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1 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 1 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão FISIOLOGIA 2º Período Medicina UFG Sumário FISIOLOGIA CARDÍACA ....................................................................................................................... 7 ELETROFISIOLOGIA CARDÍACA ............................................................................................................... 8 O CORAÇÃO ....................................................................................................................................................... 8 SISTEMA DE CONDUÇÃO INTRÍNSECO DO CORAÇÃO .................................................................................................. 10 POTENCIAIS CARDÍACOS ...................................................................................................................................... 11 Potencial de ação do cardiomiócito ........................................................................................................ 12 Potencial de ação nodal .......................................................................................................................... 14 CONTROLE DA FREQUÊNCIA CARDÍACA ................................................................................................ 16 ESTIMULAÇÃO SIMPÁTICA E TAQUICARDIA .............................................................................................................. 16 ESTIMULAÇÃO PARASSIMPÁTICA E BRADICARDIA...................................................................................................... 17 DINÂMICA DE CONTRAÇÃO E RELAXAMENTO DO MIOCÁRDIO .............................................................. 20 2 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 2 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão CONTRAÇÃO DO MIOCÁRDIO ............................................................................................................................... 20 RELAXAMENTO DO MIOCÁRDIO ............................................................................................................................ 20 PARTICIPAÇÃO DA FOSFOLAMBAN......................................................................................................................... 21 CICLO CARDÍACO ................................................................................................................................. 23 VARIAÇÕES DE PARÂMETROS DURANTE O CICLO CARDÍACO ........................................................................................ 23 Atividade elétrica do coração .................................................................................................................. 25 Pressões do coração ................................................................................................................................ 26 Volume do ventrículo esquerdo ............................................................................................................... 27 Análise conjuntural dos parâmetros de um ciclo cardíaco ..................................................................... 29 RELAÇÃO ENTRE VOLUME E PRESSÃO NO CICLO CARDÍACO ......................................................................................... 32 Variações da relação entre volume e pressão......................................................................................... 33 REGULAÇÃO DA FUNÇÃO CARDÍACA .................................................................................................... 36 DÉBITO CARDÍACO (DC) ..................................................................................................................................... 36 SITUAÇÕES DE CONTROLE AUTONÔMICO DA FREQUÊNCIA CARDÍACA (FC) .................................................................... 36 Reflexo barorreceptor.............................................................................................................................. 40 Reflexo de Bainbridge .............................................................................................................................. 41 Influência da respiração .......................................................................................................................... 43 Reflexo quimiorreceptor .......................................................................................................................... 44 SITUAÇÕES DE CONTROLE AUTONÔMICO DO VOLUME SISTÓLICO (VS) ......................................................................... 45 Alteração da contratilidade cardíaca ...................................................................................................... 46 Alteração da pré-carga............................................................................................................................ 49 Alteração da pós-carga ........................................................................................................................... 49 Alteração da frequência cardíaca ........................................................................................................... 49 CIRCULAÇÃO CORONARIANA ............................................................................................................... 51 MECANISMOS DE CONTROLE DO FLUXO CORONARIANO ............................................................................................ 52 Fatores físicos que influenciam o fluxo coronariano ............................................................................... 53 Fatores neurais e neuro-humorais que influenciam o fluxo coronariano ............................................... 56 Fatores metabólicos que influenciam o fluxo coronariano ..................................................................... 56 MICROCIRCULAÇÃO ............................................................................................................................ 57 REGULAÇÃO DO FLUXO SANGUÍNEO NA MICROCIRCULAÇÃO ....................................................................................... 58 Regulação metabólica ............................................................................................................................. 58 Regulação endotelial ativa ...................................................................................................................... 60 TROCA TRANSCAPILAR ........................................................................................................................................ 61 Equilíbrio de Starling ............................................................................................................................... 63 HEMODINÂMICA ................................................................................................................................. 65 3 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 3 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão VASOS SANGUÍNEOS ARTERIAIS ............................................................................................................................ 65 VARIAÇÃO DA PRESSÃO SANGUÍNEA NA CIRCULAÇÃO ................................................................................................ 66 PARÂMETROS IMPORTANTES EM HEMODINÂMICA ................................................................................................... 68 Lei de Poiseuille ....................................................................................................................................... 70 MEDIÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL .......................................................................................................................... 71 Método auscultatório ..............................................................................................................................71 FLUXO LAMINAR DO SANGUE ............................................................................................................................... 73 RETORNO VENOSO............................................................................................................................................. 76 ELETROCARDIOGRAFIA ........................................................................................................................ 79 Registro eletrocardiográfico na segunda derivação ............................................................................... 85 CONTROLE DA PRESSÃO ARTERIAL ....................................................................................................... 89 REGULAÇÃO DA PA A CURTO PRAZO ..................................................................................................................... 89 Regulação da PA pelo SNA simpático ...................................................................................................... 90 Regulação da PA pelo SNA parassimpático............................................................................................. 94 AFERÊNCIAS PARA A REGULAÇÃO DA PA A CURTO PRAZO .......................................................................................... 95 Barorreceptores ....................................................................................................................................... 96 Quimiorreceptores ................................................................................................................................... 98 Receptores cardiopulmonares ................................................................................................................. 99 REGULAÇÃO DA PA A LONGO PRAZO ................................................................................................................... 100 Sistema rim-líquidos corporais .............................................................................................................. 100 Sistema renina-angiotensina-aldosterona ............................................................................................ 104 FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA ............................................................................................................106 VENTILAÇÃO PULMONAR ...................................................................................................................107 DINÂMICA PRESSÓRICA DA VENTILAÇÃO ............................................................................................................... 110 Dinâmica pressórica alveolar ................................................................................................................ 113 Histerese ................................................................................................................................................ 114 DINÂMICA VOLUMÉTRICA DA VENTILAÇÃO ........................................................................................................... 117 Espaço morto ......................................................................................................................................... 118 TROCAS GASOSAS ..............................................................................................................................121 CARACTERÍSTICAS DO AR CIRCULANTE NAS VIAS RESPIRATÓRIAS ................................................................................ 122 VENTILAÇÃO ALVEOLAR .................................................................................................................................... 123 Difusão de O2 ......................................................................................................................................... 123 Difusão de CO2 ....................................................................................................................................... 125 HEMATOSE .................................................................................................................................................... 126 OXIGENAÇÃO ................................................................................................................................................. 128 4 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 4 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão REMOÇÃO DE CO2 .......................................................................................................................................... 131 TRANSPORTE DE GASES ......................................................................................................................133 TRANSPORTE DE O2 ......................................................................................................................................... 133 TRANSPORTE DE CO2 ....................................................................................................................................... 135 REGULAÇÃO DA VENTILAÇÃO PULMONAR ..........................................................................................137 CENTRO RESPIRATÓRIO ..................................................................................................................................... 137 CENTRO PNEUMOTÁXICO .................................................................................................................................. 139 AFERÊNCIAS PARA A REGULAÇÃO DA VENTILAÇÃO .................................................................................................. 139 FISIOLOGIA DIGESTÓRIA ................................................................................................................142 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO TRATO DIGESTÓRIO ..............................................................................143 CONTROLE DO SISTEMA DIGESTÓRIO ................................................................................................................... 143 Controle nervoso ................................................................................................................................... 143 Controle hormonal................................................................................................................................. 146 MOTILIDADE DO TRATO GASTROINTESTINAL.......................................................................................148 CAMADA MUSCULAR DA PAREDE DIGESTÓRIA ....................................................................................................... 148 INGESTÃO E MASTIGAÇÃO ................................................................................................................................. 152 DEGLUTIÇÃO .................................................................................................................................................. 152 FUNÇÕES MOTORAS DO ESTÔMAGO .................................................................................................................... 155 Armazenamento .................................................................................................................................... 155 Mistura e propulsão .............................................................................................................................. 156 Esvaziamento gástrico ........................................................................................................................... 157 Reflexo do vômito .................................................................................................................................. 161 FUNÇÕES MOTORAS DO INTESTINO DELGADO........................................................................................................ 162 FUNÇÕES MOTORAS DO INTESTINO GROSSO .........................................................................................................163 Reflexo de defecação ............................................................................................................................. 164 REGULAÇÃO DA MOTILIDADE DO TRATO GASTROINTESTINAL .................................................................................... 165 SECREÇÕES EXÓCRINAS DO TRATO GASTROINTESTINAL.......................................................................166 MECANISMOS BÁSICOS DE SECREÇÃO DAS CÉLULAS GLANDULARES ............................................................................ 167 SECREÇÃO DE SALIVA........................................................................................................................................ 168 Controle da secreção salivar ................................................................................................................. 169 Produção da saliva ................................................................................................................................ 171 SECREÇÃO ESOFÁGICA ...................................................................................................................................... 175 SECREÇÃO GÁSTRICA ........................................................................................................................................ 175 Produção da secreção gástrica.............................................................................................................. 176 5 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 5 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Controle da secreção gástrica ............................................................................................................... 178 Fases da secreção gástrica .................................................................................................................... 179 SECREÇÃO PANCREÁTICA................................................................................................................................... 180 Produção da secreção pancreática ....................................................................................................... 181 Controle da secreção pancreática ......................................................................................................... 183 Fases da secreção pancreática .............................................................................................................. 183 SECREÇÃO HEPÁTICA ........................................................................................................................................ 184 Secreção da bile ..................................................................................................................................... 185 Controle da secreção hepática .............................................................................................................. 186 Vesícula biliar ........................................................................................................................................ 186 SECREÇÃO ENTÉRICA ........................................................................................................................................ 186 SECREÇÃO DO INTESTINO GROSSO ...................................................................................................................... 187 DIGESTÃO E ABSORÇÃO ......................................................................................................................188 ELETRÓLITOS E ÁGUA ....................................................................................................................................... 188 CARBOIDRATOS ............................................................................................................................................... 193 PROTEÍNAS..................................................................................................................................................... 194 GORDURAS .................................................................................................................................................... 195 ABSORÇÃO NO INTESTINO GROSSO ..................................................................................................................... 197 FISIOLOGIA RENAL ..........................................................................................................................198 RINS...................................................................................................................................................199 FILTRAÇÃO ..................................................................................................................................................... 205 Mecanismos intrínsecos de regulação da filtração ............................................................................... 207 Mecanismos extrínsecos da regulação da filtração .............................................................................. 209 REABSORÇÃO E SECREÇÃO ................................................................................................................................. 211 CLEARANCE RENAL ........................................................................................................................................... 213 FUNÇÃO TUBULAR .............................................................................................................................214 REABSORÇÃO DE ÁGUA E SÓDIO ......................................................................................................................... 214 Detalhes da reabsorção de sódio .......................................................................................................... 214 Detalhas da reabsorção de água........................................................................................................... 219 Controle hormonal da reabsorção de sódio e água .............................................................................. 219 SECREÇÃO DE ÍONS .......................................................................................................................................... 220 DIURÉTICOS ................................................................................................................................................... 222 RESUMO DA FUNÇÃO TUBULAR .......................................................................................................................... 224 CONTROLE DA OSMOLARIDADE E VOLUME DOS FLUIDOS CORPORAIS .................................................225 SITUAÇÕES DE VARIAÇÃO DE VOLUME/OSMOLARIDADE DOS COMPARTIMENTOS .......................................................... 226 6 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 6 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Perda de solução isotônica .................................................................................................................... 230 Ganho de solução isotônica................................................................................................................... 231 Ganho de água pura (solução hipotônica) ............................................................................................ 232 Perda de água pura (solução hipotônica) ............................................................................................. 233 Ganho de sódio (solução hipertônica) ................................................................................................... 234 Perda de sódio (solução hipertônica) .................................................................................................... 235 RESUMO DOS DISTÚRBIOS DOS LÍQUIDOS CORPÓREOS ............................................................................................235 TIPOS DE DESIDRATAÇÃO .................................................................................................................................. 236 MECANISMOS DE AJUSTE DE VOLUME E OSMOLARIDADE ......................................................................................... 237 Hormônio antidiurético ......................................................................................................................... 237 Sistema renina-angiotensina-aldosterona ............................................................................................ 239 Peptídeo natriurético atrial ................................................................................................................... 240 CONCENTRAÇÃO E DILUIÇÃO DA URINA ..............................................................................................242 CONCENTRAÇÃO DO INTERSTÍCIO RENAL .............................................................................................................. 243 HOMEOSTASE DE POTÁSSIO ............................................................................................................................... 245 REGULAÇÃO RENAL DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE ................................................................................247 CONTROLE DO PH DOS FLUIDOS CORPORAIS ......................................................................................................... 248 OBS ............................................................................................................................................................. 248 SISTEMA RENAL DE CONTROLE DO PH .................................................................................................................. 249 7 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 7 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão FISIOLOGIA CARDÍACA 8 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 8 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Eletrofisiologia cardíaca • A circulação corporal se processa em dois circuitos: o Circulação sistêmica, de alta pressão; o Circulação pulmonar, de baixa pressão. O coração • O coração é um órgão composto de quatro câmaras, responsáveis por bombear o sangue nas duas circulações. O funcionamento básico do coração é o seguinte: Figura 1: Circulação do sangue no organismo humano. o O sangue venoso chega ao átrio direito pelas veias cavas; o O átrio direito transfere sangue ao ventrículo direito pela válvula tricúspide; o O ventrículo direito bombeia o sangue venoso pelas artérias pulmonares até os pulmões para ser oxigenado; 9 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 9 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão o O sangue arterial advindo dos pulmões chega ao átrio esquerdo pelas veias pulmonares; o O átrio esquerdo transfere sangue ao ventrículo esquerdo pela válvula mitral; o O ventrículo esquerdo bombeia sangue arterial aos demais órgãos e tecidos corporais; o O sangue arterial transfere oxigênio a esses órgãos e tecidos e então é retornado ao coração, agora como sangue venoso, pelas veias cavas. • O coração é composto basicamente de tecido muscular cardíaco (cujas células são cardiomiócitos), que, por sua vez, é subdividido em: o Músculo atrial; o Músculo ventricular, mais forte do que o músculo atrial; o Fibras musculares especializadas excitatórias e condutoras, compondo o sistema de Purkinje. • O coração possui quatro propriedades importantes: o Automatismo (ou cronotropismo; cronos = tempo): o coração funciona involuntariamente sem estímulos nervosos ou hormonais. Essa propriedade é possível graças ao nodo sinoatrial, que é capaz de se excitar espontaneamente; isto é, suas células, por si só, fazem com que seu potencial de membrana se despolarize a ponto de provocar um potencial de ação. ▪ Efeitos cronotrópicos: são aqueles que mudam a frequência cardíaca. As drogas cronotrópicas podem mudar a frequência e o ritmo cardíaco ao afetarem o sistema de condução elétrica do coração e/ou os nervos que o influenciam (por exemplo, alterar o ritmo de despolarização do nodo sinoatrial). Um efeito cronotrópico positivo (epinefrina, agonistas adrenérgicos, atropina, dopamina) aumenta a frequência cardíaca, enquanto um efeito cronotrópico negativo (acetilcolina, betabloqueadores) diminui a frequência cardíaca. o Condutibilidade (ou dromotropismo; dromos = correr): os cardiomiócitos possuem junções gap entre si que permitem a transmissão do potencial de ação através de sinapses elétricas um para o outro; diferentemente do 10 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 10 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão músculo esquelético, em que todas as fibras precisam ser estimuladas individualmente para promoverem o potencial de ação. o Excitabilidade (ou batimotropismo; bathmos = limiar): os cardiomiócitos conseguem promover o potencial de membrana uma vez tendo recebido os estímulos advindos de sinapses elétricas com outros cardiomiócitos. o Contratilidade (ou inotropismo; inos = fibra): uma vez excitado, o cardiomiócito é capaz de se contrair graças às proteínas contráteis que ele possui. ▪ Efeitos inotrópicos: são aqueles que alteram a força ou a energia das contrações musculares do coração. Efeitos inotrópicos negativos (betabloqueadores, bloqueadores de canais de cálcio) diminuem a força das contrações musculares. Efeitos inotrópicos positivos (cálcio, catecolaminas como adrenalina, angiotensina II, glucagon, insulina) aumentam a força das contrações musculares, normalmente por aumento das concentrações intracelulares de íons Ca2+ (aumentando o influxo de Ca2+ a partir do meio externo, ou liberação a partir do retículo sarcoplasmático) ou da afinidade dos receptores de Ca2+. Sistema de condução intrínseco do coração Figura 2: Sistema de Purkinje integrado aos músculos cardíacos. 11 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 11 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão • Todo o mecanismo de funcionamento correto do coração é garantido pelo sistema de Purkinje, que envolve o nodo sinoatrial, o nodo atrioventricular, o feixe de His e as fibras de Purkinje. • O nodo sinoatrial é o grande responsável pela geração do potencial de ação que permitirá o funcionamento do coração. Uma vez que esse potencial é gerado, ele é conduzido célula a célula até os dois átrios e o nodo atrioventricular. o A partir do nodo atrioventricular, os potenciais de ação são transferidos até os ventrículos por meio do feixe de His, que se divide em ramos direito e esquerdo, que por sua vez se ramificam em fibras de Purkinje (que são praticamente indistinguíveis dos cardiomiócitos convencionais). ▪ Assim, o feixe de His é muito importante para a comunicação elétrica entre átrios e ventrículos, uma vez que eles são separados por elementos do esqueleto fibroso do coração, as válvulas e os septos, que não conduzem potenciais. • Não há simultaneidade entre o fenômeno elétrico e o fenômeno mecânico: a atividade elétrica (despolarização) ocorre primeiro, e a atividade mecânica (contração muscular) ocorre em seguida. Isso é extremamente importante, pois permite que a contração em ambos os átrios ou ventrículos ocorra ao mesmo tempo. • Também há um mecanismo de atraso da transmissão elétrica dos átrios para os ventrículos, para impedir que eles contraiam simultaneamente. Esse mecanismo é permitido graças a diferentes formas de expressão dos canais de potássio e das conexinas das junções gap presentes nas células do nodo atrioventricular e do feixe deHis. Potenciais cardíacos • Para que haja o funcionamento correto do sistema de Purkinje, e, portanto, do coração como um todo, é preciso que haja uma dinâmica saudável dos potenciais de membrana das células que compõem o coração. Para que isso ocorra, é necessário que o corpo mantenha a homeostase, isto é, a correta concentração de substâncias químicas nos diversos compartimentos corporais. Por isso, os valores das concentrações químicas ao longo do organismo são fatores que interferem nos valores do potencial de membrana das células (assim, doenças que provoquem desbalanço químico no corpo podem prejudicar fortemente o correto funcionamento cardíaco). 12 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 12 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão • Outro fator que interfere nos valores do potencial de membrana das células é sua permeabilidade aos íons que a atravessam. Por isso, Goldman, Hodgkin e Katz formularam maneiras para calcular o potencial de membrana de uma célula, levando em conta ambos os fatores: o gradiente de concentração química dos íons; e a permeabilidade individual desses íons na membrana. o Dessa forma, quanto mais permeável é um íon naquela membrana, mais próximo o potencial desta membrana estará do potencial de Nernst daquele íon. Diferentes células podem ter diferentes permeabilidades, e, portanto, diferentes potenciais. Potencial de ação do cardiomiócito • O potencial de ação de um cardiomiócito, assim, se processa de maneira distinta daquela dos neurônios e das fibras musculares esqueléticas: o Primeiro, porque a transmissão do potencial de ação ocorre através de sinapses elétricas, ou seja, por junções gap entre os cardiomiócitos. o Por outro lado, o começo do potencial de ação acaba sendo idêntico ao das outras células: a estimulação da célula faz com que haja uma leve despolarização da membrana até um limiar capaz de abrir os canais de sódio voltagem-dependentes (que se abrem primeiro e se fecham rapidamente) e os canais de potássio voltagem-dependentes (que se abrem um pouco depois e demoram a fechar). o Concomitantemente a este evento, entretanto, há uma particularidade do potencial de ação do cardiomiócito: há a abertura também dos canais de cálcio voltagem-dependentes, que se abrem quase que simultaneamente aos canais de potássio voltagem-dependentes, mas fecham antes dele. Assim, com a abertura de canais para os íons positivos sódio e cálcio, há um brusco aumento de potencial. o A seguir, após o fechamento dos canais de sódio voltagem-dependentes, há uma breve redução do potencial. Logo depois, entretanto, a continuidade do efluxo de potássio e do influxo de cálcio acabam por se equilibrar, fazendo com que se observe um platô no gráfico do potencial de ação por um certo tempo. Uma vez que se fechem os canais de cálcio voltagem-dependentes, entretanto, o potencial voltar a reduzir. 13 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 13 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão • Dessa maneira, o potencial de ação do cardiomiócito, chamado de potencial de ação de resposta rápida, possui cinco momentos: Figura 3: Dinâmica de abertura e fechamento dos canais iônicos e sua correspondência nos valores dos potencias de ação dos cardiomiócitos. o Em 0, ocorre súbita despolarização devido aos canais de sódio INa, que se fecham rapidamente, e o potencial para de subir. o Em 1, ocorre súbita, porém breve, repolarização devido aos canais de potássio transientes de fluxo Ito, que se abrem e fecham rapidamente. o Em 2, os canais de potássio retificadores retardados IK ainda estão se abrindo, promovendo um efluxo crescente de potássio. Ao mesmo tempo, os canais de cálcio ainda estão se fechando, promovendo um influxo decrescente de cálcio. Isso faz com que exista um platô com tendência para a repolarização. o Em 3, os canais de potássio retificadores retardados IK continuam a se abrir, promovendo uma repolarização contínua, mas os canais de íons positivos já estão fechados. Dessa forma, não se tem mais o platô e a repolarização fica mais acentuada. o Em 4, o fechamento dos canais de potássio retificadores retardados IK e a abertura dos canais de potássio retificadores de influxo IK1 faz com que o potencial de membrana volte ao valor normal. 14 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 14 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Potencial de ação nodal • O potencial de ação do nodo sinoatrial e do nodo atrioventricular (potencial de ação nodal ou potencial de ação de resposta lenta) explica o automatismo do coração e fornece as bases para o controle da frequência cardíaca por este nodo. • Primeiramente, o nodo sinoatrial tem um potencial de membrana menos negativo do que o normal, em torno de -60mV. Isso permite que ele esteja bem mais próximo do valor do limiar de excitação, que é em torno de -40mV. Dessa maneira, fica mais fácil da célula nodal de, espontaneamente, alterar seu potencial até o limiar de excitação e provocar um potencial de ação por conta própria. Figura 4: Dinâmica de abertura e fechamento dos canais iônicos e sua correspondência nos valores dos potencias de ação dos nodos. • Esse mecanismo de alteração do potencial de -60mV até -40mV é possível graças a um fluxo lento, porém constante, de cátions para o interior da célula, por meio de canais de vazamento que ficam abertos constantemente (momento 4). o Estes canais são chamados de HCN (hyperpolarization-activated cyclic nucleotide-gate), e nunca se fecham: apenas ficam mais abertos (“ativados”) ou menos abertos (“inativados”). o A dinâmica dos canais HCN é a seguinte: quanto mais negativa a voltagem da célula, mais aberto/ativado/permeável ficará o canal HCN, portanto mais influxo de cátions haverá (principalmente de sódio), portanto maior vai ficando o potencial de membrana da célula. o A corrente iônica promovida pelos canais HCN é chamada de corrente funny (if), ou corrente de marcapasso. 15 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 15 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão • Assim, a lenta entrada de cátions para dentro da célula consequentemente provoca um aumento no potencial de membrana do nodo sinoatrial, que, quando atinge o limiar de excitação, ativa os canais iônicos voltagem-dependentes. o Antes de atingir o limiar de excitação, entretanto, o potencial de membrana em aumento lento e constante ativa os canais de cálcio transitórios (ICa, T) para dar o “aumento final” ao potencial de membrana para atingir o limiar de excitação. • Uma vez atingido o limiar de excitação, será ativado o canal de cálcio voltagem- dependente (ICa, L), fazendo que haja um influxo brusco e súbito de íons cálcio para dentro da célula, aumentando seu potencial até um determinado valor máximo (momento 0). A partir dele, o fechamento dos canais de cálcio voltagem- dependente e a contínua abertura (também catalisada ao atingir o limiar de excitação) dos canais de potássio voltagem-dependentes de potássio faz com que o potencial de membrana diminua e retorne ao valor de repouso (momento 3). • Naturalmente, com a queda dos valores de potencial, os canais HCN seguem sua dinâmica e retomam sua função (uma vez que o potencial mais negativo os tornará mais permeáveis), reiniciando seu processo espontaneamente (momento 4). • Apesar das células nodais possuírem canais de sódio voltagem-dependentes, eles estão permanentemente inativados, não participando do processo de geração do potencial de membrana nodal, pois essas células não hiperpolarizam o necessário para abri-las. o Bloqueio dos canais de sódio voltagem-dependentes: dado este fato,conclui-se que um bloqueio dos canais de sódio voltagem-dependentes não provocará efeitos no funcionamento do potencial de ação nodal, porém, provocará um atraso no funcionamento do potencial de ação do cardiomiócito, e, portanto, bradicardia. 16 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 16 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Controle da frequência cardíaca • O principal mecanismo de controle da frequência cardíaca é o sistema nervoso autônomo. Certos hormônios, por mais que exerçam influência nesse controle, o fazem de maneira menos significativa. • O mecanismo básico de controle da frequência cardíaca é alterar o potencial de ação nodal, mais especificamente alterando a permeabilidade dos canais iônicos envolvidos no processo. Estimulação simpática e taquicardia • Caso seja necessário aumentar a frequência cardíaca (provocar taquicardia), existem dois mecanismos básicos, que envolvem alterações na fase 4 do potencial de ação nodal: Figura 5: Efeito da estimulação simpática na geração de potenciais nodais. o Fazer com que a célula não repolarize tanto. A célula volta então a um potencial de repouso mais próximo do limiar de excitação, facilitando o processo de atingi-lo novamente, dessa forma fazendo com que a frequência de potenciais aumente. o Fazer com que a célula despolarize mais rápido com uma corrente funny mais rápida, ao se aumentar a permeabilidade dos canais HCN. A célula então consegue atingir o limiar de excitação mais rápido, fazendo com que a frequência de potenciais de ação aumente. 17 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 17 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão ▪ Efetivamente, esses mecanismos acontecem ao mesmo tempo durante a estimulação simpática. • O aumento da frequência cardíaca é feito por estimulação simpática. As fibras simpáticas liberam o neurotransmissor noradrenalina, que se ligam a um receptor β-adrenérgico nas células nodais. o Este tipo de receptor está ligado à proteína G, que está ligada a uma subunidade alfa excitatória. Então, uma vez ativada, ela é capaz de ativar o cAMP, que por sua vez ativa outras quinases citoplasmáticas. o As quinases são proteínas capazes de fosforilar os canais iônicos presentes na membrana das células nodais, tornando-os mais permeáveis a seus respectivos íons. o Com os canais mais permeáveis, o influxo de cálcio será mais rápido, permitindo que a corrente funny faça com que o potencial de membrana atinja o limiar de excitação mais rápido também, aumentando, portanto, a frequência cardíaca. ▪ Pode-se pensar que o aumento da permeabilidade dos canais iônicos afetaria também os canais iônicos de potássio, e, teoricamente, a célula iria se repolarizar muito mais, ficando difícil em se atingir novamente o limiar de excitação. Entretanto, esse é efeito é compensado pelo aumento da permeabilidade do cálcio. Estimulação parassimpática e bradicardia • Caso seja necessário reduzir a frequência cardíaca, existem dois mecanismos básicos, que também envolvem alterações na fase 4 do potencial de ação nodal: 18 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 18 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Figura 6: Efeitos da estimulação parassimpática no nodo sinoatrial. o Fazer com que a célula repolarize mais do que o normal. A célula volta então a um potencial de repouso mais distante do limiar de excitação, fazendo com que a frequência de potenciais diminua. o Fazer com que a célula despolarize mais lentamente com uma corrente funny mais lenta, diminuindo a permeabilidade dos canais de cálcio. A célula então atinge com dificuldade o limiar de excitação, fazendo com que a frequência de potenciais de ação diminua. ▪ Efetivamente, esses mecanismos acontecem ao mesmo tempo durante a estimulação parassimpática. • A redução da frequência cardíaca é feita por estimulação parassimpática. As fibras parassimpáticas liberam o neurotransmissor acetilcolina, que se ligam a um receptor muscarínico nas células nodais. o O receptor muscarínico está ligado a uma proteína G associada a subunidade alfa inibitória, que inibe a fosforilação dos canais iônicos das células nodais, fazendo com que eles fiquem menos permeáveis a seus respectivos íons. o Assim, os canais de cálcio teriam sua performance reduzida, reduzindo também a corrente funny, aumentando o tempo necessário para atingir o limiar de excitação. Dessa forma, a frequência cardíaca fica reduzida. 19 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 19 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão o A subunidade beta dos receptores muscarínicos, entretanto, é capaz de aumentar a permeabilidade dos canais de potássio. Isso faz com que a célula repolarize muito mais e seja mais difícil de atingir o limiar de excitação. o Além disso, existem canais de potássio ativados por acetilcolina (IK, ACh) que amplificam o processo. 20 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 20 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Dinâmica de contração e relaxamento do miocárdio • Os cardiomiócitos possuem uma estrutura interna semelhante às dos músculos esqueléticos. Uma diferença microestrutural é que os túbulos T com as cisternas terminais não formam tríades no músculo cardíaco, mas díades. • No músculo esquelético, a contração efetiva só é possível se houver uma somação de abalos provocados por potenciais de ação. Entretanto, no músculo cardíaco, a contração efetiva é possibilitada com um único potencial de ação gerado pelo nodo sinoatrial. Contração do miocárdio • Contração do cardiomiócito: tal qual nas fibras musculares esqueléticas, a propagação do potencial de ação pelos túbulos T dos cardiomiócitos faz com que a diidropiridina ative o receptor de rianodina do retículo sarcoplasmático, que se abre e permite o fluxo de íons cálcio para o citoplasma. Entretanto, no músculo cardíaco, o que existe é o receptor de rianodina tipo II na membrana do retículo sarcoplasmático, que é ativado por íons cálcio. Este segundo tipo é que realmente será significativa para a contração do coração: o A diidropiridina é um canal de cálcio voltagem-dependente. No músculo cardíaco, quando essa diidropiridina é ativada pela propagação do potencial de ação do nodo sinoatrial, ela permite um influxo de cálcio para o citoplasma, ativando a rianodina tipo II, que por sua vez libera mais ainda íons cálcio para o citoplasma., ativando mais receptores de rianodina tipo II, e assim sucessivamente. Assim, em um efeito de feedback positivo, cada vez mais canais rianodina tipo II são abertos, e cada vez mais íons cálcio são liberados no citoplasma. o Essa grande quantidade de cálcio no citoplasma permite, portanto, a contração efetiva do músculo cardíaco. Assim, de todos os íons Ca2+ responsáveis para que essa contração seja efetiva, 80% provém do retículo sarcoplasmático, e 20% provém do meio extracelular. Relaxamento do miocárdio • Relaxamento do cardiomiócito: findada a contração do músculo cardíaco, o cálcio precisa ser removido do citoplasma para que a fibra relaxe. Os mecanismos de relaxamento são: 21 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 21 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão o O transporte ativo primário de cálcio para o meio extracelular. Ou seja, canais que gastam ATP para retirar íons cálcio do citoplasma e liberá-los no meio externo. o Transporte ativo secundário de três íons sódio para o meio intracelular e um íon cálcio para o meio extracelular. Sendo do tipo secundário, é um mecanismodependente da bomba de sódio e potássio para que o gradiente de concentração do sódio seja gerado. ▪ Medicamentos para insuficiência cardíaca: certos medicamentos, assim, promovem uma diminuição na atividade da bomba de sódio e potássio para tratar a insuficiência cardíaca, impedindo o excesso de relaxamento do músculo cardíaco. o Transporte ativo primário de íons cálcio para o interior do retículo sarcoplasmático por meio do canal SERCA (sarco/endoplasmic reticulum Ca2+-ATPase). Participação da fosfolamban • Fosfolamban: a proteína fosfolamban tem a função constitutiva de inibir a atividade do canal SERCA. Trata-se de uma proteína que fica inativa quando é fosforilada. o Uma vez que a estimulação simpática induz a ação das quinases, e as quinases promovem a fosforilação, então conclui-se que, nos cardiomiócitos, o simpático inativa a fosfolamban. Portanto, o simpático ativa a SERCA, que conduz íons cálcio do citoplasma para o retículo sarcoplasmático. Dessa forma, o relaxamento muscular do miocárdio é acelerado. o A inativação da fosfolamban é, assim, um mecanismo adicional ao aumento da permeabilidade dos canais iônicos provocado pela estimulação simpática, que faz com que haja um maior influxo de cálcio para a o citoplasma, acelerando a contração do cardiomiócito. ▪ Dessa forma, o relaxamento muscular acelerado, durante a estimulação simpática, acaba sendo sucessivo a uma contração muscular acelerada que esta estimulação simpática também promove. É dessa maneira que o simpático leva à taquicardia: o coração contrai e relaxa de maneira acelerada. 22 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 22 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão o O mecanismo da estimulação parassimpática faz o oposto. Ela tanto diminui a permeabilidade dos canais iônicos, entrando menos cálcio no citoplasma, desacelerando a contração muscular; quanto inibe a fosforilação da fosfolamban, que fica mais ativa, inibindo a ação SERCA, o que desacelera o relaxamento muscular. Dessa forma, o parassimpático consegue promover a bradicardia: fazer com que o coração contraia e relaxe de maneira desacelerada. 23 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 23 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Ciclo cardíaco • Parâmetros importantes para a compreensão do ciclo cardíaco: o Pré-carga: tensão gerada nas paredes dos ventrículos pelo sangue neles acumulado, ao final da diástole ventricular. É proporcional ao volume de sangue acumulado, por isso, o aumento de volume sanguíneo faz com que a pré-carga aumente (por exemplo, insuficiência de válvula mitral). o Pós-carga: tensão sofrida pelas paredes dos ventrículos durante a sístole, que aumenta crescentemente até um valor máximo. A pós-carga, dessa maneira, sofre aumento quando há dificuldade para ejetar o sangue (por exemplo, por compressão da a. aorta, estenose aórtica e hipertensão arterial). Variações de parâmetros durante o ciclo cardíaco • Dois eventos básicos estão associados a um ciclo cardíaco: sístole e diástole. Durante esse ciclo, há alterações de certos parâmetros importantes que devem ser notadas, e que serão compreendidas a partir do seguinte gráfico: 24 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 24 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Figura 7: Gráfico das variações do eletrocardiograma, da pressão, do volume e das bulhas cardíacas ao longo de um ciclo cardíaco. 25 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 25 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Atividade elétrica do coração Figura 8: Variação da atividade elétrica do coração ao longo de um ciclo cardíaco. • Eletrocardiograma (ECG): é um exame que faz o registro da atividade elétrica do coração. Um aparelho, chamado eletrocardiógrafo, capta a corrente elétrica que é propagada para todo o corpo a partir da atividade do coração. Esse registro é demonstrado através de um gráfico, cuja curva em condições fisiológicas apresenta uma série de ondas sequenciais, indicativas dos vários eventos que ocorrem em um ciclo cardíaco (o estudo aprofundado do eletrocardiograma pode será visto posteriormente): o O ponto inicial do gráfico do ECG é a despolarização atrial, que gera a onda P. Ocorre então a propagação deste potencial pelo coração, compondo um breve período em que não se produz registro de atividade elétrica. o A despolarização ventricular gera o complexo de ondas QRS. o Após um certo tempo em que também não se registra atividade elétrica, a repolarização ventricular gera a onda T. Este é o ponto final do gráfico do ECG. 26 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 26 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Pressões do coração Figura 9: Variação da pressão na aorta, no ventrículo esquerdo e nos átrios ao longo de um ciclo cardíaco. • Pressão atrial: aumenta um pouco durante a sístole atrial mas volta a cair rapidamente; se iguala à pressão ventricular provocando o fechamento das valvas atrioventricular; sobe brevemente devido a um quase prolapso das valvas atrioventriculares (provocado pela sístole ventricular) e reduz rapidamente; sobe gradativamente à medida em que os átrios se enchem de sangue; volta a cair quando a valva atrioventricular se abre e o sangue flui para os ventrículos; permanece baixa até uma nova sístole atrial, reiniciando o processo. • Pressão aórtica: sofre um aumento súbito quando a valva aórtica se abre e há ejeção de sangue pelo ventrículo na sístole ventricular; atinge um máximo chamado pressão sistólica; se reduz à medida em que a pressão ventricular esquerda também reduz; sobe novamente devido ao fechamento da valva aórtica e à tentativa de refluxo sanguíneo, formando a pressão dicrótica; se reduz continuamente até uma nova sístole ventricular, atingindo um mínimo chamado pressão diastólica no momento instantâneo de uma nova abertura da valva aórtica, reiniciando o processo. • Pressão ventricular esquerda: começa baixa, menor que a pressão atrial, durante a diástole, para permitir que o sangue flua a partir do átrio esquerdo; aumenta e diminui brevemente durante a sístole atrial; no início da sístole ventricular, sobe e se iguala primeiramente à pressão atrial fechando a valva atrioventricular; continua 27 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 27 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão subindo até se igualar à pressão aórtica permitindo a abertura da valva aórtica; continua subindo até atingir um máximo; começa a cair até se igualar à pressão aórtica fechando a valva aórtica e finalizando a sístole; continua caindo na diástole até se igualar à pressão arterial, quando se abre a valva atrioventricular; se estabiliza em um valor inferior ao da pressão atrial para o reinício do processo. Volume do ventrículo esquerdo Figura 10: Gráfico da variação do volume ventricular esquerdo ao longo de um ciclo cardíaco. • Período de relaxamento: é o período compreendido entre o fim de uma sístole ventricular e o início de uma sístole atrial, portanto, compreende o período da diástole ventricular até a sístole atrial. o Relaxamento isovolumétrico: período em que o ventrículo esquerdo está em diástole e com pressão menor do que a artéria aorta, mas maior do que o átrio esquerdo; dessa forma, não há nem ejeção de sangue pelo ventrículo e nem fluxo de sangue a partir do átrio esquerdo. Neste período, portanto, o ventrículo fica com volume constante (isovolumétrico) igual ao volume residual da sístole anterior, que é de 70mℓ. o Enchimento ventricular:período em que a pressão do ventrículo esquerdo fica menor que a pressão do átrio direito, permitindo o fluxo de sangue do átrio para o ventrículo por diferença de pressão. Assim, compreende também o momento da sístole atrial, estando o ventrículo em diástole durante todo o tempo. ▪ Enchimento ventricular rápido: em um primeiro momento, a diferença de pressão entre átrio e ventrículo esquerdos é muito 28 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 28 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão grande, fazendo com que o fluxo de sangue do átrio para o ventrículo seja acelerado. O volume ventricular aumenta 40mℓ, indo de 70mℓ a 110mℓ. ▪ Diástase: à medida em que o ventrículo esquerdo vai se enchendo de sangue, a diferença de pressão entre átrio e ventrículo vai diminuindo, e o fluxo de sangue do átrio para o ventrículo vai ficando mais lento, quase parando. O volume ventricular aumenta 10mℓ, indo de 110mℓ a 120mℓ. • Sístole atrial: é o momento de contração do miocárdio atrial. Faz parte do período de enchimento ventricular também, pois a pressão atrial estará maior que a ventricular, e o ventrículo ainda estará em diástole. Apesar de contribuir muito menos para o aumento do volume do ventrículo esquerdo, levando a um aumento de apenas 10mℓ, finaliza um volume ventricular máximo de 130mℓ, que é chamado de volume diastólico final, que corresponde à pré-carga máxima. • Sístole ventricular: é o momento de contração do miocárdio ventricular. É neste período que ocorre o esvaziamento do ventrículo esquerdo, até uma nova diástole ventricular. o Contração isovolumétrica: com o início da sístole ventricular, a pressão do ventrículo esquerdo sobe de maneira abrupta, superando a pressão atrial e fechando a valva atrioventricular para impedir o refluxo de sangue do ventrículo para o átrio. Estando a valva aórtica fechada, a ejeção de sangue só vai se iniciar no momento em que a pressão ventricular ficar maior que a pressão aórtica. Até que este ponto seja atingido, o ventrículo esquerdo contrai mantendo seu volume constante (isovolumétrico). o Ejeção ventricular: no momento em que a pressão ventricular supera a pressão aórtica, a valva aórtica se abre e o sangue é ejetado do ventrículo esquerdo para a aorta. Isso faz com que o volume do ventrículo se reduza rapidamente, mas logo se estabiliza quando se atinge a força máxima de contração ventricular. A partir daí o sangue continua sendo ejetado, mas a pressão abaixa, até um momento em que fica menor do que a pressão aórtica, fechando a valva aórtica e a ejeção é bloqueada. Este bloqueio ocorre antes do ventrículo se esvaziar totalmente, ficando um volume residual de 70mℓ ao fim da sístole ventricular, que é chamado de volume sistólico final; assim, todo o volume de sangue ejetado pelo ventrículo é de 29 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 29 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 60mℓ, compondo o chamado volume sistólico. A partir daí o processo reinicia. ▪ Fração de ejeção: razão entre o volume sistólico e o volume diastólico final. Assim, normalmente, fica em torno de 50%. Este parâmetro é um indicador da capacidade cardíaca de bombeamento do sangue. Análise conjuntural dos parâmetros de um ciclo cardíaco • Antes que o átrio despolarize, sua pressão está baixa. A despolarização atrial provoca a sístole atrial, fazendo com que a pressão no interior dos átrios aumente, porém muito sutilmente e por pouco tempo. • Antes deste momento, o ventrículo está relaxado, estando a pressão ventricular muito pequena também, abaixo da pressão atrial, permitindo que o sangue flua do átrio para o ventrículo. A sístole atrial faz com que a pressão ventricular aumente um pouco também devido ao fluxo aumentado de sangue para o ventrículo. o É importante notar que, mesmo antes da sístole atrial, o ventrículo ainda possui volume de sangue em seu interior: o principal evento responsável pelo enchimento do ventrículo é o relaxamento ventricular, que reduz a pressão ventricular abaixo da pressão atrial, permitindo que cerca de 50mℓ de sangue flua do átrio para o ventrículo por diferença de pressão, antes mesmo da sístole atrial. A grande função do átrio, assim, é a de armazenar sangue durante a sístole ventricular. ▪ Inclusive, ao final da sístole ventricular, o ventrículo não estará totalmente vazio, mas com um volume residual de sangue de 70mℓ. Com os 50mℓ que fluíram por diferença de pressão, tem-se que, antes da sístole atrial, o ventrículo possui 120mℓ de sangue. A sístole em si só contribui com mais 10mℓ, compondo, assim, um volume máximo ventricular de 130mℓ. • O enchimento ventricular ocorre quando todas as câmaras estão relaxadas, em um fluxo que tende a se estabilizar, compondo um enchimento rápido que chega a 110mℓ (por fluxo rápido de sangue por diferença de pressão dos átrios para os ventrículos) e um enchimento lento, chamado diástase (quando o fluxo fica mais lento), que chega a 120mℓ. A sístole atrial é a fase final de enchimento ventricular, fazendo o volume ventricular chegar a 130mℓ. 30 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 30 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão o Deficiência de contração atrial: dessa forma, indivíduos com deficiência de contração atrial (por fibrilação atrial aguda, por exemplo, em que os cardiomiócitos atriais não sincronizam sua contração) não são tão prejudiciais quanto se a deficiência fosse ventricular. • A despolarização ventricular provoca a sístole ventricular, o que faz com que a pressão ventricular aumente bruscamente. Nesse momento, a contração ventricular opera em duas fases distintas: o Uma contração isovolumétrica, em que o ventrículo está contraindo, mas seu volume se mantém constante, pois a pressão ventricular ainda não aumentou o suficiente para superar a pressão aórtica. o Uma contração efetiva, em que a pressão ventricular supera a pressão aórtica, abrindo as válvulas semilunares aórticas e fazendo com que o volume ventricular diminua bruscamente por ejeção de sangue. Nesse momento, a pressão aórtica volta a aumentar novamente, mas ainda menor do que a pressão ventricular, permitindo que o fluxo do ventrículo para a aorta permaneça. ▪ No momento em que a pressão ventricular se iguala à pressão aórtica, imediatamente antes da abertura da valva aórtica, o valor instantâneo da pressão aórtica observado é a chamada pressão diastólica que é medida pelo esfigmomanômetro. ▪ No momento em que a pressão ventricular é máxima, a pressão aórtica também será máxima. Neste momento, o valor instantâneo da pressão aórtica é a chamada pressão sistólica que é medida pelo esfigmomanômetro. ▪ Cardiomiopatia hipertrófica: para que a pressão ventricular supere a pressão aórtica, os cardiomiócitos ventriculares precisam exercer um determinado valor de força para aumentar a pressão ventricular. Indivíduos com insuficiência cardíaca possuem cardiomiócitos deficitários, que precisam exercer muito mais força para conseguir elevar a pressão ventricular (ocorre, portanto, aumento da pós-carga). Isso aumenta a exigência sobre os cardiomiócitos, provocando a hipertrofia concêntrica do miocárdio. A longo prazo, se a insuficiência não for tratada, essa hipertrofia 31 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 31 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão provoca a dilatação do coração (cardiomiopatia hipertrófica). O mesmo ocorre em indivíduos portadores de hipertensão, cujos cardiomiócitos precisam ser mais exigidos para conseguir aumentar a pressão ventricular acima da pressão aórtica que está elevada. Lei de Laplace: define relaçõesentre tensão na parede da câmara cardíaca (σ), pressão nessa câmara (P), espessura da parede da câmara (η) e raio da câmara (r), a saber: 𝜎 = 𝑃×𝑟 𝜂 Assim, postula que a dilatação das câmaras cardíacas faz com que tanto a pós-carga quanto a pré-carga aumentem, pois haverá tanto aumento da pressão sobre a parede do ventrículo quanto aumento do raio da câmara cardíaca. • A sístole ventricular faz com que a pressão atrial sofra um aumento breve e sutil, devido a um quase prolapso das válvulas atrioventriculares. Logo após esse evento, há a diástole atrial, que aumenta o volume atrial pelo fluxo de sangue a partir das veias, mas que aumenta muito pouco a pressão atrial. • Com a pressão atrial ainda menor do que a pressão ventricular, não há passagem de sangue do átrio para o ventrículo, mesmo a partir do momento em que a sístole ventricular termina e o ventrículo entre em diástole – o que é chamado de relaxamento ventricular isovolumétrico. • Um rápido relaxamento do ventrículo faz com que a pressão ventricular caia bruscamente (devido à ação da SERCA nos cardiomiócitos), porém, a pressão aórtica cai muito pouco, permanecendo elevada. Isso ocorre porque momentaneamente, a pressão ventricular fica menor do que a pressão aórtica, o que forçaria o sangue a retornar ao ventrículo, porém, as válvulas semilunares aórticas se fecham, impedindo que sangue retorne ao ventrículo e mantendo a pressão aórtica elevada. Neste momento, a tentativa do sangue de retornar provoca um certo aumento de pressão nas válvulas semilunares aórticas, compondo a chamada pressão dicrótica. o A rápida redução da pressão ventricular e o lento aumento da pressão atrial eventualmente chegarão em um ponto em que a pressão atrial ficará maior do que a pressão ventricular, fazendo que passe sangue do átrio para o ventrículo naturalmente por diferença de pressão. 32 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 32 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão • O volume sistólico é o volume de sangue ejetado pelo ventrículo enquanto a pressão ventricular se mantiver maior do que a pressão aórtica, que fica em torno de 60mℓ. Esse volume sistólico é a diferença entre o volume diastólico final (cerca de 130mℓ) e o volume sistólico final (cerca de 70mℓ). Esses valores de volume, por outro lado, podem variar de pessoa para pessoa. Eles estarão condicionados a um parâmetro chamado de fração de ejeção, que é a razão entre o volume sistólico e o volume diastólico final, e gira em torno de 50%. A fração de ejeção é medida pelo ecocardiograma, que é capaz de definir os níveis de insuficiência cardíaca. Relação entre volume e pressão no ciclo cardíaco Figura 11: Gráfico pressão X volume no ciclo cardíaco • A partir de um momento A, tem-se o enchimento diastólico, em que a pressão diminui e o volume aumenta, uma vez que o relaxamento ventricular é muito rápido, chegando em B. • De B para C, há aumento de pressão e de volume, sendo que há um breve impulso ao final provocado pela sístole atrial. Assim, do ponto A até o ponto C é o período de enchimento diastólico. o O ponto C terá o volume de sangue máximo (volume diastólico final) que determinará a pré-carga. • De C para D, há contração isovolumétrica: não há variação de volume, mas a pressão aumenta grandemente. • De D para E, há ejeção rápida de sangue, com o volume diminuindo e a pressão aumentando. o Esse é o momento em que é determinada a pós-carga. 33 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 33 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão • De E para F, há ejeção lenta de sangue, com o volume diminuindo e a pressão diminuindo também. • De F para A, há relaxamento isovolumétrico, reduzindo a pressão, mas não variando volume, pois o sangue ainda não consegue passar do átrio para o ventrículo. No momento em que a pressão ventricular fica menor que a atrial, o sangue volta a encher o ventrículo. Variações da relação entre volume e pressão • Súbito aumento de pós-carga (ex.: por aumento de resistência periférica): por aumento da pressão aórtica, a pós-carga aumenta, ou seja, haverá maior dificuldade em se ejetar o sangue, e consequentemente o volume sistólico irá diminuir, e o volume sistólico aumentar. Isso, porém, não aumenta a pré-carga, pois o volume de sangue que encherá o ventrículo será o mesmo, ou seja, o volume diastólico final será o mesmo. Figura 12: Gráfico pressão x volume no ciclo cardíaco após fator causador de aumento súbito da pós- carga. • Aumento do volume sistólico (ex.: exercícios físicos): durante um exercício físico intenso, há aumento de pós-carga pelo aumento da força de contração dos cardiomiócitos ventriculares, e havendo, consequentemente, aumento do volume sistólico e diminuição do volume sistólico final, com manutenção do volume diastólico final (pré-carga não muda). 34 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 34 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Figura 13: Gráfico pressão x volume no ciclo cardíaco após fator causador de aumento do volume sistólico. • Aumento de pré-carga (ex.: por gravidez): haverá um aumento do volume de sangue que encherá o ventrículo (volume diastólico final), mas a eficiência de contração será a mesma, pois haverá compensação pelo aumento do volume sistólico, ficando o volume sistólico final igual. Há aumento de pós-carga também para aumentar o volume sistólico. Figura 14: Gráfico pressão x volume no ciclo cardíaco após fator causador de aumento da pré-carga. • Insuficiência cardíaca: há a tendência de aumento da pré-carga havendo maior quantidade de sangue no interior do ventrículo devido à dilatação das câmaras cardíacas (aumento de volume diastólico final); e redução da pós-carga devido à maior dificuldade do coração em ejetar o sangue, fazendo com que o volume sistólico diminua e o volume sistólico final aumente. 35 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 35 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Figura 15: Gráficos de tendência pressão x volume com a progressão da insuficiência cardíaca, havendo aumento da pré-carga e queda da pós-carga. 36 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 36 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Regulação da função cardíaca • A regulação da função cardíaca será feita principalmente pelo controle sobre o débito cardíaco. Débito cardíaco (DC) • Débito cardíaco é o volume de sangue ejetado pelo coração por unidade de tempo (volume ejetado/tempo). Pode ser calculado multiplicando a frequência cardíaca (batimentos/tempo) pelo volume sistólico (volume ejetado/batimento). Em outras palavras, o débito cardíaco (DC) é igual à frequência cardíaca (FC) multiplicada pelo volume sistólico (VS), ou 𝐷𝐶 = 𝐹𝐶 × 𝑉𝑆. • Em condições normais, a frequência cardíaca costuma ser de 70bpm, e o volume sistólico, de 70mℓ. Isso dá, portanto, um débito cardíaco de 4900mℓ/min. • A regulação da função cardíaca consiste, principalmente, no controle do débito cardíaco. Este controle, portanto, pode ser feito: o Regulando-se a frequência cardíaca; o Regulando-se o volume sistólico. • Pressão arterial: a pressão arterial está intimamente relacionada ao débito cardíaco. Sabe-se que a pressão arterial (PA) é o produto do débito cardíaco (DC) com a resistência periférica total (RPT), portanto, 𝑃𝐴 = 𝐷𝐶 × 𝑅𝑃𝑇. Como o débito cardíaco é o produto da frequência cardíaca (FC) com o volume sistólico (VS), tem-se ao final seguinte equação: 𝑃𝐴 = 𝐹𝐶 × 𝑉𝑆 × 𝑅𝑃𝑇 Situações de controle autonômico da frequência cardíaca (FC) • O sistema nervosoautônomo (SNA) do coração será o principal responsável por regular a frequência cardíaca. É sabido que o SNA possui uma porção simpática e uma porção parassimpática, cada uma com ações específicas. 37 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 37 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Figura 16: Distribuição das fibras autonômicas para o coração. • SNA parassimpático: as fibras parassimpáticas irão inervar especialmente os nodos do coração. O nodo sinoatrial é inervado por ramos do nervo vago direito, e o nodo atrioventricular é inervado por ramos do nervo vago esquerdo (note-se que existe também inervação parassimpática dos ventrículos muito pouco significativa). A principal ação do SNA parassimpático será o de provocar bradicardia. o A estimulação parassimpática pelo nervo vago direito irá conseguir provocar uma bradicardia normal, pois estimulará a fonte do estímulo para a contração do coração, que é o nodo sinoatrial. Assim, uma vez reduzido o ritmo excitatório do nodo sinoatrial, o nodo atrioventricular, cuja excitação depende do estímulo advindo do nodo sinoatrial, terá seu ritmo excitatório diminuído também. o Já uma estimulação parassimpática pelo nervo vago esquerdo pode provocar arritmia, pois apenas o nodo atrioventricular estará tendo seu ritmo excitatório reduzido, enquanto o nodo sinoatrial envia estímulos em ritmo normal. Este descompasso entre os ritmos excitatórios dos nodos provocará uma alteração no ECG chamada de bloqueio atrioventricular, que se manifesta em três graus: ▪ Bloqueio atrioventricular de primeiro grau: aumento do intervalo entre a onda P e o complexo de ondas QRS. ▪ Bloqueio atrioventricular de segundo grau: faz com que sejam necessários dois estímulos sinoatriais para um estímulo atrioventricular. 38 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 38 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão ▪ Bloqueio atrioventricular de terceiro grau: faz com que as características tanto do primeiro grau quanto do segundo grau ocorram desordenadamente. o A estimulação parassimpática é muito imediata, porém pouco duradoura. Quando ativado, o SNA parassimpático faz com que a frequência cardíaca diminua quase imediatamente, e, quando essa estimulação parassimpática cessa, a frequência cardíaca volta ao normal quase imediatamente também. O motivo disso acontecer é que as fibras parassimpáticas operam com acetilcolina, neurotransmissor que é rapidamente degradado pela enzima acetilcolinesterase. Figura 17: Gráfico demonstrando o efeito quase imediato e pouco duradouro do SNA parassimpático sobre a frequência cardíaca, provocando bradicardia. • SNA simpático: as fibras simpáticas que partem dos troncos simpáticos irão inervar todos os elementos do coração (cardiomiócitos atriais, cardiomiócitos ventriculares e nodos). A principal ação do SNA simpático será o de provocar taquicardia. o A estimulação simpática é relativamente demorada, mas é duradoura. Seu efeito de aumento da frequência cardíaca é lento, mas, quando essa estimulação cessa, a frequência cardíaca demora a voltar para níveis normais. O motivo disso acontecer é que as fibras simpáticas operam com norepinefrina, neurotransmissor que demora a se difundir pelos tecidos para, assim, parar de agir na região que foi liberado. 39 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 39 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Figura 18: Gráfico demonstrando o efeito lento e muito duradouro do SNA simpático sobre a frequência cardíaca, provocando taquicardia. • Tônus autonômico: é importante notar que as estimulações tanto simpáticas quanto parassimpáticas, em condições normais do organismo, estarão sendo aplicadas simultânea e constantemente, compondo o chamado tônus autonômico, que garante a chamada frequência fisiológica do nodo sinoatrial. Apenas em situações experimentais será possível isolar o nodo sinoatrial dessas influências, e assim medir a sua frequência intrínseca. o Frequência intrínseca do nodo sinoatrial: caso, experimentalmente, ambas as estimulações simpática e parassimpática sejam interrompidas, poderá ser avaliada a chamada frequência intrínseca do nodo sinoatrial. Isso é feito com o uso de bloqueadores: a atropina inibe acetilcolina, bloqueando o parassimpático; e o propranolol/metanolol inibe a norepinefrina, bloqueando o simpático. ▪ Com esse experimento foi descoberto que a frequência intrínseca do nodo sinoatrial é maior do que a sua frequência fisiológica. Isso significa que, no organismo saudável, a inibição do nodo supera sua ativação; conclui-se que a estimulação parassimpática é predominante na regulação da frequência fisiológica. Isso faz muito sentido do ponto de vista fisiológico, pois os efeitos do SNA parassimpático são muito mais fáceis de se controlar, haja vista que sua ação é praticamente imediata e pouco duradoura. 40 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 40 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão Figura 19: Efeito dos bloqueadores sobre a frequência cardíaca. A atropina tem um efeito taquicardíaco quase imediato por inibir o SNA parassimpático. O propranolol tem um efeito bradicardíaco lento por inibir o SNA simpático. A frequência cardíaca fisiológica, evidente no começo das curvas, é menor do que a frequência cardíaca intrínseca, evidente no final das curvas. Reflexo barorreceptor • Reflexo barorreceptor (barorreflexo): a função do barorreflexo é estabilizar a pressão arterial, e não a normalizar. Ou seja, a sua função é evitar que a pressão arterial fique muito oscilante (pois há uma extensa variedade de fatores capazes de alterar a pressão arterial a todo o momento), mas ele é incapaz de ajustar a pressão não-oscilante para valores normais. o Isso significa que, caso uma pessoa seja hipertensa, o barorreflexo não irá ser responsivo à alta pressão arterial que a pessoa já possui. • No organismo, a variação da pressão arterial é muito frequente, portanto o barorreflexo atua quase que constantemente. • Para que o barorreflexo funcione, são necessários dois tipos de agentes: os detectores de variação da pressão arterial e os executores do controle da pressão arterial. o Os detectores da variação da pressão arterial são os barorreceptores, fibras aferentes sensíveis à pressão localizadas no arco aórtico e no seio carotídeo. A deflagração de potenciais de ação nos barorreceptores ocorre quando há variação da pressão arterial, provocando distensão (pressão arterial aumentada) ou relaxamento (pressão arterial reduzida) dos vasos 41 Guilherme de Matos Abe – Acadêmico de Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão 41 Fisiologia – Medicina UFG Núcleo Universitário Cristão nos quais eles se localizam. As informações captadas serão então enviadas ao SNC. o Os executores do controle da pressão arterial são as fibras do SNA. Por elas serão enviadas as respostas que o SNC dará às informações que chegaram a ele pelos barorreceptores. Caso a pressão arterial esteja aumentada, o SNA intensifica o parassimpático e reduz o simpático, reduzindo a frequência cardíaca e, em seguida, a pressão arterial (pois são grandezas diretamente proporcionais). Caso a pressão arterial esteja reduzida, ocorre o inverso: o SNA intensifica o simpático e reduz o parassimpático, aumentando a frequência cardíaca e, em seguida, a pressão arterial. Figura 20: Quando a pressão arterial nos seios carotídeos está aumentada, a atividade parassimpática (vagal) será estimulada. Quando a pressão arterial nos seios carotídeos está diminuída, a atividade simpática será estimulada. Reflexo de Bainbridge •
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