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Contra lei

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- Costume Contra Legem: é o costume que contraria a lei, e nessa classificação faz surgir um grande problema sobre a validade e importância dos costumes.
Cumpre salientar que, em cada ramo do Direito, os costumes possuem caráter mais ou menos abrangentes, dependendo das leis, que vão definir o valor e importância dos costumes em cada matéria.
O papel do costume contra legem em face da legalidade do Direito
1. Na expectativa de que o direito positivo venha apurar ainda mais as relações jurídicas, bem como regulamentar as emergentes, verifica-se a necessidade da doutrina averiguar o papel do costume perante o direito no limiar do novo século.
É certo que o costume emprega três funções ao direito: a de inspirar o legislador a normatizar condutas, a de suprir as lacunas da lei e a servir de parâmetro para a interpretação da lei. Em suma, o costume apresenta três faces: como fonte da norma a ser legislada, como fonte suplementar da leie como fonte de interpretação.
Porém, para aquela parcela da doutrina que realça o aspecto social dentro da ciência jurídica, tais funções não podem ser consideradas passivamente. É preciso dar-lhes maior impulso, para que possa possuir posição de destaque diante da dinâmica legislativa.
A título de sugestão, esse impulso pode ser exercitado pelo exame do costume contra legem diante das normas legisladas.
Com efeito. 
2. Como é sabido, costume contra legem é a prática reiterada pela sociedade, com a consciência de estar criando uma ordem conduta, conscientemente contrariando preceito legal.
Classicamente, o costume contra legem também pode ser denominado costume ab-rogatório, por estar implicitamente revogando disposições legais, ou desuetudo, por resultar na não aplicação da lei em virtude do desuso.
É reconhecido, também, que a sua admissibilidade no ordenamento jurídico é polêmica. Os partidários da Escola Histórica do Direito, a exceção de Savigny, admitem o costume contra legem, a ponto de exclamarem "a revolta dos fatos contra os códigos".
No mesmo sentido Paul FORIERS, ao asseverar que: "A lei cai no desuso, mesmo se ela não tiver costume contrário, mesmo se ela não for substituída por outra coisa, do momento onde tem exercitada a adesão ou, se a tendo, ela em seguida pereceu".
Entre nós, admitem Clóvis BEVILÁQUA e Miguel Maria SERPA LOPES, entre outros. Caio Mário da SILVA PEREIRA, por sua vez, rechaça a admissibilidade do costume contra legem.
Porém, é preciso sustentar a admissibilidade do costume contra legem no direito brasileiro, a despeito das normas prescritas no artigo 5° , II, da CF, e do artigo 2° , da LICC, determinarem o princípio do primado da lei nas relações sociais.
Pois
3. Primeiramente, cumpre destacar que a sociedade brasileira elegeu como um dos valores para o próximo milênio o neoliberalismo, consistente nas relações de consumo. E diante de uma sociedade liberal, consumista e de massa, o direito deve ser analisado como tal, para que hajam normas reguladoras.
Deferir à sociedade brasileira a posição de "consumidora do direito estatal", não atende, às vezes, com as expectativas populares sobre determinada norma de conduta. Não raro, depara-se com algumas situações políticas inesperadas do Estado, em que se percebe uma absoluta inversão de valores.
Logo, é preciso dar à sociedade a oportunidade de também participar da criação do direito, como também é oportuno permitir-lhe derrogar a norma escrita, quando esta não mais atender aos seus anseios. São os mandamentos da democracia participativa, muito mais ampla e atuante que a democracia meramente representativa.
Também é preciso alertar a sociedade brasileira sobre os riscos que o neoliberalismo jurídico pode proporcionar. A respeito disso, são as palavras de Óscar CORREAS, ao criticar o suposto triunfo do capitalismo:
"O grito de vitória do capitalismo, pronunciado com toda a pompa possível ante a queda do muro de Berlim e a destruição da União Soviética, foi acompanhado de sisudas disquisições sobre o ‘fim da história’, que, parecia então, terminava com esse triunfo.
"Passados poucos anos do festejado triunfo, já o capitalismo, que não consegue-se alimentar dessas fanfarrices - que agora não parecem tão severas - volta a mostrar a sua face horrível. Este livro aparece quase ao mesmo tempo em que se conclue a Conferência de Desenvolvimento Social, convocada pela ONU, em Copenhague, aberta pelo Secretário Geral Boutros Ghali, que informou que não menos da metade da população da Terra vive na miséria. Qual é, então, o afamado triunfo do capitalismo? Ou será que seus apologistas se atreverão a proclamar, cinicamente, que essa vitória consiste na melhoria do nível de vida do primeiro mundo, unicamente?".
4. Em segundo ponto, detecta-se o imenso descompasso que há entre os avanços sociais e a dinâmica legislativa. Hodiernamente, normas legais, inseridas em códigos ou leis extravagantes, são desconsideradas e inaplicadas, diante de uma interpretação realista do direito ou em vista de novos princípios jurídicos.
Por causa da imobilização das conquistas de novos direitos em razão da inércia legislativa, setores da sociedade agem per si, no afã de conquistá-los. E segundo Antonio Carlos WOLKMER:
"As novas exigências, necessidades e conflitos em espaços sociais e políticos fragmentados, tensos e desiguais, envolvendo classes, grupos e coletividades importam na utilização de novos procedimentos, novas formas do agir comunicativo e do entendimento. É nesse interregno que aparecem novos identidades coletivas capazes de introjetar direitos que não passam nem pela positivação estatal nem pelas instituições representativas convencionais. Trata-se do pluralismo de formulações jurídicas provenientes diretamente da comunidade, emergindo de vários e diversos centro de produção normativa, adquirindo um caráter múltiplo, informal e mutável. A validade e eficiência desse ‘Direito Comunitário’, que não se sujeita ao formalismo a-histórico das fontes tradicionais (lei escrita e jurisprudência dos tribunais), está embasado nos critérios de uma nova legitimidade gerada a partir dos valores, objetivos e interesses do todo comunitário, e incorporado através da mobilização, participação e representação dos movimentos sociais".
Assim, sem outra alternativa, defere-se aos movimentos sociais, o papel de fonte do direito, não estatal, geradora de direitos comunitários e emergentes.
5. Por fim, deve-se ponderar à doutrina nacional que o Anteprojeto de Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas, de autoria do Professor Haroldo Valladão, em trâmite no Congresso Nacional, em conjunto com o Anteprojeto de Código Civil, prevê no artigo 4° que a lei se revoga, no todo ou em parte, de forma expressa ou tácita por lei posterior e por força obrigatória do costume ou do desuso geral, confirmado pela jurisprudência assente.
Apoia sua posição na contribuição efetiva da vontade popular por via direta na formação do direito positivo. E argumenta:
"Há muitos anos que defendemos em aulas e trabalhos essa participação tão justa e necessária, e sobretudo tão justa e necessária, e sobretudo democrática, do direito popular autêntico em nossa ordem jurídica. Ainda, recentemente, reproduzimos tal modo de ver, destacando ser o costume fonte mui relevante ... revelando a tradição e a opinião pública espontânea e vigorando através da jurisprudência (...).
"Reconhecemos, apenas, ao povo, diretamente, aquilo que os seus representantes deixaram de fazer: mudar uma lei absolutamente incompatível com a opinião geral do país".
Daí a possibilidade da sociedade criar o direito, pois, ao contrariar uma norma escrita, a vontade popular não só diz que essa norma não lhe serve como também inspira o legislador a elaborar outras normas.
Nessa esteira, segue-se a posição de adotar o sistema diretivo diante das lacunas da lei, acolhendo primeiramente os costumes, e somente na ausência deste, serem acolhidos outras fontes suplementares do direito.
Fica demonstrada, então, a nítida importância do costume contra legem no legalismo jurídico,bem como o vital papel da sociedade em criar o direito.
6. Porém, é preciso advertir que a desordem e a insegurança jurídica não estão autorizadas. A sociedade, ao contrariar a norma escrita, somente poderá fazer conforme os elementos para existência e reconhecimento do costume: uso continuado (elemento objetivo) e a opinio juris necessitatis(elementos subjetivo). Tal como ocorreu na aquisição do direito à greve e no concubinato, situações que hoje estão recepcionadas pela ordem jurídica mas que, décadas atrás, eram punidas pelo direito positivo.
Hodiernamente, as alienações de imóveis financiados pelo Sistema Financeiro da Habitação, a despeito da vedação contratual entre o mutuário e a agência, constitui costume contra legem, a ponto de ser tolerado pelo agente financiador.
7. Simultaneamente ao direito que se apresenta cada vez mais técnico, persiste a figura do costume, que mostra a correspondência social à norma legislada, para tornar eficaz e legítimo o direito.
Desta forma, mesmo no fim do Século XX e diante das expressões "globalização da economia" e "sociedade de consumo", a presença dos costumes mostra-se fundamental nas relações jurídicas, seja para legitimar leis elaboradas, seja para derrogá-las, face a rejeição social.

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