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Ratzel O homem e o ambiente

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2. 0 HOMEM E 0 AMBIENTE
por efeito das impressoes fugazmente intensas que as condi,oes externas po­
dem produzir, que essa tendencia deveria ser freada e nao deixada excessi­
vamente !ivre, 0 que tern acontecido ha muito tempo sem que a ciencia che­
gasse a qualquer resultado de valor duradouro.
Que nao se nos acuse de superficialidade se fazemos aqui uma consi­
dera,ao de carater formal. A palavra se impoe ao intelecto mais do que se
possa acreditar, e nunca corn tanta for,a como quando a mente estit em bus­
ca da palavra mais apropriada para exprimir a ideia. Nesta busca esta 0 ger­
me de grandes descobertas ou de grandes erros. Neste momento tanto 0 geo­
grafo que descreve como 0 historiador que narra se deixam facilmente le­
var, pelo amor da constru,ao estilistica, a ordenamentos que sua fria razao
frejeitaria. for isso, nos que tambem buscamos sempre considerar 0 homem
em correla�ao corn 0 solo que 0 abriga nao nos sentimos em condi�oes de
aceitar uma compara�ao coma esta que recentemente encontramos em Re�
dus: "Climat, production et peuples se ressemblent de chaque cote du gran­
de portail de Bab-el-Mandeb, dans l'Ethiopie et le Yemen".
" "
�13. Opiniiies relativas a influencia da nalureza sobre 0 homem - A
questao da influencia que a natureza exerce sobre as condi,oes fisicas e inte­
lectuais do homem teve a sorte menos propicia que possa caber a urn proble­
ma cientifico; ela vinha sendo discutida longamente e dos pontos de vista
mais diversos antes que se chegasse a analisa-la e a penetrit-la intimamente
corn os meios da investiga,ao dentifica. Ainda hoje sua abordagem e feita
de modo totalmente superficial e apresenta aquele carater de indetermina­
,ao, aquelas repeti,oes, aquele retornar a vias jit abandonadas, proprios dos
problemas que nao parecem ter esperan,a de solu,ao, Como era a questao
da cria,ao antes de Darwin, de Wallace e de Moritz Wagner. A obscura e
exagerada afirma,ao "0 homem e produto do ambiente" e combatida corn
uma outra afirma,ao igualmente absoluta e pouco consistente. Esta disputa
nem sequel' apresentaria esperan,a de conclusao se nao restasse a confian,a
de que os conceitos nao se opoem taG asperamente urn ao outre coma as
palavras. Nao e possivel refutal' palavra corn Dutra palavra: mas felizmente
os conceitos revelam por si proprios, corn 0 tempo, a sua verdade intrinse­
ca, e par si sos coordenam-se entre si DU se subordinam uns aos outros con­
forme sua intima afinidade e seu valor.
,\:-. A oposi,ao em acolher 0 conceito de que a natureza exerce influencias
prOfundas sobre a historia do homem encontra uma aparente justificativa
na confusao das eausas que determinaram essas influencias e no fato de que
nao se pode estabelecer uma distin,ao entre influencias mais ou menos du­
radouras e mais ou menos profundas. As fontes de erro sac tantas e taG pro­
fundas, que mesmo 0 trabalho de calma investiga,ao corre 0 risco de ser
conturbado. Na verdade e for,oso reconhecer que nos temos uma tendencia
taG viva a admitir a possibilidade de profundas transforma,oes interiores
Na narra,ao de sua viagem de Massaua a Cordofan (Die deutsche Ex­
pedition in Ost-Afrika, p. 8), Munzinger diz:
"A natureza e aqui uniforme, nenhum monte se destaca no alto, nenhuma ca­
deia de montanhas que se distinga ou uma vasta planicie conferem ao conjun­
to caracteristica propria e unidade; tambem a vegeta�ao arb6rea e de altura
media e predominam as gramineas - e assim e 0 homem e 0 seu modo de
ser; nada que revele 0 esfor�o de ascender, nada que domine 0 ambiente; nao
se encontram senao comunidades pr6ximas umas das outras, sem unidade po­
litica nern diferen�as de civiliza�ao".
Sem duvida, esta equipara,ao das condi,oes naturais as condi,oes humanas
produz estilisticamente uma agradavel impressao; mas so estilisticamente,
pais que outra justificativa poderia encontrar aquele "e assim", que preten�
de estabelecer uma rela,ao reciproca entre dois grupos de fatos que ao inves
disso estao taG distantes entre si? Talvez nem mesmo 0 autor se tenha dado
conta da conseqiiencia que adviria se entre aqueles dois grupos de fatos vies­
se a se estabelecer aparentemente desse modo uma rela,iio de causa e efeito.
Nao se pense que encontrar este exemplo nos tenha custado urn grande
esfor,o. As literaturas geogritfica e historica estao repletas de expressoes e
afirma,oes desse,tipo. A experiencia ensina que em qualquer campo da ciencia
quanto mais vasta e a materia ainda nao ou incompletamente conhecida ou
mesmo incognoscivel, tanto mais forte e a tendencia a uma refinada arte re­
presentativa, coma se apenas esta fosse capaz de tomar menos sensivel a pre­
sen,a dos graves problemas nao resolvidos. Ora, por estes exemplos e possi­
vel deduzir a amplitude do nosso tema; mas 0 que pretendemos e sobretudo
extrair dai uma Ii,iio, de que e preciso prudencia ao chegar a equipara,oes
=----"-- .._o--'-�,_. _
5G
deste tipo, que talvez possam ter as vezes valor de verossimilhan,a mas que
nao contern em si urn can\ter de lei. E justamente na sedu,ao que esses pro­
blemas exereem sobre 0 homem que se oeuIta 0 enorme perigo de chegar
a conclusoes apressadas, e e por isso que pretendemos proceder corn extre­
ma cautela. Nao e nossa inte1wao expor aqui urn levantamento completo das
razoes alegadas para negar a influencia da natureza sobre 0 corpo e sobre
o espirito do homem. Queremos apenas apontar G,s razoes principais para
mostrar em que dire,ao se movem e de que concep,oes descendem.
Hume, em urn de seus interessantes Essays, indicou, para negar a in­
fluencia do ambiente fisico sobre 0 caniter dos homens, nove argumentos
fundamentais que representam urn magnifico exemplo das conclusoes erro­
neas a que se pod'e chegar as vezes ainda hoje diante de fenomenos tao com­
plicados.
Antes de mais uada Hume explica a questao de urn ponto de vista mui­
to restrito, na medida em que entre as "causas naturais do caniter nacio­
nal" ele compreende apenas 0 "clima24 e as condi90es meteoro16gicas". e
s6 ocasionalmente indica tambem 0 alimento. Alem disso, embora reconhe­
cendo a importancia que teria 0 exame destas causas hipoteticas, ele nunca
aprofunda a amllise. "Estou inclinadon, diz ele, Ita duvidarde que estas
causas possam ter influencia sobre 0 carater nacional; e nao creio que os
hornens- devam algo do seu intelecto ou do seu espirito ao ar, ao alimento
ou ao clima" (Essays, I, XXI. "Of national characters"). E demonstra sua
assertiva afirmando que urn estudo comparado dos povos revela sem duvida
trocas reciprocas dos costumes e habitos, mas jamais uma troca das influen­
cias do ar e do clima. 0 modo como ele faz esta demonstra,ao e uma prova
da insuficiencia do metodo rigorosamente jndytivo na abordagem dos pro­
blemas hist6rico-filos6ficos, assim como as constru,oes da nossa filosofia
especulativa SaG por sua vez do metodo rigorosamente dedllthw. NaG seria
possiveI chegar a uma demonstra,ao mais evidente de como ao instrumeuto
16gico, ao metodo, deve-se atribuir sempre parte do born ou do infeliz resul­
tado cientifico. Tentaremos contrapor aqui a seus argumentos a refuta,ao,
muitas vezes bastante 6bvia.
I. Em grandes imperios, como
a China, a caracteristica do povo se
mantem uniforme apesar das diferen­
,as de clima.
I. Corn 0 sucessivo progresso
das pesquisas ficou provada a exis­
tencia de diferen,as cada vez maio­
res entre os chineses do norte, do sui,
do leste e do oeste.
2. Diferen,as de origem e de
condi,oes naturais que, no caso de
Atenas e Ubas, nenhuma grande co­
munhao hist6riea teve meios e tem­
po de eliminar.
2. Pequenos Estados vizinhos
entre si apresentam freqiientemente,
apesar da semelhan,a das condi,oes
naturais,grandes diferen,as na carac­
teristica do povo: Tebas e Atenas.
2. V. lambern a este respeito 0 capitula sabre clima.
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3. Freqiientemente as fronteiras
politicas SaD ao mesmo tempo linhas
de nitida separa,ao entre as caracteris­
ticas nacionais: Espanha e Fran,a.
4. Ral'a5 dispersas coma os he­
breus e os armenios apresentam em re­
lal'iio ao povo entre 0 qual vivem di­
feren,as tao grandes quanto e a seme­
Ihan,a que tern entre si.
5. Eventuais diferen,as de reli­
giao, lingua etc. fazem corn que po­
vos que vivem juntas apresentem ca..,
racteristicas extremamente diversas:
gregos e turcos.
6. Os povos coIonizadores con­
servam suas pr6prias caracteristicas pa­
ra onde quer que se transfiram [Kant
se aproxima dessa opiniao quando na
sua Antrop%gia (4? ed., p. 292) aflr­
ma que 0 clima e 0 solo nao bastam
para expliear as caracteristicas de urn
povo, porque as \l1i£!:ac6es de povos
inteiros demonstraram que esses povos
naG modificaram suas caracteristicas
em eonseqiiencia da mudanl'a de sede].
7. Em urn mesmo territ6rio, 0
mesmo povo apresenta nos diversos
perlodos grandes diferen,as de carae­
teristicas: gregos antigos e modernos,
iberos e espanh6is, romanos e ita­
lianos.
8. Os povos que estao em estrei­
ta rela,ao adquirem uma grande seme­
Ihan,a de caracteristieas.
� 9. Aqui sao povos entre povos
tao diversos que se pode dizer que nao
tern nenhuma caracterfstiea comum.
\�,o 57
3. A Espanha e a Fran,a sao
palses muito diversos pela posi,ao e
pelo solo e, conseqiientemente, e diver­
so 0 curso da sua hist6ria.
4. Ninguem nega que existam di­
feren,as no modo coma os povos so­
frem as influencias externas.
5. Os tureos e os gregos viveram
juntos nas mesmas regioes por urn
tempo relativamente curto. Todavia a
posil'iio europeia-asiMica de suas sedes
influi sobre os dois povos de maneira
igual.
6. As diferen,as entre os habi­
tantes da Nova Inglaterra ou da Vir­
ginia e os ingleses, entre os Meres da
Africa' do SuI e os holandeses se ma­
nifestaram no eurso de apenas alguns
seeulos.
7. Os povos descendentes dos
gregos e dos romanos se diferenciaram
logo de seus progenitores por efeito de
rniscigena,6es e pela mudan,a de po­
si,ao econ6mica e politica.
8. Isso, porem, quando as rela­
l'6es sao acompanhadas de rnisturas de
sangue e intercambio de civiliza,ao.
9. Nenhum povo e nenhuma ra­
,a sao privados de caracteristicas fun­
damentals da humanidade onde quer
que se situem. Contudo, as mais pro­
fundas diferenps de ra,a derivam, em
parte, do ambiente.
58
�14. Variedade das influencias que a natureza exeree sobre 0 homem
- Examinando os argumentos de Hume nos convencemos de que em gran­
de parte eles resultam de observac;5es incompletas, e que, por outro Iado,
ele nao reconheceu a importancia que cabe ao tempo na formac;ao das dife­
renc;as entre os povos singulares. Hume nao percebe que as pesquisas de que
se trata nao podem quase nunca se Iimitar ao exame das relac;5es diretas en­
tre povo e territ6rio, e isto porque e raro poder admitir que, no espac;o de
tempo durante 0 qual, segundo nasso conhecimento, um povo permanece
sabre urn determinado territoria, se verifiquem nele modificacoes sensiveis,
ainda que'J' aceite que durante aquele tempo esse povo tenha se mantido
puro de mlsturas estranhas. Este tipo mais simples de problemas, nos quais
causa e efeito se unem no tempo e no espac;o, aparece apenas na pesquisa
das influencias que a natureza exerce sobre os atos dos homens, e e esta exa­
tamente a distin<;ao que Hume nao faz. Os seus exemplos contemplam sem­
pre apenas a pesquisa das causas pravaveis de determinadas caracteristicas
de uma rac;a, de um povo, de uma triba, apaiada sobre 0 exame das proprie­
dades do solo, da agua, do dima do territ6rio correspandente. Ora, na maior
parte dos casos, essa pesquisa requer 0 estudo dos dificeis problemas fisio­
16gicas e psicoI6gicos.
'"\'Tamemos um exemplo. Quando, sob a influencia do dima deprimente
das baixadas tropicais, os arianos, q.ue provem das regi5es elevadas do no­
raeste e penetram na baixa-planicie oriental da india, deixaram de ser os "per­
feitos" ou os "dominadores" I coma seu name os designava. 0 fenomeno
a que sucumbiram teve um carater puramente flsialogico. Se a flsialogia hu­
mana quiser estudar este processo e necessario que examine antes 0 fenome­
no fisiologico no arganismo singular e depais a acorrencia deste no conjun­
to daquele pava a fim de encontrar sua explicac;ao em uma serie de causas
naturais de extensao gera!. Desde que a fisialagia estabeleceu assim a rela­
CaD entre a natureza e 0 homem singular I e depois entre aquela e todo 0 po­
va, a geografia aceita esta relac;aa camo dada de fato e a utiliza para seus
fins. Mas 0 estudo de coma os arianos, seguindo em direc;iia ao sui ea oeste
os cursos do Djemna e do Ganges, entraram em choque corn povos que ha
muito tempo viviam ali sedentariamente, e os expulsaram ou se imiscuiram
entre eles, impelindo tribos do seu proprio pava e repelindo outras que esta­
yam antes decadentes, este estuda contempla uma questao de espac;o e e por­
tanto um problema meramente geografico. E, ao mesmo tempo, cabe it geo­
grafia 0 exame das formac;6es paliticas nas quaisos conquistadores se divi­
dem no momento em que se estabelecem em urn novo territ6ria. E tarefa
ainda do geografa examinar e depois descrever ou expressar graficamente
o pracesso pelo qual aquelas tribos se sucederam, desde os bharatas, que
foram se estabelecer no alto Ganges e cujo assentamenta parece ter pasta
fim it migrac;aa, ate os magadhas impelidas ao suI do Ganges, que represen­
tam coma que a ponta da cunha ariana que penetrau corn mais profundida­
de entre as populac;5es aborigines. Enfim, hauve condic;5es naturais que fa­
voreceram au abstacularizaram a expansaa daquelas tribas, 0 seu isalamen-
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59
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10, os seus esforc;os para manter-se e cansolidar-se; par isso, aIem do exame
das rela<;oes de espac;o indicadas adma, cabe ainda ao ge6grafa 0 exame
destas causas e circunstancias naturais)
I AIem das influencias fisiolagicas e geograficas a natureza exerce ainda
1 outras na medida em que pode permitir pelo menos a urn povo ou a uma
, , frac;iio deste ampliar ou reforc;ar cada uma de suas caracteristicas au adqui­
rir autras atraves de associa<;oes adequadas. Urn terriloria fechado em si mes.
ma favarece a forma<;ao de um povo homogeneo impedindo ou Iimilanda
a penetrac;ao de elementos estranhas. Por esta razao as ilhas se caracterizam
em geral por uma grande homogeneidade etica e de civilizac;ao'de seus habi­
tantes. Ao contrario, urn territario muito aberto favorece a miscigena<;ao
eo cruzamenta dos povos. No caso que tomamos como exemplo deu-se exa­
tamente uma influencia deste segundo tipo na profunda miscigenac;aa dos
vaisias, ou membros das estirpes imlgradas. corn os sudras aborigines, pais
no vasto baixo-vale do Ganges niio existiam barreiras naturais que obstacu­
larizassem essa miscigena�ao, que por isso nao pode ser impedida nem mes­
mo pela mais rigorosa separa�ao entre os castes e os "de cor"; ao contra­
rio, nos vales das montanhas, onde as alturas diante da baneira etnografica
do Himalaia separam pequenos campartimentos etnicas naturais, 0 sangue
ariano mantem-se mais pure que nas regioes circundantes e ao mesmo tern.
po se mantem pura, em alguns compartimentos montanhosos da peninsula,
a cor morena dos aborigines. Exemplos do primeiro caso sao os kascias e
os dasus do Himalaia, e do segundo os paharias da cadeia do Radshmaha!.
Observemas finalmente coma, apos a mudan<;a de sede, uma profun­
da modifica<;ao se manifesta tambem nos costumes e nas concep<;oes das co­
munidades arianas; modifica<;iio que se relaciona aa deslocamenta que se
da de uma sede mais elevada, mais fresca, naturalmente mais pobre, situada
no altiplana narte-ocidental, aas valesprafundas, quentes, naturalmente ri­
cos, ate bastante ricos, dos grandes rios da India, e encontra evidentemente
sua causa principal na abundiincia diversa corn que a natureza lhes havia
pradigalizada e prodigalizava os seus dons nas duas sedes. E eis que uma
comunidade pastaril se transforma em comunidade agricola, que tribos uni­
formemente sobrias e quase pobres se transformam em urn pava compasta
de alguns ricos dominantes corn inumeros suditos carentes, que uma cornu.
nidade pouco numerosa se constitui num pova multiplicando-se cam enar-
me rapidez. 'Examinamos assim quatro farmas de influencia da natureza sobre 0 \
:homem: I?) Uma influencia que se exerce sobre os individuos e produz nes­
tes uma modificac;ao profunda e duradoura; primeiramente ela age sobre I
o corpo e sobre 0 espirito do individuo e e por sua natureza fisiol6gica epsicalagica; e sa mais tarde passa assim ao ambita da histaria e da geogra- (
fia, iSIO e, quando se estende a povos inteiras. 2?) Uma influencia que dire­
ciona, acelera ou obstaculariza a expansao das massas etnicas. Esta deter­
mina a direc;iio da expansiio, sua amplitude, a pasic;iia geagrafica, os limi- !
tes. 3?) Uma influencia mediata sobre a essencia intima de cada pavo que
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se exerce impanda a ele candi,oes geognlficas que favorecem 0 seu isolamen-
to e por isso a conserva,ao e a reafirma,ao de determinadas caracterlsticas,
ou facilitando a miscigena,ao corn outros povos e portanto a perda das pro­
prias caracteristicas. 4?) Finalmente uma influencia sobre a constitui,ao so­
cial de cada povo que se exerce aa oferecer-lhe maior ou menor riqueza de
dotes naturais, ao facilitar-Ihe ou tornar-lhe dificil primeiramente a obten,ao
dos meios necessarios a vlda, e depois dos melos necessarios ao exercfcio da i
industria e do comercio e pois a abten,ao da riqueza por meio da troca. Co-I
mo se Ye, destas quatro questoes as tres ultimas tern estreita conexao corn a
geagrafia enquanto a primeira nada tern a ver corn esta; e por isso e absoluta­
mente necessario examinar aqueles problemas a parte, antes de enfrentar 0
estudo daquele conjunto que se refere a influencia da natureza sobre os desti­
nos da humanidade.
�15. A variabilidade dos povos - Duas sac as propriedades gerais nas
quais os naturalistas dos nossos tempos reconhecem as causas mais impor­
tantes daquelas transforma,oes graduais que, corn 0 transcarrer de longas pe­
riodas de tempo, atingem os grandiosos resultados que a hist6ria da cria,ao
nos apresenta; a variabilidade e a hereditariedade. A primeira produz as mo­
difica,oes, a segunda as transmite depois a descendencia. Hoie nao ha duvi­
da de que a varia,ao das condi,oes naturais contribui fortemente para criar
essas modifica�5es; tambem outras varia�oes de carater artificial concorrem
aqui como bem 0 sabem os criadores de plantas ou de animais domesticos;
mas e 6bvio que no estado natural as condi,oes que exercem a sua influencia
devem ser quase sempre naturais. Seria de se excetuar apenas algumas influen­
cias de carater totalmente particular, como por exemplo aquelas que se pro­
duzem quando os seres se apresentam associados nos chamados"estados
animais" .
De qualquer modo, importa-nos aqui constatar que as influencias natu­
rais produzem madifica,oes nos organismas que, para usar as palavras da­
quele que foi nesta materia 0 maior pensador,
"frequentemente pequenas mutac;oes nas condic;6es de vida intluem de modo
determinado sabre nossas plantas e animais domesticos ja por si pr6prios varia­
veis; e do mesmo modo que as influencias daque1as mutac;oes ao produzir uma
variabilidade geral e indeterminada se acumulam gradativamente, isto pode ocor�
rer tambem cam seus efeitos determinados. Epode ser portanto que a influen­
cia das muta�5es oeorridas nas eondj�5es externas, que se exeree atraves de uma
longa serie de gera�oes, produza nos organismos grandes modifiea�oes determi­
nadas. Em alguns easos verificou-se que eomunidades expostas a consideraveis
muta,oes de clima, de alimento ou de outras condi,oes sofreram em todos ou
em quase todos os seus individuos efeitos consideraveis. Isto 9correu e ocorre
ainda corn os europeus nos Estados Unidos, corn os caes europeus oa india,
corn os cavalos nas ilhas Falkland, corn os diversos animais em Angola, corn
as ostras forasteiras no Mediterraneo, corn 0 milho cultivado na Europa corp
sementes provenientes das zonas tropicais. Temos razoes para erer Que tambem
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61
organismos em estado se!vagem possam sofrer varias modifica90es determinadas par efeito
de condi�oes externas a que se encontrem ha muito tempo expostos,,25.
Nao nos esque,amos porem de acrescentar a restri,ao que se segue logo
depols:
"Embora se deva admitir que novas condi�6es devida possam as vezes modi­
fiear os organismos em urn sentido determinado, e necessaria porem colocar
em duvida que a influencia direta de eondi�5es externas modificadas possa sec
suficiente para formar especies bem diferenciadas sem a concon-encia da sele-
�ao natural ou artificialll26. -
Em lugar da seleriio natural ou artificial se nos permita aqui usar ao final
do ultimo perioda citado os dois conceitos geograficamente mais 6bvios da
migrariio e 00 isolamenta, substitukaa que nao infirma em absoluto a subs­
tancia do que foi exposto.
Nao devemos pois considerar a variabilidade do homem de maneira;
tal que em certo sentido qualquer influencia externa deva deixar sobre ele
sua marea, e uma marea earacteristica cuja natureza se possa ate reconhe­
cer; 0 homem e urn organismo que segue as pr6prias leis e que sempre de
acordo corn estas, embora de forma independente, elabora tudo aquilo que
Ihe provem do exterior. Este afirmar-se da individualidade humana em meio
as influencias exteriores, nao obstante as violentas rela,oes que the sao im­
postas, constitui urn elemento essenclal do conceito de vida, conceito que
Herbert Spencer expressou de modo mais completo precisamente pOt'que com­
preendeu 0 fata da continua adapta,ao das condi,oes internas as condi,oes
externas27, e ao qual Augusto Comte mais ou menos no mesmo sentido atri­
buiu como condi9ao fundamental a existencia de uma "harmonia entre 0
seT vivo e 0 ambiente que 0 circunda". 0 fato de as formas organicas se mo­
dificarem corn a muta,aa das condi,oes externas pode ser considerado hoje
como universalmente aeeitoi a isso porem se aerescenta uma constatacao ex­
perimental de importancia nao menos universal, isto e, que freqtientemente
tais modifica,oes no individuo encontram logo urn limite alem do qual se
tornam insignificantes; que, por outro lado, diante de influencias externas
da mesma intensidade nem todos os organismos se modificam na mesma me­
dida, e que finalmente quando cessa a a,ao dessas influencias verifica-se urn
retorno a forma primitiva, de modo que se pode dizer que a forma, a indivi­
dualidade do organismo tern uma forte tendencia a se manter. Contudo, da­
do que as observa,oes de que dispomos sao muito recentes, como temos lem­
brado repetidas vezes, parece-nos prematura a afirma,ao de Darwin: "0 ti­
po de modifica,iio depende em maior medida da natureza e da constitui,ao
25 DARWIN, The variation, 11, p. 290.
16 Ibid .• tt, p. 292.
27 Principles of biology, I, 929.
62
I'
do organismo que da natureza das condi<;6es externas que mudaram"".
Verifica-se de todo modo como era escasso 0 fundamento do conceito de
que os povos podem se adaptar exatamente ao seu ambiente como se este
fosse uma massa plastica, de modo a se tornar com 0 tempo um espelho
do proprio ambiente; e como por outro lado se imp6e a constata<;ao de
que os povos, sendo constituidos por organismos vivos, estao sujeitos it lei
da variabilidade, nao podendo pOrlanto subtrair-se it a<;ao das influencias
externas.
Raramente ocorre que uma caracteristica ffsica ou intelectual se deva
a uma influencia externa cuja a<;ao tenha se desenvolvidorapidamente. A
largura do torax que se verifica nos habitantes do puna na America do SuI
pode ser atribuida, sem medo de errar, ao ar penetrante daqueles altipla­
nos. Mas em geral a pesquisa das causas determinantes tem sido feita so­
bre os fenomenos mais diffceis e de origem mais complexa. Um dos temas
favoritos e 0 da cor morena dos negros e sobretudo da diferen<;a da estrutu­
ra de sua pele. Ora, quem le 0 fidelissimo levantamento feito por Waitz na
sua Anthropologie der Naturvorkern" de opini6es mais ou menos razmlveis
formuladas sobre este argumento debatido desde a Antiguidade fica surpre­
so sobretudo ao observar a amplitude da possibilidade de hipoteses de que
a mente humana disp6e. Contudo, todas aquelas hipoteses acerca das cau­
sas locais do fenomeno nao nos levaram um passo adiante em dire<;ao it so­
lu<;ao do problema. Foi a fisiologia modema que nos socorreu aqui decisi­
vamente orientando-nos por uma outra via. Possuimos dois dados de fato:
a abundante evapora<;ao dessa pele e a possibilidade que tem 0 negro de per­
manecer exposto sem sofrer a um calor muito intenso sob 0 qual a pele do
branco se recobriria de bolhas. 0 nexo fisiol6gico entre os dois fatos e evi­
dente: a abundante evapora<;ao e uma caracteristica util pelo resfriamento
que produz, e portanto e provavel que 0 homem a tenha adquirido vivendo
no clima quente, e justamente para suportar esse clima. Partindo deste dado
podemos agora ir adiante com muito mais seguran<;a do que se tivessemos
partido da constata<;ao geografica de que as cores mais escuras se encon­
tram nas zonas tropicais, constata<;ao cujo valor, como e de se notar , e ain­
da minimizado pelo fato de que naquelas quentissimas regiaes se encontram
igualmente cores claras. Depois disso, a pergunta sera provavelmente esta;
"Onde e quando se formam as cores escuras nos homens de cor dara?".
E a terceira: "Como se comporta a COr escura nos climas frios e a cor clara
nos climas quentes?". 0 resultado final destas indaga<;aes sera que estare­
mos pelo menos pr6ximos da causa fisiol6gica da cor escura e da estrutura da
2a The variation, Il, p. 250. Cr. tambem a passagem seguinte (extraida de uma carta de Dar­
win a Moritz Wagner ("Kosmos", IV, p. lO)� "Na minha opiniao 0 maior erro que cometi
fai 0 de nao ler atribuido importancia suficiente a influencia direta do ambiente (alimento, di­
ma etc.), inctependentemente do fenomeno da sele9ao natural".
29 Anthropologie de,. Nalurvolker. 1, p. 45 et seqs.
:�:-;-!f-:.,;;;;",-_. .. - u_o
63
pele dos negros. Depois disto a geografia passa a descrever a difusao daque­
la cor sobre a superficie terrestre; e e s6 neste ponto que a sua interven<;ao
pode se tornar util e proveitosa.
Podemos' portanto estabelecer como regra que nas pesquisas relativas/
it influencia que a natureza exerce sobre caracteristicas materiais ou espiri­
tuais dos povos, 0 argumento da sua difusao geogrMica deve ser sempre dei;
xado it parte ou por ultimo, porque ele induz ao erro com extraordinari�
facilidade. Dada a imensa mobilidade do homem aquelas caracteristicas na
permanecem exclusivas dos territorios de cuja influencia foram produto, pois
elas migram cam 0 homem que as adquiriu; e nesse caso sua dura<;ao depen­
de das condi<;oes internas do organismo que as possui (v. �20).
.1
�16. As influenci.s n.tur.is considerad.s em rel.�ao com • form'fiio
ea constituifao dos povos - Em uma epoca como a nossa, quando em qual­
guer estudo cientifico se busca introduzir 0 fundamento genetica,. e SUl"preen­
dente ver aquele importante problema da influencia que a natureza exerce
sobre 0 homem ser tratado sem nenhuma aten<;iio ao processo de forma<;iio
dos povos. Agora que compreendi que um povo sob a influencia de certas
condi�oes naturais adquire determinadas caracteristicas, considero ainda co­
mo muito importante para 0 exito final da minha pesquisa saber se esse po­
vo ao sofrer essas influencias ja estava completamente formado ou ainda
el11 vias dejorl71a,Czo. Suponhamos que um homem e uma mulher se transfi­
ram juntos para um territ6rio que possua condi<;6es naturals particulares,
transcorram ali sua existencia e se multipliquem estabelecendo desse modo
a base de uma nova tribo que poderia vir a se tomar um grande povo. Nao
e provavel que as influencias da natureza se revelem nesse caso mais profun­
das do que se se tratasse de um povo numeroso que fosse se estabelecer em
um territ6rio desabitado e ali se multiplicasse posteriormente? Eo resultado
que se teria no primeiro caso nao seria a forma<;ao de um povo intimamente
homogeneo? Como e de se notar, a acentuada uniformidade que se observa
nos indios da America. do circulo polar ao cabo Hoom, foi explicada exata­
mente admitindo uma migra<;ao ocorrida deste modo e cujo efeito ­
considerava-se - deveria se tornar ainda mais intenso pelo fato de que aqueles
territ6rios, que a principio nao pareciam adequados para receber grandes
imigra<;6es, em tese nao deveriam nem mesmo mais tarde favorecer a pene­
tra<;ao de elementos estranhos nem a consequente altera<;ao da nova nature­
za etnica, resultante da a<;ao concomitante da hereditariedade provinda de
uma tribo pouco humerosa e da influencia das condi<;6es naturais. A intima
homogeneidade dos povos insulares, a qual frequentemente se acena, pare­
ce demonstrar que com 0 tempo as varia<;oes individuais puderam ser trans­
mitidas por hereditariedade a todo 0 povo e que provavelmente por isso tam­
bem as influencias das condi<;6es naturais puderam se estender considera­
velmente. As comunidades que se estabeleceram ha pouco tempo ern urn no­
vo territorio cabe, neste sentido, como foi assinalado por Moritz Wagner,
a amplitude do pr6prio territ6rio, que oferece abundancia de alimentos e
64 65
comodidade de habita,ao. Quando um povo se encontra nessas condi,oes
de facilidade para prover 0 necessario it vida, a maior independencia dos
individuos e das familias, 0 moral mais elevado que gel'a infalivelmente a
consciencia de uma capacidade de expansao praticamente ilimitada, e que
embora se trate de urn fator exclusivamente moral revela, exatamente por
isso, uma grande eficacia na forma,ao das caracteristicas do povo, tudo is­
so ocorreu por efeito de uma renova,ao social. Acreditamos que cada uma
daquelas transforma,aes do corpo e do espirito sofridas pelos descendentes
dos europeus na America e na Australia, das quais tanto se fala, e que Dar­
win, com uma perspicacia que naG poderia ser mais oportuna no caso, atri­
bui certamente ao clima, for produzida atraves da a,ao deste ambiente so­
cial. Eis ai urn grave erro frequentemente repetido nas pesquisas que se rea­
lizam neste campo, isto e,'a inobservancia de certos elementos intermedia­
rios que se interpaem muitas vezes entre os efeitos que se manifestam diante
dos nossos olhos e as suas eausas naturais mais longinquas. A tendencia a
sempre conduzir a pesquisa pela via direta, sem passar pelas causas interme­
diarias que tambem estao em a�ao, produz as mesmas conseqiiencias que
a inobservancia da influencia do tempo. Esta conduz a resultados erroneos',
ou gera a impressao de que nao se pode chegar a resultados exatos. A maior:
parte das influencias que a natureza exerce sobre a vida espiritual do ho-'
mem se manifestam atraves das condi�oes economicas e sociais que por sua
vez estao intimamente ligadas entre si.
to nao estao em condi�oes de mandar frequjentemente para fora nern navios,
que precisam ser equipados, e nem exercitos, porque DaO os possuem nem a
uns nem a outros".
Strabone, referindo-se a limita,ao das condi,aes da Grecia antiga, ma­
nifesta a opiniaoJO de que tadas as diferen,as etnicas derivam dos costumes
e da educa,ao, e que por efeito destes e nao so pela natureza diversa do seu .
territ6rio os atenienses foram mais cultos, os lacedem6nios e os tebanos mais
ignorantes. Mas e de se perguntar entao se e em que medida costumes e edu­
ca�ao sao por sua vezindependentes da natureza do territorio I e sobretudo L,
se a constitui,ao social e a forma,ao das classes nao dependem etas proprias :
das condi�oes naturais que exercern desse modo mediatamente, mas certa­
mente por uma via nao muito indireta, a mais profunda influencia sobre a
instru,ao, sobre a educa,ao, sobre toda a vida intelectua! do povo. Os anti­
gos nao ignoraram a influencia que a predominancia da atividade agricola,
que dependendo das condi,aes do tempo nao poderia produzir nenhuma ri­
queza consideravel, exerceu sobre 0 carater social dos lacedemonios e por­
tanto sob re toda a "ida politica do seu Estado. Tucidides diz atraves de Pe­
rides a sellS atenienses:
"As comunidades do Peloponeso vivem do trabalho dos proprios brar;os e nao
possuem dinheiro nem individualmente nem nas caixas do Estado: elas nao
conhecem nem longas guerras nem expedir;6es alem-mar, ja que pobres coma
sac mio podem travar senao guerras breves entre si. Estas comunidades pOlotan-
E Plutarco na Vida de Solon narra como tendo os atenienses se lan,ado de­
pois da revolta de Cilone lis suas antigas di�cordias intestinas, formaram-se
no Estado tantos partidos quanta� eram as varia,5es do territorio: os mon­
tanheses queriam urn regime democn\tico, os planaltinos 0 dos principes,
os ribeirinhos urn regime intermediario.
o fato de as comunidades agricolas desejarem sobretudo poder traba­
Ihar tranquilas sob a prote,ao do Estado e pouco se imponarem corn a for­
ma polftica deste foi utilizado pelos politicos da Antiguidade e 0 e ainda pe­
los politicos de hoje. Naabordagem que faremos mais adiante descobrire­
mos uma grande quantidade de rela,5es diretamente dependentes da natu­
reza, das quais derivam, as vezes, importantes efeitos no terreno historica.
Mas no estudo desses efeitos encontramo-nos sempre mante de urn dos dois
enos conhecidos: ou se busca a explica,ao diretamente na natureza ou se
nega a existencia de quaisquer rela,aes corn esta: sao sempre os dois velhos
extremos que se repetem. Aqui, lembramos apenas, em contraposi,ao it ci­
tada afirma,ao straboniana, urn exemplo de como, em paises em que a na­
tureza apresenta caracteristicas relevantes, facilmente os efeitos imediatos
do estagio de civiliza,ao se modiflcam pela influencia de suas condi,6es na­
turais; este nos e fornecido pela curiosa constatal;5o de que sob re quase to­
dos os paises onde os europeus implantaram colOnias importantes, mcontrarn­
se afirma,oes de que esses possuem urn clima excitante. E notorio que isto
tenha sido dito da America do Norte, da Australia e da Nova Zelandia; e
Bleck reafirmou-o ainda em rela,ao a Natal: "Aqui", diz ele, "0 estado ge­
ral de animo e de uma excitapio doentia".
Quisemos par em evidencia estes erros, aos quais conduz a inobser­
vancia dos pontos intermediarios, porque entendemos que estes constituem
urn exemplo uti!. Eles podem servir nao apenas para nos indicar a via que
devemos seguir para evita-Ios, 0 que ja seria uma grande vantagem; mas nos
indicam a1em disso qual 0 meIhor metodo para penetrar a verdadeira essen­
cia das estruturas sociais e politicas, cujo fundamento e antes de tudo espiri­
tua!. Neste estudo deve-se partir sempre da natureza para os seus efeitos ime­
diatos e daI aos efeitos posteriores; muitos daqueles tern continuidade nes­
tes; e apenas seguindo 0 procedimento indicado se pode evitar 0 perigo de
que as causas mais longinquas embora importantissimas nos escapem a ra­
zao exatamente pela sua profundidade.
I
i
.10 Lib., 11, p. 103.
�17. IPovos de tipo misto - Nenhum dos povos de hoje apresenta urn
tipo etnico unico. Cada urn deles e formado peIa reuniao de duas e freqiien­
temente ate de mais fra,aes dos diversos povos que pela turbulenta sucessao
66 67
historica dos tres ultimos milenios nao tiveram meios de se fundir entre si
completarnente. Diante de uma tal composi,ao etnica surge espontaneamente
a questao de se entre os elementos de que se cornpoem aqueles povos nao
exisle um Que tenha sido mais favorecido que os outros pelas condi,oes do
ambiente fisico comum. Todos aqueles que estudaram a fundo a vida dos
. p"'g.v."��rniti(alJl s��.e_Q.ue Q!iO.e��"cH. r�£()J1h�cef-�i5torU1JdlUieteio�­
n�4acttdo povo, cpsturna ,cgr,e.spO}l<i<:r a esta uma.divisaoparticular das
atividades'entre 0 povo. Bastara a--este prop6siT6'fecordar as ra,as comer­
cfitotes closn,'6retis,-,f6s armenios, dos gregos, dos arabes, dos bociuanas
etc., Que se espalharam por paises inteiros exercendo 0 comercio e 0 Wifico,
assim coma os pavos navegadores que fizeram 0 mesmo atraves da navega­
,ao e que se apoderaram do mar a ponto de tolher completamente 0 contato
de outros povos corn este; deste fato oferecem exemplos marcantes os ma­
laios em rela,ao aos papuas, os germanicos em rela,ao aos celtas e aos esla­
vos de algumas partes da Europa setentrional e centraL
M. Chevalier, ao comparar os virginianos e os yankees, que represen.
tam sempre os dois tipos etnicos da America setentrional, mesmo depois da
valoriza,ao das regioes do oeste, distingue admiravelmente a vantagem da
duplicidade do tipo etnico:
gente dos brancos unida a tenacidade e a parcimonia dos indios; igualmente
vantajosa e a coexistencia na America Central dos negros e mulatos e dos
indios, na medida em que os primeiros estao aptos a viver especialmente nas
umidas baixadas, e estes nos elevados ;.. frios altiplanos.
-I:> Ve-se portanto como na avalia,ao da influencia das condi,oes natu.
rais devem ser considerados nao s6 os individuos mas tambem os elementos
etnicos de que urn povo se compoe, Tanto uns quanto os outros podem cons.
tituir 0 meio atraves do qual a natureza exerce sua poderosa influ�ncia so­
bre toda a na,ao. Acaso a Inglaterra nao passou a ter uma popula,ao mari­
tima s6 a partir do momento em que recebeu em seu seio os germilnicos,
gente particularmente apta ao mar? Hoje toda na,ao, independentemente
da sua origem "tnica particular, sabe desfrutar a natureza insular do seu ter.
rit6rio e 0 desenvolvimento das suas costas, e guiada pelo seu elemento ma.
ritimo se transformou inteiramente em urn povo de navegadores. .....
"Nao e uma vantagem pequena para urn povo", diz ele, "compreender no
seu seio dais tipos etnicos de fisionomia nitidamentediferenciada quando jun­
ros aruam em comum acordo no ambito de uma (mica nacionalidade. Urn po­
vc cujos individuos podem ser todos relacionados corn urn tinieo tipo etnico
representa entre os aUUDS POVOS 0 mesmo que urn solteiro entre os homens.
Este leva uma vida mon6tona, tern urn ar reservado, e indolente, nada 0 irnpe-
le a progredir; os antigos egipcios eram exatamente assim. Ao contrario, urn
povo de duplo tipo, sempre que dos dais tip os nenhurn adquire urna superiari­
dade deleteria sabre 0 outro, goza da existencia mais completa possivel e sua
vida se desenvolve em urn imercarnbio continua de sentirnentos e de ideias.'
Um povo como esse tern 0 dom da produtividade: ele se renova e se rejuvenes-' '
ce por si pr6prio"Jl,
Deixemos de lado as considera,oes posteriores de Chevalier acerca de urn
tipo etnico macho e urn tipo femeo de cuja conjun,ao deveria resultar se­
gundo ele 0 povo perfeito. Observemos ainda coma os Estados Unidos da
America apresentam talvez urn dos exemplos mais notaveis desta duplicida­
de do tipo etnico na uniao que se deu do elemento germimico agricultor corn
o celta industrial, cada urn dos quais se lan,ou corn a mesma energia a des­
frutar urn dos inumeros recursos daquele vasto territ6rio, de modo que da
obra conjunta dos dois elementos surge urn resultado bem mais significativo
do que teria sido possivel se apenas urn deles, 0 mais numeroso, tivesse per­
seguido ao mesmo tempo os dois objetivos. Assim, na parte setentrional do
continente 0 desfrute das abundantes riquezas em couros de animais que as
ten'as da baia de Hudson ofereciam s6 foi possivel gra,as a vigiHincia inteli-
�18. A escolha da sede e a influencia da natureza- David Livingsto­
ne, ao fazer algumas obje,oes a Pritchard, que na sua Histaria natural do
genera humaljo desenterrou muitas hipoteses vagas do passado arrancando­
as de urn merecido esquecimento, poe em evidencia urn elemento ate entao
ignorado das rela,oes entre povo e territ6rio. Em uma carta de Tete, citada
na edi,ao das suas Camb,idge Lectures", 0 grande explorador africano as.
sim se exprime:
"As diferenr;as encontradas entre algumas tribos que vivem nos mesmos luga�
res explicam-se se se observar 0 local que cada tribo ou familia escolheu para
habitar;ao, no sentido de que se uma certa localidade apresenta caracteristicas
particulares e rnais exato compreender que a escolha feita revela uma disposi.
<;.9.0 ja preexistente naquela tribo ou familia do que acreditar que tenha sido
a localidade escolhida a determinar 0 desenvolvimento daquelas disposir;6es".
Livingstone compara 0 tenaz e vigoroso bosquimano, corajoso, independente,
hosti! a agricultura e ao pastoreio, ao bacalahari que vivendo hit seculos em
meio as mesmas condi,oes externas, pusililnime e pronto a se submeter,
contenta-se em cultivar urn par de ab6boras ou pastar algumas cabras. 0
bosquimano escolheu para sua sede 0 deserto de Quanza no Cabo, 0 bacala­
hari foi impelido para all. 0 mesmo se diga dos corajosos habitantes das
montanhas: "eles escolheram a montanha porque estavam decididos a se de­
fender, a combater pela sua Iiberdade".
Certamente que esta explica,ao de urn pratico conhecedor dos povos,
como foi Livingstone, e satisfat6ria para muitos casos; mas ela nao nos diz
absolutamente como as ra,as, os povos etc. chegaram a possuir as caracte­
risticas que os distinguem, 0 que demonstra que ela nao e suscetivel a uma
amp!a generaliza,ao e que por isso nao nos pode dar uma explica,ao satis­
fat6ria de todos os fatos constatados que se referem a este argumento. Con-
,11 CHEVALIER, M. Le((res SLlr I'Amerique du Nord, 1836, I, p. 177 et seqs. 32 1858, p. 102.
�-_.�t"W.....-.... F'=-- ""'-_o=""'�C>O ..
�8 I 69
tudo, ha nesta concep<;ao urna verdade que se irnpos tarnbern a outros etn6­
16gos. Assirn, G. Fritsch diz":
"As disposi�6es e as tendencias naturais de uma tribo determinam seu modo
de vida, e deste resulta depois indiretamente 0 desenvolvimento do corpo em
rela<;ao a tudo aquilo que nao se refere diretamente aquelas disposi,oes. De
qualquer modo, as condi<;oes do territ6rio nao podem modificar rapidamente
o tipo etnico; e especialmente no que se refere a Africa do SuI nao seria apro­
priado admitir que aquelas condiiYoes se de,vam atribuir as difereo9as que la
se obscrvam. na medida em que as tribos ali ocupam suas sedes ha urn tempo
provavelmente nao muito longo".
de muitos territ6rios que ja foram habitados por seus progenitores. A influencia
do ambiente atual pode ser demonstrada apenas se se admite que um povo
permane<;a na sua sede atual 0 tempo necessario para que as influencias deste
possam ser exercidas sobre sua natureza fisica e intelectual de modo profun­
do e duradouro. Por isso se Volney atribulsse hoje as sobrancelhas salientes,
os olhos semicerrados e os pomulos pronunciados dos negros ao excessive ca­
lor das suas sedes, ou Stanhope Smith atribuisse a diminui<;ao e 0 alargamen­
to da face dos mong6is, que se manifestam na jun<;ao dos cilios e das sobran­
celhas e na boca fortemente cerrada, a necessidade de prote<;ao contra 0 ven­
to e as borrascas de areia do deserto, ou se enfiin Karl Ritter viesse a nos di­
zer que os olhos pequenos e os eilios intumescidos dos turcomanos represen­
tarn "evidentemente uma influencia do deserto sabre o.organismo", n6s po­
deriamos muito bem colocar a questao: "Como podeis afirmar que estes po­
vos se encontram nas suas sedes atuais ha um tempo suficiente para que sua
natureza pudesse sofrer efeitos tao profundos?". E se nao fossem razoes mais
graves que nos obrigassem a recusar inteiramente aquelas conclusoes muito
apressadas, bastariam estas apoiadas na considera<;ao sobre a mobilidade do
homem para nos induzir a exclul-las da categoria das conclus5es cientificas.
�19. 0 tempo e as influencias do ambiente fisico - Retornemos agora
a tudo aquilo que ja foi dito a respeito de Hume para por em evidencia como
a inobservancia do importante fator tempo explica tanto as afirma<;5es exa­
geradas quanto as nega<;5es feitas a prop6sito do argumento do qual trata­
mos. Ha quem pense em combater eficazmente a teoria das modifica<;5es de­
vidas a influencia do ambiente fisico afirmando - pois como ja observamos
antes a afirma<;ao e a forma caracteristica na abordagem deste argumento
- que as modificac;5es nao podem ser produzidas, por exemplo, no espa<;o
c1e 3 ou de 500 anos. Estes se prendem a conceitos equivocados, resultantes
da visao limitada com que se considera 0 elemento tempo, por isso nao con­
seguiram perceber 0 nucleo do problema, afetados eles tambem pela mesma
miopia. Seria coma se alguem afirmasse que 0 Nilo pode construir seu delta
no espa<;o de 2 000 anos e outros 0 negassem, e da nega<;ao demonstrada
se pretendesse depois deduzir que 0 Nilo nao esta absolutamente em condi­
<;5es de construir urn delta.
Afirma<;5es como essas nos lembram muito os ge610gos anteriores a
Von Hoff e a Lyell aos quais sempre faltou para encontrar a explica<;ao natu­
ral dos fatos naturais muito 6bvios um s6 elemento: 0 tempo. No nosso ar­
gumento assim coma no estudo de todes os processos naturais nos quais nos
encontramos diante de pequenas causas que acumulando continuamente e
por longo tempo sua a<;ao podem atingir efeitos de grandeza desproporcio­
nal, a questao do tempo e verdadeiramente a mais importante, e nao e possi­
vel chegar a solu<;ao do nosso problema se nao se a toma em grande conside­
ra,ao. Devemos renunciar totalmente a reconstruir a essencia de um povo
apoiando-nos em considera<;5es sobre 0 ,mbiente fisico que 0 circunda se
nao podemos saber ha quanto tempo ele vive naquele ambiente. A vida breve
e agitada dos povos atraves da hist6ria e do presente faz com que estes povos
nao possam jamais nos fornecer bons exemplos para representar as influen­
cias diretas do seu ambiente; eles sac muito mutaveis para que possam per­
manecer um tempo suficiente sob a influencia de determinadas condi<;oes e
assim sofrer uma a<;ao modificadora.
Quando dizemos: "este povo e produto do territorio em que habita",
esquecemos que sobre esse povo se manifestam as influencias hereditarias
JJ Drei Jahre ill Siidajrika, p. 111.
�20. As influencias do ambiente fisico migram corn 0 homem - As
influencias que a natureza exerce sobre 0 homem migram com ele, e os po­
vos que sofreram essas influencias as carregam consigo a grandes distancias.
Disso se segue que ao se pretender estudar a essencia de um povo nao e ne­
cessario se limitar a estudar 0 ambiente fisico que 0 circunda naquele mo­
mento. As origens dos ordenamentos estatais dos romanos estao em intima
conexao com a influencia exercida por determinadas condic;5es naturais exis­
tentes no ber<;o estreito dentro do qual se desenvolveu a grandeza de Roma.
Hoje, dois milenios depois deste processo de forma<;ao, encontramos aque­
las influencias difundidas a uma parte da Europa central muito mais ampla
que 0 Estado onde essas se desenvolveram. Na America setentrional e a es­
treita Nova lnglaterra que constitui 0 ponto de partida de onde se originam
as mais poderosas influencias sabre a evolu,ao politica, religiosa e civil de
metade daquele continente; e estas influencias levaram ate ao Texas e ao Alas­
ca as caracteristicas do ambiente do qual provem, que e estreito, pobre, ade­
quado a fortalecer a vontade de seus habitantes.
As conquistas intelectuais sac as que mais se difundem gra<;as a capa­
cidade de propagac;ao que e pr6pria das idOias, e vao se afirmar tambem em
territ6rios que nao teriam sido de modo algum favoraveis ao seu desenvolvi­
mento inicial. Poucas ideias tem urn carater tao territorial quantoas. idOias
religiosas, e no entanto poucas ideias tiverarn urna propaga<;ao tao ampla.
A imagem de Ormuz e Arima que surge na estepe nao pode ser compreendi­
da entre os roseirais de Chiraz ou em meio a exuberante vegeta<;ao tropical
de Masenderan, assim como 0 abstrato monoteisrno da arida Asia ocidental
nao chegou a sobrepujar completamente as divindades selvaticas das comu­
nidades germanicas. Que significado poderia ter 0 simbolo do lotus para 0
mongol do deserto de Gobi, onde nao existia nem flor de lotus e nem
,0
mesmo nascentes? E contudo estas icteias vindas de fora continuavam vivas
nos paises em que foram introduzidas, embora por se encontrar em urn ter­
reno inadequado nao tivessem podido mais dar frutos posteriormente. Mas
quem pretendesse hoje explicar sua forma<;ao corn base no exame deste ter­
reno realizaria uma obra tao va como quem pretendesse explicar 0 desenvol­
vimento de uma planta observando as folhas do herbario entre as quais ela
e conservada. •
Aqueles desenvo!vimentos, em cuja determina98,O concorreram em mais
ampla medida as condi<;6es externas favoniveis do que a capacidade intrin­
seca dos povos que os percorreram, acabam por revelar a pr6pria natureza
quando aquelas circunstancias favoniveis deixam de existir. Nesses casos os
povosdescem repentinamente das alturas as quais tlnham se elevado e os
elementos externos que os haviam feito emergir se tornam heran<;a para ou­
tros povos que se valerao deles para se elevar tambem. Ap6s as grandes des­
cobertas terrestres e maritimas dos seculos xv e XVI os portugueses e os
espanh6is logo conquistaram 0 primeiro lugar entre os povos europeus; mas
poucos decenios depois surgia contra eIes a vitoriosa concorrencia dos ho�
landeses e dos ingleses e se iniciava sua rapida decadencia.
�21. As influendas do ambiente fisieo e a biografia - Assim como nos
empenhamos em analisar e representar corn exatidao as caracteristicas natu­
rais dos territ6rios que foram palco das grandes guerras, deveremos tarnbem
investigar as innuencias que 0 ambiente fisico exerceu sobre a juventude dos
her6is destinados a sacudir 0 mundo e talvez a" mudar radicalmente as condi­
<;oes geograficas de alguns povos. A biografia ilustra bem como as impres­
soes profundas da primeira juventude inlluiram muitas vezes de modo decisi­
vo sobre os atas historicamente importantes dos her6is da espada ou das ideias.
Por que nao poderiam ser incluidas entre aquelas tambem as impress6es pro­
vindas da natureza? Contudo, entre os efeitos destas ultimase dificil separar
aqueles que se produzem sobre 0 individuo e aqueles que se manifestam atra­
yes da seqiiencia das gera<;oes e aparecem difusamente em toda a atmosfera
social. E inegaveI que a natureza dos grandes homens que se formam em um
pais que apresenta uma determinada caracteristica parece sempre muito se­
melhante para que seja possivel explica-Ia unicamente em conformidade com
a tradi<;ao na qual eles foram criados. 0 melhor exemplo a prop6sito deveria
ser 0 que nos e fornecido por urn territ6rio fechado e corn caracteristicas mui­
to particulares e que e ao mesmo tempo insular e montanhoso. Gregorovius
ao falar sobre os her6is da C6rsega, cuja seqiiencia de Sambucuccio a Napo­
leaD e excepcionalmente numerosa, assinala justamente coma as caracteristi­
cas destes homens audazes, que cresceram em meio as mesmas condi<;6es na­
turais, assemelham-se entre si; estes constituem ate Pasquale Paoli e Napo­
Ieao uma serie continua de infatigaveis her6is tragicos cuja hist6ria, corn ex­
ce<;ao apenas de um, e tao semelhante quanto se assemelham as lutas secula­
res da ilha contra a domina<;ao genovesa. Urn outro exemplo do genero pode­
ria ser fornecido pelos nossos paises alpinos.
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71
r
�22. As influencias do ambiente fisleo se modifieam com a historia
o homem e sem duvida entre os seres vivos 0 que tern a organiza<;ao mais
completa. Ele possui os melhores meios para perceber tudo aquilo que vem
de fora dele e urn raciocinio muito superior ao de qualquer outro animal.
Tambem os meios de que ele disp6e para se mover e para se fixar sao muito
eficazes. Eles sao na verdade animais que sob urn determinado aspecto sao
mais bem constituidos: 0 cervo e mais veloz, a aguia tern a visao mais agu­
da, 0 cao tern 0 olfato mais sutil, 0 tigre e mais forte e mais agil; mas a cons
titui<;ao do homem e mais completa sob urn aspecto mais amplo, e por oulro
lado ele possui na propria razao 0 meio de buscar para si oUlros instrumen
tos alem daqueles que Ihe sao pr6prios por natureza para empregar na ob­
ten<;ao de objetivos bem determinados. Corn isso ele vai se tornando sem
duvida mais independente da sua constitui<;ao natural. Quem e fraco ou co­
xo e transportado a cavalo ou sobre veiculos, quem e miope provem seus
olhos com lentes, quem esta doente se cura - coisas que sao impossiveis
aDS animais. 0 homem pode portanto considerar-se como urn ser indepen
dente em compara<;ilO com 0 animal, que e multo menos. pelo fato de que
gra�as a seu intelecto 0 homem esta mais livre dos vinculos da sua constitui
<;ao natural. Contudo, para conquistar esta liberdade e necessario por outro\
lado que ele utilize habilmente os recursos que a natureza circundante Ihe'.
ofel'ece. Portanto esta liberdade no fundo nao e senao urn dom da natureza;
nao porem um dom espontaneo, mas tal que deve ser conquistado a duras,
penas. E na medida em que a essencia da histor!a do homem consiste em\
urn esfor�o continuo para ernancipar cada vel. mais completamente 0 lado""
intelectual, gra<;as ao qual ele e homem, do lado material, que 0 coloca a \
nivel dos animais, ele nao se elevou apenas ao l1ivel da natureza, mas acima
desta, e nao sem que a natureza tenha imprimido no seu ser, e da forma
mais complexal a sua marca.
" A afirma<;ao de que os povos vao se tornando gradativamente cada '.
1 vez mais independentes da natureza que constitui 0 seu substrato e 0 seu am- \
\biente e sem duvida erronea. Basta verificar que junto com 0 progresso da .
civiliza<;ao e corn 0 crescimento das popula<;6es vai crescendo a importancia
da vida economica para se convencer de que esta liberta<;ao nao podera ja
mais ser absoluta, na medida em que a atividade economica dos povos est"
ligada mais intimamente do que qualquer outra a natureza do pais onde se
manifesta. A civiliza<;ao conjunta da Gra-Bretanha, da Alemanha, da Belgi­
ca est" hoje.(1899) em rela<;ao mais estreita corn os recursos em carbono e
ferro daqueles paises do que ha cem anos; e esta rela<;ao constitui exatamen­
te urn novo el0, antes nao existente ou nao percebido, que liga 0 povo ao
seu territorio. Do mesmo modo a Gra-Bretanha hoje, gra<;as a uma frota
mercantil corn uma capacidade conjunta de nove milh6es de toneladas, lira
muito maior proveito do desenvolvimento de suas costas e da sua riqueza
de ponos do que no periodo de Cromwell quando sua frota mercantil nao
chegava a centesima parte da frota atual. Assim tambem a Russia, que pos­
sui 44 000 km de ferrovias, tira hoje (1899) das condi<;6es do seu territorio
�. n
pIano, particularmente favonivel a esse meio de comunica,ao, urn proveito
que ha 55 anos (1844) quando essas constru,aes eram iniciadas, ainda perma­
necia como urn capital infrutifero sepultado no solo. Pode-se ponanto acei­
tar como regra que uma grande parte dos progressos da civiliza,ao sao obti­
dos mediante urn desfrute mais perspicaz das condi,aes naturais, e que neste
sentido esses progressos estabelecem uma rela,ao mais estreita entre povo e
territario. Pode-se dizer ainda, em urn sentido mais.geral, que a civiliza,ao
traz consigo 0 fortalecimento de uma Iiga,ao mais intima entre a comunidade
e 0 solo que a recebe. Urn simples exame da difusiio geogrMica dos povos
revela como a difusao dos povos primitivos apresenta lacunas que niio se po­
deriam forma( entre os povos civilizados; e e facil perceber que isto deriva
do fato deque aquelas comunidades niio estao aptas a desfrutar as condi,aes
favoniveis de urn determinado territoria, e por outro lado naG SaD capazes
de se subtrair a influencia dus condi,aes desfavoraveis; uma situa,ao que nas
injustamente costumamos atribuir inteiramente a influencia direta das condi­
,aes naturais. 0 lago Ngami (Africa do Sui) e seus arredores representam uma
das regioes mais selvagens e mais abundantes em peixes da Terra; mas os ha­
bitantes daquelas areas desfrutam. muito pouco desses recursos, dispondo ape­
nas de algumas canoas e armas inadequadas, de modo que a cada dois anos
em plena abundancia os surpreende a escassez. E recordemos ainda as supers­
ticiosas proibi,aes em razao das quais quase todos os povos cafres da Africa
meridional deixaram inutilizada a pesca abundante de seus rios e do mar, cor­
rando assim uma importante arteria de conjuga�ao entre eIes e a mae-natureza,
de onde poderiam receber novo sangue vital e maior possibilidade de progres­
so. A denomina,ao de "povo primitivo" (povo natural) niio indica urn pov�
que viva na rela�a6 mais intima passivel corn a natureza, mas antes urn POy
que, se se nos permite a expressao, vive sob 0 imperio desta. Ora, alguns et-
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n6grafos sustentaram que 0 progresso da civiliza<;:ao nao consiste senao eml
uma maior Iiberta,ao do povo das condi,oes naturais do territario; ao con­
trario, podemos afirmar que a diferen�a entre povo primitivo e pava civiliza­
do deve ser buscada nao no grau mas no tipo de Iiga,ao que existe entre 0
homem e a natureza. A civiliza,iio e independente da natureza niio no sentido
da completa liberta,ao, mas no sentido de uma Iiga,ao mais diversificada,
mais ampla e menos imperiosa. 0 campones que armazena seu trigo no celei­
ro no [undo depende da natureza tanto quanto 0 indiano que recolhe no laglY
seu arroz aquatico sem tHo semeado; contudo para 0 primeiro esta Iiga,ao
e muito mais lenta gra,as a provisao que ele teve a sagacidade de acumular,
enquanto para 0 segundo qualquer tempestade que abale as espigas dentro
da agua constitui uma preocupa,ao muito grave. Examinar mais a fundo a
natureza e desfruta-Ia corn mais perspicacia nao servem para nos Iibertar de­
la, mas para nos tornar mais independentes de cada uma de suas manifesta­
,aes ou influencias acidentais, pelo fato de se multiplicarem assim os nossos
la,os com ela. Por estas razaes, em oposi,ao ao que sustentam Riller, Waitz
e outros, e como aparecera em cada pagina do capitulo que srsegue, n6s,
precisamente por 110S50 grau de civiliza9ao, estamos mais que todos os outros
povos em Iiga,ao intima cam a natureza, porque sabemos melhor coma tirar
vantagem clela.
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3. 0 POVO E 0 SEU TERRITORIO
�23. 0 territorio e a sociedade - Que 0 territ6rio seja necessario it exis­
tencia do Estado e coisa abvia. Exatamente porque niio e possivel conceber
urn Estado sem territ6rio e sem fronteiras e que vem se desenvolvendo rapi­
dar".ente a geografia po/ftica; e embora mesmo a ciencia politica tenha fre­
qiientemente ignorado as rela,oes de espa,o e a posi,iio geografica, uma teoria
de Estado que fizesse abstra9iiodo territ6rio niio poderia jamais, contudo,
ter qualquer fundamento seguro. Tivemos ao contrario algumas teorias so­
ciais em que niio foi absolutamente considerado 0 ambiente fisico; e em to­
da a sociologia moderna a territ6rio merece tao pauca cansidera�aa que as
obras que tratam dele a fundo nos aparecem como exce,Oes. A maior parte
dos sistemas e das teorias sociol6gicas consideram 0 homem coma separado
da Terra. 0 erro desta concep,iio se torna panicularmente manifesto nas
formas sociais inferiores que na sua simplicidade correspondem exatamente
as formas mais simples do Estado. E facH convencer-se de que do mesmo
modo como nao se pode considerar mesmo 0 Estado mais simples sem 0
seu territario, assim tambem a sociedade mais simples sa pode ser concebi­
da junto corn 0 territ6rio que Ihe pertence. 0 fato de estes dois organismos
estarem Iigados ao seu solo e a collseqiiencia natural da liga,iio eYident� que
une a criatura humana it Terra. E certo porem que a considera,iio sobre 0
solo se impoe mais na hist6ria do Estado que na da sociedade; isto deriva
da maior amplitude das por,oes de territ6rio sobre 0 qual a propriedade da­
quele se exerce. Niio e facH demonstrar a existencia de uma lei que regule
o incremento progressivo do territ6rio corn 0 crescimento da familia ou da
sociedade, como e possivel no que se refere ao Estado. Mas em compensa­
,ao a sociedade esta enraizada corn muito mais profundidade no seu territa­
rio e 0 modifica corn menos facilidade.

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