acessível, sem, contudo, proporcionar não mais do que alguns resultados pontuais, fruto de ajustes sobre atos e formas processuais que já se encontravam por demais empoeirados e, sem dúvida, mereciam uma atualização. Mas não se pode dizer que, no todo, as reformasprocessuais passadas produziram melhorias significativas no tempo de duração do processo. Segundo afirmei em estudos que dei à luz há mais de quinze anos, a lei já não parecia ser, à época, a principal causa da morosidade processual; hoje, empiricamente se pode constatar isso, ao ver que após uma sequência quase interminável de reformas – umas produtivas, outras nem tanto – não há qualquer alteração sensível no tempo de duração dos processos. Mesmo assim, nessa perseguição em busca da efetividade da prestação jurisdicional, o poder político resolveu dobrar a aposta. Foi discurso corrente a afirmação de que, após as reformas do CPC de 1973 – como se todas elas tivessem produzido reluzentes efeitos – o próximo passo nessa direção seria a promulgação de um novo Código. Seja como for, legem habemus. Que o futuro mostre os resultados concretos da promulgação do novo Código para a maior efetividade do processo civil em nosso país! De todo modo, uma das primeiras consequências de uma nova lei – qualquer que seja ela, e por mais que tenha sido cuidadosamente elaborada – é o surgimento de possíveis interpretações discrepantes sobre os seus muitos dispositivos. Como já discorri no mesmo trabalho anterior, brevemente referido acima,1 um dos motivos da pouca efetividade e da morosidade é a polêmica interpretativa sobre as próprias normas processuais. Divergências interpretativas sobre as normas processuais suscitam incidentes processuais e alimentam um monstro formal que passa a consumir tempo e esforços dos atores processuais tão somente para discutir o próprio processo, deixando-se de lado por um momento – eventualmente, um longo momento! – o objetivo último de toda aquela atividade: a solução do conflito que foi trazido a juízo. Assim, diretriz primordial para a efetividade do processo é a existência de um sistema processual cujas regras sejam o menos possível duvidosas, que gerem o menor número possível de incidentes, questões e recursos que apenas versem sobre os próprios atos do processo. Só assim o direito processual se livrará da merecida crítica que afirma que são despendidos mais tempo e esforços em juízo para decidir sobre o próprio processo e suas formas do que para decidir o direito que as partes têm. Logo, o ponto inicial para qualquer estudo mais profundo sobre os novos rumos do direito processual reside em conhecer a lei e destacar suas possíveis divergências interpretativas, oferecendo-lhes, na medida do possível, uma solução racionalmente sustentável e finalisticamente útil. Esta obra pretende, nestes momentos iniciais de vigência da nova lei, apontar as inovações que foram por ela trazidas, comparando-as com a legislação recém revogada e, em alguns pontos que se mostraram necessários, suscitar críticas acerca da racionalidade dos novos textos, apoiadas no seu confronto com as experiências anteriores encontradas na doutrina e na jurisprudência. E, como não poderia deixar de ser, que as novas disposições sejam examinadas sob a ótica da informatização processual que cada vez mais ganha corpo. Não obstante os avanços implementados recentemente pelo Poder Judiciário, o CPC/2015 muito pouco avançou na regulamentação de seu uso para os processos judiciais. Este livro abrange um estudo restrito ao processo de conhecimento em primeiro grau, com capítulos adicionais destinados a temas relevantes e complementares, como a gratuidade processual e a condenação a honorários imposta ao vencido, as intimações e prazos, e a informatização processual. Além disso, procurei inserir, quando aplicável, ao longo dos demais capítulos, comentários pontuais sobre a informatização aplicada àquele momento processual e as opções adotadas pelo novo Código. No tocante ao capítulo destinado à fixação da verba honorária, merece algum destaque nesta introdução comentar a relação desse tema com a efetividade. É com certa satisfação que vejo o novo CPC adotar sugestão que sustentei há mais de quinze anos,2 quando apontei que a progressividade na fixação das verbas impostas ao vencido poderia servir como um virtuoso fator inibidor ao excesso de recursos, eis que faria com que os litigantes tivessem que valorar racionalmente os riscos, vantagens e probabilidades de atacar uma decisão judicial, e não delas recorrer de modo automático e impensado, como se o manejo de todos os recursos previstos no sistema fosse o curso normal e inevitável da marcha processual. Pretende-se, pois, com este estudo, colaborar para a maior compreensão das novas regras, tanto por parte do estudioso da ciência processual, cujas pesquisas precisarão ser renovadas à luz do novo corpo normativo, como também para os profissionais e estudantes do Direito. O desenvolvimento da obra abrange uma divisão em capítulos sobre os grandes temas do processo de conhecimento, desde a propositura da ação até a sentença de primeiro grau. Em cada capítulo, são comentadas as reformas, suas possíveis interpretações e consequências práticas e, conforme o tema comportar, será feita uma análise crítica da solução adotada pelo legislador, ou correlações possíveis entre as novas mudanças e a aplicação da tecnologia aos processos judiciais. Capítulo I - Procedimento comum 1. Aspectos gerais O processo de conhecimento pode se desenvolver segundo diferentes procedimentos, que se classificam em procedimentos comuns e procedimentos especiais. Especial é o procedimento que se aplica apenas a um determinado tipo de pedido, para o qual se mostra mais adequado do que um procedimento padrão. Os casos que seguem procedimentos especiais são expressamente previstos na lei, aplicando-se aos demais o procedimento comum. Designa-se procedimento comum um procedimento padrão que pode ser aplicado para o desenvolvimento de processos em que quaisquer tipos de pedido tenham sido formulados (excluídos, obviamente, aqueles para os quais a lei definiu um procedimento especial). O novo Código de Processo Civil dispõe sobre o procedimento comum a partir do art. 318 e dedica um título a regular diversos procedimentos especiais, acomodados entre os arts. 539 e 770. A fórmula para a escolha do procedimento não se altera, e nem era de se esperar que isso pudesse ser diferente. Não havendo procedimento especial definido em lei (seja no próprio Código, seja em lei extravagante), a causa segue o procedimento comum (art. 318). Mantém-se, igualmente, a aplicação subsidiária das disposições do procedimento comum aos procedimentos especiais (art. 318, § ún.). Via de regra, e na quase totalidade das situações, as normas legais que regem os procedimentos especiais definem apenas alguns poucos atos e formas diferenciados, aplicando-se, quanto ao mais, as disposições do procedimento comum. No Código de 1973, havia dois procedimentos comuns: o sumário e o ordinário. A dualidade de procedimentos comuns é eliminada pela nova lei, restando no Código de 2015 apenas um único procedimento comum, ao qual a lei nem sequer atribuiu um nome, sendo chamado simplesmente de procedimento comum. É, portanto, extinto o procedimento sumário. Também foram extintos alguns procedimentos especiais: de depósito, de anulação e substituição de títulos ao portador, de nunciação de obra nova, de usucapião de terras particulares e de vendas a crédito com reserva de domínio. As causas, que, segundo o CPC/1973, seguiam esses procedimentos especiais, com a vigência do CPC/2015 passam a se submeter ao procedimento comum. E, conforme disposto no art. 1.049, § ún., quando houver determinação, em outras leis, para a utilização do rito sumário, aplicar-se-á, igualmente, o rito comum do novo Código. Após a vigência da nova lei,portanto, essas causas, que antes seguiam esses ritos extintos, deverão ser propostas segundo o procedimento comum. Quanto às causas pendentes, o art. 1.046, § 1º, prevê regra de transição específica para os feitos que seguem esses procedimentos extintos. Diz que “as disposições da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais que forem revogadas aplicar-se-ão às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência deste Código”. Trata-se de exceção ao sistema de isolamento dos atos processuais, que determina a aplicação imediata da lei processual aos processos em curso e é considerado regra geral de direito intertemporal em matéria processual (preceito previsto no art. 1.211 do CPC/1973, que foi mantido, no art. 1.046, caput, do CPC/2015). O texto do § 1º, porém, diz menos do que deveria. O que se pode entender pela condição “ações propostas e não sentenciadas”? Por certo, as ações propostas e já sentenciadas não são atingidas pela regra desse parágrafo, aplicando-se-lhes o CPC/2015 imediatamente. Quanto aos feitos não sentenciados, a superveniência da sentença é apenas o marco temporal para definir a aplicação de uma ou outra lei aos processos em curso, ou seria também um limite para a aplicação da lei anterior em cada um desses processos? Isto é, no primeiro sentido, os processos atingidos pela nova lei enquanto se encontravam entre o ajuizamento e a sentença continuariam, até o seu final, regidos pelo CPC/1973 (sistema da unidade processual); na segunda interpretação, os processos não sentenciados continuariam regidos pela lei velha tão somente até a sentença e daí em diante passariam a ser regidos pelo CPC/2015 (sistema do isolamento das fases processuais). Em sua literalidade, o sentido do texto legal parece ser o da primeira opção, mas isso não soa lógico. Se os feitos já sentenciados são atingidos imediatamente pela lei nova, que rege, então, toda a fase recursal que se seguir, não há razão lógica ou prática para justificar que, na fase recursal, não se aplique a lei nova também aos processos que ainda não tinham sido sentenciados quando do início de sua vigência. Por outro lado, a peculiaridade que havia no rito sumário, em matéria de recursos, de dispensar um juiz revisor,3 foi incorporada ao rito comum, já que o novo Código eliminou a revisão para todas as apelações. De qualquer modo, não seria razoável que as novas regras recursais ou sobre o trâmite de processos nos tribunais possam ser imediatamente aplicáveis aos processos sentenciados, em que possivelmente já foi interposto o recurso cujo trâmite pode ser afetado, mas os que ainda não foram sentenciados continuem regidos pelo CPC/1973 também após a sentença. Ademais, o objetivo da regra parece ser o de evitar o tumulto dos processos em primeiro grau, quando a diferença entre os ritos é mais evidente. Outra questão que resta refere-se à lei aplicável em caso de anulação da sentença e retorno dos autos ao primeiro grau, tanto dos feitos mencionados no § 1º quanto aqueles que já tinham sido sentenciados e se encontravam pendentes do julgamento de recurso. Considerado que o perceptível objetivo da regra, como dito acima, é evitar o tumulto gerado pela necessidade de adaptação do procedimento em primeiro grau de causas já iniciadas segundo as formas anteriores, soa apropriado que tais processos também sejam regidos pelo CPC/1973 em caso de retorno ao primeiro grau, até a prolação da nova sentença. Noutras palavras, a melhor interpretação para o parágrafo em exame parece ser a seguinte: o trâmite em primeiro grau das causas de rito sumário ou dos ritos especiais revogados, mas ajuizados na vigência do CPC/1973, seguirá as anteriores disposições específicas que regem esses ritos até a sentença. Se o processo for anulado, qualquer que seja o estado da causa quando do início da vigência do CPC/2015, aplica-se a ele, quando do retorno ao primeiro grau e até nova sentença, o CPC/1973. Por último, soa claro do texto que as normas cuja eficácia no tempo é postergada, para esses processos em curso, são apenas as disposições específicas dos ritos sumário e especiais que foram eliminados do novo Código, e não a totalidade do CPC/1973. As regras gerais do CPC/1973, aplicáveis a todos os procedimentos e, portanto, também a esses que não mais existem, não têm sua vigência prolongada, aplicando-se imediatamente as disposições gerais do CPC/2015 também nos processos referidos no art. 1.046, § 1º, mesmo que não tenham sido sentenciados (como, p. ex., as regras sobre contagem de prazos, sobre concessão de gratuidade processual, ou sobre o cabimento e forma do recurso de agravo, entre outras). 2. Estrutura do novo procedimento comum O novo procedimento comum, apesar das modificações que nele foram inseridas, mantém a estrutura do “velho” procedimento ordinário. Assim como seu antecessor, o procedimento comum do novo Código pode ser igualmente dividido nas mesmas fases lógicas: fase postulatória, fase ordinatória, fase instrutória, fase decisória e fase recursal. A fase postulatória, inicial, é marcada pelas subsequentes manifestações do autor e do réu, praticadas por petições escritas, tal como no rito ordinário, e tendentes a proporcionar o contraditório sobre as questões de fato e de direito e a estabelecer os limites da controvérsia sobre o caso concreto trazido a juízo. A fase ordinatória, que, em termos cronológicos, praticamente se sobrepõe à fase postulatória, caracteriza-se pela atividade judicial de ordenar o curso do processo e conduzi-lo conforme se fizer necessário em função das manifestações apresentadas pelas partes, bem como de zelar pela validade e regularidade do processo e de seus atos, determinando a eventual correção de vícios sanáveis. Do mesmo modo como ocorre com o rito ordinário, a fase ordinatória do novo procedimento comum se encerra com a prolação de uma decisão judicial qualificada, chamada de decisão de saneamento e de organização do processo (v. art. 357)4. Tal decisão, evidentemente, não será proferida se for o caso de extinção do processo, com ou sem julgamento do mérito, do mesmo modo como ocorre no CPC/1973. Após, não sendo o caso de proferir-se julgamento antecipado, também previsto e com novos contornos,5 passa-se à fase instrutória, em que são colhidas as provas, seguindo-se a breve fase decisória, que se resume à prolação da sentença, contra a qual cabe recurso, abrindo-se, então, a fase recursal. 3. Flexibilização do procedimento Não se pode dizer que o procedimento ordinário, tal como previsto no CPC/1973, fosse um procedimento rígido e invariável. A sequência de postulações iniciais das partes é desenvolvida ao sabor dos acontecimentos, isto é, a depender do teor das manifestações do autor e do réu podem e devem ser abertas novas oportunidades de vista ao adversário, para que este aduza suas impugnações ou considerações. Ou, conforme ocorra intervenção de terceiros, o rito segue de modo a dar-lhes voz e estabelecer o contraditório adequado sobre as questões que envolvem a entrada desses sujeitos. Ou, ainda, a possibilidade de julgamento antecipado, quando desnecessárias outras provas acerca dos fatos da causa, também afasta a ideia de que o procedimento ordinário fosse algo engessado. Essas características são mantidas no procedimento comum do novo Código, que ainda prevê outras maneiras mais de flexibilização procedimental. Em se tratando de causas que admitam autocomposição, o art. 190 do CPC/2015 autoriza que as partes, “antes ou durante o processo”, estipulem modificaçõesno procedimento “para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais”. E, no art. 191, é prevista a possibilidade de elaboração de um “calendário para a prática dos atos processuais”, a ser fixado conjuntamente pelas partes e pelo juiz, de modo que, uma vez seja assim acordado, os atos devem ser praticados nas datas estabelecidas, com a dispensa de outras futuras intimações (art. 191, § 2º). Tais normas rompem com a anterior orientação que afirmava a indisponibilidade do procedimento. Segundo o novo Código, as formas legais do procedimento podem ser afastadas, diante de norma privada pactuada entre as partes. Como se admite que esse ajuste seja feito antes mesmo que exista um processo em curso (art. 190), isso abre, especialmente no campo negocial, amplas oportunidades para que os contratantes insiram regras de procedimento nos instrumentos contratuais, definindo a forma como será desenvolvido em juízo eventual futuro processo derivado daquela avença. Pode-se pensar, por exemplo, em estipular um procedimento cuja fase postulatória flua automaticamente, fixando-se um certo número de manifestações para cada lado, com um prazo iniciado logo após o outro, sem outras intervenções do órgão judicial. Uma vez que o art. 228, § 2º, do CP/2015 determina a juntada automática de petições em autos eletrônicos, sem intervenção humana, tarefa que o computador é capaz de cumprir instantaneamente, assim que terminado o prazo de uma parte o ato por ela praticado há de estar disponível para conhecimento do adversário. A estrita observância dessa disposição por parte do sistema informático judicial será um fator importantíssimo para o sucesso dessas disposições sobre a disponibilidade do procedimento, especialmente a fixação do calendário previsto no art. 191. E, talvez, seja esta determinação do art. 228, § 2º, uma das novas regras que verdadeiramente promovam a celeridade processual, eis que eliminará grandes fatias do tempo morto do processo. O § ún. do art. 190 estabelece o poder do juiz de controlar a validade das convenções sobre o procedimento, mas afirma que sua aplicação só será recusada “nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”. Não está claro, no texto, a que tipo de nulidades a ressalva se refere. Parece razoável supor que estão aí incluídos tanto os vícios formais ou os decorrentes de algum vício de vontade que atinjam o próprio ato jurídico da convenção, como as nulidades decorrentes do conteúdo das regras convencionais pactuadas. Afinal, embora o litígio envolva direitos disponíveis, que admitam autocomposição, não soa possível que o procedimento fixado entre as partes possa atentar contra princípios basilares do direito processual, como os da isonomia, do contraditório e do devido processo. Assim, haverá de ser recusado pelo juiz um procedimento pactuado que nitidamente proporcione maiores oportunidades de atuação a uma das partes em detrimento da outra, ou que suprima o contraditório no todo ou em parte, ou que estabeleça formas que escapem dos contornos de racionalidade ou do due process. Não cuidou o legislador de estabelecer outros requisitos formais para tal convenção, mas, por analogia com o disposto no art. 63, § 1º, que dispõe sobre a eleição de foro, que pode ser entendida como um antigo negócio jurídico processual admitido pelo sistema, essas estipulações sobre matéria processual devem constar de instrumento escrito e definir sobre quais futuros litígios elas se aplicam. Questão interessante pode surgir acerca dessas disposições durante o período de vacatio legis do novo Código. Seria lícito aos contratantes, desde logo e antes mesmo da entrada em vigor da nova lei, pactuar regras sobre o procedimento? Tais regras convencionais, evidentemente, não poderiam ser aplicadas antes da vigência do CPC/2015, mas não parece ilícita a inclusão, desde logo, nos contratos, de cláusulas sobre o procedimento, dotadas de eficácia futura, pois sujeitas à condição suspensiva, isto é, a futura vigência de lei que autorize a convenção sobre normas de procedimento. Alguma flexibilização quanto à aplicação das formas procedimentais também se observa no art. 327, § 2º, do CPC/2015, que autoriza a cumulação de pedidos sujeitos a procedimento comum e especial, hipótese em que a causa seguirá um procedimento que, na verdade, será híbrido, e não comum, como diz o texto. Afinal, em tal procedimento deverão ser empregadas as “técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados”, como dispõe o referido parágrafo. Assim, por exemplo, pode-se cumular um pedido de consignação em pagamento com declaração de nulidade de cláusula contratual, bastando que seja inserida a “técnica diferenciada” aplicável ao primeiro pedido, qual seja, a realização do depósito da obrigação consignada e os demais atos processuais a ele relacionados. Os procedimentos especiais, em sua quase totalidade, não são mais do que um procedimento comum em que foram inseridas algumas poucas variações. Evidentemente, é a esses procedimentos que se aplica a regra aqui analisada. Impossível se mostra tal fusão com procedimentos cuja especialidade seja maior do que a aplicação de meras variantes sobre o procedimento comum, ou que conduzam a tipos específicos de tutela, como por exemplo o mandado de segurança, o procedimento monitório, ou o inventário. Outra possibilidade de alteração procedimental que a lei confere às partes encontra-se no art. 456, § único, que permite ouvir primeiramente as testemunhas do réu e depois as do autor, se ambas as partes concordarem. É de se indagar, porém, quais motivos concretos levariam o réu a abrir mão dessa vantagem que a lei lhe concede e aceitar tal inversão, de modo que essa regra corre o risco de ser tão pouco observável na prática quanto aquela que, já constante do CPC/1973,6 autoriza a modificação do pedido ou da causa de pedir, após a citação, mediante concordância do réu.7 4. Procedimentos especiais extintos e a aplicação do procedimento comum Quando da entrada em vigor do CPC/1973, foram por ele extintos alguns procedimentos especiais previstos no Código anterior, de 1939. O mesmo ocorre agora. Não foram mantidos no novo Código os procedimentos especiais de depósito, anulação e substituição de títulos ao portador, nunciação de obra nova, usucapião de terras particulares e vendas a crédito com reserva de domínio. Ao deixarem de figurar no rol dos procedimentos especiais, as causas que versam sobre tais tipos de pedido simplesmente passam a seguir o procedimento comum. De certo modo, a sequência de reformas a que o CPC/1973 foi submetido nas últimas duas décadas, especialmente a generalização da possibilidade de concessão de tutelas antecipadas no corpo do procedimento comum, tornou muito tênues as diferenças entre o procedimento comum e os especiais. Muitos dos procedimentos especiais não contêm mais do que umas poucas variantes aplicadas sobre a estrutura do rito comum, especialmente a possibilidade de concessão de medidas liminares. Antes da instituição da antecipação de tutela, pela Lei nº 8.952/1994, não havia qualquer possibilidade de postular uma tutela no início ou ao longo do procedimento comum. O processo de conhecimento somente previa medidas de urgência em alguns dos procedimentos especiais. Assim, diante da crescente flexibilização, que já há anos vem sendo dada ao procedimento comum, comomencionado anteriormente, é de se duvidar até mesmo da utilidade da manutenção de alguns dos procedimentos especiais que restaram, cuja futura extinção ainda haverá de ocorrer. As necessidades de formas procedimentais “especiais”, que se dizem mais “adequadas” a muitos desses tipos de litígio, não vão além da prática de um ou outro ato, ou da observância de uma ou outra formalidade adicional, que bem podem ser introduzidos no procedimento comum. Assim se fez, no novo Código, para os pedidos de usucapião, agora sujeitos ao rito comum. Estabelece, porém, o art. 246, § 3º, que, nessas ações, a citação dos confinantes do imóvel se faz necessária, exceto quando versar sobre unidade autônoma de prédio em condomínio, e o art. 259 determina a expedição de editais para ciência de terceiros, regra essa que também se aplica ao pedido de recuperação e substituição de título ao portador, outro procedimento especial extinto pela nova lei. As disposições do CPC/1973 continuarão aplicáveis a esses procedimentos especiais extintos, que tenham sido ajuizados e não estejam sentenciados até a entrada em vigor do novo Código, conforme estabelece o art. 1.046, § 1º. Não são afetados pelo novo Código os procedimentos especiais previstos em outras leis, que apenas passam a ser supletivamente regidos pelas suas disposições, segundo o § 2º do mesmo artigo. Capítulo II - Propositura da ação 1. Competência 1.1. Limites da jurisdição nacional (a antes chamada “competência internacional”) Uma das primeiras questões processuais a serem consideradas quando do ajuizamento da ação é a aferição do órgão judicial competente para a causa. E, talvez, seja também uma das mais complexas, que não raramente gera tumulto processual e atraso significativo no processamento e julgamento final da causa. Pode-se afirmar que poucas foram as modificações trazidas pelo novo CPC sobre esse tema. Antes de se verificar qual órgão judicial nacional é competente para causa, é preciso aferir se a causa pode ser julgada em nosso país. O novo CPC substituiu a expressão “competência internacional”, nome do capítulo que abrangia os arts. 88 a 90 do CPC/1973, por “limites da jurisdição nacional”, designação esta que se mostra mais precisa. Tais regras, agora posicionadas entre os arts. 21 a 25, estabelecem se a causa se submete, ou não, à jurisdição nacional. Em caso negativo, não se atribui “competência” a órgão algum, cabendo ao interessado encontrar qual outro país no mundo aceita, segundo suas próprias leis, processar e julgar essa lide. Assim, o que se define nessas regras é se o Estado brasileiro exerce ou não poder sobre a causa que se deseja ajuizar. Daí, mais correta a expressão utilizada no novo CPC, nomeando o tema como “limites da jurisdição nacional”. As hipóteses de competência concorrente previstas no art. 88 do CPC/1973 foram repetidas no art. 21 do CPC/2015 e, com poucos acréscimos de texto, as situações de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira, antes encontradas no art. 89, do CPC/1973, são também reproduzidas no art. 23 da nova lei. Resta claro, pelo novo texto legal, que a “partilha de bens, situados no Brasil” é litígio a ser exclusivamente afeto à jurisdição nacional, tanto nas partilhas decorrentes da sucessão causa mortis como também naquelas decorrentes de “divórcio, separação ou dissolução de união estável” do casal, como foi expressamente acrescentado no inciso III do art. 23. Foi infeliz a escolha da expressão “sucessão hereditária”, constante do inciso II do art. 23, eis que, se o mesmo inciso também incluiu a “confirmação de testamento particular”, a regra parece ser aplicável tanto nos casos de sucessão hereditária como testamentária. Por “sucessão hereditária”, o CPC/2015 deve ter desejado dizer sucessão causa mortis, excluindo-se da competência exclusiva da autoridade brasileira outras formas de partilha e sucessão, como, por exemplo, a decorrente de dissolução societária ou de outros atos negociais praticados entre vivos. No art. 22, outras causas, não previstas no CPC/1973, são incluídas como hipóteses de competência concorrente da autoridade judiciária brasileira. Não se compreende porque o legislador não reuniu as disposições dos arts. 21 e 22 num único rol, eis que ambos tratam indistintamente de hipóteses de competência concorrente. Assim, segundo dispõe o inciso I do art. 22, também podem ser ajuizadas perante o juiz brasileiro as ações de alimentos, se: “a) o credor tiver domicílio ou residência no Brasil”, ou, “b) o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos”. A hipótese da letra “b” aplica-se quando nem o autor nem o réu forem residentes ou domiciliados no país (pois, para casos assim, já submetidos à jurisdição nacional por força das disposições anteriores, a existência dessa regra seria desnecessária), bastando que aqui existam os meios para assegurar o pagamento da pensão alimentícia demandada em juízo. Pelo inciso II desse mesmo art. 22, incluiu-se no rol as ações decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil. No contexto em que a regra se insere, tornou-se competente o juiz brasileiro para decidir ações movidas por pessoa residente ou domiciliada no Brasil que travou relação de consumo no estrangeiro, sendo também estrangeiro o réu fornecedor. Fosse a operação aqui ocorrida, ou estivesse o réu situado no Brasil, seja ele o fornecedor ou o consumidor, as regras do art. 21 (como as do anterior art. 88 do CPC/1973) já fariam a causa se submeter à jurisdição nacional. A nova regra de competência parece ter sido inspirada pela nova realidade de um mundo globalizado, em que, especialmente por meio da Internet, é possível consumir produtos e serviços oferecidos em qualquer lugar do planeta. Note-se, porém, que, no afã de proteger o consumidor, criou-se regra de competência que carrega uma abrangência exageradamente ampla. Na letra fria do novo texto, não se exige sequer a contemporaneidade entre o domicílio no Brasil e a relação de consumo controvertida. Portanto, do modo como o inciso II se encontra redigido, um estrangeiro que passasse a morar no Brasil poderia aqui demandar a respeito das relações de consumo de que foi parte, quando ainda residia no seu país de origem, o que soa absurdo. No mais, aguardemos sua aplicação, para constatar diante dos casos concretos se tal disposição será capaz proporcionar resultados úteis e eficazes. No terceiro e último inciso, define-se a possibilidade de submissão, expressa ou tácita, à jurisdição nacional. É curioso que o legislador exija a forma escrita como requisito para a modificação de competência interna pela eleição de foro (art. 63, § 1º, do CPC/2015), mas, neste caso, além de não se referir à forma escrita, ainda admita que a jurisdição nacional possa ser considerada aceita pelas partes de forma apenas tácita. Por coerência, tal eleição de jurisdição internacional haveria de ser admitida somente por escrito. Note-se que a situação inversa, isto é, a exclusão da competência da autoridade brasileira por força de eleição de foro estrangeiro, deve seguir o disposto no art. 63 e seus parágrafos, conforme reza o art. 25 e seu § 2º, sendo, portanto, exigida a forma escrita, com alusão expressa a determinado negócio jurídico. A inclusão, neste inciso, do vocábulo “tacitamente”, ainda parececapaz de produzir consequências aparentemente indesejáveis. Estaria o legislador se referindo à aceitação tácita por parte do réu, que não impugna o ajuizamento da causa no Brasil, tal como ocorre com a prorrogação da competência nos casos de incompetência relativa não impugnada? A aceitar-se essa possibilidade, na prática qualquer causa poderá ser ajuizada no Brasil e não poderia o magistrado indeferi-la sem antes citar o réu, a quem seria dado apresentar a recusa em contestação. Tal extensão da autoridade judiciária brasileira soa exagerada, mas é o que, à primeira vista, parece derivar da literalidade do texto, ao admitir-se a aceitação tácita, pelas partes, da jurisdição nacional. Além disso, deve-se considerar a oportunidade de submeter ao Judiciário nacional causas cuja execução possa ser praticamente dificultosa ou mesmo vedada pela legislação do país de origem. Não soa lógico que a regra do inciso III possa impor ao país a apreciação de quaisquer causas, nem se compreende essa generosidade do legislador em oferecer os já sobrecarregados serviços judiciários brasileiros para julgar litígios que não apresentem nenhum elemento de conexão com o país. 1.2. Competência territorial No que toca à competência interna, tal como no regime anterior, prevê o novo Código a distribuição de competência territorial, sendo as competências de justiça ou de juízo objeto de disposições constitucionais ou das leis de organização judiciária. A regra geral de competência territorial, que define como competente o domicílio do réu, é mantida no CPC/2015, encontrando-se prevista no art. 46. Também se repetem, nos parágrafos deste artigo, os mesmos desdobramentos da regra geral fixados no CPC/1973, sendo acrescentado um § 5º, que define a competência do domicílio do executado para a execução fiscal. Entre as regras especiais de competência territorial, encontramos algumas ligeiras novidades, abaixo referidas. A ação para impugnar ou anular a partilha extrajudicial também segue o foro da sucessão, agora previsto no art. 48, ou seja, deve ser ajuizada no último domicílio do falecido. As disposições subsidiárias, aplicáveis para o caso de o falecido não ter domicílio certo, tornam-se mais claras e precisas no novo Código. Não tendo domicílio certo, são competentes, nesta ordem: “I – o foro de situação dos bens imóveis”, diferentemente do que dizia o CPC/1973, que não fazia distinção entre a localização de bens móveis e imóveis para fins de fixação da competência; “II – havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes”, e não mais no lugar do óbito, como previsto no CPC/1973; “III – não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio”. Sendo assim, o local do óbito, previsto subsidiariamente no art. 96, § ún., II, do CPC/1973, já não é relevante para fixação da competência para as ações relativas à sucessão causa mortis. Outra regra de competência territorial modificada pelo novo CPC é a que diz respeito às ações de separação, divórcio e anulação de casamento, agora prevista no art. 53, I, sendo acrescentadas à hipótese legal também as ações de reconhecimento e dissolução de união estável. Em nome da igualdade entre os sexos, o legislador eliminou o privilégio de foro da mulher, estabelecendo como competente, em primeiro lugar, o foro do domicílio do guardião de filho incapaz. A regra anterior inseria-se em um contexto patriarcal – por certo ainda não totalmente eliminado em nosso extenso e contrastado país – em que a mulher casada desempenhava as funções de mãe e dona de casa e normalmente se via em situação de dificuldade econômica com a separação, a justificar essa sua proteção por meio do privilégio de foro. Em não havendo filho incapaz, estabelece a nova regra que competente é o foro do último domicílio do casal, desde que algum dos cônjuges ainda permaneça na localidade. De certo modo, para os casais que ainda sigam aquele modelo patriarcal, a mulher que restar com os filhos incapazes, ou for deixada no lar comum, situações bastante corriqueiras nas separações quando ela se encontra em posição de submissão econômica, o foro competente ainda será o seu. Não ocorrendo nenhuma das duas hipóteses, a letra “c” desse inciso remete para a regra geral de competência, devendo a ação ser ajuizada no foro do domicílio do réu, eliminando-se, portanto, o privilégio de foro. Duas novas regras de competência territorial especial foram incluídas nas letras “e” e “f” do inciso III, do mesmo art. 53. Pela primeira, instituiu-se o foro especial para o idoso, para causa que verse sobre direito previsto no seu Estatuto. Neste caso, competente é o foro de sua residência. A outra regra define a competência da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício. Por último, modificou-se a regra voltada para a ação de reparação de dano decorrente de acidente de veículos, para incluir-se a expressão “inclusive aeronaves”, de modo que também as ações com pedido de indenização por acidentes aéreos observem a competência do lugar do domicilio do autor ou o local do fato (art. 53, V, do CPC/2015). 2. Instrumento de mandato Ao postular em juízo, cabe ao advogado apresentar o instrumento de mandato, excetuadas as situações previstas no atual art. 104, semelhantes às do art. 37 do Código de 1973. Tal como na lei anterior, segundo o art. 105 do novo Código a procuração geral para o foro é bastante para outorgar ao advogado poderes para a prática de todos os atos do processo, excetuados aqueles para os quais a lei exige poderes especiais. Entre os atos que exigem outorga expressa de poderes especiais, incluiu-se a assinatura de declaração de hipossuficiência econômica, repetindo-se os demais que já se encontravam no art. 38 do CPC/1973. Assim, para formular o pedido de gratuidade processual na petição inicial, na contestação, ou em qualquer outra petição, ou a própria parte assina a peça conjuntamente, ou o advogado que a subscreve haverá de ter poderes especiais definidos expressamente na procuração. 3. Petição inicial Os requisitos da petição inicial, antes previstos no art. 282 do CPC/1973, agora se encontram no art. 319 da nova lei processual. No que tange à qualificação das partes, o inciso II deste artigo passou a exigir a indicação de eventual existência de união estável, o número de inscrição no CPF ou CNPJ, conforme se trate de pessoa natural ou jurídica, bem como o endereço eletrônico. A menção ao número do CPF ou CNPJ já vinha sendo exigida por algumas Cortes em nosso país desde há muitos anos, mesmo inexistindo qualquer determinação legal nesse sentido. Esses números, que não passam de um índice no cadastro de contribuintes federais, sem que qualquer lei lhes tenha atribuído função de identificação civil, há tempos vêm sendo irregularmente tratados, em diferentes cenários, como se fossem documentos de identidade. Com o avanço da informatização processual, os sistemas informáticos dos tribunais passaram a se valer desses números como um dado cadastral indexador, um verdadeiro número único de identificação civil. Agora, à parte qualquer juízo de valor sobre a novidade, ao menos a lei passou a amparar tais exigências. Durante o trâmite legislativo, chegou a constar do texto do projeto a infeliz ideia de se fazer intimações pelo correio eletrônico, discussão que também havia sido ventilada no projeto que resultou na anterior Lei nº 11.419/2006, que regula a informatização processual. Essa má ideia de efetuar citações pelo correio eletrônico, felizmente, não restou aprovada no texto final de nenhuma das duas leis, o que foi muito sábio da parte do legislador, eis que tal tecnologia não é suficientemente segura para essefim e o ato citatório não pode ser de tal modo banalizado. Retirada do texto final qualquer referência à intimação por e-mail, aparentemente esqueceu-se o legislador de remover essa exigência da petição inicial, como se fez em outros artigos que continham determinação correlata. Desse modo, a indicação do endereço eletrônico do autor e do réu constituem-se exigências menores, cuja inobservância não há de gerar qualquer consequência. Mesmo porque ninguém pode ser obrigado a ter e manter um endereço eletrônico, e soa absurdo que um mero serviço, voltado para a comodidade do usuário, e que é contratado e encerrado, ora aqui ora ali, com variados prestadores de serviços, ou é fornecido por força de fatos conjunturais, como sua relação de emprego, associação ou participação em algum grupo social ou profissional, possa ser comparado a um endereço físico onde a parte possa ou deva ser encontrada, fato este que costuma ser razoavelmente estável e duradouro, ao menos para a maioria das pessoas. Deve ser visto, pois, como uma indicação opcional, que poderá servir para facilitar um eventual contato com a parte, quando isso se fizer necessário, mas não é de se esperar que se possa extrair daí outras consequências jurídicas ou processuais. Além disso, os §§ 1º a 3º do art. 319 abrandam sobremaneira as exigências de seu inciso II, o que é bastante consentâneo com a realidade prática, eis que nem sempre é sabida pelo autor a qualificação completa do réu. Desse modo, o autor pode requerer a realização de diligências tendentes a completar tais informações (§ 1º), algo que já era costumeiramente deferido pelos juízes, diante dessas situações excepcionais. E, sendo possível a citação do réu, a falta dessas informações não pode acarretar o indeferimento da inicial, conforme dispõe o § 2º, o mesmo se aplicando quando a sua prévia obtenção tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça. O que importa, evidentemente, é que as partes possam ser identificadas e individuadas. Dispensou-se o requerimento de citação do réu, previsto no inciso VII, do art. 282, da lei anterior, exigência que não é repetida no novo CPC. De fato, tal “requisito” não passava de mera formalidade sem sentido, pois é claro que o réu haverá de ser sempre citado para que seja completada a formação da relação processual, ou para que seja observado o princípio do contraditório. Era, portanto, um excesso de formalismo considerar necessária a inclusão de uma frase-padrão na petição inicial, em que esse indispensável chamamento do réu precisasse ser expressamente mencionado ou requerido. O mesmo formalismo ainda restou, porém, na exigência de indicação de provas na petição inicial, constante do inciso VI do art. 319, o que também se repete para a contestação, conforme dito no art. 336, ambos do CPC/2015. Enquanto não esgotada a fase postulatória, as partes ainda não definiram os limites do litígio, não restando nítidos a elas quais são os fatos controvertidos que demandarão prova. Daí o requisito ter-se tornado, na prática, uma frase feita, em que as partes solicitam, indistintamente e em todas as causas, a produção de todos os meios de prova possíveis e imagináveis. Em todo caso, se a nova lei continua a exigir tal referência, reitere-se, então, ad nauseam, nas iniciais e contestações, a tal frase feita. Continua correto e oportuno, assim, que o juiz solicite a especificação de provas ao final da fase postulatória, momento em que os contornos do litígio estão definidos e as partes podem apontar com precisão quais provas realmente pretendem produzir, ou afirmar que o feito não exige a produção de outras provas e solicitar julgamento antecipado. Pede, ainda, o inciso VII do art. 319, que o autor expresse sua opção pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação. Parece claro que isso não é propriamente um requisito de aptidão da peça vestibular, mas tão somente uma opção do autor de dispensar essa audiência prevista na lei. Omitindo-se a inicial quanto a esse item, é de se presumir que ele não optou pela dispensa, não se opondo a que o feito siga o trâmite legal em sua inteireza. Quanto à audiência em si e sua possível não realização, o tema será tratado mais adiante.8 Com o fim do rito sumário, desaparece qualquer exigência quanto à apresentação do rol de testemunhas na petição inicial.9 Por último, a petição inicial deverá ser instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, conforme dispõe o atual art. 320, que reitera a regra do art. 283 do CPC/1973. 4. Valor da causa O inciso V do art. 319 mantém o valor da causa como requisito da petição inicial e as regras a seu respeito encontram-se agora previstas nos artigos 291 a 293, com algumas ligeiras modificações em relação ao disposto no CPC/1973. A orientação geral que deve prevalecer, no tocante à fixação do valor da causa, é que este deve representar, do modo mais fiel possível, o significado econômico do pedido formulado pelo autor, ao menos tanto quanto se possa apurar no momento do ajuizamento. É notável que as modificações observadas acerca desse tema têm o claro escopo de atender o mais possível a essa orientação geral. As regras sobre a fixação do valor da causa, constantes do art. 292, do CPC/2015, não são exaustivas, assim como as que estavam no art. 259 da lei anterior. O artigo enumera situações suficientes para abranger a maior parte dos casos concretos em que a causa tenha conteúdo econômico. Quando não o tem, o valor dado a causa será meramente estimativo, não sendo objeto de qualquer critério legal. Mas é sempre possível que surjam situações práticas que não se encaixem perfeitamente nas hipóteses descritas no rol do art. 292, casos em que o valor a ser atribuído à causa deve ser apurado caso a caso, segundo a orientação geral acima referida. Nesse sentido, a regra do § 3º, a princípio destinada a pacificar a dúvida sobre a possibilidade, ou não, de correção desse valor por determinação ex officio do juiz, serve também como um critério supletivo para a fixação do valor, ao estabelecer que o juiz pode ordenar sua alteração, quando o valor atribuído pelo autor não corresponder “ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor”. Essa é precisamente a orientação geral que deve balizar a atribuição inicial do valor da causa, e que agora aparece inscrita na lei. Os incisos do art. 292 fixam critérios objetivos para o valor da causa, representando uma estimativa legal para o conteúdo patrimonial ali envolvido. Na falta de regra expressa, esse conteúdo patrimonial e os critérios para sua obtenção devem ser aferidos e decididos caso a caso. No inciso I do art. 292, aplicável aos pedidos condenatórios de obrigação em dinheiro, foi acrescentada a expressão “monetariamente corrigida”. Deixa claro o novo CPC que o valor da causa é o valor presente da obrigação postulada, contemporâneo à data do ajuizamento, com todos os seus acréscimos, tais como, reiterando o CPC/1973, os juros e outras penalidades pedidas pelo autor. O inciso II, que rege o valor da causa para as ações em que se discute a existência, validade, cumprimento, modificação ou rescisão do ato jurídico, incluiu no rol também os pedidos para a sua resolução ou resilição. Aproximando-se mais da orientação geral acima mencionada, o novo texto diz que o valor da causa, nesses casos, é “o valor do ato ou o de sua parte controvertida”. Por vezes, o questionamento trazidoa juízo não atinge todo o valor econômico do ato jurídico controvertido; assim, a parte final acrescentada ao texto deixa claro que o valor da causa corresponderá apenas ao conteúdo econômico que está em jogo, ainda que o valor total do contrato, por exemplo, seja maior. Tome-se como exemplo processo que verse sobre a validade ou não de uma determinada disposição contratual, cuja aplicação fosse capaz de aumentar ou reduzir o valor das obrigações contratadas. O valor da causa, portanto, seria apenas a diferença decorrente da aplicação, ou não, da cláusula controvertida, e não o valor total do contrato. Outra novidade é observada no inciso IV do art. 292, acerca do valor da causa para ações de divisão, demarcação e reivindicação. No CPC/1973, essa situação era prevista no inciso VII do art. 259, que dava à causa o valor do imóvel para fins de lançamento de impostos sobre a propriedade urbana ou rural. Embora tais valores fiscais tenham sido, no passado e no mais das vezes, bastante inferiores ao valor real de mercado do bem, a velha regra trazia como vantagem o fato de constarem de um documento público e oficial, a permitir desde logo e sem grande dificuldade atribuir-se o valor a essas causas relativas a bens imóveis. Com a aparente intenção de atender àquela orientação geral, o novo texto diz que o valor da causa passa a ser “o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido”. A regra se mostra inoportuna, pois cria uma necessidade extra quando da propositura dessas ações, impondo um ônus desnecessário ao autor. Por outro lado, levada a sério tal exigência, é de se indagar como poderá ser feita uma avaliação, com apuro e precisão, sobre imóvel reivindicando que se encontra ocupado pelo réu, com quem o autor provavelmente não está a manter relações muito amistosas... Parece claro que um profissional responsável não se permitirá assinar um laudo avaliatório nessas condições; restará ao autor, a se exigir tamanho rigor formal na fixação do valor, valer-se dos que não são tão responsáveis... Ademais, alguns Municípios, interessados no aumento de arrecadação, têm nos últimos anos elevado significativamente os valores fiscais dos imóveis urbanos, e a realidade que se observa é que sua defasagem com o preço de mercado tornou-se algo superado ou irrelevante, mesmo porque o mercado é sujeito a oscilações puramente conjunturais e nem sempre duradouras. Teria sido melhor deixar que esse movimento das prefeituras cuidasse de tornar o valor fiscal mais próximo do real, do que criar dificuldades adicionais ao autor da ação, a lhe embaraçar o acesso à justiça e a tornar desnecessariamente custoso o ajuizamento da ação, com a exigência de realização de perícias que talvez nem sequer precisariam ser feitas para decidir o pedido. É de se esperar que impere o bom senso na interpretação dessa regra e da viabilidade de sua aplicação ao caso concreto levado a juízo, dispensando-se o autor dessa exigência, ao menos quando se mostrar desproporcionalmente cara, ou de difícil ou demorada execução. A melhor solução para a nova regra é permitir ao autor uma “avaliação” estimativa, declarada por ele próprio na petição inicial; se houver controvérsia a respeito, sempre caberá a produção de prova posterior. Além desses pequenos ajustes em três das regras presentes no CPC/1973, um novo inciso foi acrescentado no rol. Figura no inciso V a determinação de que o valor da causa seja, “na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido”. A regra, por um lado, não parece ser das mais felizes, pois não há motivo para tratar em incisos diferentes os pedidos de condenação em dinheiro, quaisquer que sejam os seus fundamentos. Segundo a orientação geral, que nesses casos de condenação em dinheiro encontra as menores dificuldades de aplicação e apuração do valor, o valor da causa deve ser, obviamente, o valor em dinheiro que se pede. Faria sentido criar regras distintas se desejasse o legislador que o valor da causa para uma ou outra cobrança seguisse algum critério diferenciado, mas esse não parece ser o caso do novo dispositivo ora comentado. O que seria “o valor pretendido”, senão o valor presente da indenização, com todos os seus acréscimos, consoante já estabelecido no inciso I do mesmo artigo? Para dizer tal coisa, é desnecessária a criação da nova regra. O que parece motivar essa regra é o desejo do legislador de afirmar que também para os pedidos de dano moral o valor da causa deve exprimir o valor pretendido. Mas, neste caso, qual é, em moeda, o valor pretendido? Fica a impressão de que o legislador confundiu o valor da causa com a exigência de liquidez do pedido. Como apontado adiante,10 o CPC/2015 foi mais incisivo ao dispor sobre o requisito de determinação do pedido e, ao que parece, esta regra é mais um reflexo disso do que disposição voltada para a estimação do valor da causa, eis que, como dito, não se distingue do critério contido no inciso I do mesmo artigo. Noutras palavras, esse texto quer sugerir, na verdade, que o pedido de dano moral seja igualmente líquido, mas o legislador, confundindo os conceitos, inseriu a regra entre as disposições sobre a fixação do valor processual da causa, e não sobre a determinação do pedido. Assim, uma vez expresso em moeda o valor do dano moral pleiteado, exigência relativa à liquidez do pedido, o valor da causa é o valor pretendido. 5. Pedido Requisito mais importante da petição inicial, o pedido é, assim como no CPC/1973, objeto de Seção própria, que se estende entre os arts. 322 a 329. Poucas são as modificações introduzidas acerca do pedido, todas girando em torno de sua determinação e de sua interpretação. Quanto ao mais, são reiterados os preceitos do CPC/1973. Segundo o art. 286 do CPC/1973, o pedido deve ser “certo ou determinado”, expressão que a doutrina corrigia para “certo e determinado”. Afinal, essas não eram exigências alternativas nem tão pouco sinônimas, devendo ser, ambas, atendidas pelo autor. A possível confusão foi eliminada pelo CPC/2015, que passou a tratar de cada um desses requisitos em artigos diferentes. Assim, o art. 322 do CPC/2015 afirma que “o pedido deve ser certo”. Isso significa que o pedido deve ser expresso, explícito, induvidoso, não pode pairar qualquer dúvida sobre o que pede o autor. Consequência disso é que não se considera integrante do pedido aquilo que dele não constar com clareza. Nos parágrafos, porém, especialmente no § 2º, o CPC/2015 faz afirmações contraditórias, cuja interpretação poderá gerar sérios problemas para ambas as partes. Corolário inseparável da exigência de certeza do pedido é a sua interpretação restritiva, que era afirmada pelo art. 293 da lei anterior. O mesmo artigo excepcionava os juros legais e, por força de outras disposições legais, no Código ou fora dele, a doutrina e jurisprudência não hesitavam em incluir no rol das exceções à interpretação restritiva também a correção monetária, eis que prevista na Lei nº 6.899/1981, e as custas e honorários de advogado, impostas em outros artigos do Código. O § 1º do art. 322 do CPC/2015, ao dizer que “compreendem-se no principal os juros legais, a correção monetária e as verbas de sucumbência, inclusive os honorários advocatícios”, consolida no mesmo dispositivo essa orientação anterior, de modo que essas rubricas mencionadas no texto são consideradas parte integrante do pedido, ainda que não expressamente referidas na petição inicial. Até aqui, nenhuma novidade em relação ao regime legal anterior. No § 2º, entretanto, háuma afirmação incongruente com o sistema, com as garantias do réu e com o próprio teor do que lhe antecede no mesmo artigo. Não reiterou o CPC/2015 a disposição que afirmava que “os pedidos são interpretados restritivamente” (art. 293, do CPC/1973), preferindo dizer que “a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé”. Há, ao longo do novo CPC, uma desejável e saudável orientação no sentido de prestigiar-se a solução da demanda, esforçando-se a lei em tentar superar as questiúnculas processuais que possam obstar ou retardar o julgamento do mérito. Nesse sentido, são várias as disposições tendentes a permitir a correção de vícios e defeitos, para que o processo possa ser “salvo” e siga adiante até o julgamento de mérito. Todavia, o pedido e sua necessária certeza – afirmada no caput desse mesmo artigo – não podem ser tratados sob essa mesma ótica “salvacionista”. Se o autor não for capaz de apresentar pedido induvidoso, bem formulado, que não comporte entendimentos diferentes sobre o que precisamente veio buscar em juízo, ninguém mais, a não ser ele mesmo, pode ou deve ser prejudicado pelo sentido enganoso de suas próprias palavras. Afinal, antes de mais nada, um pedido certo já não comporta interpretações. Ele é o que é. O que se pede é o que está escrito. Um pedido que comporte interpretações, que possa ter sentido ou extensão diversos aos olhos de diferentes leitores, é na verdade um pedido duvidoso. O critério da interpretação restritiva, expresso no CPC/1973, já era uma forma de “salvar” um pedido duvidoso da extinção, adotando-se a única solução que não prejudica o demandado: restringir sua extensão. Isto é, se um texto é ambíguo, a ponto de poder significar tanto que o autor quer X, como que quer X+Y, conforme a percepção do leitor, isso pode prejudicar a defesa, caso esta, na sua interpretação, só tenha percebido o pedido de X. E, assim, o réu se defendeu somente de X. Apresentou provas somente para fatos que influíam no pedido X. A regra do § 2º, ao afirmar que “a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé”, é, portanto, um verdadeiro atentado às garantias do réu. Invocar a aplicação do princípio da boa-fé não explica coisa alguma, a menos que se dissesse que a outra alternativa – agir de má-fé – fosse uma opção possível e aceitável. Boa-fé é algo sempre esperado. E o que seria o “conjunto da postulação”? Se o autor, em algum parágrafo esparso ao longo de seu texto, sugeriu ter direito a qualquer coisa mais, mas não a pediu expressamente, estaria o juiz autorizado, por absurdo, a julgar esse suposto pedido, a partir do “conjunto da postulação”? Teria o réu se defendido suficientemente disso? Ou, mais, será que o próprio autor tem a intenção de formular tal pedido nesse momento e vê-lo julgado? E se, mesmo não sendo intenção do autor formulá-lo, o juiz incluí-lo no conjunto da postulação e julgá-lo improcedente? Ainda que o quisesse, por que não o formulou expressamente, se lhe cabia a apresentação de pedido certo? E se, querendo, não o formulou, sendo seu o erro, por que flertar com a violação de garantias do réu, se seria muitíssimo mais óbvio, justo e coerente com todos os princípios de direito que o prejudicado por suas falhas ou omissões deva ser ele próprio, o autor? Feitas essas considerações, vê-se que a nova regra não resolve nenhum problema importante do processo, mas pode criar outros, especialmente dando margem ao arbítrio judicial. Sob um ângulo mais prático, o que resta considerar? Em primeiro lugar, a novidade não afasta a sempre segura recomendação, que se faz ao patrono do autor, no sentido de que o pedido seja redigido com o maior cuidado possível, seja lido e relido quantas vezes necessário, depurando-se eventuais ambiguidades de texto. Não convém, nem mesmo para o autor, contar com uma possível interpretação posterior sobre o que está sendo pleiteado, pois nada garante que essa margem de flexibilização sugerida pelo legislador – se considerada constitucional, coisa que duvidamos, pois atenta contra o princípio do contraditório – poderá levar a resultado que coincida precisamente com o bem da vida que ele veio buscar em juízo. Em segundo lugar, do ponto de vista do réu, talvez seja o caso de, diante da constatação de ambiguidades de redação constantes da petição inicial, apontá-las na defesa e, se for o caso, tentar apresentar defesa sobre todos os possíveis sentidos do pedido. Em terceiro lugar, ao juiz, recomenda-se que interprete os pedidos restritivamente, em regra, pois é essa a interpretação que mais atende ao princípio do contraditório e, de certo modo, é a que mais se afina com a boa-fé pregada no texto legal. Somente pode ser diferente diante de situação – certamente pouco frequente – em que, apesar do texto duvidoso com que o pedido se apresenta, ficar claro que a aplicação dessa interpretação extensiva faça com que o pedido corresponda àquilo que o autor quer pedir, e que o réu o compreendeu e de tudo se defendeu de modo completo. Não observadas essas premissas, ou veremos o juiz agir de ofício, julgando aquilo que o autor não desejou pedir, ou prejuízos irreparáveis à defesa, o que soa inadmissível. Quanto à determinação do pedido, essa vem mencionada no art. 324, constando do § 1º as mesmas ressalvas do CPC/1973, que admitem pedido genérico. A rigor, pedidos genéricos, ou ilíquidos, só são admitidos nas três situações constantes dos incisos do § 1º, que são repetições dos incisos do art. 286, do CPC/1973. E o teor desses incisos é induvidoso: somente se admite o pedido genérico quando o autor não tem como determiná-lo. A jurisprudência nacional, todavia, tem se mostrado muitíssimo benevolente na aceitação de pedidos genéricos, sendo raros os julgados que aplicavam o art. 286 com o necessário rigor. A determinação do pedido é, igualmente, uma garantia do réu, tanto no sentido de conhecer precisamente os limites daquilo sobre o qual é demandado, como para proporcionar-lhe também a oportunidade de discutir o quantum pretendido ou os critérios que levaram à sua fixação. O CPC/2015 incluiu entre os motivos de indeferimento da inicial a afirmação de que é inepta a petição inicial quando “o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico” (art. 330, § 1º, II). Destarte, se dúvida interpretativa havia na redação do CPC/1973, o novo Código assinalou que os incisos do art. 324, § 1º, elencam hipóteses taxativas. E, não se encontrando entre elas, o pedido de dano moral, por exemplo, deve ser líquido, cabendo ao autor apresentar o valor em moeda que deseja receber como compensação pela dor, vexame, ou humilhação sofridos, ou o que mais tenha motivado tal pleito indenizatório. É nesse sentido que o já mencionado inciso V do art. 292 prevê, entre os critérios de fixação do valor da causa, que tal valor deve corresponder ao montante pretendido, também para as indenizações por dano moral, como comentado anteriormente.11 Por fim, o art. 329 do CPC/2015 consolida e aclara as regras relativas à estabilização do pedido, antes divididas nos arts. 264 e 294 da lei anterior. Até a citação, segundo o inciso I, o autor tem livre disponibilidade acerca do pedido, podendo tanto aditá-lo como alterá-lo, bem como desistir dele no todo ou em parte (art. 485, VIII, e § 4º). Citado, o réu adquire direitos na relação processual, que passa a integrar a partir daí, de modo que após a citação essas modificações no objeto da demanda só se admitem com o consentimento dele, conforme previsto no inciso II. Embora tal
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