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PERILO, M. P. P. . Domingo no parque notas sobre sociabilidades de jovens homossexuais em espaços públicos

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1 
 
DOMINGO NO PARQUE: NOTAS SOBRE SOCIABILIDADES DE JOVENS 
HOMOSSEXUAIS EM ESPAÇOS PÚBLICOS 
Marcelo Perilo1 
 
 
 
RESUMO: 
 
Neste texto, discuto sobre sociabilidades de jovens homossexuais em espaços públicos 
em contextos de lazer. Sendo assim, a partir de minha etnografia junto a um grupo de 
garotos e garotas em um parque na cidade de Goiânia (Brasil), verifico como elas e eles 
elaboram um ambiente propício para encontros e convivência entre namorados do 
mesmo “sexo” e amigos sem que para isso necessitem atrelar tais condutas e relações a 
estabelecimentos comerciais, como boates e bares. Destaco ainda como alguns jovens 
articulam estratégias para frequentar o parque e como, simultaneamente, administram a 
visibilização de seus afetos e condutas eróticas pela cidade. 
 
PALAVRAS-CHAVE: sexualidade; jovens; sociabilidade; espaço público 
 
 
 
Este texto é oriundo de minha pesquisa de mestrado no Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás, no Brasil. 
Verifico as sociabilidades de jovens2 homossexuais3 em um parque público na cidade de 
Goiânia4 considerando seus encontros para convivência entre amigos e namorados. 
Sendo assim, a partir de uma abordagem etnográfica, busco compreender como os 
jovens se apropriam desse local, além das implicações de suas condutas e performances 
no espaço público. 
O local em questão é intitulado pelos jovens pelo nome de Área Fértil. Trata-se 
de um ambiente no perímetro do parque Vaca Brava, em Goiânia, sendo que a ocupação 
que os garotos e garotas realizam ocorre nas tardes e noites de cada domingo. Durante 
os encontros semanais, cerca de 40 a 60 jovens compartilham conversas com pessoas 
 
1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal 
de Goiás, Brasil. gymp3@hotmail.com 
2 As categorias etárias apresentadas conformam um conjunto relacional, sendo “criança” e 
“adulto” seus polos (Lowenkron, 2008). Assim, aciono “jovens” e demais termos de maneira 
contingencial as discussões apresentadas neste texto. 
3 Ao utilizar homossexualidades e categorias correlatas, tais como homoerotismos ou 
homossociabilidades, busco problematizar o dualismo homo/heterossexual enquanto referencial 
teórico (Carrara; Simões, 2007). 
4 Goiânia é a capital da província de Goiás, situada no centro do Brasil. A cidade têm 1 milhão e 
300 mil habitantes e está a 200 km de Brasília, a capital do país. Está entre as regiões 
metropolitanas mais densamente povoadas do Brasil. Assim como em demais centros urbanos 
no país, principalmente a partir da década de 1990, foram criados na cidade um conjunto 
estabelecimentos comerciais geralmente destinados ao público homossexual masculino, como 
bares, boates, saunas e cinemas pornôs, sendo apenas bares e boates acessíveis a lésbicas e, 
dentre esses, um número ainda mais restrito acessível a travestis e transexuais. Dessa maneira, 
registra-se que na cidade os lugares para encontro e convivência entre homossexuais ocorrem 
eminentemente em ambientes comerciais e fechados. 
2 
 
conhecidas e também têm um ambiente favorável para que possam flertar, além de 
demonstrar afeto por meio de beijos e abraços junto a seus namorados do mesmo 
“sexo”. 
Nesse local foi constituído um ambiente propício a encontros e convivência em 
contextos de lazer, sendo que os jovens que o frequentam passaram a ocupar um 
território na cidade para além de onde suas práticas e condutas seriam previstas e, 
inclusive, toleradas. Considerando esses aspectos destacados, no próximo tópico reflito 
brevemente sobre os espaços para sociabilidade entre homossexuais no Brasil, em 
seguida apresento mais detidamente a Área Fértil e, então, analiso as implicações da 
ocupação deste ambiente na cidade. 
Coaduno como antropólogo José Magnani (2005; 1996) quando sugere que a 
busca de significados para os trânsitos de sujeitos nas cidades reflitam “como os 
diferentes atores sociais se apresentam no espaço urbano, circulam por ele, usufruem 
seus equipamentos e, nesse processo, estabelecem padrões de troca e encontro no 
domínio público” (Magnani, 2005: 202). O interesse pela alteridade na cidade deve se 
fundamentar não em uma perspectiva de exotização da diferença, mas pelo 
reconhecimento de experiências que, assim, podem “constituírem arranjos diferentes, 
particulares (...) de temas e questões mais gerais e comuns a toda a humanidade" 
(Magnani, 1996: 5), o que considero então como mote para as reflexões neste artigo. 
 
Sobre espaços de sociabilidades entre homossexuais 
 
O estabelecimento de áreas para encontros entre pessoas do mesmo “sexo” não 
corresponde a um fenômeno recente no Brasil. A existência de locais e roteiros para 
relações afetivo-sexuais entre homens no final do século XIX, a título de exemplo, fazia 
notória a Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro (Green, 2000). Além disso, no decurso do 
século XX distintos logradouros públicos, como ruas, praças e parques passaram a ser 
usufruídos por homossexuais para flerte e convivência em contextos de lazer (Green; 
Polito, 2008). 
Contudo, a assunção da homossexualidade e a visibilidade sobre práticas e 
condutas não-heterossexuais no Brasil foram carregadas de um caráter muito distinto a 
partir da década de 1990. As condições para o surgimento de locais para convivência 
em espaços públicos e em estabelecimentos comerciais passou por reconfigurações em 
todo o país, atingindo de maneira peculiar os grandes centros urbanos (FRANÇA; 
SIMÕES, 2005). 
Desde a década de 1980, quando se iniciou o processo de redemocratização após 
o último período ditatorial no Brasil, além do alarde sobre a epidemia de aids e a 
reestruturação do movimento de lésbicas, gays, travestis e transexuais (LGBT), um 
contexto distinto favoreceu que as práticas e vivências homossexuais se tornassem ainda 
mais visibilizadas. Tais processos, que têm relação com a ampliação dos diretos civis, 
modificaram o lugar social da homossexualidade no Brasil (Facchini, 2008). 
Como consequência desse momento de visibilização da homossexualidade, 
inúmeros serviços e produtos foram elaborados especificamente para gays e lésbicas, 
além de uma crescente demanda por políticas públicas e por marcos legais anti-
discriminatórios. Ademais, a articulação de uma mídia segmentada, a efervescência de 
um mercado especializado e de um empresariado atento têm inserido as demandas 
referentes às vivências de LGBT nas pautas política, social e cultural do país. 
3 
 
Aliada a oferta de bens destinados a um determinado público, foram constituídos 
variados ambientes comerciais para sociabilidades entre pessoas do mesmo “sexo”. 
Esses locais foram expandidos e complexificados em abrangência e público-alvo. 
Contudo, mesmo com essa nova configuração de ambientes para interação entre 
homossexuais, a vulnerabilidade e intolerância ao público LGBT, principalmente 
daqueles indivíduos que demonstram afeto em público, está manifesta em relatos de 
assassinatos e demais modalidades de violência. Apesar de maior visibilidade, de um 
movimento social articulado nacionalmente e determinadas ações governamentais, a 
intolerâncias que atingem a população LGBT são inúmeras. 
Considerando a ampliação de estabelecimentos comerciais e privados que 
atendem ao público homossexual, ambientes como bares, saunas, cinemas e clubes de 
sexo podem se tornar locais privilegiados a quem busca segurança nas sociabilidades 
entre pessoas do mesmo “sexo” em contextos de lazer. Entretanto, além desses locais, 
também nota-se a ampliação de ambientes para encontro e convivência em público, 
como em praças, ruas e bosques. 
Considerando um expressivo número de trabalhos no Brasil que destacam 
interações e convivência entre lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em 
ambientescomerciais, como bares, saunas, cinemas pornô, boates e clubes de sexo, o 
propósito de minha pesquisa foi deslocar meu olhar desses estabelecimentos e, então, 
focar nas sociabilidade sem ambientes públicos. O que busco, portanto, o que busco 
verificar com relação à Área Fértil é como esse ambiente é elaborado por seus 
frequentadores e, ainda, o que o faz diferenciado no espaço urbano. A presença de 
jovens homossexuais em ambientes como o parque Vaca Brava para interações afetivo-
sexuais e lazer impele à reflexão sobre como estes indivíduos agenciam sua sexualidade 
vinculada a determinados ambientes e roteiros na cidade. 
 
A Área Fértil 
 
O parque onde as garotas e os garotos constituem a Área Fértil tem cerca de 
dezoito mil m2 e está localizado em uma região de Goiânia característica por produtos, 
bens e serviços destinados a uma parcela da população com alto poder de consumo. 
Esse logradouro público é cercado por grandes edifícios residenciais, galerias 
comerciais e um dos maiores shoppings da cidade. Em contraste com a concentração de 
edifícios que o delimita, o parque é caracterizado por um denso bosque e o restante de 
sua área é preenchida por grama e árvores dispersas. Há pistas para caminhada e 
passeio, equipamentos para ginástica, um grande lago e a sede da administração – onde 
ficam os agentes da Guarda Municipal. O parque é atendido por várias linhas de 
transporte coletivo e é freqüentado por diversas pessoas e grupos, como punks, góticos e 
metaleiros, rockers. 
Os jovens da Área Fértil, em sua maioria, saem de bairros periféricos distantes 
do parque e, em vários casos, de cidades vizinhas a Goiânia. Seria possível identificar 
que as pessoas com quem convivi e dialoguei nesse ambiente em geral se 
caracterizarem por serem garotas e garotos adolescentes de estratos populares ou médio-
baixos, negros ou pardos e moradores da periferia. 
Há um ponto o parque utilizado para o encontro das garotas e dos garotos da 
Área Fértil e que também serve como local estratégico de onde é deflagrado o processo 
de ocupação deste ambiente. A concentração dos jovens corresponde a uma região entre 
o bosque e a sede da administração do parque, um dos poucos trechos que não são 
4 
 
cobertos por grama e, portanto, não é privilegiado para quem queira sentar ou fazer 
piquenique. Exatamente neste local há cinco bancos dispostos em círculo em volta de 
uma árvore. 
A dinâmica de ocupação desse ambiente para a constituição da Área Fértil 
corresponde a uma sequencia de ocasiões. Os bancos que circulam a árvore comportam 
até quatro pessoas e são utilizados por quem deseja permanecer nesse local. Contudo, 
aos domingos, geralmente a partir das 14 horas, jovens começam a chegar ao parque e 
realizar o processo de ocupação desses assentos. As pessoas se aproximam em duplas 
ou grupos e, caso sozinhas, geralmente conhecem ou esperam encontrar alguém. 
A Área Fértil desperta a atenção de transeuntes no parque, pois, nas tardes e 
noites de domingo a aglomeração dos jovens é marcada por descontração, demonstração 
de afeto e expressões de gênero que borram uma coerência hegemônica suposta entre 
corpo, gênero e desejo (Butler, 2008). Uma situação que presenciei em um dos 
encontros aos domingos ilustra tal peculiaridade. Na ocasião, uma garota estava com 
cabelo curto, sandálias, bermuda jeans e blusa com estampa tipo indiana. Foi então que 
um garoto frequentador da própria Área Fértil a perguntou: “Você é menino ou 
menina?”. Como resposta, a garota levantou imediatamente sua blusa até exibir o sutiã. 
Esse tipo de postura e a confusão quanto a suas expressões de gênero das pessoas 
presentes não são casos isolados na Área Fértil. 
As fronteiras dessa região ocupada pelos jovens sofrem expansão e retração em 
virtude de eventos e situações no período em que elas e eles estão presentes no parque. 
Quanto mais distantes dessa região, menos “fértil” se torna tal área. Isso porque fora da 
concentração de jovens – demarcada na região dos bancos que circulam a árvore – há 
cada vez mais exposição a violências e agressões de pessoas e grupos intolerantes. 
Ainda assim, os jovens da Área Fértil também trafegam por outros locais, como o 
shopping em frente ao parque. 
À noite, um contraste pode ser percebido ainda mais explicitamente: enquanto a 
presença rarefeita de pessoas no restante do parque é marcante, na Área Fértil é notável 
grande concentração de garotas e garotos dissidentes. Quanto mais tarde, mais jovens 
aparecem; quanto mais escuro, mais pessoas; quanto mais imersos na penumbra, mais 
descontração e espontaneidade; quanto mais intensos, mais suscetíveis. 
Existem fronteiras simbólicas que distinguem pessoas no parque. Compreender 
os limites e territórios dos grupos presentes nesse logradouro público é um elemento 
importante para todas as pessoas, sendo que desrespeitar esses códigos pode ocasionar 
conflitos. Isso ocorreria, por exemplo, caso duas pessoas do mesmo “sexo” se beijassem 
em um local no parque que não fosse a Área Fértil. Ou poderia ocorrer também algum 
incômodo às pessoas da Área Fértil quando da presença de alguém estranho às condutas 
e performances dos jovens ali presentes. 
Ademais, podem ocorrer situações onde fatores externos interferem na 
concentração dos jovens e prejudica sua interação, os flertes, os contatos entre amigos. 
Uma dessas ocasiões pode ser ilustrada pela intervenção de um grupo de homens não 
frequentadores da Área Fértil aparentando serem em geral mais velhos. Eles pareciam 
saber que lá se encontram garotas que flertam com outras garotas, além dos garotos que 
fazem o mesmo com seus companheiros do mesmo “sexo”. Além disso, talvez poderia 
ser reprovável para esses homens as performances de gênero daqueles ali localizados. 
O grupo de forasteiros era composto por dez homens, que chegaram parodiando 
os jovens, mas logo saíram. Posteriormente, esse grupo de forasteiros retornou à Área 
Fértil e aproximaram-se de um garoto sentado em um dos bancos quando, em rápido 
5 
 
movimento, um desses homens acertou o rosto do jovem. Houve bastante tensão e todos 
correram. Alguns garotos, inclusive aquele agredido, recorreram à sede da 
administração do parque onde estavam alguns agentes da Guarda Municipal, membros 
da segurança pública relacionados à prefeitura da cidade. 
Os jovens gritavam indignados denunciando a falta de segurança no local. O 
agredido bradava intempestivamente: “Olha aqui o roxo em minha cara. Eles me 
bateram, não foi um beijo!”. Outro: “Eles esperaram a gente apanhar para ir atrás”. 
Após esse episódio, alguns jovens saíram do parque e ou se deslocaram para outras 
áreas regiões deste logradouro público. A maioria dos garotos insistiu e continuaram 
presentes no ponto de concentração da Área Fértil. Após alguns minutos a incômodo foi 
substituído em virtude do restabelecimento da peculiar interação que é possível verificar 
nesse ambiente. 
O número de jovens presentes no momento de maior expansão da Área Fértil, ou 
seja, no período noturno, pode chegar a cerca de sessenta jovens. Em meados de 22 
horas quase todas as pessoas saem do local e quando se ausentam por completo da Área 
Fértil os jovens também o fazem em duplas e grupos, raramente sozinhos. Eles não 
necessariamente retornam a suas casas, podendo recorrer a outros lugares onde 
poderiam continuar em contato com amigos e paqueras. 
 
Além do mercado 
 
Não há como precisar quando foi iniciada a aglomeração desses jovens no 
parque, contudo, o que efetivamente mobiliza a análise é verificar como garotas e 
garotos realizam uma ocupação periódica deste ambiente para sua convivência. Destaco 
então o trecho de um diálogo que estabeleci via MSN5 com Elaine6, uma das 
frequentadoras da Área Fértil. Essa interação foi estabelecida após nos conhecermos no 
parque e durante a troca de mensagens falávamos as condições paraque as garotas e 
garotos se reúnam neste ambiente. 
 
Marcelo: Como você soube da Área Fértil? 
Elaine: Eu frequento há uns 5 anos, desde meus 16 anos. 
Marcelo: Entendi! Mas, me diz, você freqüenta há 5 anos o parque, certo? 
Elaine: Sim. 
Marcelo: Então, desde quando começou aquele tipo de organização das 
meninas e meninos perto dos bancos? 
Elaine: Há muito tempo atrás. Lá é um lugar que achamos para esconder dos 
héteros e ter calma. 
Marcelo: Eu não conhecia o lugar nesse tempo que você falou. 
Elaine: É porque lá pra frente as pessoas ficam rindo e discriminando. Aí, lá foi 
um lugar melhor. 
 
Em suas afirmações, Elaine indica alguns elementos importantes para a 
compreensão sobre a constituição da Área Fértil enquanto um espaço de sociabilidade. 
Uma primeira característica é que, como ambiente localizado em um parque público, a 
 
5 Trata-se de um software para interações on line, sendo o MSN um dos mais utilizados para 
esse fim. 
6 Em função de princípios éticos, os nomes próprios que constam neste texto estão modificados, 
portanto, não correspondem àqueles utilizados pelas/os jovens. 
6 
 
Área Fértil não existe senão por iniciativa e articulação de seus próprios frequentadores 
e, portanto, nunca sem eles. Além disso, considerando que tal espaço é constituído aos 
domingos, justamente em dia onde se percebe maior presença de pessoas e 
heterogeneidade de grupos no parque Vaca Brava, “esconder” e ter “calma” na 
colocação de Elaine podem soar paradoxais com o que se percebe no logradouro 
público em questão. Contudo, a garota oferece uma reflexão bastante coerente com 
relação aos usos daquele espaço. 
Considerando os espaços públicos que essas garoas e garotos poderiam utilizar 
na cidade, a predileção pela Área pode ser compreendida a partir da colocação de um 
garoto: “A homofobia aqui é menos tensa”. Essa afirmação é peculiar, pois sinaliza que 
mesmo no parque esses garotos não estão isentos de problemas por conta das 
implicações de sua presença no local, contudo, estes encontros ainda são viáveis por que 
elas e eles insistem em uma ocupação reiterada deste espaço a cada domingo. Sendo 
assim, as disputas com outros grupos e frequentadores do parque não se torna um 
impedimento, mas um limite para elaboração da Área Fértil em um logradouro público 
já bastante frequentado e valorizado na cidade. 
A apropriação desse logradouro público possibilita que alguns jovens em 
questão não estejam limitados a frequentar apenas estabelecimentos comerciais para 
suas sociabilidades em contextos de lazer. Dessa forma, pode-se compreender outro 
aspecto das colocações de Elaine no trecho da conversa destacado acima quando a 
garota fala sobre “esconder dos héteros e ter calma”, o que nos remete ao caso de 
Andréia, uma de minhas principais interlocutoras. 
A garota morava em um bairro da região metropolitana. Na Área Fértil, Andréia 
geralmente se envolvia com outras garotas, mas ocasionalmente namorava ou se 
envolvia também com homens. Apesar de ser assídua no parque e geralmente estar 
acompanhada de garotas com quem caminhava de mãos dadas e beijava, Andréia 
adotava uma postura que pode auxiliar à compreensão de alguns limites e condições 
para a demonstração de afeto e para a assunção da homossexualidade em público. No 
contexto de seu bairro, distante do parque, Andréia convivia com seus vizinhos e com 
colegas do colégio público onde estudava e nesses ambientes promovia uma espécie de 
administração do segredo acerca de sua sexualidade, ou seja, buscava manter um sigilo 
sobre o fato de ter namoradas. Uma das estratégias de Andréia era utilização de um anel 
que representaria algum compromisso afetivo, inclusive com alguns namorados que 
tinha paralelos aos demais relacionamentos com mulheres. 
A seus pais e vizinhança, Andréia compartilhava apenas o contato que tinha com 
garotos, sendo que apenas em outros bairros que frequentava na cidade e mais 
explicitamente na Área a garota se permitia flagrar em trocas de carícias com suas 
companheiras. Dessa forma, o caso de Andréia permite compreender outra relação entre 
segredo e revelação sobre a homossexualidade, posto que com tal situação é possível 
identificar distintas posturas de algumas pessoas no caso da ocupação de espaços 
públicos para sociabilidade, tais como a Área Fértil. 
A garota, assim como outras colegas também presentes no parque, apesar de 
promoverem uma intensa visibilização de seus afetos neste logradouro público, procura 
promover um sigilo sobre suas relações com garotas frente a outras pessoas e outras 
redes que mantém em regiões distintas nas cidades. Em lugar de um ocultamento da 
homossexualidade em boates, bares e outros estabelecimentos comerciais, nesse caso o 
próprio espaço público é o local onde se pode cultivar esse tipo de segredo, ainda que 
tais interações entre Andréia e suas companheiras ocorram no período vespertino. 
7 
 
O trajeto de Andréia pela cidade permite certa eficácia em sua gestão do 
segredo, pois o bairro onde reside e as demais pessoas que conhece estão distantes dessa 
região onde mantém seus relacionamentos com garotas. Outro aspecto importante a ser 
considerado é a razão para que esses encontros ocorram no parque onde há a Área. 
Como tal logradouro público está situado numa área central e nobre da cidade, há talvez 
mais incentivos às demonstrações de afeto e às performances de gênero entre esses 
garotos e garotas. Isso porque nestes ambientes a polícia e demais agentes de segurança 
pública podem ser mais permissivos ou menos agressivos, posto que essa região da 
cidade é inclusive mais segura. Quando esses jovens retornam a seus bairros a relação 
com a polícia e as possibilidades de denúncia por possíveis abusos podem ser precárias. 
O parque público como local para a assunção da homossexualidade versus o 
bairro distante como local para o segredo permite que os jovens da Área não tenham 
que utilizar os estabelecimentos comerciais como uma condição para o ocultamento de 
suas performances e afetos. Assim, as matinês e outros ambientes relacionados ao 
mercado em que venham a frequentar esses garotos e garotas são mais alguns dos locais 
elegíveis para que convivam entre amigos e também tenham acesso a encontros com 
namorados. Então, é preciso considerar que mesmo em um ambiente em público, em 
algum nível opera uma a modalidade de regulação de suas vidas onde há um jogo entre 
o ocultamento e a revelação de suas condutas eróticas mediante cada um dos contextos e 
situações em que estão inseridos. 
Como destaca Eve Sedgwick, “mesmo num nível individual, até entre as pessoas 
mais assumidamente gays há pouquíssimas que não estejam no armário com alguém 
que seja pessoal, econômica ou institucionalmente importante para elas” (2007: 22). O 
armário, como dispositivo de regulação da vida social, exige algum tipo de 
administração de uma vida “dupla” (Misklolci, 2007). No caso de Andréia e de algumas 
pessoas da Área, o que se segreda nos bairros passa a ser exposto no contexto do 
logradouro público, o que demanda que essas jovens lidem com alguns problemas, 
como a violência. 
Ainda que busque uma administração do segredo, o mesmo surge como um 
potencial incentivo para que Andréa seja assídua na Área e não tenha suas experiências 
espaciais interditadas do espaço público (Silva, 2009). Como não estão necessariamente 
dentro de ambientes comerciais e, portanto, provisoriamente protegidos por tal estrutura 
e segurança, a ameaça de represálias por parte de transeuntes, além de efetivas 
agressões físicas sofridas, são situações às quais as pessoas na Área precisam ter em 
conta quando freqüentam o parque. 
Outro caso importante a ser refletido diz respeito às posturas de Paulo e seus 
trânsitos na cidade. O garoto em questão é morador de um bairro na periferiada Goiânia 
e o conheci em um encontro entre alguns conhecidos da Área Fértil que foi organizado 
por Andréia. Paulo não ocultava de sua família e de colegas o seu interesse por relações 
com outros homens e buscava se organizar para evitar possíveis represálias ou agressões 
em função disto. 
 O garoto utilizava dos encontros na Área para investir em roupas, maquiagem e 
acessórios que não correspondiam àqueles que utilizava cotidianamente, como bermuda 
e camiseta. Então, em alguns domingos Paulo chegava ao parque trajando vestido, salto 
alto, bolsa e batom, além de uma peruca lisa que encobria seu cabelo curto e crespo. 
Quando o garoto comparecia dessa forma no parque era reconhecido pelo nome de 
Priscila e por meio dessa montagem, Paulo permite a identificação de outra 
peculiaridade dos encontros na Área, ou seja, a reunião de pessoas com os mais variados 
8 
 
estilos e, ainda, onde há um ambiente permissivo a potenciais experimentações e 
trânsitos com relação a performances de gênero e aos investimentos corporais. 
Ao menos nas experiências de Paulo e de outras jovens na Área, a possibilidade 
de investimento em outras estéticas e em outra relação com seu próprio corpo não 
necessariamente dependem de ambientes comerciais para que se consumem. Ademais, 
mesmo que nas matinês ou demais ambientes que esses jovens possam frequentar haja o 
chamativo da segurança, o valor da entrada e a dificuldade de consumir os produtos 
oferecidos nestes espaços podem ser barreiras consideráveis. 
 
Espaço público e sexualidade 
 
Enquanto uma das diferenças que distinguem as garotas e garotos da Área Fértil 
em relação ao restante do parque e da cidade, a sexualidade é regulada por um 
dispositivo de poder que não necessariamente reprime, mas disciplina como, quando e 
onde certas práticas são exercitadas (Foucault, 1988). O local destinado a condutas e 
performances como aquelas dos garotos da Área é então o lugar da invisibilidade e da 
discrição, o que se concretiza quando a possibilidade de existência e convivência de 
quem não corresponde a tais discursos é alijada dos ambientes públicos. 
A reflexão sobre esse dispositivo em Foucault (1988) advém do exercício do 
autor em destacar a centralidade da sexualidade nas sociedades ocidentais 
contemporâneas. O autor identifica que no decurso dos séculos XVIII e XIX foram 
criados mecanismos que fizeram proliferar discursos e dispersarem saberes sobre 
sexualidade. Ocorre que junto a tais discursos, uma série de instituições e 
conhecimentos passaram a advogar a verdade sobre o sexo e sobre o que passaria a ser 
identificado como práticas salutares, legais e não pecaminosas. 
Foucault sinaliza então que, além de leis ou saberes específicos, foi constituído 
um dispositivo da sexualidade, que pode ser entendido como um amálgama de 
discursos, instituições, leis, o dito e o não dito que acabam por regulamentar a vida em 
sociedade por meio da sexualidade. Compactuando com o autor, Guash e Osborne 
(2003) também identificam que há mecanismos – explícitos ou não – que regulam o 
desejo erótico. “O sexo não se julga apenas, administra-se” (Foucault, 1988: 31). 
Considerando a existência de dispositivos que insistem na manutenção da 
homossexualidade ao âmbito do privado e, simultaneamente, reforçam a 
heterossexualidade como permissível e anunciável em público (Duque, 2009), a Área 
Fértil caracteriza-se como uma exceção. Entretanto, ainda que haja uma iminente 
violência e demais inconvenientes, talvez esse ambiente possa ser um local privilegiado 
para as pessoas que os frequentam justamente porque em outros locais seu acesso pode 
ser indesejável ou inviabilizado. 
Questionar quem e sob que condições é necessário negociar essa ocupação de 
logradouros públicos a partir dos casos desses jovens permite identificar que essa 
permanência em regiões como a Área Fértil não corresponde necessariamente a uma 
intencionalidade por parte dos garotos e garotas ou um ideal expresso em suas 
narrativas. Em lugar de pensar que essas sociabilidades em público são uma escolha 
para esses jovens, tendo a pensar que a ocupação do espaço público lhes permite o 
usufruto de um maior espectro de sociabilidade que implica em acesso a outros lugares 
e instâncias para além do mercado (Duque, 2009). 
A ocupação periódica do parque traz à tona os deslocamentos que essas garotas e 
garotos vêm estabelecendo na cidade e, por conseguinte, ressignificado fronteiras e 
9 
 
limites para sua sociabilidade. Os frequentadores desses locais estimulam sua 
transformação, multiplicam seus usos e significados e, assim, tornam a cidade em 
produto de sua interação (Magnani, 2005). O instigante não são seus encontros e 
interações em si, senão como, quando e onde ocorrem. Amparados por uma vertiginosa 
transformação do lugar social da homossexualidade no país (Facchini, 2008), esses 
jovens então protagonizam um processo de mudança social. 
 
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