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Mário Carneiro [=] Entrevista

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ENTREVISTA COM 
MMÁÁRRIIOO 
CCAARRNNEEIIRROO 
 
 
 
 
 
por Lauro Escorel 
 
 
 
 2
Com o intuito de contribuir para o desenvolvimento das diferentes 
discussões que têm surgido em nossa lista, tive a idéia de começar uma série 
de entrevistas com diretores de fotografia que pudessem abordar os temas 
tratados à partir de uma perspectiva pessoal sem deixar de lado os aspectos 
técnico e histórico. Tentando dar prosseguimento ao trabalho realizado pelo 
Carlos Ebert com sua Pequena História da Cinematografia no Brasil, optei por 
entrevistar Mário Carneiro e Ricardo Aronovich, certo de que a experiência 
dos dois é exemplar para quem faz ou quer fazer fotografia no Brasil. 
Tuca Moraes e Carlos Ebert me ajudaram muito nesta empreitada. 
Ajudaram a localizar o Mário, a formular perguntas, e a digitalizar e editar o 
texto. 
Apresentação 
Mário Carneiro foi responsável pela fotografia de alguns clássicos do 
cinema brasileiro (Arraial do Cabo, Porto das Caixas, O Padre e a Moça, Capitú, 
Crônica da Casa Assassinada e mais recentemente de O Viajante). 
Conheci Mário em 1967, levado ao set de filmagem por Gilberto 
Santeiro. Mário e Paulo Cesar Saraceni me receberam com muita simpatia e 
passei a frequentar livremente as filmagens. Fazia algumas fotos e observava 
tudo. Observava principalmente Mário trabalhando. 
Como se fosse hoje, vejo-o indicando com um gesto largo ao seu 
eletricista o efeito de luz que buscava numa filmagem noturna na Casa de Rui 
Barbosa. Naquele gesto guardado na memória, percebo ainda hoje o lado 
intangível do nosso ofício. Acompanhando o surgimento de uma atmosfera 
fotográfica naquele set, comecei a entender um pouco a luz e seus 
significados. 
Me lembro do cuidado de Mário com o posicionamento dos 
refletores. Ele observava o efeito de cada um e eu, tentando ver o que ele via 
(e sentia), comecei ali a querer ser um dia, também, diretor de fotografia. 
 3
Mário Carneiro tem uma longa trajetória como pintor, gravador e 
fotógrafo, além de diretor e montador de cinema. Isto faz dele um 
personagem único na nossa cinematografia. Nossa conversa tentou refazer 
este roteiro. 
Lauro Escorel 
O começo 
O cinema pra mim tem uma origem estranha. Porque quando eu tinha 
uns oito anos e minha irmã uns dez anos, nós ganhamos um aparelho de 9,5 
mm1, com vários filminhos. Era de um tio avô meu, tio Júlio Barbosa. E nesse 
conjunto de filminhos tinha desde Chaplin até o “Gordo e o Magro”. Eram 
filminhos de 3 a 5 minutos, e nós ficamos encantados com esse brinquedo. 
Aquilo era um brinquedo, mas a rua inteira ficou ligada naquele cineminha. 
Minha irmã e eu até pensamos em ganhar um dinheirinho cobrando ingresso 
pelo cineminha. Mas minha mãe gritava lá de dentro: “Isso não é pra ganhar 
dinheiro...” Acho que até hoje fiquei marcado por essa frase terrível: “Não é 
pra ganhar dinheiro”. “Está bom, então vamos brincar de cineminha”. Mas, 
esse foi o primeiro momento em que eu senti essa possibilidade de você ver e 
rever o filme. Essa possibilidade tremenda de você poder escolher o filme que 
você vai gostar. Fazer uma seleção. Então, eu já vi ali a possibilidade de um 
pré-videozinho que a gente podia ter em casa. 
 
 
1 Formato amador conhecido como Pathé-Baby. Comercializado a partir de 1923. 
Usava a proporção 1 : 1.33. 
 4
Bem, passou-se o tempo e eu não sabia bem o que eu queria. Eu 
gostava mesmo era de desenhar, pintar e fazer essas coisas. E aí eu fui me 
encaminhando nesse sentido. Fui fazer arquitetura, porque eu queria ser 
pintor, mas a família não queria também. Aquela coisa de briga porque eu 
ficava sem um tostão. Sempre o problema do dinheiro aparecendo no meio. 
Mas aí, nesses intervalos, apareceu o primeiro cine-clube aqui no Brasil, que 
era do Luís Alípio de Barros. Era um clube bem simpático, ele gostava de falar 
aquelas prosopopéias todas. Assistíamos os filmes do Renoir. Tinha muito 
cinema francês. Não sei como é que ele conseguia aqueles filmes franceses, 
mas ele procurava dar um encadeamento, e naquela época a cinemateca era 
um pouco europeizada. Aqueles filmes de vanguarda, os filmes da “Avant-
Garde”. Enfim a gente ficou ligado na noção de que cultura era um cinema 
diferente do cinema que a gente via normalmente. Eu ia ao cinema Ritz2 e via 
A Ilha dos Mortos Vivos. Voltava com o cabelo em pé. Eram uns filmes 
terríveis, que me levavam para ver pequenininho. Então, entre esses vários 
caminhos do cinema, eu fui sentindo que havia várias opções. E aí quando fiz 
minha primeira viagem para Paris, que já foi em 48, eu já tinha 18 anos. Fiz 
vestibular pra arquitetura e passei. Então ganhei um ano de Paris como 
prêmio por ter passado nesse vestibular. Mas, quando eu cheguei lá, o meu 
interesse foi mudando. Quer dizer; eu ia ver os museus, essa coisa toda, mas 
de noite eu ia para a Cinemateca. Encontrei lá com o Sergio Milliet, que era 
muito ligado a todas as artes, e muito ligado também ao cinema, e que me 
levou logo para ver filmes de Avant-Garde, Bunuel, Dali. A Cinemateca 
Francesa estava voltando depois da guerra. 
Isso em que ano, Mário? 
Em 48... 49. Eu já tinha 18 anos, então já era 49. E aí, todo dia 
praticamente eu ia para a Cinemateca. Eu via os filmes, mas via assim com um 
 
2 Cinema situado na Cinelândia, no Rio de Janeiro. 
 5
olhar mais de artista plástico mesmo, reparando na fotografia. Eu gostava das 
imagens. Aquilo mexia muito comigo. Eu ficava olhando aquele negócio... 
Depois, quando voltei para ao Brasil, já estava funcionando o cine-clube do 
Plínio Sussekind da Rocha, lá na Faculdade de Filosofia. E o Plínio tinha os 
filmes do Eisenstein, que tinha arrumado ou alugado no partido3. Tinha O 
Encouraçado Potemkin, Alexandre Nevski, tinha Outubro. Uma boa série de filmes 
para dar uma base pra gente. E aí então ele tinha aquela famosa cópia do 
Limite4. E ficava naquela: “É a última vez que vai ser visto Limite! “Venham 
ver, pois vai se perder se não for recuperado”. 
 
Esse encontro foi muito importante porque uniu a primeira vertente 
do pessoal do cinema novo. Tinha ali já o Joaquim Pedro. Tinha o Leon 
Hirszman. Estava começando a aparecer a turma que fazia engenharia. Se 
ligando e ao mesmo tempo já pensando em fazer cinema. Mas ainda era uma 
coisa mesmo muito cineclubista. 
Aí você voltou para a Faculdade de Arquitetura? 
Aí voltei para a Arquitetura, fiquei mais dois anos e fui trabalhar com 
o Oscar Niemeyer. Aí fiquei doente. Fiquei muito doente. Peguei aquele para-
tifo de Ouro Preto. Peguei esse puta para-tifo, misturado com mononucleose. 
 
3 Partido Comunista Brasileiro. PCB. 
 6
Meu pai disse: “Você está com câncer de sangue” Começaram a me dar 
remédios terríveis, tipo cloromicetina. Foi um inferno. Achei que ia morrer. 
Mas aí uma voz de Deus disse assim: “Não vai morrer porra nenhuma. Liga 
pra seu pai e vai embora para a Europa. Liguei para papai e disse: “Arruma um 
jeito de eu ir praí porque aqui está muito ruim”. Aí viajamos eu e mamãe. 
Chegamos e verificou-se que realmente o que eu tinha era uma mistura dessas 
duas coisas, e eu fui para a montanha. 
 
A primeira câmera 
Antes disso, minha irmã no meu aniversário, quando eu tinha feito 23 
anos, em 53, viu essa famosa camerazinha Paillard-Bolex, quer dizer: famosa 
pra mim, porque aquilo foi um “abre-alas” danado. Ela disse: “Papai, compra 
isso pro Mário, porque eu sei que é isso que ele vai fazer!”. Era muito cara, 
custava mil e tantos dólares. Era muito dinheiro naquela época. Papai 
conseguiu pagar em váriasvezes, e eu peguei aquela câmera, e o manual dela, 
li várias vezes e essa foi a minha escola de cinema verdadeira. Aquela câmera 
fazia de tudo... Você podia fazer todos os efeitos, fade-in, fade-out, anda para 
 
4 Limite (1931), filme experimental dirigido por Mário Peixoto e fotografado por 
Edgar Brazil. 
 7
atrás, anda para a frente, velocidades variáveis Era uma verdadeira 
“trucazinha”. E tinha três objetivas. E eu fui fazendo aqueles filmes amadores, 
brincadeiras. Ai, quando fui para as montanhas na Suíça fiz então o primeiro 
filme mais caprichadinho. Chamava-se A Boneca. 
A BONECA 
Esse filme eu fiz lá, ajudado pelo Jorge Mori, um escritor japonês, 
muito meu amigo. Foi comigo lá para a montanha, pois eu precisava de 
alguém para ir comigo, então foi o Mori, que também estava precisando de 
ares e aí fizemos esse filme, que era a história de uma boneca que cai de um 
barquinho dentro de um rio. Era um filme assim bem formalista, mas com 
uma historinha. Eu me lembrava sempre daquela história do soldadinho de 
chumbo, que você botava o soldadinho dentro de um barco, o barco caia na 
água e as várias aventuras que aconteciam com este soldadinho. As minhas 
aventuras são puramente visuais: Que riozinhos que a boneca ia passando. Aí 
fazia um ângulo de tal jeito, chegava na câmera de uma maneira. Depois 
montei esse material todo. Acabava com essa boneca cheia d'água dentro do 
rosto. Aí peguei uma luva de militar, se chamava “Bok”. “Bok” tinha uma 
calça de... Como é o nome dessa cor que eles usam? Caqui. E aquela mão 
agarrava a boneca assim. Então você via os olhos da boneca pingando água. 
Um choro terrível. Ele atirava ela sem piedade, botava o pé em cima e o pai 
então dizia assim: Oh! Meu filho não faça uma coisa dessa”. (Risos e comentário). 
Eu tenho aí a maioria desses filmes. Aliás eu tenho até que ver como 
eles estão. Mas, eles resistem bem. Eram Kodachrome, mas tem preto e 
branco também. A última vez que vi, estavam bons e isso não faz muito 
tempo. Mas o fato é que aí o Vinícius de Morais já estava trabalhando com 
meu pai, viu esse tal filme da boneca e disse pra mim assim: “Olha Mário, não 
é que eu não goste do que você pinta ou do que você faz em gravura, tudo 
isso é muito bom. Mas eu acho que o que você tem que fazer é cinema 
 8
mesmo. Pelo que eu vi aí. Poucos filmes que eu tenho visto têm essa coisa que 
me deu uma emoção. E quando um filme dá uma emoção não se pode jogar 
fora”. 
E a mesma coisa eu ouvi de pessoas estranhas. De Maneco Vargas, 
filho do Getúlio, que namorava uma amiga da minha irmã. Ele foi ver o filme 
e ficou com os olhos cheios d'água. 
Maneco Vargas? 
É. Aí A Boneca ficou sendo o meu “hit”. O pessoal todo viu aquele 
filme e então disseram: “O Mário vai fazer fotografia, o primeiro filme que 
aparecer o Mário vai fazer a fotografia”. 
FORMAÇÃO - Arquitetura / Pintura / Gravura / Fotografia 
Você então já tinha voltado da Europa? 
Já tinha voltado em 53, quando comecei a fazer aqueles filminhos, aí 
voltei de novo. Primeiro fui com dezoito anos e passei um ano. Voltei, fiz o 
primeiro e segundo ano da escola, fiquei doente e fiquei mais um ano lá. Levei 
sete anos para me formar por causa dessa doença. E ficou nesse negócio aí, 
até que me formei em arquitetura. Voltei para a Europa e passei um ano lá 
fazendo urbanismo. Mas, na verdade, eu não fazia nada de urbanismo. As 
aulas eram horríveis, eu ia lá só para dar uma olhada geral e depois ia ver meus 
filmes na Cinemateca. Fazia cópias lá no núcleo também. Eu era muito 
aplicado nessa parte assim pictórica. Eu já estava tendo aulas com o Iberê 
Camargo, que eu conheci na França em 48. Ele estava lá com um prêmio de 
arte. E ele gostou de mim e tal. Eu era meio desorientado e me lembro que ele 
disse: “Quando você chegar lá no Brasil, se você quiser aprender mesmo eu te 
ensino. Mas você não pode atrasar nem um minuto, se você atrasar um dia, 
um minuto, a porta vai estar fechada. Eu sei que você é meio bagunceiro...” 
 9
Eu nunca me atrasei nem um minuto. Chegava lá antes e esperava ele chegar. 
7 horas da manhã. Tinha aula das 7 ao meio dia, aí saía e ia para a escola. De 
uma às sete eu ficava na escola. Eu fiz dois cursos. Um de pintura com o 
Iberê, que incluía também gravura, Iberê também tinha sido aluno de André 
Lot, tinha sido aluno do De Chirico, então ele tinha uma cultura muito grande 
nessa parte. Além de ter sido aluno do Guignard aqui no Rio. Então ele tinha 
uma grande vontade de experimentar as coisas todas, de aprender tudo. E eu 
então o ajudava a fazer gravuras. Fiquei uma espécie de aprendiz, na maneira 
renascentista. Tinha que lixar as placas. Só não tinha que amassar pigmento, 
porque já tinha tinta pronta. Mas fazíamos uma porção de coisas. Eu 
realmente ajudava muito e assim fui aprendendo e fazendo minhas gravuras. 
Quando voltei em 58, eu trouxe já uma boa série de gravuras da Europa. 
Então meu caminho estava aberto para fazer gravuras. Muitas. Fui para a 
Bienal de São Paulo, já com três gravuras grandes. Foi um bom começo de 
carreira. E tinha o escritório de arquitetura junto com Homero Leite (filho de 
um amigo que morreu no ano passado), que era o primeiro aluno da minha 
turma e primeiro aluno de arquitetura. Super inteligente, preparado, sempre 
trabalhou com Lúcio Costa. E eu era um dos piores alunos de arquitetura 
porque vivia flanando. Achava tudo engraçado. Fazia as provas, tinha um 
jeito, mas não levava aquilo a sério. Aquilo para mim era: “Preciso desse 
diploma, vamos lá”. Mas o Homero falava: “Você é o cara com quem eu 
quero ter meu escritório de arquitetura”. “Mas logo eu Homero, que não sei 
nada de Arquitetura”. Por isso mesmo. Você não sabe mas tem um treco em 
você que eu acho engraçado. Eu prefiro abrir com você”. Aí abrimos um 
escritório de arquitetura que durou uns oito anos. Fizemos casas e muitas 
lojas. Tivemos muitos projetos e levamos muito trambique. Arquitetura estava 
na moda. Todo mundo achava ótimo você fazer o projeto, mas depois na 
hora da grana o cara se arrancava e você ficava a ver navios. Mas isso daí me 
deu uma boa base. Esse período todo formou meu olhar. Formou uma visão 
 10
mais apurada em vários níveis, em várias tecnologias. Porque gravura é uma 
coisa complicada, tecnicamente complicada. Depois a pintura que eu queria 
fazer. Fazer aquelas cópias, diante do modelo. Pra copiar Veronese. Tá lá o 
quadro e as pessoas todas olhando o que você está fazendo. Então também é 
uma boa prova. Uma boa comprovação para o seu estado de nervos, porque 
se você ficar nervoso não sai nada. Não é? Então, isso tudo formou assim esse 
meu “background” do olhar, e foi muito útil para mim, para a minha geração, 
porque aí eu comecei também a fazer fotografia. Quer dizer, fotografias de 
still. Então fiz laboratórios de P&B, inventei também umas gravuras feitas de 
plaquinhas de vidro usando o ampliador. Fazia muitas caricaturas, algumas até 
de sacanagem mesmo. Fazia, ampliava e guardava. Fazia também as minhas 
fotografias, depois ampliava também, que era uma forma de desenvolver. E 
assim foi indo até que apareceu a chance de fazer o Arraial do Cabo. 
 
ARRAIAL DO CABO 
Eu já tinha 29 anos a essa altura. Quer dizer: em termos de cinema eu 
já não era mais criança. Hoje em dia se começa a fazer filmes com dezoito 
 11
anos. Eu já estava formado nas outras coisas, tinha o escritório de arquitetura. 
Tranqüilamente podia continuar a minha vida de pintor e gravador, mas 
quando aconteceu esse negócio de fazer o Arraial do Cabo, Paulo CésarSaraceni me ligou e nós fomos lá pro Arraial do Cabo. Eu, quando vi o lugar, 
fui tomado por esse estado vertiginoso que é você começar realmente a entrar 
na vida profissional. Tinha a câmera do Sérgio Montanha, que era uma 
Cameflex que ele tinha comprado do Fellini, com uma óptica Cooke 
maravilhosa. Quando peguei aquela câmera eu pensei: “Pô, mas isso aqui 
agora é uma beleza! Estava acostumado com a Paillard, com aquela correção 
de paralaxe, com a corda de no máximo três minutos. Isso aí vai ser um chuá! 
Ai o Montanha me ensinou como é que funcionava aquele negócio e eu 
aprendi. Todos os dias tinha que desmontar, limpar, porque lá era areia pra 
todo o lado. E aí fiz esse outro curso que foi fazer o Arraial do Cabo, já 
fazendo a câmera, fazendo luz um pouquinho (a gente tinha uma maleta de 
luz, rebatedores e tal...) E aí a gente toca a subir e descer. Eu carregava a 
câmera e tudo o mais por aí afora. Nessa época eu tinha uma energia incrível, 
não é? Aí, papai dizia assim: “Mas meu filho, você sabe onde você está se 
metendo? O cinema aqui no Brasil é uma loucura! Não tem nenhum futuro!” 
Terminamos de rodar e aí o Paulo César viajou, veio a tal bolsa lá da Itália, e 
eu fiquei acabando a montagem do Arraial do Cabo. Ficou com 25 minutos e 
eu achei que estava comprido, muito grande. Aí ficou aquela coisa: “Pelo amor 
de Deus! Corta, não corta.... Foi lançado pelo Alberto Shatovsky5. Lançou no 
Cine Alvorada e por acaso tinha um outro filme de barco antes. As pessoas 
ficaram furiosas e começaram a jogar coisas na tela. “Mário, estão 
arrebentando o cinema, venha apanhar o Arraial do Cabo por favor”. Fui lá 
peguei as latas do Arraial do Cabo, cópia única, original. Aí pensei: “Vou tirar 
uma cópia 16mm e vou remontar isso aqui em casa mesmo”. Peguei o meu 
projetorzinho e passei o filme de 20 e tantos minutos para dezoito, e botei a 
 
5 Crítico de cinema e assistente de direção de Alex Vianny em Rua sem Sol (1954). 
 12
música toda também. Mexi em toda a parte de música. 
Você assina a direção junto não é, Mário? 
Assinamos juntos. Ficou como co-realização. Por eu ter feito 
fotografia, roteiro, depois fiz a montagem, botei a música. Co-realização até 
para o meu lado ficar um pouquinho mais gordo, já que eu tive que botar uma 
graninha para acabar tudo isso aí. 
E o filme foi bancado por vocês mesmos? 
Não. Isso foi feito pela Saga Filmes, que na época já estava na mão de 
Joaquim Pedro e de Sérgio Montanha. Depois foi vendida pro Leon e pro 
Marcos Farias. Antes tinha sido do Gerson Tavares, que já tinha até feito um 
filme e ganho este mesmo prêmio que a gente ganhou lá em Bilbao, o “Urso 
de Ouro”. Mas não sei, o filme dele passou em brancas nuvens. Talvez porque 
não estava na hora do movimento. Daí começaram a aparecer as pessoas. 
Chegou o Glauber da Bahia, Nelson Pereira já tinha feito os dois filmes dele. 
Aquela porta lá da Lider, na rua Arthur Ramos, já existia como um centro de 
pessoas que queriam fazer cinema. E começou a chegar gente de todo lado: da 
Paraíba, o João Ramiro6, outro de não sei onde. Quando você via, já tinha lá 
aquela mesinha de tomar chope e todo mundo batendo papo de cinema. Leon 
Hirszman... O Joaquim dizia: “Leon, você tem que acabar com essa mania de 
virar engenheiro. Você tem que fazer cinema. Você não pode ter outra 
profissão. Cinema é cinema. Joga fora teu diploma, entrega pro teu pai! E o 
Leon ficava vermelho: “Mas eu não posso fazer isso, eu não posso”. Acabou 
fazendo... Tem histórias engraçadas... Bem, mas o fato é que depois Arraial do 
Cabo foi lá para Bilbao, ganhou prêmio lá em Bilbao. E aí atrás desse prêmio, 
ganhou mais outros cinco prêmios. Ganhou quase todos os prêmios para 
 
6 João Ramiro Mello. [Guinefort] 
 13
documentário na Europa. O Jean Rouch fazia parte de um dos júris. Escreveu 
um belo artigo sobre o filme. E com isso as portas foram se abrindo. Então, 
depois disso, ficou difícil para mim voltar atrás, pensar no meu escritório de 
arquitetura, porque eu já estava cooptado. Imediatamente o Joaquim me 
chamou para fazer Couro de Gato. 
Você entrou meio como co-realizador. Como é que a fotografia se afirmou. Você 
já tinha um projeto fotográfico? Você tinha alguma coisa ou era mais fazer cinema? 
Não, porque de fato eu acho que meu dado visual era mais forte do 
que as outras coisas todas que eu fazia. Embora eu tenha montado o filme, 
musicado o filme (eu levava jeito para essas coisas). Mas o que eu gostava 
mesmo, no fundo, era de pegar a câmera, enquadrar, fazer os movimentos, 
fazer isso e aquilo. Eu acho que isso era a minha vocação mais forte. Eu me 
lembro até depois, com o Paulo César, quando fomos fazer Porto das Caixas, 
ele disse assim para mim: “Mas esse a gente não vai mais assinar junto não. 
Você vai ser só o fotógrafo”. Eu ia passando pela rua e tinha uma linha de 
uma pipa que um menino tinha jogado e ficou presa no poste, e aquele fio me 
prendeu pelo pescoço. Foi como se eu tivesse levado uma navalhada. Tivesse 
sido traído e levado uma navalhada que eu não vi o que era. 
Na hora em que o Paulo te disse isso? 
Na hora exata em que o Paulo me disse isso, eu fiquei preso pelo 
pescoço naquele negócio. Ai eu disse: “Mas meu Deus, porque? Porque que 
não pode assinar junto?” “Não, porque cinema tem uma hierarquia. Eu quero 
dirigir. Você se mete demais na direção. Você também quer dirigir. Você passa 
por cima. Você faz do seu jeito...” “Então tá legal”. Eu fui assimilando o golpe 
e tal. Mais ainda discuti várias vezes esse problema da autoria dentro do 
cinema, que para mim sempre foi uma coisa meio misteriosa. Fulano é o 
diretor do filme! Mas, as vezes, o diretor é quem menos faz. Já vi vários filmes 
 14
em que o diretor não atuava. 
Co-autoria 
Mário, sem querer te interromper, mas essa era uma das perguntas que eu 
queria te fazer. A Imago, a associação dos fotógrafos europeus, está colocando essa 
questão da co-autoria. Os fotógrafos europeus estão pleiteando o status de co-autores e, 
consequentemente, direitos autorais e tudo o mais. O que você pensa sobre isso? Isso é 
uma coisa interessante pra gente. 
Eu já tive muita discussão, inclusive com o Cláudio, primo do Sérgio 
Saraceni, que é um dos advogados que lidam com direitos autorais. E os 
direitos autorais em cinema não incluem os direitos da imagem. O que me 
parecia um absurdo total. Eu dizia: “Mas escuta, o cinema começou mudo, 
começou com a imagem, era só imagem, imagem que se move: isso era o 
cinema. Depois vieram as outras coisas. Agora, por que o autor da história é 
um co-autor e tem direitos autorais, o diretor tem e o autor da imagem não 
tem? “Ah! Mas aí é o corpo técnico”. Como corpo técnico? Eu sou um artista! 
Eu me considero um artista. E acho que todos os grandes fotógrafos são 
grandes artistas de uma arte complicadíssima. Porque você fazer fotografia 
para cinema não é coisa fácil, que você possa chamar um sujeito e dizer: “Não, 
ele entende de fotografia e vai fazer o filme”. Não... ele tem que ter outra 
sensibilidade. Inclusive você é muito co-autor do filme. Eu usava exatamente 
esta expressão. Até propus numas reuniões, daquelas que as pessoas ficavam 
com ódio, o que eu queria: “Então, vamos fazer o cinema catedral, já que todo 
mundo aqui é meio comunista, meio de esquerda, ninguém assina. Vamos 
fazer os filmes sem assinatura, como são as catedrais”. “Mário, você está 
doido, não sei o que...” Aí, ficou essa piada: O “filme catedral”, de Mário 
Carneiro. Que eram os filmes sem autoria. Aí eu disse: “Vocês são engraçados, 
quanto mais vocês querem filmes para o povo, falando de umanova 
 15
organização social, mais vocês autoram esses filmes através de assinatura: Um 
filme escrito e dirigido, não sei mas o quê. E bota: produzido, escrito e 
dirigido... Então tem uma ego-trip aí terrível, misturada com as boas 
intenções. 
Mas então você acha que esta reivindicação dos europeus está na hora? 
A reivindicação já chega até com bastante atraso. 
Mas nos Estados Unidos rejeitam bravamente. Os estúdios não querem nem 
ouvir falar desse assunto. 
Claro, eu imagino porquê. Autoria é uma coisa que criaria mais uma 
classe para receber melhores direitos autorais. Então é uma coisa que eles 
resolvem com salário e pronto. Por semana ou por mês, por isso ou por 
aquilo. 
E agora os roteiristas nos Estados Unidos. Acho que há dois meses atrás, os 
roteiristas conseguiram passar a receber pontos percentuais. É uma vitória 
extraordinária. 
Se um dia chover na nossa horta... Isso aí é uma boa, porque acho que 
a fotografia dentro do cinema é uma coisa fundamental. Não vejo como é que 
o Limite poderia ter sido feito por outra pessoa que não o Edgar Brazil. Se 
tivesse o Mário Peixoto e um outro fotógrafo qualquer não teria sido Limite. 
Não tenho nenhuma dúvida quanto a isso. 
Você chegou a conhecer o Edgar? 
Não. Conheci o Mário Peixoto. O Edgar morreu cedo, não? Morreu 
moço num acidente. Parece que quebrou o pescoço. 
 16
PORTO DAS CAIXAS 
Bem, vamos passar para outro período. Já que estamos falando sobre 
a história do cinema brasileiro, vamos falar um pouco dos nomes que estavam 
em evidência nesse momento que eu comecei a fazer filmes. O primeiro longa 
que eu fiz, que foi Porto das Caixas, foi considerado um absurdo. “Como é que 
Mário Carneiro vai sair de um documentário para fazer um filme de ficção, 
nunca teve escola!” Aí o Tony Rabatoni ficava furioso, porque ele vinha de 
uma tradição lá da Vera Cruz. Então havia essa “escola” da Vera Cruz, que 
depois virou Maristela7. Tinha o Chick Fowle que era um grande nome, um 
grande fotógrafo mesmo. Mas quando a gente fez Arraial do Cabo, aí o Paulo 
César encontrou com o Chick lá na Líder. O Chick Fowle disse. “Eu sei que 
você está fazendo um filme aí, o seu primeiro filme. Mas primeiro filme não 
pode ser feito com qualquer um não. Você tem que ter um fotógrafo para 
fazer isso”. Aí o Paulo César disse: “Mas eu estou com um cara que é bom”. 
“Deixa ver”. Pegou o rolo de filme e foi desenrolando na enroladeira. Depois 
que rodou tudo, disse: “É, o cara é bom”. Aí colocou de novo na enroladeira e 
não falou mais nada. Aí o Alberto Cavalcante falou a mesma coisa para ele 
também: “Não pode estar trabalhando sem um bom fotógrafo. Tem que 
conhecer uma pessoa com experiência”. Aí fez o mesmo que o Chick e disse: 
“Ah, mas esse cara é bom mesmo”. Aí eu fiquei já mais tranqüilo. Eu tinha 
uma noção, pelas coisas que eu tinha visto, que estava bom. E o Sérgio 
Montanha, que era o dono da câmera, acompanhava um pouco essa qualidade 
e dizia assim: “Eu estou achando que está ficando muito é bom”. A gente 
usou filtro laranja, eu entendia bastante do uso de filtros, pela fotografias de 
still que eu fazia. Sabia o que eu queria daqueles contrastes de céu, pesados. 
Tinha que valorizar os brancos. Porque Arraial do Cabo tem brancos de vários 
tipos: Branco de areia, branco de mar, branco de camisa, branco de pele, tudo 
 17
isso definido como ficou. Ficou um trabalho bom. Acho que ficou legal. 
Agora, quando começou o Porto das Caixas a coisa pesou pro meu lado, 
porque eu nunca tinha filmado interiores. 
Os interiores eram considerados uma coisa complicada. De fato, esse 
interior era complicado porque a gente resolveu fazer um filme realista, pelo 
menos do ponto de vista das locações. Era uma casinha mínima mesmo, a 
casinha onde o Sérgio, os três moravam com a Irma Alvarez. 
Era o Paulo Padilha, não é? 
É, o Paulo Padilha e a Irma Alvarez. Era tudo muito pequenininho. 
Ele as vezes fazia assim com a mão e mexia na luz. Só tinha um eletricista que 
era o Lídio, não é? Já tinha aquela perna ruim. Jogava no gol, ele defendia a 
bola e fazia dois tempos. Depois pegava a bola e jogava. E tinha também 
umas pessoas engraçadas. Tinha o Miéle fazendo a produção. O filme era 
meio desarticulado. O Miéle fazendo a produção era engraçado... Enfim, era 
um filme assim meio “ação entre amigos”, mas tinha uma pessoa fazendo essa 
produção, esqueci o nome dele agora. Ele tinha uma loja da Kodak, ali na Rua 
Araújo Porto Alegre, então ele resolveu entrar no negócio de cinema porque 
estava com a grana e achava muito interessante ter mulheres bonitas por 
perto, a Irma Alvarez e tal. Ele enchia a boca e aparecia com uns carrões lá, 
levava os amigos para ver as filmagens. E pela primeira vez eu tive um 
assistente, porque aí botei Fernando Duarte como meu assistente, Fernando 
era fotógrafo do jornal Última Hora. Porque em Arraial do Cabo eu não tinha 
assistente. Fazia foco, fazia tudo. E aí de repente comentavam: “Não, você 
tem que ter um assistente para mudar o filme e tudo o mais”. Eu até reagia: 
“Como vou ter um assistente, vai ficar pesando. Aquele negócio todo”. Não, a 
gente pega o Fernando... Aí, tudo bem: um assistente. Serginho Sanz também 
 
7 A afirmação é incorreta, já que a Vera Cruz e a Maristela foram praticamente 
contemporâneas. A Vera Cruz transformou-se mais tarde, para contornar sua 
 18
fazia assistência para o Paulo César. Era uma equipe bastante divertida e boa. 
Tinha o José Henrique Bello, que fazia cenografia. Mas o fato é que saía uma 
fotografia com uma certa novidade, uma novidade que hoje o Jabor falaria: 
“Chega de novidades do precário. Chega da poesia do precário, queremos o 
avanço tecnológico”. Evidentemente, aquele filme não é um filme de avanço 
tecnológico, era um filme que utilizava com sensibilidade uma precariedade 
que havia. Inexorável pelos custos, pela minha falta de experiência, mas com 
uma sensibilidade muito grande que veio do meu aprendizado que pouca 
gente tinha, se é que alguém tinha naquela época passado por essa formação. 
Mas você tinha consciência dessa precariedade? Você não se sentia limitado por 
ela? 
Eu não me sentia tão limitado. Quer dizer, me sentia limitado quando 
fazia os planos noturnos, às vezes planos maiores. Eu dizia: “Preciso de mais 
luz!” Queria botar uma luz ali pra caixa d'água. Aí tinha só um contraluz lá 
onde caía a água. E aí queria botar luz nas estações. Aí subia o eletricista e 
botava uma foto-flood em cima. Enfim, nós tínhamos dois refletores de 5.000 
W. Depois daí o gerador já começava a gemer, se pusesse um pouquinho mais 
de luz. Era uma coisa difícil. Então, tinha que concentrar. Eu usava muito a 
luz que vinha do próprio trem. E aí o Padilha passava na frente do trem, com 
risco mesmo. Mas o fato é que ficou uma coisa com uma certa pobreza, mas 
os elementos fundamentais e mais precisos eu sempre conseguia botar 
funcionando. Isso dava um certo resultado minimalístico, vamos dizer assim. 
Sem nenhum abuso, pelo contrário, uma coisa assim mais ressecada. E tinha a 
ver com aquele tom do lugar, enfim com a própria pobreza. Tudo era 
iluminado com luz de lampião. De maneira que, para isso aí, a luz que nós 
tínhamos era mais ou menos suficiente – embora, de fato, eu deveria ter feito 
com muito mais luz. Se fosse num estúdio teria posto uma luz geral para 
 
falência, na Cinematográfica Brasil Filme. [Guinefort] 
 19
poder ter um diafragmamais fechado, porque eu acabei trabalhando quase 
todo o filme nos interiores com 2.8. Então vira e mexe ficava com muito 
pouca profundidade de campo. Embora eu usasse Tri-X em alguns momentos 
(usava Double-X também). O TRI-X era nos momentos mais negros, mais 
terríveis. Mas o fato é que quando o filme foi visto, havia um jogo de claro e 
escuro no filme. De zonas negras, de zonas brancas e muita contra-luz, que 
vinha da minha linguagem de gravador e também muito por influência do 
Goeldi. Eu então ia fazer um filme com o Paulo César sobre o Goeldi. Eu 
adorava o Goeldi. Então, o filme tem mais influência da xilogravura do 
Goeldi do que da minha própria gravura sobre metal, que é menos 
contrastada normalmente. Mas, o fato é que eu conseguia essas entradas e 
essas saídas, esses ires e vires de brancos e pretos, que depois no filme do 
Joaquim Pedro, Negro Amor de Rendas Brancas8, eu consegui fazer com mais 
recursos. Ficou melhor nesse filme, mas talvez não tão emocionante como em 
alguns momentos de Porto das Caixas. Eu acho que Porto das Caixas tem a coisa 
do primeiro filme que é uma coisa que você não sabe, que é uma magia. Uma 
magia que vem da descoberta, que você não sabe o que é. Acho que Deus 
ajuda. Qualquer coisa assim... 
Eu tenho essa relação com São Bernardo. 
Que é um belíssimo filme também. Mas tem umas coisas que são 
defeitos. Depois a gente passa a ver defeito nas qualidades. Mas no momento 
você fica meio... Eu via muito defeito. Mais do que todo o mundo. Mas, les 
jeux sont faits... Vamos em frente. Não há o que fazer. 
Mas o fato é que criou-se até uma certa mitologia em torno do filme. 
Depois diziam: “Escuta, quer dizer que você trabalhou só com esse tanto de 
luz. Só com isso e conseguiu fazer?” “Consegui e custou muito barato”. Então 
 
8 Título do poema de Carlos Drummond de Andrade em que se baseia o filme O 
Padre e a Moça (Joaquim Pedro de Andrade, 1965). Figura também como título 
 20
essa tal economia do possível, do precário, acabou mais ou menos sendo 
assimilada pela estética do cinema novo. A estética da fome. Que era muito o 
fazer do jeito que desse para fazer. O Nelson Pereira foi fazer Vidas Secas mais 
ou menos nos mesmos princípios. Eu conversei muito com o Luiz Carlos 
Barreto e ele disse: “Ah, mas aí estoura os planos”. Eu disse: “Mas eu não 
estourei não. Mas, se quiser, estoura que vai ficar muito bom”. Eu virei uma 
espécie assim de... 
O Barreto se aconselhou com você para o Vidas Secas? 
Se aconselhou. Mas o Barreto nega isso se você falar isso com ele 
hoje. Vai dizer: “O quê? Eu conversei com o Mário lá no bar uma bobagem 
qualquer. Depois fui lá e disse pro Rosa9 tudo como ele tinha que fazer. A luz 
do Cinema Novo vem de Vidas Secas. Fui eu que fiz!” Eu sei muito bem como 
são as coisas... 
Vocês tinham visto filmes do neo-realismo também? 
Filme neo-realista eu vi lá na Europa, na época. Mas eu não sentia 
grande atração pela fotografia neo-realista. O Hélio Silva, por exemplo, que 
fazia os filmes do Nelson, se baseava muito na fotografia do neo-realismo. O 
Hélio sempre gostou muito desses meus primeiros filmes. Não só o Hélio, eu 
estive lá com o Michel Brault, que fazia os filmes com o Jean Rouch, 
encontrei com ele lá em Moscou, eu estava lá junto com o Joaquim Pedro, a 
gente levou o Garrincha e acabou até esquecendo o Garrincha, que ficou no 
Rio. Foi um bode essa viagem para a URSS. Terrível... Mas o fato é que aí eu 
conheci o Michel Brault e ele estava falando dos filmes brasileiros e disse: 
“Tem um filme brasileiro que eu adorei. Um tal de Porto das Caixas. Aí eu 
 
complementar do filme. 
9 José Rosa. Sobrinho de Edgar Brazil. Câmera e diretor de fotografia. Dividiu com 
Luiz Carlos Barreto a fotografia de Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963). 
 21
disse: “Eu fiz a fotografia”. Ele disse: “Meus parabéns! Adorei aquela 
fotografia”. Aí eu até saí com o Michel Brault para ver o último filme do Jean 
Rouch, La Chasse au Lion, morria o cara no meio. Parava o filme. Enfim Porto 
das Caixas marcou, assim como Arraial do Cabo marcou também um lado 
documental mais elaborado. Todo mundo comentou: “Mas, é um filme muito 
formal. Mário Carneiro é um formalista. Ele resolve tudo no enquadramento, 
no olho. Porque tem um olho de gravador, de pintor... Mas isso não é cinema, 
não é uma solução cinematográfica, isso é uma solução estética que vem de 
outras artes e se aplica ao cinema”. 
Quem tinha esse argumento? 
Ah, esse argumento? Por exemplo, houve um grande debate sobre 
Arraial do Cabo, do nosso amigo francês, Jean-Claude Bernardet10. Atacou 
violentamente. Disse que era um filme contra o desenvolvimento das 
indústrias. Em Arraial do Cabo os moradores não gostavam era de uma 
fábrica de álcool que fora mal localizada, e quase acabou com a pesca. Disse 
também que o filme era formalista: “Mas o Mário pega aquela câmera e nem 
olha, vai fazendo assim... É porque ele tem um olho muito bem educado nas 
artes plásticas, e a coisa já sai assim de uma certa maneira formalizada porque 
é a maneira dele ver. E é uma maneira que ele limpa o quadro. Tem tanta 
coisa pra ser mostrada e ele mostra exatamente, precisamente”. Agora, isso 
não quer dizer que se interrompe o filme para requintar um enquadramento. 
Isso nunca existiu. Foi sempre aqui, ali e acolá. Então, eu disse assim: “Olha, 
isso aí deve ser possivelmente um defeito meu”. Mas é uma grande qualidade, 
porque eu acho que todo fotógrafo tem que ter uma boa formação visual do 
que veio antes e do que veio depois. Porque a fotografia tem muito a ver com 
a gramática visual. Se você não sabe as leis da composição, não é só da pintura 
não, do próprio quadro de cinema, do movimento. Quem vem antes, quem 
 22
vem depois, quem aparece. Essa compartimentação dos atores dentro do 
quadro, isso fica assim muito qualquer coisa. Eu errei muito nos meus 
primeiros filmes. Eram completamente alucinantes, errantes. E antes de 
começar a entender que a câmera deve ficar parada, ou pelo menos com o 
mínimo de movimento possível para não ficar uma coisa muito louca. Pois há 
uma tendência para você se “embarrocar” de cara. Então esse negócio pelo 
menos, eu rapidamente fui aprendendo e acho que isso aí me ajudou muito na 
minha formação. Embora, eu admito que haja outras pessoas que não 
precisam disso, que podem ter isso naturalmente, ou não precisam passar por 
todo esse vai-e-vem de arquitetura, de pintura e não sei mais o que. Mas eu 
acho que é muito interessante se houver um curso básico para uma formação 
visual das artes anteriores ao cinema, porque isso ajuda muito e tudo que 
ajuda é muito bom. 
Mas esse teu lado de artista, de pintor, você teve que brigar muito para impor 
aos filmes, você encontrou muita resistência? 
Olha, por um lado as pessoas ficavam um pouco temerosas. Joaquim 
Pedro, por exemplo, quando a gente fez O Padre e a Moça, estava muito 
interessado na direção de atores. E não sei porque, ele já tinha feito uma 
experiência antes com os irmãos Santos Pereira, Revolução em Vila Rica11, um 
pouco estranha. Mas Joaquim tinha ainda um pouco essa mitologia do cinema 
de estúdio, do rosto do ator iluminado, então quando eu usava aquelas 
silhuetas e achava que o clima geral do filme dava margem: o Mário Lago 
conversando em contra-luz com a Helena Ignês, ele ficava meio assim: “Mas 
escuta; eu quero ver a cara, porque eu estudei tanto esse olhar”. “Você vai ver 
o olhar, vai estar aqui, só que você vai ver esse olhar como um olhar de gato à 
noite.Você vai sentir esse olhar”. Então, sempre houve uma certa dificuldade 
 
10 Na realidade, o crítico e roterista é Belga. 
11 O título correto é Rebelião em Vila Rica (1958). [Guinefort] 
 23
entre essa visão, vamos chamar assim, pictórica, que achava que essa 
organização do quadro era superior a uma visão dividida do close, da 
aproximação, com muita luz de rosto e essa coisa toda. Eu preferia pensar 
assim; o clima é esse, a luz é essa, vamos manter. Senão essa seqüência vai 
ficar nesse meio-tom de luz... As vezes a gente precisava discutir. Eu me 
lembro de uma seqüência que Joaquim marcou em que Helena Ignês estava 
com o Mário lá na cama e falava com ele não sei o quê e depois dizia assim: 
“Tenho uma surpresa para você”. Então ela se levantava e ia até um baú, um 
daqueles baús antigos, abria o baú e de dentro saía um vestido de noiva. 
Quando ela se levantava, ficava uma luz lindíssima. Eu aí vi o ensaio. 
Lindíssimo! Mas ele disse: “Mas eu não quero que a camera vá pra ela... tem 
que ficar no rosto do Mário Lago”. “Mas Joaquim!?! Não, não, depois a gente 
faz uma cobertura, e não sei o que mais”. Eu comecei a fazer o plano, mas fui 
me encantando com a figura da Helena se movendo. Daqui a pouco cadê o 
Mário Lago? Eu larguei o Mário Lago e vinha com a Helena no quadro. Ela 
levantou o vestido e tal. E aí ficou todo mundo assim comentando: “Pô! Você 
errou o plano! Vamos refazer”. Então falei: “Joaquim, vem cá dar uma 
olhadinha. Fica aqui. Segura a câmera e faz o movimento pra ver se você tem 
coragem de cortar esse plano. Eu não consegui”. E não foi por uma “rebeldia” 
não. Foi porque a coisa era tão forte plasticamente que não me deixava 
interromper. Aí Joaquim viu e disse: “É verdade... Olha, não vou nem fazer 
essa cobertura pois não vai dar para usar”. Assim, muita coisa foi sendo feita 
na medida em que eu mostrava um enquadramento e então era aprovado por 
uma questão de sensibilidade. O Joaquim tinha muita sensibilidade visual. Ele 
sabia o que era bom em matéria de cinema. E se aparecia um achado, ele não 
discutia. Embora tenha levado vinte cinco anos para achar que a fotografia de 
O Padre e a Moça era boa... 
Não acredito! Mas te disse? 
 24
Na época, ele disse: “Você fez uma fotografia que não tinha nada a ver 
com o que eu queria”. Aí passou-se um tempo, a gente desistiu de fazer outros 
filmes juntos e então, vinte e cinco anos depois, teve aquele festival de 
Roterdã. Levaram O Padre e a Moça e foi um sucesso extraordinário. As 
pessoas aplaudiam durante a projeção. E aí Joaquim foi se dando conta de que 
aquela fotografia era muito forte. Então aí ele foi lá em casa. Chegou de noite, 
bateu na porta com uma garrafinha de vodca debaixo do braço. “Vamos 
tomar uma vodca. Meus parabéns! É uma bela fotografia a que você fez pro 
Padre e a Moça. E eu: “Joaquim, você levou vinte e cinco anos pra me dizer 
isso?!? “Você me desculpa, mas só agora é que me dei conta”. Achei isso tão 
genial. Pô, isso ai é fantástico! Realmente. Ele escreveu isso, ele descreve isso. 
Devo ter por aí numa introduçãozinha. 
Você acha que é sua melhor fotografia em preto e branco? 
Não sei se é a melhor. Acho que Porto das Caixas tem momentos que 
são extraordinários. Mas, não sei. Capitú, já é uma fotografia muito mais 
elaborada. Uma fotografia que o Ricardo Aronovich foi lá em casa pra dizer 
que era uma das melhores fotografias que ele já tinha visto em preto e branco. 
Ficou abraçado comigo e eu fiquei muito emocionado. Ricardo, você sabe, 
não é de fazer muito rapapé não. Ele é muito seco. Ele é muito amistoso mas 
ele guarda uma distância razoável. De maneira que eu fiquei um pouco 
contaminado por essa solidariedade que as pessoas demonstravam com 
relação aos filmes, e perdi um pouco o meu espírito crítico. Hoje eu não sei. 
Eu gosto deles todos assim com um certo afastamento, eu acho que cada um 
tem seus defeitos e suas qualidades. Acho que aquele conjunto valeu por um 
período em o cinema tinha esse poder encantatório da redescoberta do Brasil. 
A gente estava retomando essas raízes brasileiras, que já existiam desde 
Humberto Mauro, mas que estavam muito abandonadas do ponto de vista 
cinematográfico. Sobretudo essas intenções estéticas estavam muito presentes 
 25
na minha fotografia. 
Capitú foi um filme em que, você lembra, eu freqüentava as filmagens.. Eu 
lembro de ficar olhando você trabalhando a luz e quando eu olho teus filmes eu 
percebo claramente como você foi dominando os instrumentos, digamos assim. Como a 
visão do pintor foi sendo depurada. Quer dizer, vem vindo e vai dominando. 
O que eu sempre acho curioso na história da nossa fotografia é que 
em toda a história da Vera Cruz, por exemplo, a coisa considerada acadêmica, 
que deu Rabatoni, Chick Fowle, etc, também dominavam esses mesmos 
instrumentos. Então, eu acho que de alguma maneira houve uma 
convergência. 
Eu acho que esse negócio todo de eu ter sido um auto-didata, isso foi 
útil nos primeiros momentos, porque eu não sentia a falta de match 
(continuidade fotográfica entre os diversos planos de uma mesma sequência). 
Eu não sabia o que significava o match. 
RICARDO ARONOVICH 
Depois chegou o Ricardo Aronovich aqui. Na minha opinião, ele foi 
uma das presenças mais importantes aqui no Brasil. Ele e o Arne Sucksdorf 
eram duas presenças muito marcantes para o nosso aprimoramento 
tecnológico. Colocaram exigências a nível de laboratório. A revelação com 
gamma fixa. Uma série de coisas que eles deram e a gente foi ganhando. Eu, 
por não ter feito escola de cinema, essas coisas vinham caindo do céu. Cada 
informação nova para mim chovia na minha horta, e eu transformava 
imediatamente numa coisa útil para mim. Eu nunca fui contra nenhuma 
dessas coisas. Eu pegava a lista do Aronovich e mostrava: “Olha aqui. Olha o 
que ele pede para fazer um filme. Está vendo?” Eu fiz a cenografia de O 
 26
Homem que Comprou o Mundo12 mais para poder trabalhar com o Ricardo. Pra 
ver como é que ele trabalhava. Mas não fiquei com ele muito tempo não. 
Fiquei só quinze dias, e estava sempre fazendo outra cenografia em outro 
lugar longe da filmagem. Então eu só vi umas quatro ou cinco vezes o Ricardo 
trabalhando. Mas vi ele usando, naquela época, “lã de vidro” como difusor, 
refletores em externas. Umas coisas que eu já sabia que se usava, mas que ele 
usando era diferente, pois eu via porque que ele estava usando. Como ele 
fotometrava, que critérios tinha para expor o negativo, porque usava aquele 
diafragma e não um outro. 
Essa presença do Ricardo aqui foi da maior importância porque, em 
primeiro lugar, ele fez uma escola de cinema. Os argentinos tinham de fato 
uma escola muito séria que dava uma formação técnica muito boa. Por outro 
lado, eu tinha uma formação que ele não tinha. Especificamente desenvolvida 
quando eu fazia gravura. Me lembro que a mulher dele, a Helena, dizia assim: 
“Vê se ensina gravura pro Ricardo, que ele tem uma mão meio canhestra. Ele 
é uma pessoa um pouco disléxica”. “Mas como? Ele faz câmeras tão 
maravilhosas”. “Ah, mas isso é só um lado. Se ele puder fazer gravura fará 
muito bem a ele”. Ele olhou as gravuras (eu até dei uma gravura minha para 
ele), mas ele não quis fazer não. Então ficava sempre aquele negócio da alta 
tecnologia que o Ricardo representava, e eu representando uma estética, 
vamos dizer, pictórica. Crescendo dentro dessa tecnologia que eu ia 
aprendendo com ele. Ele gostou muito também do Porto das Caixas. Aí depois 
ele me viu fazendo (eu acho até que você estava lá com o Eduardo e o Jabor) 
um carrinhodentro do Mosteiro de São Bento. Aí eu estava fazendo aquele 
carrinho mas não tinha nenhum assistente. Eu mesmo fazia o foco. Ele disse: 
“Ah, agora eu estou entendendo why your films are always slightly blur13”. (risos) Se 
você mesmo faz o foco, nunca vai sair perfeito... Eu respondi: “É que não dá 
 
12 Filme dirigido em 1968, por Eduardo Coutinho. 
13 “...porque os seus filmes são sempre um pouco borrados”. [Guinefort] 
 27
nem pra ter duas pessoas aqui em cima”. Mas ele tinha razão. 
Mas muitos filmes foram feitos assim. Era um talento, na época, você fazer seu 
próprio foco. 
Dib fazia isso com a maior tranqüilidade. De trás pra frente, de frente 
pra trás sem nenhum problema. 
Você nunca filmou com o Dib como câmera, não é? 
No ano passado, fizemos um documentário no qual eu fiz a luz e o 
Dib a câmera. 
Um primeiro encontro? 
Não, a gente já tinha feito também o do Domingos de Oliveira. O Edu 
Coração de Ouro. Foi metade o Dib, metade eu. Mas é impressionante. Você 
nunca sabe o que é de um e o que é do outro. Ficou com uma unidade incrível 
o filme. Eu olhei como é que ele tinha feito, a gente conversava. Porque o Dib 
foi sempre assim pouco pretensioso e com o jogo muito aberto. Se ele queria 
perguntar alguma coisa, perguntava. Não tinha aquela coisa barretiana de estar 
sempre escondendo uma cartinha... Depois ele vai ler isso aqui e vai querer me 
matar... 
A gente não mostra pra ele. 
Mas a verdade é que tem algumas pessoas que tem mais ambição e 
outras menos. São mais... Enfim, você pode conversar qualquer coisa sem que 
a pessoa se ofenda, ou ache que você está... Esse caso especifico do Barreto 
eu vou esclarecer logo. O Barreto era um excelente fotógrafo da revista O 
Cruzeiro, mas ele não tinha experiência de câmera de cinema. Quando a gente 
foi fazer Garrincha, Alegria do Povo, Joaquim resolveu botar ele para fazer uma 
das câmeras. “Olha Barreto, é muito simples pra quem faz fotografia. Você vai 
 28
subir na marquise, se apoiar, e só fazer câmera. Ela vai ficar fixa”. Aí ele 
começou a fazer câmera. Com o Zé Medeiros foi a mesma coisa. Eu estava 
numa praia fazendo um filme do Fernando Cony Campos14. O Zé Medeiros 
começou a dar uma peruada na câmera e eu disse: “Zé, entra aqui e faz. Você 
vai ver que não tem nenhum problema maior”. Ele ficou encantado, ficou 
mexendo de um lado para o outro também. Quer dizer, eram pessoas que já 
eram grandes fotógrafos, mas não tinham experiência de cinema. De modo 
que foi só um empurrãozinho... Não fui professor do Barreto nem do Zé 
Medeiros. Eles teriam saído sozinhos fazendo aquilo. Mas o fato é que existia 
essa coisa de bater um papinho comigo porque achavam que alguma 
experiência eu já tinha. Então, sempre era útil. E aí quando chegou o Ricardo 
Aronovich foi realmente muito importante, sobretudo para a relação do 
fotógrafo com a produção. Não é? O nível da exigência da sua lista de 
material de iluminação. “Por que agora vocês todos estão com mania de rico? 
Todo o mundo virou Ricardo Aronovich aqui?” Como se só o Ricardo tivesse 
direito a fazer boa fotografia, porque tinha direito a arco e não sei o que mais. 
Bom, isso até hoje a gente escuta. 
Esse papo não mudou. Esse papo continua o mesmo. “Pô, mas não 
dá para você fazer com um pouquinho menos? Tem três... dois mil... Aquela 
ranhetice com o aluguel do material. Enfim, aí o Tony Rabatoni, aliás eu 
gostava muito daquele filme que ele fez, acho que era do Roberto Farias, 
aquele em que o Reginaldo apareceu. Depois me disseram que era do Roberto 
Farias, mas não era não15. Depois ele fez o filme do Ruy Guerra também, Os 
Cafajestes. 
 
14 Provavelmente Morte em Três Tempos, de 1964. 
15 O filme em questão é Selva Trágica (1964), de Roberto Farias. A fotografia 
entretanto não é do Tony Rabatoni, mas sim do José Rosa.* 
*É provável que se trate, na verdade, do filme Cidade Ameaçada, de 1960 – já que 
Mário Carneiro menciona um filme anterior a Os Cafajestes, que é de 1962. 
[Guinefort] 
 29
E fez Barravento, também. 
É. Em Barravento a gente sente exatamente a diferença que tem entre 
uma pessoa que tem uma formação mais clássica de fotografia de cinema. O 
uso de rebatedores, o contraste reduzido entre luz e sombra. O uso de óleo na 
pele dos negros pra dar brilho umas coisas assim que ficam muito artificiais 
hoje em dia quando você vê. Dá uma impressão de que você está vendo teatro 
amador. Tem um lado que ficou muito mais amadorístico do que os 
amadores. 
O que eu acho engraçado é que as novas gerações estão incorporando todas 
as coisas de novo. Estão fazendo uma volta. 
Está voltando tudo de novo. Eles adoram as coisas brilhantes. Eu 
acho que isso aí faz parte um pouco também dessa vontade de utilizar todos 
os recursos existentes. E de você lutar contra a maneira de ver anterior: se era 
assim, vamos fazer assado. Então, é uma certa reação contra o que se fazia. 
Mas o Cinema Novo tinha isso um pouco também. 
É, mas não com relação aos filmes do Humberto Mauro, por 
exemplo, que tinham uma fotografia muito simples, muito eficiente. Mesmo 
os fotografados pelo Edgar Brazil. Zequinha Mauro sempre foi um fotógrafo 
muito simples, muito eficiente também. 
O Zequinha Mauro está vivo ainda? 
Está. Outro dia mesmo eu estive lá no escritório dele. Ele mantém 
aquele escritório, vai lá de vez em quando. 
Eu encontrava com ele lá na Embrafilme, na Fundação. 
Ele ainda vai lá sempre. Tem até um rapaz que está fazendo um filme 
sobre ele. Zequinha é uma figura muito importante nesse período dessa 
 30
transição. Porque o Zequinha fez os últimos filmes do Mauro. Fez muitos 
filmes para o INC16. Então, ele é um pouco o elo perdido entre a velha 
geração que passou pelos estúdios mas não ficou muito marcada. 
O filme colorido 
Deixa eu fazer uma pergunta pra provocar você: Qual foi a mudança para o 
pintor Mário Carneiro com a chegada do filme colorido? 
Eu comecei a usar a cor em 1953. Filmei a cores no Boneca. E pelo fato 
de já fazer pintura, a cor esteve sempre muito presente na minha vida. Desde 
os dezesseis anos que eu pintava uns quadrinhos aí. Já expunha no Salão de 
Arte Moderna, e era muito ligado à cor. Ia com o Iberê Camargo, em 48, olhar 
os museus, essa coisa toda. Eu sempre tive mais familiaridade com a cor do 
que a maioria das pessoas da minha geração. Mas quando eu peguei para fazer 
filmes em cor, evidentemente que a minha cultura cinematográfica maior 
ainda era em preto e branco. Eu achava a cor um pouco ostensiva demais no 
cinema. Um hiper-realismo desagradável. Um excesso de informações visuais. 
O Joaquim achava muita graça e dizia assim: “Será que eles não conhecem a 
lei fundamental de que quanto maior for o contraste de valor menor deve ser 
o contraste de cor? Isso é uma lei que qualquer pintor usa”. Você vê Matisse 
que é uma pintura no plano, não tem luz e sombra, aí as cores são todas 
chapadas. Você pode usar verde puro, muito cinza sempre no meio e aquilo 
ali segura porque não tem essa linguagem do branco e preto como Rembrandt 
usou, que é uma coisa mais de iluminação. As cores vão caindo e aí vai 
tendendo a ser quase uma coisa monocromática, com acentos de azul, de frios 
e quentes, mas tudo assim rebaixado. É muito difícil você pegar um pintor 
como El Greco que usa cores elevadas e contraste de valor. Mas isso é uma 
 
16 Instituto Nacional do Cinema. Orgão federal criado em 1956 e subordinado ao 
 31
pintura mística. A luz sai de dentro. Não é uma pintura iluminada, é uma 
pintura iluminante, digamos assim. E eu andei olhando muitoestes pintores 
místicos. Vermeer, por exemplo, é um dos maiores iluminadores de todos os 
tempos. Mas no Vermeer a gente pensa que aquela luz é inventada. Não... o 
Vermeer desenhava exatamente o que ele via. A luz é uma maravilha, e ele já 
fazia uma pintura pré-impressionista. Então a gente tem que tomar muito 
cuidado com as cores. Ele conhecia essa lei fundamental, então quando ele 
abre a janela e entra aquela luz, tem uma lógica. O vestido está perfeitamente 
tonado. Enfim, era tudo mais ou menos organizado para não haver essa briga 
de contraste de cor e de contraste de valor dentro da imagem, que é o que 
provoca esse mal estar na maioria dos filmes americanos. Aqueles primeiros 
filmes americanos que usavam mais uma tecnologia do que uma técnica de já 
fotografar usando a cor. Agora isso mudou. Agora são primorosos. Mas ainda 
com uma tendência à direção de arte virar uma espécie de “recriação 
histórica”. Usar roupas ou então imitar pinturas não é. Pinturas em 
movimento. Não é bem por aí... 
Eu diria que o uso da cor ainda não foi muito bem desenvolvido no 
cinema. Tem muita coisa bastante interessante para se fazer ainda se a pessoa 
realmente ficar pensando em termos de cor dentro do cinema. Evidentemente 
eu nunca tive essa oportunidade. Eu fiz A Casa Assassinada17, que acho que 
ficou bom. A gente limitou muito também os campos. Era quase só o interior 
de casa. Tinha o Ferdy Carneiro, que era pintor também e foi um bom diretor 
de arte. E a gente evitou pelo menos cair nesses “abismos”. Não cair nessas 
bobagens do excesso. Depois o excesso aparece. Aparece a Carmem Miranda 
e eles falam que é “proposital”. Que queriam fazer uma “blague”. Uma espécie 
de piada visual sobre o nosso mau gosto. Então você usa os dois contrastes. 
Bota ela com um vestido verde, uma coisa vermelha, um turbante amarelo e 
 
Ministério da Educação e Cultura. 
 32
faz o kitsch, e aí bota um contraste violento de luz, e pronto: você tem uma 
estética kitsch. Inclusive o Almodóvar usava isso nos primeiros filmes dele. Eu 
não vi o último ainda, Carne Tremula18. Preciso ver... Mas enfim, eu acho que a 
cor dentro do cinema tem um campo todo a ser explorado. Mas eu nunca tive 
medo não. 
 
Mas então a sua transição do preto e branco para o colorido foi tranqüila? 
Foi, porque praticamente eu já estava fazendo isso antes. Então, não 
me assustei não. Eu era muito capaz de dizer: “Escuta, isso aqui não vai dar 
certo, por isso assim, assado”. Mas eu sabia porque eu estava dizendo aquilo. 
Eu agia mais como um diretor de arte antes de começar a fazer a fotografia. 
Eu tinha que fazer esse controle para poder dar, pra não sair uma “coisa”. 
Até hoje a gente tem que fazer... 
 
17 Adaptação do romance homônimo de Lúcio Cardoso, dirigida em 1970 por Paulo 
César Saraceni. 
18 1998. Fotografia de Affonso Beato. 
 33
É, tem que fazer porque senão o sujeito fica sem cabeça, a roupa 
some no fundo, acontece o diabo. Vão acontecer milhares de coisas, e até o 
último momento você tem que estar de olho. Agora realmente eu acho que 
ainda está um pouco aquém a utilização que o cinema pode fazer com o uso 
da cor. Eu conversei muito isso com o Glauber lá na França, da última vez 
que encontrei com ele. A gente parou em frente de um desses cartazes de 
cinemão, era uma mulher falando com um homem, um meio debruçado sobre 
o outro. O Glauber olhou aquilo e disse: “Vê se pode isso ainda ser o cinema 
de hoje. Uma imagem dessa. Mário Carneiro, está na hora de você fazer um 
filme usando a sua experiência de artista, de pintor. Tem que desvincular esse 
negócio, tem que partir para uma outra jogada”. E, de fato, quando ele fez o 
último filme dele A Idade da Terra, ele me chamou para fazer o filme. Aí 
Pedrinho19 estava lá em casa, eu estava lançando Gordos e Magros, na época, 
então não podia aceitar e sugeri: “Está aqui o Pedrinho, que é muito bom 
nesse negócio de filtro”. Ele ficou muito impressionado porque eu tirei o 
filtro para fazer o Di Cavalcanti. Não tinha luz nenhuma. Eu disse: “Vai ficar 
meio roxo, mas eu vou tirar, vai ficar ótimo. Vou fazer sem o 85”. Eu usei só 
uma lente 28, bem aberto. Ele disse: “Pô! Do cacete!” Aquelas coisas do 
Glauber, não é... Então ele me dizia isso: “Você tem que criar um outro tipo 
de imagem”. Agora, quando eu vejo a computação... A computação te dá 
praticamente uma paleta completa para você fazer o que você quiser da 
imagem. O problema do cinema é que ele é todo ainda movido por um 
realismo literário. Ele é tirado de livros, é tirado de histórias. O que rege o 
cinema é a história. A história tem que ser bem contada, ter começo meio e 
fim. Mas essa noção estética propriamente, que vem da cor, do uso da cor, é 
uma coisa que o mundo de hoje está um pouco afastado. Se usa muito em 
comercial de uma maneira assim um pouco primária. Para chamar a atenção. 
 
19 Pedro de Moraes. Diretor de Fotografia carioca. Fotografou Gordos e Magros, 
dirigido por Mário em 1976, e também Os inconfidentes (1972) e Guerra conjugal 
 34
Mas não para uma coisa requintada. Existem alguns cineastas – por exemplo, 
aquele russo Tarkovski. É um excelente colorista nos seus filmes. Faz filmes 
muito belos do ponto de vista estético. Embora a Rússia tenha toda aquela 
tradição neo-realista terrível. Mas ele sabia das coisas. Outro, o que fez aquela 
trilogia, o Kieslovski. Eu gosto daqueles filmes dele. 
São três fotógrafos diferentes. Cada um é um fotógrafo. 
É, eu gosto muito também das coisas que o Nykvist... O uso de cor do 
Bergman. Geralmente são pessoas que trabalham com contraste baixo, daí 
eles terem um bom resultado de cor. Porque o sol mais baixo no horizonte já 
te permite um uso de cor mais abrangente sem você ficar muito preocupado. 
Aqui, por exemplo, você sai no sol brasileiro, você está com 8 diafragmas 
entre a luz e a sombra! É um inferno. E isso não vai mudar, nosso clima é 
esse20. Se quiser amansar isso, fazer fotografia tipo Almendros. Final de tarde. 
Duas horas de tarde, duas horas de manhã... No meio do dia faz uns 
planinhos de interior. Acaba ficando uma coisa cansativa, porque parece que 
só há duas iluminações aqui na terra: Quando o sol nasce e quando o sol se 
põe. Eu gosto de também ousar. Luzes bem violentas. Quando eu fiz A 
Batalha dos Guararapes dava aquela sombra negra mesmo. E você tem que 
assumir a sombra negra, porque a razão da derrota dos holandeses foi a roupa 
inadequada. Um absurdo. No verão de Pernambuco eles usando roupa de 
flanela com um chapelão e armadura. Depois, no filme, não tinha outra opção, 
porque não tínhamos luz bastante para compensar e eles se moviam o tempo 
todo. Depois, as marcações do Paulo Thiago... Acontecia que com a fumaça 
muito forte, de repente você via dois portugueses brigando. “Cadê os 
Holandeses? Os holandeses foram pra lá...” Não era fácil. Aconteciam coisas 
do arco da velha... Mas isso não tem nada a ver com a cor. A cor é um assunto 
 
(1973), ambos de Joaquim Pedro de Andrade. 
 35
que ainda precisa ser aprofundado. 
Eu acho que a luz brasileira, ela tem esse alto contraste evidentemente. 
O Chico Bóia, quando fez aquela novela Pantanal na Rede Manchete21, foi a 
primeira vez que deram liberdade para um diretor de fotografiadizer aonde 
ele queria que fosse filmado o plano. O plano era sempre o mesmo: as 
mulheres vão cair n'água nuas. Então olha; o sol vai se pôr ali. Você bota a 
câmera aqui e vai dar um contra-luz ali. As duas estão muito bonitinhas, a 
gente primeiro filma aqui, depois filma debaixo dágua... Sempre a mesma 
coisa. Mas essa luz deu um efeito assim de Brasil. Então, para o pessoal que vê 
novela da Globo, tem toda aquela cenografia, a luz fica muito “estúdio” 
demais. Depois eles vão para o exterior e não ousam. Há sempre uma grande 
preponderância de qualquer coisa, menos da imagem. Tudo é superior à 
imagem. Lá na Globo o som é superior à imagem. Se o som quiser botar 
boom na frente da sua luz você é obrigado a tirar a luz. Você está fazendo 
sombra no rosto do ator. Eu dei dois pontapés no cara do som e mudei logo a 
lei. “Agora a lei mudou! Pô! Seu Mário é maluco! É. Sou maluco, mas não vai 
botar essa vara em cima da minha luz não, porque entra no pé!”. Não é 
possível: com tanto lugar pra botar essa vara. Bota por baixo. Se vira. Não é 
assim não... Mas essas hierarquias, essas coisas atrasam a vida também. Você 
sente que a televisão veio do rádio. Não deixou de ser um instrumento 
auditivo. A imagem entra como uma ilustração mais ou menos elaborada. Mas 
o que comanda tudo é a grande gritaria da briga pelo poder entre dois mau 
caráter terríveis. Hoje não sai disso. Então o destino está muito ingrato para 
quem faz novela, porque realmente o campo de ação é muito pequeno. 
 
20 Mário Carneiro se enganava... Nosso clima está mudando, não necessariamente 
para melhor. [Guinefort] 
21 1990. [Guinefort] 
 36
Fotografando dentro da realidade de produção do cinema brasileiro 
Mas Mário, você acha que você abriu mão de muitas coisas nos filmes, coisas 
que você queria ter feito e não fez? A produção te atrapalhou muito? Porque eu li uma 
coisa do Joaquim, em algum lugar, dizendo que você tinha uma consciência muito 
grande da importância dos filmes e que você de bom grado abria mão e isso teria te 
prejudicado em alguns momentos. 
Não, Eu fiz filmes as vezes com recursos abaixo do mínimo 
indispensável. Houve filmes em que no último plano não havia mais luz. 
Tinha só uma cruzeta de luz. Aí o diretor chorava. Eu não vou dizer quem 
era, mas todo mundo sabe, foi o Domingos de Oliveira em Todas as Mulheres do 
Mundo. “Pô! Eu tenho que filmar isso. Então vamos fingir que é uma festa de 
aniversário, a gente acende o bolo e essa cruzeta vai entrar na mão de alguém 
pra tirar fotografias e eu vou filmando atrás, porque é a única maneira de se 
fazer isso”. Aí o Eli Azeredo, que vivia se catando para falar mal, disse que eu 
não tinha me dado conta da importância do filme do Domingos de Oliveira, 
que tinha maltratado a imagem. Que o último plano tinha sido feito de uma 
maneira descuidada. 
Ah! Teve disso no jornal é? 
Teve. Evidentemente com relação a alguns filmes eu dizia: “Bom, esse 
filme não vai poder ter uma qualidade assim... Mas, se é muito importante 
você fazer, vamos fazer assim. Não vai ganhar prêmio nenhum. Vai ficar aí, 
mas você tem alguma coisa para mostrar. Para tentar melhorar no próximo”. 
Eu cheguei a fazer alguns filmes que me desagradaram fazer. Mas eu achava 
mais desagradável dizer não do que sofrer uns arranhões na minha, sei lá... na 
minha trajetória, digamos assim. Depois, eu acho que sempre existe uma 
maneira de você botar aquele plano com um enquadramento que você evite 
80% dos defeitos e fica uma coisa razoável. Não vai ficar uma maravilha, mas 
fica razoável. Então, baseado um pouco nessa mania de grandeza, que talvez 
 37
eu tenha, um excesso de auto-confiança ou qualquer coisa assim, eu cometi 
erros graves. Alguns que eu dizia assim: “Pô, como é que deixei passar isso 
aí?” Mas é assim. Se não, não tinha filme. Depois, quando você começa, você 
dá um dedo e o cara pega a mão. Esse é que é o problema grave quando você 
decide afrouxar um pouco. Se profissionalmente você abriu uma brecha, essa 
brecha vira um rombo. E as pessoas não têm respeito. O mesmo respeito que 
você está tendo com ele, não tem reciprocidade. Então eles preferem te 
derrubar e irem os dois a pique. Depois que eu aprendi isso eu nunca mais 
deixei passar não. Isso durou um periodozinho da minha vida em que houve 
um cansaço natural do cinema novo com relação a mim. Eles passaram a 
chamar outros fotógrafos, para mudar um pouco o olhar inclusive, o que é 
uma coisa perfeitamente razoável. E eu passei também a fazer filmes menos 
interessantes, com pessoas menos dotadas para fazer cinema, mas que tinham 
seus filmes para fazer. Eu precisava ganhar a minha vida, e vamos lá. E aí o 
respeito e a educação não eram os mesmos. E não tinham cultura também, 
para estar julgando o erro que estavam cometendo. Isso existe quando você 
tem algum critério. Não é? Se você não tem critério nenhum, tanto faz. Às 
vezes você afunda... 
E O Viajante? Como é que foi O Viajante? Eu não vi o filme. Foi legal? De 
Porto das Caixas ao Viajante, é uma trilogia, não é? 
É uma trilogia: Porto das Caixas, A Casa Assassinada e O Viajante. Não 
sei se chega a ser uma trilogia porque cada filme foi feito com diferença de 
dez anos, com relação ao outro. Quer dizer: O Porto das Caixas foi feito em 62, 
A Casa Assassinada foi em 70, oito anos depois, e esse agora, vinte anos22. 
Então, muita coisa mudou. Mas o Lúcio Cardoso continua o mesmo. O Lúcio 
Cardoso que é uma maneira de ser hiper-dramatizada, e uma poesia um pouco 
desvairada, um pouco operística. São sempre figuras muito fora de um 
 38
realismo. Eu acho que nesse filme a Marília Pera está muito bem. Tem coisas 
que eu acho menos boas. Mas aí Paulo César é uma pessoa que tem um 
grande talento para mover, para fazer movimento. Não é? E ao mesmo tempo 
ele falha em algumas bobagens, porque ele tem uma generosidade talvez 
excessiva. Quer botar um amigo, quer botar não sei o quê. Então ele presta 
umas homenagens. E as vezes isso diminui o filme sem você perceber. E 
depois perde a importância. Alguma pergunta mais? 
A luz brasileira 
Eu fiquei animado com a coisa da luz brasileira. A gente estava falando de cor 
antes também. 
Vamos tentar desenvolver um pouco mais. Porque a luz e a cor 
brasileira elas têm uma especificidade brasileira. Elas têm um alto-contraste de 
cor. Porque geralmente a paisagem brasileira tem cor de barro avermelhado e 
as árvores verdes. Então, é um contraste de cor de duas primárias, vermelha e 
verde. Isso, somado a esse contraste de valor que vai até oito diafragmas, cria 
assim momentos em que fica muito difícil você domar um pouco essa 
imagem. Então você tem que assumir um pouco essa imagem. Como é que 
você assume essa imagem? Alguns pintores brasileiros – por exemplo, o 
grande paisagista brasileiro, que foi muito tempo diretor da Escola de Belas 
Artes. Esqueci o nome dele23. Ele não foge da raia. Tem aquelas paisagens de 
Petrópolis. Mas ele sempre procurou lugares onde a luz era mais amena. 
Petrópolis, Correias. E procurou também iluminações matinais, ou então 
entardeceres. Poucos pintores foram para a luz violentíssima como o Pancetti. 
Pancetti ia para a praia do Arraial do Cabo pintar. Mas a luz do Pancetti já era 
 
22 Na verdade, quase 30. [Guinefort] 
23 Provavelmente o entrevistado esteja se referindo a João Batista da Costa (1865-
1926). 
 39
completamente assim chapada. Ele não tinha primeiros planos. Algumasfigurinhas aqui e ali. Então ele fazia a pintura no plano, embora com 
profundidades dadas por uns cinzas nas areias que são extraordinários, nos 
azuis do mares, e estamos conversados. Mas não há essa sensação de uma 
profundidade dada pelo volume. É uma pintura praticamente bidimensional. 
Muito pouco primeiro plano. Quando ele usa primeiros planos, são os 
quadros de quando ele estava em Campos do Jordão. Sem sol. Então ele bota 
uma árvore em primeiro plano, mas ele evita sempre essa ilusão. 
Mas essa foi sempre uma difícil de encarar, não é? Essa luz, com toda a cultura 
européia... 
Essa luz todo mundo evitou. Inclusive Manet24, quando esteve aqui 
no Brasil. Ele passou por aqui. Tentou pintar, fez algumas coisas, algumas 
aquarelas, mas dizia: “Esse é um país muito difícil de ser pintado, eu não 
consigo pegar essa luz daqui”. 
Você não acha que o preto e branco consegue reproduzir mais este tipo de luz 
do que o colorido? 
Exatamente. Porque o alto contraste sendo branco e preto o que 
acontece? Resulta muito melhor quando você dá uma prioridade ao contraste 
de luz, de valor. Então você fica com a oportunidade de ter branco e preto, e 
você deixa a cor como se fosse um complemento: as vezes mais adequado, as 
vezes menos. Mas a sua estrutura de quadro fica sendo regida pelo contraste 
de luz e sombra. É muito melhor esse resultado do que você tentar amansar 
um pouco as sombras botando rebatedor, botando arco. Acaba que você suja 
esses pretos, mas não consegue dar aquela transparência da luminosidade 
européia, que é uma luz suave. Então você suja uma coisa e não consegue 
utilizá-la direito. Ao passo que quando você enfrenta de fato: “Não, eu vou 
 40
fazer assim: Qual é o maior contraste que tem aqui? É o céu. Vou fazer a 
minha exposição pelo céu. 22, pô 32! Quem está muito no escuro? Vou jogar 
um pouquinho de luz ali, acolá e pronto”. Dá um resultado muito melhor do 
que você deixar o céu ficar branco, lavado, enfim, qualquer coisa. 
Eu lembro que tive essa discussão com você, Mário, há trinta anos atrás. E eu 
defendendo o oposto: “Pô, Mário, eu tenho que ficar com o azul do céu? Não dá para 
estourar um pouquinho?” Essa conversa foi na praia. 
Na praia de Ipanema. Não, por causa desse problema. Porque quando 
você vai fazer Vidas Secas você tem que fazer aquilo mesmo. Você tem que 
expor pelo rosto do ator e deixar o céu estourar. Porque é o sol que está 
mandando. Expondo pelo céu, você pode até clarear um pouco essa imagem. 
Ela está toda exposta. Você tem esses valores escuros, esses valores claros. 
Mas se você der uma clareadinha ela não vai ficar com aquele granulado. 
Embora pareça até, você está sub-expondo. Você está fazendo uma sub-
exposição quase que geral e só esta expondo pelo céu e pelas luzes mais altas. 
Mas agüenta melhor do que se você tentar expor pela pele. Bom, aí tem que 
ver aonde entram os atores. Porque quando tem ator, aí você tem realmente 
que “castigar” os atores. Eu me lembro, quando fui fazer o Memorial de Maria 
Moura lá na Globo, o Manga chegou lá e queria fazer um plano em que ela sai 
debaixo de um alpendre com aquele chapéu de cangaceira, e pega a luz no 
rosto. E aquilo vai indo pra um plano mais próximo dela. É um movimento 
de carrinho. Eu fiz um outro carrinho com um Maxi-Brute de 12. O carrinho 
vai indo, o Maxi-Brute vai indo... E aí o Manga foi ficando apoplético e gritava 
assim: “É o plano da minha vida! Estou sentindo ela sair. Mais um pouco. E 
eu disse: “Ô Manga, esse Maxi-Brute já deve estar queimando a Glória Pires”. 
“Deixa queimar a Glória Pires. Está lá! É o plano que eu quero! Obrigado 
Glorinha, obrigado!” Ela ficou com essas doze lâmpadas de 1000 watts a um 
 
24 Edouard Manet veio ao Brasil em 1850, embarcado como grumete. 
 41
metro do rosto dela. Ficou queimada como se tivesse pegado um sol 
firmíssimo. Eu disse: “Você me desculpe, mas com tanto detalhe fico 
enlouquecido...” 
 
Mas você tem que fazer certas maluquices mesmo, porque senão... Eu 
fiz um filme lá no Nordeste com o Marcus Moura25. A gente tinha esse 
problema terrível. Eles queriam nos interiores que pelas janelas você visse as 
praias. Todo o exterior perfeitamente exposto. Aí então eu tive que levar HMI 
de 8000 Watts para o interior. Arrebentava mesmo. O interior ficava cheio de 
luz. Você não vê. Parecia que aquilo fôra engolido pela luz de fora, de uma 
maneira que os atores ainda estão um pouco silhuetados. Com toda essa carga 
de luz terrível. Então, realisticamente é um desafio cujo limite é a própria 
sobrevivência do ator com relação à carga de luz que você usa. Porque não 
tem como você fazer. O sol é terrível. Bota aqueles buterflys gigantescos. Aí 
você amansa um pouco, mas ainda tem muita luz. 
Projetos em andamento 
E agora. Você está fazendo algum filme? O que está rolando? 
 
25 Iremos a Beirute (1998). [Guinefort] 
 42
Agora eu estou fazendo o roteiro de um vídeo sobre a Anabella 
Geiger. Depois vou para São Paulo fazer um sobre Geraldo de Barros, que é 
um pintor concretista. 
Você vai dirigir ou fotografar? 
Não, nesse eu vou fazer a fotografia. Eu vou dirigir o daqui do Rio. A 
direção é de um suíço. Michel Kur26, que é casado com a filha do Geraldo de 
Barros, Fabiana, que mora na Suíça. É um filme muito interessante. O 
Geraldo de Barros, além de pintor, também foi fotógrafo. Fotógrafo 
experimental. Já no fim da vida, ele teve um derrame e ficou meio paralisado. 
Então ele pegava tudo quanto era sobra de negativo e com uma tesourinha 
montava, fazendo imagens super interessantes. E, além disso, ele também foi 
designer, fazia móveis. E era uma pessoa assim com grande capacidade de 
organização social. Criou uma firma chamada Unilabor em que os 
empregados todos tinham interesse na empresa. Era uma pessoa assim 
socialista, tentando fazer uma indústria no Brasil. Evidentemente deu com os 
burros n'água de uma certa maneira, porque o Banco do Brasil aí corta o 
crédito. Mas é um filme bastante interessante. 
Estou fazendo também o 500 Almas do Joel Pizzini, que é complicado 
pra burro. Esse é um filme difícil, porque é com os índios Guatós no meio lá 
daquele Pantanal. A gente sai de lancha às cinco horas da manhã, pra chegar 
às sete e meia no local. O sol já está alto, porque lá é rápido. Depois, você 
passa o dia inteiro malhando mesmo, e volta lá pelas cinco, quando a luz já 
esta começando a cair. 
São rios cheios de piranhas, e agora apareceu uma piranha nova que 
tem um metro e tanto e pesa vinte e poucos quilos. Apareceu outro dia uma 
fotografia da “Maxi-piranha”. Vem do sul. Com essas inundações, ela foi 
 
26 Na verdade, Michel Favre. O filme intitulou-se Geraldo de Barros – Sobras em 
obras. [Guinefort] 
 43
chegando lá. Então, a gente já fez 26 horas desse filme. Esse material está 
muito bonito. Consegui uma coisa bonita porque usei quatro emulsões: 500, 
200, 100 e 50 ASA. Esse de 50, o Eastman 7245, é o que melhor resiste ao sol 
terrível que tem lá. Os índios vão ficando até cegos. O excesso de luz é de tal 
ordem que uma série de doenças de olhos se manifestam ali. Mas são uns 
índios incrivelmente elegantes. As mulheres têm uma beleza... Mulheres de 80 
anos. Fazem um gesto assim, puxando o cabelo... São muito femininas, 
incríveis. Têm uma capacidade de sedução tão grande que são usadas como 
iscas para atrair os índios inimigos, os Guaicurús. E as menininhas dessa tribo 
são inacreditáveis... de uma beleza fantástica. Fiz vários

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