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Deriva daí que o método sempre esteja condicio- nado pelo modelo de estado ao qual o saber jurídico serve, ou seja, sua escolha é precedida por uma decisão política fundamental. Quando o Poder Judiciário se limita a executar as leis, em função de um ordenamento disciplinar da socie- dade no marco de um estado verticalizado de forma militar, é suficiente um saber jurídico baseado na interpretação puramente gramatical (como a exegese no estado bonapartista), que faz da lei hierarquicamente inferior uma espécie de fetiche'; quando o Poder Judiciário constitui um instrumento nas mãos de uma facção governante que não ubserva sequer suas próprias decisôes prévias. não há método, c sim meras racionalizações jurídicas da vontade arbitráriaomnírnoda do governo (estado de pulícia); se, entretanto, o Poder Judiciário se encarrega efetivamente da produção racional de decisões, no quadro de uma Constituição republicana por cuja supremacia lhe caiba velar, o método se orienta na direção da construção de um sistema (estado constitucional de direito). Mesmo dentro do modelo napoleônico, contudo. o recurso à exegese é insuficiente, apresentan- do-se apenas como o primeiro passo de uma interpretação útil, fracassando desde logo perante as leis gramaticalmente equívocas ou contraditórias. sem contar com o fato de que a linguagem jamais é totalmente unívoca. Por isso, é claro que o direito não é objeto de interpretação senão fnlto dela, ou seja, de uma variável que não depende apenas da legislação mas, sobretudo, da atividade doutrinária e jurispnldcncial2, que nunca é asséptica ou inocente a respeito do poder. 2. Qualquer método, para ser jurídico, requer uma análise exegética (e também histórica e genealógica) da lei e uma posterior construção explicativa. Em suma, trata-se da necessidade de construir um sistema, isto é, de formar um conjunto organizado que enlace seus elementos. É, aproximadamente. o que se Doracto. Pedro. El duecha y sw' sacerdotes, p. 43. Sobre a escola da e.'(cgese. Coelho. Luiz Fernando. Lógica Jurídica c lnlcrprd:lçào das Leis. Rio, 1979. cd. Forense. pp. 88 s<;,. Guaslini. Riccardo _ Rebuffa. Giorgio. na Introducciún a Tarcllo, Giovanni, p. 16. 151 conceitual para prover segurança jurídica, sem prejuízo de que muitas vezes a dogmática nem sequer tenha permitido tal previsibilidade. 5. Aquela função de prover segurança jurídica não se satisfaz com uma mera previsibilidade das decisües: segurallçajurídica não é segurança de res- postall. Tuuo uependerá de qual resposta segura se trate, pois o estado ele polícia costuma oferecer certa segurança de respostal2, embora o positivo ncs- ses casos pode ser precisamente eludi-la. Não é tampouco sul1ciente a constrll- çâo conceilual para que O discurso jurídico garanta segurança jurídica. Uma construção conceitual especulativa, elaborada em função de dados legais e da- dos da realidade selecionados para não desvirtuá-la, racionalizando deste modo qualquer exercício do poder punitivo. mas que omita ser guiada por um sentido político (que não se pergunte para que serve) não é capaz de prover segurança 4. Já se observou que o saber jurídico-penal (direito penal) tem por objeto a segurança jurídica (aqui entendida como a dos dircitos ou bens jurídicos de toda a população) ao propor üs agências jurídicas que operem otimizando scu exercício de poder para controlar, limitar e reduzir o poder das agências de criminalização primária e secullll~í.ria. Assim, tut.clará os bens jurídicos de (Od3 a população diante de UIIl poder que, de outro modo, seria ilimitado (na forma do estado de polícia) e acabaria no caos que o artigo 60, ~ 4°da Constituição da República quer evitar; deste [lOgulo, a segurança jurídica, mais que segurança por meio do direito, seria a segurança do próprio direitos. Esta percepção do direito penal se esquiva à crítica que considera que o projeto político e social da modernidade frustrou-se por não resolver o problema da violência, por identil1- car o direito como racionalização da violência9, respondendo ao famoso para- doxo de Radbruch: ml0 um direito penal melhor. mas sim algo melhor que () direito penallu. Um direito penal melhor é aquele que reduz o poder punitivo, abrindo assim espaço para modelos cficazes de solução de conflitos, quc serão sempre algo melhor que o poder punitivo. faz desde que os glosadoresinauguraram o saber jurídico-penal3 , rccordando- se como primeira definição jurídica do delito aquela formulada por Tibério Deciano4, e que se expressa com", metalinguagcm manifesta desde o século XIXs ;.com a chamada dogmática jurídica, consistente na decomposição do• texto legal em elementos simples de conteúdo reconhecido (dogmas), com os quais, em seguida, se procede à construção de uma teoria interpretativa, que deve corresponder a três regras básicas: a) completitude lógica, quer dizer, que não seja interiormente contraditória. Esta regra será violada, por exemplo, por uma teoria que considere uma mesma circunstância eximente e atenuante, sem compatibilizar os critérios (sem distinguir os casos onde exime de pena e onde simplesmente a atenua). porque equivale a dizer que alguma coisa é c não é ao mesmo tempo: b) compatibilidade legal, ou seja, que não possa imotivadamente postular decisões contrárias à lei. Tal regra não deve ser entendida qual servilis- mo exegético para com a letra da lei penal subordinada: a construção deve considerar, antes de mais nada, a Constituição e o direito internacional dos Direitos Humanos; a compatibilização deve privilegiar a lei constitucional e internacional; c) harmoni£ljurídica, também chamada de lei da estéticajurfdi- ca6, segundo a qual a construção deve ser simétrica, não porém artiticiosa OLl amaneirada, c mostrar certa grâce c/li nalure/. Esta regra não se impõe tão absolutamente quanto as duas anteriores, mas sua observância é altamente cun- veniente. Uma teoria que admita faltar em um pressuposto o que é necessário em outro, e procure sair deste impasse inventando equivalentes eventuais em cada oportunidade, não respeita essa regra. 3. Afirma-se que a dogmática jurídica "estabelece limites e constrói con- ceitos, possibilita lima aplicação do direito penal segura c previsível e subtrai essa aplicação da irracionalidadc, da arbi[rariedade e da improvisação"7. O certo, porém, é que não basta a previsibilidade das decis6es ncm a conslruçâo A rigor. a modernidade jurídica começa no século XII, com a renovação do direito justiniâneo. cC Pereira dos Santos, Gérson, Do passado ao jutllro em direito penal, p. l7; Rüping, fi., Grulldriss, p. 33; Morillas Cueva, Lorenzo, MelOdología y cieflcia penal. p. 13; Piano Mooari. Vincenzo, Dogma/ica e illlerpre/al.iolle, p. 13; Legemlre, Pierre, em Derecho y psicoanálisi.~, p. 131 55. Seu Trac/ollu Criminalü (1590) dizia que "delito é () fato dito ou escrito de um homem, por dolo nu por culpa, proibido peia lei vigente sob ameaça de pena, que nenhuma justa causa pode escusar" (d. Schaffstein, Friedrich, La ciencia ellropea, p. 112). Jhering, Rudolf von, L'esprit du Droit Romain, 1.m, p. 26 $S.; Pasini, Dino, Etl.l'ayo sobre lhering; Wolf. Erik, Grosse Rechlsdenker, p. 616 $S.; completa informaçãu em Agustín Squella (org.), lheri"g y la lucha por el derecho. Sobre ela, Jhering, L 'esprit du Droit Romai", 1. fIl, p. 69. Cf. Girnhcrnat Ordcig. Enrique, em Problemas ac/uales de las Ciencias Penales y de la filosoFa dei DerecllO, p. 495 ss. 152 " " Radbruch. Gustav, llllrod/ICcicJlI, p. 39; contrapõe-se à lese que sustenta a proteção dos hens jurídicos assinalados pelo legislador, e ao conseqilentc debate com aqueles que postulam a tutela de valores étic(Hociais, que se resolvia pela visão dominante atribuin- do uma suposta dupla função protetora (ussim, Wcsscls, p. 2; f••.tezger-Blei, pp. 116.7, I\tezger, Modeme Wege, p. 2t 5S.: llaulrI:J.lln, pr. 13-14: Bockelmann, p. 53 5S.: Mayer, H., p. 20; Stratenwerl, p. 28 5S.). Mcssner, Claudio, em D[)Ut>, 1/94, p. 51 ss. Radbruch, Gustav, El lwmbrc t'T1 el derecho, p. 69. A respeito do conceito ohjetivo de segurança ~ do sentimento de segurança jurídica, Carrara, Programma, n° 103; Carrnignani, EJemeflfQ, n° 124. Cf. L6pez de Oilate, Flavio, La certeza dei derecJlO, p. 16 J. 153 jurídica. por mais previsíveis que sejam as decisões jurisdicionais que ela pro- puser. A velha jurispntdência de conceitos seria o paradigma de semelhante construção e sua crítica não é novã'3 . Por outro lado, há também construções concel\uais autoritárias e totalitárias, feitas sob medida para estados de polícia, embora illgumas pareçam rudimentares, questionáveis portanto em sua consi- deração corno saber jurídico. 6. O objetivo atribuído ao saber jurídico-penal não é produto do método, mas sim pressuposto delel4• O método é o caminho e este se constrói para chegar a algum destino. O direito penal, neste sentido, é teleológico: trata-se de um saber com um destino político definido de antemão, que pode ser garantidor (limitador) ou autoritário (supressor de limites), funcional quanto ao estado de direito ou ao estado de polícia. A construção jurídico-penal não tem outro re- curso senão escolher de uma maneira consciente seu objetivo, pois. em caso contrário. não sabe o que constrói, porque não esclarece previamente para que serve e. por conseguinte, ignora a que lugar conduz: o discurso penal lllllOritá. rio é irracional por seus objetivos, mas aquele que pretende ser politicamente neutro é irracional por seu método construtivo, sem preju{zo de que possa acabar /lOautoritarismo e ainda que mio ()Jaça. 7. Os objetivos políticos foram legislativamente Illoldados desde o século XIX: Feuerbach sustentava que o.direito penal- através dos tipos - tutelava direilOs subje- tivos, em oposição ao bonapartismo, que lhe concedia a tutela do direito objelivo, entendido como vOJ1lade do estado, da lei ou - o que é pior - do legislador. A vontade do estado ali da lei é algo tão misterioso quanto seu esp(rjto; a do legislador pode ser entendid.l como uma ficção, como a dos projetislas ou a do legislador histórico. A primeira, por 1150 passar mesmo de ficção, não existe; os projetistas são tantos que é muito difícil averiguar qual foi sua vontade, se é que ela exjstiu~ a do legislador hislórico é reconhecível. às vezes, se foi expressa nos fundamentos dados (exposições de motivos). As exposições de motivos constilllCITlUIlldado histórico que não deve ser desprezado como parte da análise da lei, mas que não vincula o intérprete's. I' A crítica originária tocou ao próprio Jhering, Der ZU'eck im Redu. Considera-se o antece- dente da chamada "jurisprudência de iOlcrcsses" (cf. Recil5cn5 Siches, Luis. Panorama. p. 268 >S.). l~ Sohn: a necessidade de um ponto de partida cxtralegal para iniciar a cadeia argumentativa. Bacigalupo. Enrique. em DDDP. n° 2, 1983, p. 259. I' Cf. infra, ~ 10, IV. Cf. Florez de Quinones. ~1.C.R., Valor yfunci6n de las exposici(Jnes de motivos en las nonnas jllridicas, Santiago de Compostela. 1972, ed. Un.S.Comp. 154 8. lf inevitável que o direito penal se assente sobre uma decisão pré- dogmática (ou pré-sistemática) para construir Os conceitos sistemáticos, de acordo com wn selllido (objeth'o político), não só como resultado de uma de- dução, como também porque, empiricamentc, a própria história do direito penal demonstra que tanto se pode teorizar para preservar os espaços sociais de liber- dade do estado de direito ou para reduzi-los - conforme o modelo do estado de polícia - quanto se pode construir conceitos de segurança cujo objeto cOITesponda aos direitos das pessoas ou à autoridade corp~rativa do estado, ou seja, para consolidar o estado de direito ou para destruí-lo. A/llllciolla/idade politica dos conceitos jurídicos é só um dado ôntico; o sistema pode assumi-la e expressá- la, tornando-a mamfesta, mas se não Ofizer a única coisa que consegue é deixá-la latellle. 9. Não é possível negar que há usos relativamente perversos do método dogmático. Sua aplicação estritamente linlitada às leis clássicas (completitude lógica c compatibilidade legal), a restrição de dados para interpretar, reduzin- do-os aos normativos (dever ser), a refutação de dados do ser ou sua seleção arbitrária e a incorporação de dados do dever ser corno se procedessem da rea-lidade (confusão dos planos normativo e ôntico) permitem construções especulativas conceituais que possibilitam a imposição de penas a fatos que não são ações nem são lesivos; que todo resultado seja considerado previsível; que de todo comportamento se deduza insurgência quanto a um valor jurídico; que todo vulnefÜvel seja tido como perigoso; que rodo dissidente seja considerado inimigo do estado ou da sociedade; que toda lesão seja vista como censurável; ou ainda que toda censura alcance a máxima entidade. 10. Todas essas racionalizações (falsas aparências de racionalidade) fo- ram historicamente construídas em forma de sistema. Prova disso é que, sal vo uma minoria (uKielerscllllle), os penalistas alemães restantes continuaram traba- lhando com método dogmático sobre a legisração penal nacional-socialista'6• método também usado pelo fascismo17 • que se colocou a serviço da segurança nacional em nosso continente'8 e que hoje, potencializando o estado de polícia, atende aos esforços de uma absolutização da chamada segurança cidadã com teorias de prevenção gcraL Tais racionalizações autoritárias legitimam o poder punitivo, começando por legitimar toda a criminalização primária de uma manei- ra acrítica. Para cumprir essa função política, seu ponto de partida teórico é uma confusão dos planos normativo e fático: o requisito republicano, segundo o qual o I!> v. Mezger. Edmund, em ZStW, 57, p. 675 ss. n Saltelli, Carlo, em Conferenze in tema di legislaz;one fascista, p. 99 55. 11 Bayardo Bengoa, Fernando. Dogmática jurídico-peneI!. 155 legisladorde\'e ser racional, transmutll-sc naficção de que o legislador é racio- nall'). Partindo dessa ficção, a doutrina penal se impõe como tarefa construir um sistema que legitima todas as crimin~lizações primárias decididas em função de políticit(; e maiorias conjunturais, sacrificando os dados da realidade que pel1ur- bam ali obstaculizam sua elaboração. Deste modo, obteve-se um grau tão refina- do de racionalização que é possível explicar, nos termos dessa sistemática perversa, qualquer decisão criminalizante, por mais absurda e arbitrária que seja20 . 11. O princípio republicano de governo impõe que seus atos sejam raeioM nais21, mas ncm sempre eles são tudo o que de~'emser. A chave superadora está em construir um sistema no qual as decisiJes jurisdicionais sejam racionais, descarrando os atos legislativos, total ou parcialmente, quando sita irracionolüJlldefor irredwivel, isto é,formulando uma propOSladogmática que assegure ()avanço do principio republicano e não seu próprio definhamento. 12. A perversão na aplicação do método dogmático não é uma conseqii- ência da construção conceitual de um sistema, mas sim do sentido com que se constrói esse sistema (o para quê do mesmo), que fracassa quando ele é subme- tido ~Iservidão de umei'lado legal de direito em lugar de convertê-lo em instru- mento de um estadu cunstitucional de direito. O estado legal de direito pode não ser autoritário, mas sempre corre o risco de sê-lo como conseqüência da onipotência legislativa, tendente a clamar por um sistema dogmático servil e incondicional que sacrifique a realidade pela pretensa vOllladedo legislador. A sistem:uização não tem outro efeito senão cvitar contradições internas da teoria, transferindo para toda a construção um componente teórico, que sení autoritá- rio ou limitador segundo a prévia função política atribuída ao sistema de COfllM preensão que se constrói (teleologia construtiva). lI. Necessidade de construir 1lI1l sistema 1. O direito penal deve programar o exercício do poder jurídico como um diqlteque contenha o estado de polícia, impedindo que afogue o estado de direito. Entretanto, as águas do estado de polícia se encontram sempre em um nível supe- 19 Cf. Pereira de Andrade, Vem Regina, Dogmática e sistema penal, p. 66. :{J Cf. SchUnem3.nn. Bernd. Cnnsideraciones críticas. p. 51; Pereira de Andrade, Vem Regina. [)ogmática e sistema penal. !I Sobre níveis t: critérios de racionalidade (lingUística, jurídicoMformal, pragmática. tekolcígica, ética). Nozick. Robert, lA rzalUrale;:l1.de la raciollalidad; García, José FerM nando. l.a raciollalidad en política y cn ciellcias sociales; Atienza, Manuel, Tras la justicia, p. 199 5S. 156 riar, de modo que ele tende a ultrapassar o dique por transbordamento. Para evitar isso, deve o dique dar passagem a UfiUl quantidade controlada de poder punitivo. fazendo-o de modo seletivo,filtrando apenas a torrente menos irracional e redu- zindo slIa turbulência, mediante um complicado sistema de comportas 'lue impeça a ruptura de qualquer lima delas e que, caso isto ocorra, disponha de outras que r~assegurem a contenção. O direito penal deve opor ao poder punitivo lima seletividade com sinal trocado, conligurando perante ele umacofllraMseletividade. A proposta de uma constante contrapuls50 jurídica ao poder punitivo do estado policial, como um unfinished, impurta atribuir al) juiz penal a função de um pcrM sonagcm trágico22, cujas decisões nunca aparecerão como completamente satisfatórias, porque deve opor toda a sua resistência ao poder punitivo. O poder punitivo que ameaça transbordar do dique é aquele habilitado pelas leis com fun- ções punitivas latentes ou eventuais. A respeito, porém, do poder punitivo que as leis penais manifestas habilitam, daquele que é menos irracional, não pode fechar- lhe completamente a passagem, embora deva envidarcsforços para que seja aberM ta só quando esliverem ultrapassadas as comportas dos sucessivos momentos processuais (ele as entreabre com o processo, as abre com a prisão preventiva, determina a quantidade que deixa passar com a sentença c controla a que passa durante a execução) e estiver legalmente comprovado que em todos eles ocorre um pressuposto onde a racionalidade do poder está menos comprometida. 2. Nesse percurso. as hidráulicas penal e processual penal devem coinci- dir, a fim de permitir que as comportas só possam ser ultrapassadas pelo poder punitivo que não apresentar sinais de irracionalidadc. Ao fim do percurso, che- ga-se à criminalizaçii.o secundária formal de lima pessoa, o que em termos jurídico-penais pressupõe duas grandes linhas de comportas seletiva.~';a) a primeira impede a passagem do poder punitivo quando os presi'u{Jostos para requerê-lo li agência judicial não estão dados; b) a segunda indica o modo como a agência judicial deve responder a esse rcquerimenro. A primeira é chamada de teoria do delito, e a segunda de teoria da responsabilidade penal. 3. Não causa espécie o falo de que o direito penallcnha se detido para elaborar a teoria do delito de modo sumamente refinado, em especial quanto à aplicação do método dogmático, pois esta, COlllO sistema de filtros que permite formular a indagação acerca dos pressupostos de uma resposta da agênciajurí- dica habilitante do poder punitivo, constitui a mais importante concrcção da função do direito penal a respeito do poder punitivo negativo ou repressivo, habilitado pelas leis penais manifestas. Neste capítulo a dogmática jurídico- penal alcançou seu desenvolvimento mais sutil, supcnlimcnsionado em relação às demais questões do direito penal. 11 Dreher, Eduard, em Fest. f Bockelmanll, p. 45. 157 4. Dentro do esquema tradicional de discursos legitimantes do poder puni- ti vO,pôs-se em discussdo li necessidade de um sistema, com diversos argumen- tos e objetivos. Tendo em vista o deseH'Volvimento tão notório e desproporcionado da teor~ do delito, não é de se estranhar que nesse assunto se confundam as críticas ao próprio método e à dogmática com aquelas que se dirigem para algumas específicas construções da teoria do delito. --- ----------------------------~------ sllbjetivo, que não é tão rudimentar quanto se pretendc:27 nem muito direrent~ dos do século passado europeu continellla! e daquele ainda hoje vigente na doulrina francesa. Teóricos e legisladores de tradição:mglo-saxônica foram inOuenciados por legisladores europeus continentais2M ,e as respectivas obras doutrinárüt'\ registram tal influência. As comparações doutrinárias não são raras nas últimas décadas2Y , o que comprova a exis- tência de um sistema, pois, de outro modo, seria impossível levá-Ias a cabo. 5. Hoje em dia tornaram-se históricas as críticas à construção do sistema de compreensão proveniente da t.:scola de Kiel, ou melhor, do nacional-socialismo pe- nai ativo e militante, que defendia um delito entendido como toralidade, reduzindo o direito penal a pura decisão política. Estamos procurando demonstrar que a constru- ção do sistema pressupõe uma decisão polÍlica pré-sistemática, ao contrário de urna construção tradicional que, às vezes, a esquece e considera possível construir um sistema que prescinda dessa decisão (como, por exemplo. a maior parte do neokantismo); a Kielerschule tentou o caminho exatamente inverso: resolveu ficar com a pura decisão polílica. É perfeitarnellle explicável: a decisão política irracional em favor do estado de pulícia <.ksiste dt: oferect:r à agência judicial um programa racional de decisões, não só desnecessário corno também incômodo e perturbador para o estado de polícia!J. 6. Tão históricos quanto os esforços dos penalistas de Kiel são aqueles levados a cabo pelos jus-filósofos da escola egológica argentina~~•.os quais não ostentavam signo político manifesto, sendo duvidoso que, em alguns aspectos. correspondessem a essa corrente de uma maneira ortodoxa. No caso da cgologia, as tentativas de aplicar a teoria do direito em geral ao direito penal em particular não passaram de manifes- tações isoladas. Do mesmo modo, os escassos ensaios baseados no ncokantismo de Marburgo tampouco surtiram efeilo~j. 7. O entendimento do direito penal anglo-saxão (sobreludo britânico) conservaria mais atualidade, como urna prova empírica das possibilidades de funcionamento de uma agência judicial que oferece garantias. apesar de não dispor de um sistema teórico de direito penal e especialmente do delito2(,. Trata-se de um posicionamenlo pouco convincente. porquanto é basti:lOteclaro o fato de que ajurisprudência inglesa dispõe de um sistema estruturado namens rea e no actus reus, quer dizer, de um sistema objetivo- H Sobre o irracionalismo de Kiel, Morillas Cueva. Lorenzo, Metodología. p. 176. Landaburu, Laureano, El delito como estfllClUra; Atülión, Enrique R., UI escuela penal técnico-jurídica. H v.. por ex., Klcin Quintana. Julio. EnsC/yo de una 1f!oría jurídica dei dereclio penal. ~ó Nino. Carlos $., Consideraciones sobre la dogmática; do mesmo. Algunos modelos metodológicos de ciencia jurídit.:a. 158 . , 8. OUlra venente crítica observa que a construção de um sistema pode prejudi- car ajustiça quanto à solução de casos parriculares, redu7.ir as possibilidades de solu- cionar problemas, chegar a decisões contdrias à política criminal ali incidir na aplicação de conceitos excessivamc:nle abstratosJO, A rigor. esses defeitos não são atribuíveis à existência de um sistema. mas às características particulares de alguns sistemas. Merece especial menção a observação referente à política criminal: se, como tal, se entende a dificuldade para levar alguma função manifcsta da pena at~ suas últimas conseqüências, em um sistema quc o impede pela necessidade de não contra- di7.er algum dado legal ou interno, além de que, às vezes, isso possa ser uma vallta. gem e não um defeito (quando um limite impede a pretensão de impor tudo aquilo de que a aspirada prevenção necessitaria), nos casOScontrários se trata de um defeito também atribuível à construção do sistema e não fi sua mera existência. Se se constrói um sistema partindo de uma pretensa função positiva do poder punitivo. e a medida da pena que esta função indica não pode ser obtida porque a lei não o permite, deve optar-se entre considerar inconstitucional a lei ou metodologicamente incorreta a construção, por violar a regra da compatibilidade legal. 9. Outra objeção à sistematização do direito penal e especialmel1le do delito poderia provir da chamada tópica ou pensamento problemático, que remonta a Arislóteles, Cícero e Vico, e que consisle em argumentar favorável e contrariamente •.i todas as possíveis soluções de cada caso em particular, até chegar a uma que suscite consenso geral como manifestação de vontade comum (tal como Viehweg propôs em famosa conferência de t 950)11. Além do fato de que o método traga poucas inova- ções, pois é a base de qualquer gênero de propostas conciliatórias. conhecidas em matéria de ofensas à honra há alguns séculos.l~, e de que <I solução por consenso seja 11 cr. ()desenvolvimento de Smith-lIogan; o conceito de merls rea em Cadoppi, Alberto . Estralto dal Digesto; historicamente, Prentiss Bishop,1ncl. New Commelltaries; Stcphcn, James Fitzjames, A history. ]~ Cf. Cudoppi, Alberto, em RIDPP, 3, 1992. ],. Por exemplo, Eser. Albin - F1cteher, George S., Rechtjertigung ulld Enrschuldigtmg. _,O! Roxin, p. 214. 'I Viehweg, Theodor, Tópica y filosofia. Cf. [Jmbém sua tese ele livre-docência em Muni- que, de 1953 (Vichweg, Theodor, Tópica e Jurisprudência, trad. Tércio Sampaio Perraz 1r., Brasília, 1979. ed. Imp. Nac.) .'1~ Albergati, Fabio, Del modo di ridj~rre li pace l'inimicirie private. 159 tradicional em muitas culturas pré-hispânicas de nosso continente, é natural que o âmbito onde a tópica tenha sido discutida mais amplamente seja o do direito civil, por se tratar de um insumo retórico para à solução conciliatória de conflitos. Sua aplica~ ção aó'{lireito penal33 só é imaginável à medida que sejam adotados mecanismos de diversion34 , nos quais os conflitos saiam do direito penal para serem resolvidos por via conciliatória, mas enquanto tais conflitos se mantiverem dentro do modelo puni- tivo lama-se impossível, porquanto a intervenção penal é incompatível com a conci~ liação, por tcr suprimido a vítima: não há qualquer possibilidade de consenso quando uma das partes fica excluída do modelo e passa a ser substituída pelo poder, que assume seu papel através de uma ficção. 10. As objeções que foram formuladas à construção de um sistema em direito penal e à dogmática jurídico-penal em particular, especialmente no âmbiw da teoria do delito. têm considerável consistência e não podem ser ignoradas, até porque a sistematiza~'ão não cumpriu suas promessas35• Em boa medida, pode-se mesmo afir- mar que o empenho sistemático facilitou a racionalização do poder punitivo c não questionou sua função, bem como que a pluralidade de teorias pennitiu sustentar soluções díspares e. portanto, proceder de modo arbitrário. Cabe imputar ao empenho sistemático alguns equívocos, principalmente pelo mito do legislador racional, ins- trumento teórico que lhe subtraiu [orça crítica3ó; a pretendida assepsia ideológica de algumas construções ignorou que a ideologia é parte inevitável do discurso jurídic037; certo uso do método propiciou comparações com a geomerria e a teologial~; freqüen- temente incidiu.se num excesso de nonnativismo39 com formulações exclusivamente abstratas40, o que por vezes lcvou.o a encerrar.se numa "jaula de Paraday'''Il; a defi- ciência na integração dos postulados dos direitos humanos.J2. que ex ige uma séria .1.1 Em sentido crítico c reivindicando a necessidade do sistema. Gimbernal Onleig, Enrique, COIlCeplU y método. p. 105. .\~ Sobre este conceito. Kury, Helmut.Luchenmüller. Hedwig, Diversioll; cf. RIDP. v. 54, 1983, nO 3-4. .1~ Cf. Pereira de Andrade, Verti Regina, op. cit. l(' Sobre este miro, Nino, Carlos S,mtiago, COl1sideraciones sobre ia dogmática jurídica. l7 Kennedy, Duncall, Libertad y restricción enio decisiónjudicial; sobrc os difcrentes concei~ [OS da ideologia e sua história, Eagleton, Terry. Ideolog[a. .l~ Gardella, luan Carlos, em Encidopedia Jurídica Omeba, p. 230; Cerroni. Umberto, Metndología y ciencia social. p. 112. Afirma-seque a idéia de sistema, estreitamente vinculada à questão da certeza da fé no debate teológico, leria passado, no início do século XVII, da astronomia e da teoria musical à teologia, à filosofia e à jurisprudência (Luhmann, Niklas. Sistema Giuridico e Dogmafica Gillridica, trad. A. rcbbrajo, Bolo- nha, 1978. ed. 11Mulino, p. 35) . .1~ Küpper, Gcorg, Grenzen, p. 202; Creus, Carlos, em NDP, nO 1997/B, p. 609 S5. 40 Novoa Monrcal, Eduardo, La evolución deI derecho penal, p. 46; do mesmo; em DP, 1982, p. 567 ss. ~l Schubanh, Manin, em ZStW. 1998, p. 827. 4~ Carvalho, Sala de. em DS-CDS, n° 4, 1997, p. 69 5S. 160 renovação clílica13; e, por fim. o empenho sistemático cos£Umaesquecl:r-se de que a interpretação judicial das leis é um alOde compreensão de textos, e por is:-;oman.:ado também pelas limitações. preconceitos, subjetivismos, rotinas e espontaneidade das demais formas de compreensão4.1 • 11. Tais objeções propõem duas questões: a) a metodologia que permitill a legitimação do poder punitivo será lÍtill}{lralimitá-lo, fIO momento de efetu- ar sua deslegitimaçc70 como base de /Im direito penal moderador e redutor dele? b) É possível construir um sistema a partir da des/egitifflaçâo do poder punitivo? Cabe urna resposta afirmativa às duas perguntas. Respondcr ncgati- v<tfficntc a essas perguntas implicaria assumir a mesma atitude da Kielerschi/le. apenas de modo inverso: tratar-sc-ia dc substituir () sistema por lima decis50 política pura, só que em lugar de fazer a opção pelo estado de polícia, far-se-ia pelo estado de direito. Tal tentativa provocaria lima ruptura do próprio estado de direito: o estado de polícia tolera a substituição política (sendo, por dcfini. ção, arbitrário - sua (mica coerência se dá através da vontade do poder, cuja expressão mais elevada é o Führerprinzip)45, Illas não a tolera o estado de direi- to, que impõe aos juízes decisões racionais. A circunstância de que o sistema deva ser construído completando-se logicamente a partir de uma função Illode. mdora não lhe tira o caráter de sistema: as contradições com soluções obtidas por um sistema que apenas se constrói em busca de completitude lógica (supos- tamente livre de qualquer funcionalidade política) serão inevitáveis e dificulta- rão a discussão e comunicação entre teorias, mas este é o conhecido problema da incomensurabilidade, dilema próprio da epistemologia geral c não do direito penal cm particular46. 12. O desenvolvimento conceitual do direito penal- em particular, o rere. rente à teoria do delito - constitui um esforço de raciocínio e pesquisa muito peculiar dentro do campo jurídico. Quase todas as possibilidades sistemáticas de construção, com díspares fundamentos tilosóficos, de teoria do conhccimcn. to e de metas políticas foram exploradas. Refutar essa experiência e esse treina- mento seculares, na tarefa de construir um direito penal exclusivamente redutor do exercício do poder punitivo, seria mergulhar no eonsabido absurdo de pre- tender descobrir o que todos conhecem e levaria a uma série de desatinos .J.l Fernández Curr:lsquilla, Juan. em Actuaiidad Penal, n° 2, [995, p. 6955. 44 Hasscmcr. Winfricd. Crítica deI duecho penal de ho)', p. 42. Ü Seu enunciado em frank. Hans, Im Angesicht des Galgens, p. 466; do mesmo. Rechtsgnlfldlegung de.~ naziollal.mzialistischen Führerstaafes, pp. 11 e 39. 46 Fcycrabend. Paul K., Diálogo sobre el mêtodo. 16! intuicionistas isolados e, sobretudo, inidôneos para a função prática do direito penal (orientar as agências jurídicas do sistema penal). O direito penal se dissol- veria numa crítica política sem serrlido prático'H. No fundo. seu resultado seria legiti"mante através da neutralização da critica discursiva: a extrema radicalízação política do discurso anula seus efeitos críticos. pois produz um imobilismo impotente por incapacidade de mudar tudo a partir de uma prévia redução a nada.Certamente isto não significa que haja um único sistema ou constmção válidoS48 • pois o saber jurídico. que nesse aspecto não se distingue dos demais saberes, sempre admite a elaboração de um sistema livre de contra- dições, embora incompatível com outro que tampouco as contcnha 49 . 13. Para um direito penal entendido como filtro redutor da irraeionalidade e da violência do poder punitivo. as comportas do dique penal que contiverem as águas desse poder devem fazê-lo com inteligência. Descartado o impedimen- to da passagem de toda a água (que levaria o dique à estagnação ou à ruptura), ele não poderá permitir a passagem de qualquer água nem de qualquer forma: sua quantidade, qualidade ~ forma de passar devem ser cuidadosamente pre- determinadas. Se o poder punitivo é uma força irracional e o direito penal deve dar passagem somente àquela parte dela que menos comprometa a racionalida- de do estado de direito, a seleção penal deve ser racional, para compensar - até onde puder - a violência seletiva irracional da torrente punitiva. Duas seleções irracionais resultariam, pelo menos, numa soma de irracional idades, sem preju- ízo de sua eventual potenciação. As comportas não podem opcrar esta seleção inteligente se não se combinarem em forma de sistema, aqui entendido - ante a equivocidade do vocábulo - em seu significado kantiano: "a unidade de diver- sos conhecimentos, segundo uma idéia ", de modo que, a priori, se conheça o âmbito de seus componentes e os lugares das partes50. H O ensaio mais refinado para resolvê-lo a partir da teoria política é o uso altcrnativo do direito; cf. Barcdlona. Pielro - Cotturri, Giuseppe. El estado y los juristas; também Andrés Ibaõcz. Pcrfccto, PoUrica y jus/ida e/l el eJwdo capitalista. No Brasil, numa clave insligante de pluralismo jurídico. cf. Bucno de Carvalho, Amilton, Direilo Allerna- tivo em Movimento, Niterói, 1997. ed. Luam; do mesmo (dir.) Revista de Direito Alter- nati .....o. S. Paulo. 1992, ed. Acadêmica. Cf. ainda Arruda Jr., Edmundo L., Introdução à Sociologia Jurídica Altcm:lliva. S. Paulo. 1993. ed. Acadêmica; Wolkmer. Antônio Car- los. Pluralismo Jurídico, S. Paulo, 1997, ed. Alfa Ômega. H Cf. 1\..lunoz.Conde. Francisco. em Re~'.Penal. n" 5. 2000, p. 44 55. 4~ Cf. Price. H. H., Tmlh al!d Corregibility, p. 1955. 50 Kant. Kritik der reineI! Vcrmmft, 11,696. 162 IIl. Sistemas classijicatórios e teleológicos, dogmáticas legitimantes e poder político e jurídico I. Os sistemas de compreensão elaborados pelo direito penal podem ser teleológicos ou classijicatóriosSI , segundo sua elaboração pressuponha uma funcionalidade política e social ou se limite a simplesmente organizar, classifi- car e hierarquizar elementos ou componentesS2 • Neste último caso, omitem toda referência ao objeto que o saber penal busca, ou o subestimam, com o que sua função fica latente. Embora a opção por um ou 'outro caminho pertença aos teóricos, nem por isso se deve pensar que a aceitação de um ali de outro critério depende apenas de uma decisão tc'órica desvinculada do poder. A esse respeito nenhuma teoria conspirat6ria é verdadeira, sendo incabível imaginar que a dou. trina se elabore diretamente por incumbência do poder. O êxito político de uma sistematização (sua influência sobre as agências jurídicas) depende do poder, porque o saber jurídico é aplicado, ou seja, é um saber posto a serviço das agências jurídicas e estas preferem os sistemas de compreensão que sejam mais úteis para seu próprio exercício, o que, por sua vez, depende da estrutura de poder da agência jurídica e do estado. Os teóricos podem afastar-se dessas ne. cessidaues, mas suas construções não terão êxito político - pelo menos imediato _ porquanto as agências não as assumirão por resultarem disfuncionais para o modelo decisório que a estrutura de poder na qual estão inseridas lhes impõe. Na história do saber penal podem ser encontradas construções teóricas margi- nais, algumas citadas como raridades, embora fossem inteligentes e de maior valor científicoque outras, mas que não exerceram influência alguma sobre as agências jurídicas, em viI1ude de não servirem ao exercício de poder na ocasião. Outras vão adquirir importância em uma etapa histórica posterior à sua formu-. lação: Beccaria c suas traduções não influíram sobre os tribunais, mas sim sobre os políticos de seu tempo, pois a doutrina que as agências jurídicas daque. le momento absorviam era a dos comentaristas das leis vigentes; Dorado r-.1ontero não influiu tampouco sobre os juízes etc. Em geral. as que obtêm êxito - inclu- sive político - conseguem isso através das agências ideológicas reprodutoras, nas quais são treinados os futuros operadores das jurídicas. 2. Ensaiar um sistema de compreensão do direito penal para um estado constitucional de direito não é a mesma coisa que ensaiá. lo para um estado legal de direito. O segundo tenuerá a ser classificatório. porque suas agências judiciais requerem organização que lhes permita resolver os casos sem deixar de fora a racionalização dc toda e qualquer lei penal. Elas não enfrentam o 51 Cf. Jt:scheck.Wcigcnd, p. 204; Jakohs, p. 15S, nota 14. 5~ Assinalando sua origem nos p~lOdcctis(as. Rivacoba y Rivacoba. Manuel de. em I3FD, UNED. n° 13. Madri, 1998. 163 J problema da constilUcionalidade das leis penais, porque não têm poder de deci- são sobre o assunto. Este foi o quadro de poder condicionante da dogmática jurídico-penal européia. que não t,nha experiência amadurecida de controle de conslollucionalidadc até o fim da II Guerra Mundial.• 3. O elaborado sistema de compreensão do direito penal alemão se iniciou no século XIX, a cargo de doutnnadores (como Binding, !>.1erkele os hegelianos) que se esquivavam do problema da constitucionalidade e ilegitimidade das leis penais, pois partiam do pressuposto de um estauo racional (~egislador racional) e não suspeitavam da subsistência de um estado de polícia sob múltiplas rnásca- ras5J. Seria natural que cnvidassem esforços para o aperfeiçoamento dos requi- sitos de operatividade de um poder que consideravam substancialmente racionaL O desenvolvimcnto de sistemas teóricos ncssas bases foi estimulado porque cumpria uma clara função pragm{itica, como classificar elementos e oferecer um método de análise, o que facilitava tanto o ensino do direito (treinamento de futuros burocratas) quanto a atividade judicial nos casos concretos (exercício do poder decisório). Essa função pragmática (ensino e decisão) potcncializou o desenvolvimento le6rico do delito quando a tarefa judicial foi encomendada a agências jurídicas burocratizadas e verticalizauas, às quais se chegava após um longo treinamento acadêmicoH e que eram próprias de um estado legal de direito. 4. O privilégio da função pragmática do direito penal favoreceu a tcodên- cia aos sistemas c1assificatórios, especialmente em teoria do delito55 • os quais procuraram preferentemente a distinção e organização de características e ele- mentos. sem contudo derivar sua sistemática de uma função política do direito penal Oll de uma teoria da pena que a ela obedecesse, salvo quanto à ficção do legislador racional, do qual obviamente jamais proviria qualquer arbitrarieda- de. Por isso, pôde ser mantida uma vaga (eoria dissuasória da pena, com com- ponentes ou limites rctributivos, somente para sustentar a função motivadora das normas e o car:íter tutelar do direito penal como verdade dogmática56 . 5. É compreensível que essa sistemática tenha sido mais ou menos adota- da em toda a Europa continental ou que outras similares se tenham desenvolvi- do, ainda que cum menor perfeição e refinamento, em virtude das mais modestas exigências das respectivas burocracias judiciais. Na realidade, o lIlodelo buro- $1 Cf. Schmidt, Eberhard. Lu lI!)'Y los jlleces. p. 36. $~ Cf. Simon, Dieter, Die Ullabhtingigkeit des RiclIlCTS. pp, 41-48; ROllSSelCI,Marcel, Hístoire de la Magistrature. ~s Como tal pode considerar-se o sistema de Lis7.t.Deling, cf. Rox.in, loco cit.: cf. Tavares, Juarez. Teorias do Delito, S. Paulo, 1980, ed. RT, pp 1755. ~" Cf. infra, ª 9. I. 164 crático de agência judicial. convertido em uma pirâmide em cuja cüspidc UIll tribunal de cassação unificador de jurisprudência exercia um poder interno ho- mogeneizante, começa na Prússia57 , mas depois se estende à França napolcônica e dali a toda a Europa. O mudelo napoleônico de poder judicial, COmo burocra- cia hierarquizada, piramidal c com carreira análoga à militar, é frulo da Revo- lução Francesa que, por desconfiança de que os tribunais do ancien régime recuperassem poders, olllOrgou ao tribunal de cassação instrtlmentos de con- trole para evitar que os juízes se distanciassem das leis promulgadas pelo parla- mento. Este foi o mais acabado modelo de estallo legal de direito. no qual os juízes não dispõem de nenhuma faculdade de controle constituciunal da própria lei59. Esgotada a utopia de juízes eleitos c leigos, qlll: aplicam códigos tão claros que dispensam conhecimentos jUIídicos especiais, característica ela primeira etapa daquela revolução60, Napoleão manteve o controle dos juízes pelo soberano (já não mais () parlamento) através de um tribullal de cassação corno chefatura hierárquica de uma forte burocracia piramidal de funcionários imensamente adestrados na docilidade reprodutora dos critérios judicantes superiores61 . Es- ses juízes europeus e seus tribunais superiores precisavam de sistemas classificatórios, que lhes permitissem ordenar os critérios recebidos de seus su- periores e ordenadamente enunciar os seus próprios critérios. A isso se deve o êxito político desse gênero de elaborações, que entrou em crise juntamente com o modelo de agências judiciais às quais se adequava, tendo em vista que tais hurocracias judiciais desempenharam um detes{ável papel político nos mais variados auturitarismos europeus de entreguerras62. 6. O estado constitucional de direito europeu é recente, pois o controle da constitucionalidade das leis só se desenvolveu a partir do pós-guerra (na Ale- manha, Itália, Áustria, Suíça, Espanha, Grécia, Portugal), tendo em vista que os raros ensaios anteriores nesse sentido haviam fracassado juntamente com os sistemas políticos que os estabeleceram (na Áustria, Checoslováquia c na então 57 Cf. Picardi, Nicola. em 11l.Hiciay cle!wrrollo democrlÍtico ell ItaUa y Amtfrica Latilla. p. 279 SS. H Sobre a arbitrariedade dos juízes do antigo regime e a reação gerada. Azevedo de, Plaulo Faraco. Aplicação do direiro, p. 113. 59 Accattatis, Vincenzo. em Questiolle Giwaizia. 4, 1989. p. Iss. (,(J A rigor. nenhum juiz assume ser apenas a boca da lei; cf. Bachoff. Olto,lue'ces y cOfwilllcfán, p.23. 61 Sobre as const=qüências políticas desla estrutura. Masson. Gérard. Lesjuges etle pOlH'oir. <'>2 Cf. Hannover, Heinrich - Hannovcr. Elisabeth. Politische 1llSliz /918-/933; Guarnieri. Carla. Magistratura e politica ill /talia. p. 87; Papa. Emília R., em Questione Giusrjzia. 1987, p. 705 ss.; Cano Bueso, luan, l.a po/itica judicial dei régime'n de Franco (1936. /945); Baslida. Francisco 1., lueces y franquismo; Grame, James A. C.. El cotllrol jurisdiccional de la constitucionalidad de las leyes; Tocora. Fernando. Contml comtilll. ciollol y Verechos Humanos. 165 República Espanhola)" no período de entre-guerras, a começar pela Áustria, na OktoberverJass,mg de 1921, por inspiração de Kelsen. A novidade conduziu a que se discuta, até hoje. se a ftlnção das cortes constitucionais européias é polít,-ca ou judicial64 • A tradicional oposição entre O controle centralizado (mo- delo austríaco). no qual o tribunal invalida a norma legal inconstitucional erga amnes. e o cOlllrole difuso (modelo 1l011e-americano), no qual o tribunal invali- da a norma legal inconstitucional no caso concreto. restou superada no Brasil, a partir da Constituição da República de 1988, por um amplo mecanismo de controle misto, no qual convivem o controle centralizado (atravésda ação dire- ta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal) e o controle difuso (através da argüição de inconstitucionalidade da norma legal aplicável ao caso concrelO, que pode ser formulada perante qualquer juiz ou tribunal)6s . O surgimento do controle da constitucionalidade das leis, visto pelo prisma das leis penais, gerou conscqüências importantes, particularmente na Itália, onde a crítica constitucional à lei tem sido muito vecmente. porém só recentemente a doutrina brasileira passou a incorporar tal crítica66, antes impedida pela forte influência da sistematização proveniente do estado legal de direito europeu. 7. A doutrina inglesa teve um desenvolvimento diverso, pois seu êxito social dependeu de outra história de poder e de outra estrutura e proveniência h.l Cf. Capelletti. p. 70 SS.; Mirkinc-Guetzévitch. Boris. Las rlllevas constituciones deI mt/fl- do: Fix Zamudio, Iléctor. Los tribullales constituci01lale.\' y los derechos humanos. M Ferrajoli, Luigi, Derechos y garantias, p. 27, rrisa que na atualidade to"daa teoria política e jurídica se interroga acerca da conciliação da supremacia constitucional e do princípio democrático, com atenção no controle constitucional judicial. Sobre isso também Ferreres ComelJas, Víctor, .lI/súcia constitucional y democracia; Gargarella. Roberto. La justicia jrent£' al xobiemo; Hlibcrlc, Pctcr, ilerme1lêutica constitucional; Moreso. José Juan, Úl indeterminació1l dd derecho y la interpretaciôll de la constitución. p. 233 55.: Nino, Carlos S, Fundamentos de derccho constitucional, p. 673 ss. h~ Antes da proclamação da República, seria impensável um controle da eonstitucionalidad~ das leis, de vez que "3 sanção imperial cxpungia-as de qualquer vício"(Jacques, Paulino, Curso de Direito COllstituciollal, Rio, 1962, ed. Forense, p. 174). A primeira Constitui. ção republicana admitia o controle de leis estaduais, e foi a lei nO 221, de 1894, que autorizou abstivcsscm~se os tribunais de aplicar leis "manifestamente inconstitucionais". A partir da Constituição de 1934 roi o princípio expressamente reconhecido. Cf. Silva, José Aronsu da, Curso de Direito Constitucional Positivo, S. Paulo. ed. RT, pp. 49 ss: Hastas, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, 5_ Paulo, 1989, ed. Saraiva. pp. 32355; r-.loro, Sérgio Fcrnando, Legislação Suspeita'! Curitiba. 1998. ed. Juruá: ampla notícia bibliográfica em Barroso. Luís Roberto, Con~li[uição da República Federativa do Brasil Anotada, S. Paulo, 1998, ed. Saraiva, p. 216. 66 Cr. Luisi. Luiz. Os Princípios ConstilUcionais Penais, P. Alegre, 1991, ed. Fabris; Cemicchiaro, I.uiz Vicente - Costa Jr., Paulo Jose, Direito Pena na Constituição, S. Pau- lo, 1990. ed. RT; Shccaira, Sérgio Salomão - Corrêa Júnior, Alceu, Pena e Constituição, S. Paulo, 1995. cd. RT; Ribeiro Lopes. Maurício Antõnio, Teoria Constitucional do Di- reilo Penal, S. Paulo. 2000. cd. RT. 166 das agências jurídicas. Na Grã-Bretanha, o saber acadêmico tem reduzida in~ fluência sobre o exercício do poder das agências jurídicas. Isto se deve ao fato de que, há séculos, as nobrezas locais foram submetidas ao poder central da monarquia e, depois, iniciou-se uma longa disputa entre o poder real e o do parlamento. Nessa contenda, o parlamento se declarou onipotente ao ponto de, revelando seus próprios preconceitos de gênero, ter Lord Holt dito que ele "po- deria fazer até coisas que fossem algo ridículo: poderia fazer com que Malta estivesse na Europa, poderia fazer de uma mulher conegedora ou juíza de paz. contudo não poderia mudar as leis da natureza, como fazer de uma mulher um homem ou de um homem uma mulher. O tribunal supremo integrou-se à câmara alta e os advogados se incumbiram da formação dos candidatos ajuízes, que o pmlcr político deve escolher entre aqueles treinados e habilitados pelas corpora- ções de advogados, razão pela qual estes últimos sempre se opuseram à forma- ção de uma burocracia judicial61 . Devido a essa dinâmica do poder, o sistema do saber penal inglês com êxito político possui características rudimentares, de vez que, baseado na prática jurisprudencial, não admite o exercício de um poder acadêmico forte, tendo em vista que osjuízes são mais adestrados nos escritóri- os de advocacia do que nas universidades_ 8. Essa tradição um tanto rudimentar foi útil aos Estados Unidos, que jamais a abandonaram, porque quando substituíram o sistema inglês por outro, no qual os juízes controlavam os legisladores (exatamente de modo inverso ao francês revolucionário e ao napoleônico), as forças políticas não permitiram tampouco que os juízes fossem recrutados por uma burocracia corporativista, mas cuidaram ciosamente de sua designação através de critérios partidários6!. 9. Entre nós, até o advento da Constituição da República de 1988, adotou- se o modelo proveniente dos Estados Unidos, no qual os juízes exercem um controle de constitucionalidade difuso, de acordo com a Carla de Virgínia, que, no pólo oposto à Revolução Francesa, criou um poder judicial com capacidade de controle sobre o legislativo69 e um poder judicial recrutado partidariamente, Em que pese a óbvia influência da doutrina constitucional norte-americana so- bre nossos professores na matéria, nossa doutrina penal foi importada da Euro- h! Cf. Birch, Anthony H., British System ofGovernmetlt: Yardlcy, D.C.M., Inlrotiuctiofl to British COllstiwtionaI Law, p. 61 ss.; Hartley, T.e. - Griffith. J.A.G.,Govemmellt and Law, p. 174 SS.; em especial, Griffith, J.A.G.,Gilldici e politica in Inghilterra. Para a declaração de Lord lIoll. Wilson. O. M., D., Digesro de la le)' parlamentMia, p. 19.5. 6lI Cf. Chase, Harold \V.. Federal Judges: theappoiming process: Simon, Paul. cmJudicafljre. 70, 1986, p. 55; Morenilla Rodríguez, 10sé Maria, La orgalliz.ilción de los tribunales; Sutton, 1.5 .. ,\merican Government, p. 135 ss. Ml Davis, M.I-I., em The Journal ofComparative Law. 1987, p. 559 55. 167 " pa continental, onde o controle de constitucionalidade era desconhecido nem se propunha a legalidade da lei, mas havia apenas uma sistematização classificatória organizadora de elOO1entos que facilitassem o ensino c as deci- sões. i?or conseguinte, entre nós, as fontes da doutrina penal provêm das elabo- rações c1assificatórias próprias dos estados legais de direito e foram inseridas em um saber jurídico para agências que, constitucionalmente, corresponderiarn a um estado constitucional de direito. Tal fenômeno se explica em grande parte pela peculiar disparidade entre o modelo de estado constitucionalmente progra- mado e o realizado, de fato, durante todo °período das repúblicas olig::írquicas latino-americanas. 10. Posteriormente, nosso continente sofreu diferentes formas de autoritarismo político, que frontalmente mantiveram separados o estado real c o estado programado nos lcxtus fundamentais. No discurso penal foram recepci- onados sistemas de compreensão provenientes de países europeus submetidos a longas ditaduras, nas quais a doutrina se adequava aos controles sobre a vicia acadêmica e às necessidades das burocracias judiciais que se refugiavam no culto à lei, como UllllllCio de defender-se das arbitrariedades ainda piores que podiam advir de qualquer tentativa de separar-se dela e sob o risco de que se pudesse perder, inclusive, a mera segurança da resposta. Isso obteve êxito soci- al e político cm nosso continente, dominado por inúmeras formas de autoritarismo que proporcionavam, ainda, menores garantias do que os estados legais de di- reito dos países europeus. Tanto ali quanto aqui, o discurso c1assificatório ser- viu, às vezes, de defesa mínima contra a arbitrariedade. Apesar desses eventuais efeitos posilivos, não se pode ignorar a respectiva pobreza ideológica c sua funcionalidade para um modelo de estado que não é o constitucional. 11. É possível argumentar que os sistemas teleológicos (que assumem uma função política expressa)podem ser elaborados também para servir a agências de estados autoritários. A isso cabe responder com três argumentos: a) é vcrdade que os estados policiais podem assumir ~iscursos penais com sistemática teleológica, mas não é menos verdadeiro o fato de ser mais funcional para eles não se valerem de qualquer ~istema, porque desse modo podem exercer mais amplamente seu arbítrio. A lógica de poder do estado policial é escassamente compatível com uma tcolcologia sistemática; por conseguinle, 1I0S estados de poUcia os sistemas de compreensc7o teleológicos sãu comillge1ltes, enquantu nos estados constitucionais de direito slio necessários: h) a correção de um sistema de compreensão não depende de que seja ele meramente teleológico, mas sim de qual a função que lhe é atribuída em sua teleologia: da circunstância de que alguns estados policiais possam, funcionalmente. optar por objetivos sistemáticos irracionais nlio se deve deduzir a conveniência de suprimir ou evitar os objetivos, mas sim a de estabelecer objetivos racionais,' c) a pretensão de 168 evitar a decisão política anterior à construção do sistema implica ensaiar lima siste- mática que, de qualquer maneira, terá uma função política, ainda que latente: o resul- tado não pode ser outro senão () aumento dos riscos de maiores incoerências ideológicas e de prestação inconsciente de serviços políticos aberrantes. 12. A doutrina classificatória, que pretende legitimar toda a legislação penal a partir da ficção da racionalidadc imanente ao legislador. lambém tem limites que a cultura lhe impõe: era própria do século XIX c começo do XX.l:'om códigos mais ou menos estáveis e reduzida legislação penal eXlrav.agante, mas quando () legislador incorre em uma descodific~lÇão enorme c contraditória - como acontece na atualidadt: - a falsidade da ficção é evidente e ninguém se atreve a propô~la seriamcnte. Eis o efeito das elaborações legislativas conjunturais, que dificultam sucessivamente a la- refa codificadora e interpretativa. A pretensão de criar corpos legisl:llivos completos e não-contraditórios - o anelo do movimento codificador do século XIX - entra em choque com o protagonisl11o p.:ulamcntar qUl: im::rernenta as contradições c lacunas legislativas e banaliz~i a legislação penal. Traia-se de um epifenômeno (lIcgativo) de outro (positivo). que é o protagonismo parlamentar na democracia representativa. Daí, a máxima importância de um sistema teleológico orientado para a redução e contenção do poder punitivo ~ para a decidida assunção do controle de constitucionalidade das leis penais, como um meio de neutralizar o epifenômeno ne- gativo e reforçar o fenômeno positivo. 13. Quanto à preferência dos estados policiais por uma metodologia irracional e a refutação de qualquer dogmálica, é ulTlaqu~stão d~ grau. Ao tempo cm que, na Itália fascista, tolerava-se UITI tecnicismo jurídico não apenas desvinculado, mas qua. se inimigo da filosotia7U• o nazismo rejcitava o mesmo ensaio desenvolvido por Ileck11 , visando uma construção metodológica neutra para chegar a urna ciência jurídica livre da filosofia. Em 1935 foi convocado o famoso acampamento de Kitzeberg, reunindo os jovens do partido nazista. quase todos professores em Kiel, de onde originou-se a Kielerscllllle, cujos expoentes fomm Georg Dahm (reitor de Kiel entre 1935 c 1937) e Friedrich Schaffstein em direito (len,,\, Karl Lan::nzem tilosolia jurídica e leoria do estado, E. R. Huber em direilo constilucional e Michaclis, Siebert c \Vicacker em direito civil. Uinder, Larcnz, ForsthofT e Sieberl dirigiram ataques à pretensão de 70 V. o tecnicismo jurídico de Anuro Rocco, em RDPP, 1910, p. 497 5S.; sobre iSlO, De Marsico. Alfredo. Pe"alisti ita/iani, p. 63 5S.; Maggiorc, Giuscppe, ArtllrtJ Uocco y eI método técnico.juridico; Manz.ini. Vinccnw. Tratado, I. p. 11; ilaratta a1riblll ri Antolisci a reação realista frente a esta corrente (Baralla. Ales5andro, em RlfU, 1~72. p. 49). embora a reação tclcológica próxima ao realismo de Welzel tenha correspondido li £11,:[[iol (cf. Morillas Cueva, Lorenzo. Metod%gía, pp. 179 e 187); cf. Marioi, Gaetano, Gillseppe Hettiol. Dirilto penalc come filosofia. Sobre realismo e idealismo jurídicos. desde outra perspectiva. Ross. Alf. Sobre el derecho y la justicia. p. 63 ss. Heek. Philipp. 8egrifjbi/dung Ulld Interessejurisprudenl.. 169 I!----- Heck no sentido de uma ciência jurídica livre de filosofian. O normativismo vazio e formal foi varrido por um direita natural degradado e torpe, cujo máximo corifeu foi CarJ Schmitt: o pensamento jurídico Jlolkisch considera a lei sobretudo como jonna não iSQiada, e sim no contexto de u~a ordem cujo pensamento básico é slIpralegal. pois su~ essência tem raízes 110 costume e na concepção jurídica do povo7J • IV. A sistemática teleológica do direito penal limitador 1. Não é possível prescindir-se de um sistema conceitual na elaboração de um direito penal que almeje cumprir alguma função dentro de um modelo de estado de direito, por ser inadmissível que a irracional idade seja fonte de um saber que aspira a uma função racional. O sistema demanda uma decisão polí- tica prévia que lhe permita sua c01lstrução teleológica baseada em uma função manifesta, porque, do contrário, seria igualmente irracional (um caminho sem objetivo), violeotaria a realidade (ao pretender que seus conceitos não tenham função política, apenas porque não a expressam) c, além do mais, seria politica- mente negativo (pretenderia servir para qualquer objetivo, incluindo os do esta- do de polícia). Mesmo porém com todas essas precauções não se garante um sistema teleológico racional, pois tudo dependerá do contcúdo da meociooada decisão, isto é, da função manifesta que lhe seja atribuída. No estado constitu- cional de direito o objetivo do direito penal deve ser a segurança jurídica, ame- açada pelo exercício ilimitado do poder punitivo. Segumnçajurídica é a segurança dos bens jurídicos de toda a população. São bens jurídicos aqueles que possibi- litam ao ser humano sua realização como pessoa, ou seja, sua existência como coexistência, o espaço de liberdade social no qual pode escolher c realizar sua própria escolha. O direito penal deve construir um sistema que permita às agênci- as jurídicas um exercício racional de seu poder para conter o poder punitivo, o qual, estruturalmente, tende para um exercício ilimitado e arrasador de todo espa- ço social. Tal objetivo, que representa a decisão política anterior à construção do sistema, deve reger completamente sua elaboração e sua efic.ícia contentara de- penderá do cumprimento de vários requisitos metodológicos. 2. O sistema deve, adequadamente, levar em conta o objeti vo prático do saber jurídico-penal (oferecer paradigmas decisórios para as agências jurídi- cas) no sentido político de potcncialização de seu próprio poder controlador, de contenção do poder punitivo, de reforço do estado de direito e de redução do estado de polícia. Nesse sentido, o método (caminho) e o objetivo (meta) n Rüthers, Bernd. E"lartetes Redu. Recluslehren utld Kronjl/rislen im Driuen Reich. TI Schrrutt, ear1. Über die drei Anen des rechlswissenschajtlichen Dl'nkens: Rüthcrs, Bernd, op. cit., p. 27. 170 condicionam-se reciprocamente. Não é estática nem bucólica essa construção, mas si rn permanentemente dinâmica, tensa c contraditória. 3. O poder do estado de polícia (poder punitivo) jamais será erradicado pelo direito penal: a discussão entre abolicionistas e minimalistas1-l diz respeito a mudelos diversos de sociedade e de estado cuja realização dependerá de outros fatores, mas nunca do poder do discurso jurídico-penal, que não pode determi- nar semelhantes mudanças radicais. Conseqüentemente, o que corresponde ao direito penal, como saber aplicado ao vigente" modelo de poder do estado de direito, o qual se acha em tensão constante com o estado de polícia, é tão- somente propor sistemas decisórios para essarealidade de poder. 4, O requisito fundamental uo sistema, para o cumprimento de tal função, deve ser o respeito à regra da compatibilidade legal, como lei básica construti- va, proveniente dos primórdios de explicitação da dogmáticajurídica7j . O obje- tivo do sistema requer que a regra da compatibilidade legal seja observada priorizando as leis de máxima hierarquia (as constitucionais e intemacionais?6. Embora isso pareça óbvio, não o será quando considerarmos que os operadores das agências juridicas c das reprodutoras discursivas foram treinados a partir de teorias oriundas de países que não conheciam essa hierarquia legal. 5. Quando os penalistas liberais do século XIX tinham de criar suas teorias. iam em busca da filosofia ou da razão como fonte do direito, pois não dispunham de leis positivas sobre a<; quais assentar suas construções (daí os inumeráveis equívocos do chamado direito natllralliberal). Basta observar as disposições das leis fundamentais daquele século para comprovar a pobreza de seuS princípios77• Hoje em dia. contudo, tais princípios estão positivados nacionalmente nas constituições e internacionalmente (regional e universalmente) no direito internacional, porquanto a segunda lei da dogm:í.tica,que em momento algum podia significar a submissão do discurso à servidão de um legislador onipotente, agora inverteu seu signo e implica a limitação do poder do legislador conjuntural em função du estabelecido pelo legislador constitucional e inter- naciomtl. 6. O sistema do direito penal será um meio ou ferramenta a ser empregado contra um poder que pressionará, de vez que, estruturalmente, está condiciona. H Cf. bibliografia citada em £11 busca de /cu penas perdidas, p. 32 5S. e 68 SS. H Jhering. L'csprit du LJroit Romain, 1. m, p. 61. 1~ Cf. Ferrajoli. Luigi. Derechos :~'garantia.'i. p. 26. 11 Cf. Darestc. ER., Les cOrlsrirwions madernes; a Constituição do impêrio alemão de 1871 (L I, p. 151 ss.); a lei constitucional austríaca de 1867 (1. I. p. 391 sS.); o estalUto funda. mental italiano de: 1848 (t. I. p. 599 55.). l7l I I I I I I I I I I I I1 Ij ,) 1 1 I, i I do a expandir-se de modo ilimitado. Suafimção há de ser sempre de contradi- ção: por conseguinte, sua cOlIstruçliodeve ser dialética. O estado de polícia deve ser cOntido e reduzido por etapas; a partir de cada preten'são de abertura do exercício do poder punitivo, o direito penal deve opor- lhe uma resistência. Da pretensão e de sua resistência resultará uma síntese à qual, por sua vez, o direito penal deve opor uma nova resistência. O discurso de contenção deve sempre antecipar-se ao exercício de poder das agências jurídi- cas, de modo que estas permanentemente contem com um novo elemento de resistência para alcançar urna nova síntese menos habilitante quanto ao poder punitivo. Assim, o direito penal deve exercer seu poder discursivo levando em consideração que os princÍpios limitadores do poder punitivo não sào estáti- cos. mas sim de formulaçdo e realização progressiva. 7. A deslegitimução tio poder punitivo -mediante uma teoria negativa OLI agnóstica da pena, bem como mediante a comprovação empírica ou fática de que sua forma de exercício sempre implica um certo grau de violação dos prin- cipias constilUcionais e internacionais - leva à consideração de que o poder punitivo é sempre exercido de modo irracional. A racionalidade contentara do direito penal reside em saber estabelecer intensidades de irracional idade, para habilitar discursivamente a passagem da menor quantidade possível de poder puniti vo, extraído dentre suas manifestações com o menor nível de ilTacionalidade. O discurso que promove tal contenção pode ser formulado de duas maneiras: a) em termos puramente políticos e assistemáticos ou conjunturais (como o uso alternativo do direitof!<, com o conseqüente risco de que o próprio discurso redutor, em certa conjuntura, ofereça argumentos para a irracionalidade gros- seira constante do item seguinte; b) ou como um discurso sistemático elaborado cle modo progressivo e redutor. Esta última opção requer cancelas teóricas su- cessivas, em cada uma das quais o discurso habilite o trânsito de menor poder punitivo e de menor intensidade irracional, ou seja, de maior respeito aos prin- cípios constitucionais e internacionais limitadores. Tal progressão redutora não pode ficar exposta às conjunturas do poder, porque em um estado totalitário o discurso penal pareceria correto se se limitasse a impedir a tortura e habilitasse o restante do poder punitivo. Ao contrârio, a progressão redutora deve ser racional e irnpulsionar a própria consciênciajurfdica universal, baseando-se no mais redutor dos direitos penais comparáveis para expandi-la, Essa racio- nalidade redutora, que permite ao discurso fugir da conjunturalização fática, a qual, com facilidade, se converte em racionalização, é alcançada por meio de sua dialética interna, como única introdução discursiva da polarização entre 7~ Barcellona, Pietro, L'usu alternativo deI diriuo. 172 direito penal e poder punitivo (ou, o que é a mesma coisa: estado de direito e estado de polícia). 8, A constante tensão com o inevitável estado de polícia impõe cssa cons- trução dialética e, portanto, dinâmica, como condição de eficácia do direito penal, entendido como instrumento para o aperfciçoamcnlO do estado de direi- to, que alcança sua maior força C0ll10 estado constitucional de direito (quando supera o precário estado legal de direito, que não o preserva uas maiorias polí- ticas conjunturais) e que. por conseguinte, requer ullla fortc justiça constitucio- nal: wn sistema de compreensão do direi/() pellal que cumprir tais requisitos representa um indispensável apêndice do direito cUlIst;wciunal. 9. Contra um sistema elaborado na medida da l'ullçàu atribuída milita a corrcll- te que nega que os juízes possam exercer esse controle, seguindo as test:s de Curl Schmiu ao tempo de Weirnar7'), baseadas no fato de que os juízes não têm origcm democrática nem treinamento político. A origem democrática dos juízes é um dado conjuntural e rnodificável, mas muito mais importante do que a origem é a natureza da função: uma função é democrática - qualquer que seja a origem do funcionário que a desempenha - quando se torna indispensável à sustentação da democracia. E, nesse caso, ela o é, pois tem a incumbência de nada menos do que a preservação dos direitos das minorias (com o que é preservado O das maiorias para mudar de opinião). Por isso, as decisões dos juízes não devem sempre coincidir com a vontade das maiorias conjunturaisllU, ao contrário do que preconizava o pensamcnto v01kisch, curiosamente revitalizado neste aspecto pela demagogia penal dos úlitmos anos. Quanto à afirma- ção de que os operadores judiciais carecem de treinamento político, ela é falsa: os juízes integram um poder do estado e não hú poder estiJtal que não scja político (o inverso implica confundir político com partidário). É possível que Schmitl, ao rd"c- rir-se a uma magistratura burocnílica, sem poder de controle de constitucionalidade _ considerada quase um ramo a mais da administração, dentro de um esquema de divi- são de funções e não dc poderes - pudesse valer-se desse argumenlo, com mais razão do que outros, mas ante uma magistralura constitucionalmentc encarregada de julgar a racionalidade das leis em função de um sistema de controle difuso, tal argumenlo carece de sentido. Pelo mesmo trajeto deslocam-se aqucles que argulllent3m que os operadores das agências judiciais usurpariam o poder dos legisladores rcprcsenrantes do povo: nada autoriza os legisladores a usurparem o poder dos constituintes nem o da consciência jurídica universal. Em último e degr<ldadodiscurso, esgrime-se a dita- dura dos jllÍzes, ameaçando com algo que nunca existiu e que somente é invocado 79 Sobre este período de Carl Sehmiu: Bendersky, Joseph W., Carl Schmiu, teorico dei Reich:a resposta de fIans Kclscn neste debate:iQuién debe ser el defensor de la Constitución? !lO Cf. Slory,losé, Poder Judicial de los Estados Unidos de América, p. 9 S5.; González Caldcrón. Juan A., Lajunciónjudicial en la constirución aJgentina, p. 52. 173 ; I I I i i I I ! ! ! 1 I I quando o poder jurídico perturba outras agências e lhes dificulta expandir seu poder mais além do pennitido pela lei supremaS! ., v. o sistema e o respeito ao mundo (die Welt) I. Todo sistema de compreensão elaborado pelo direito penal de conten- ção, limitador ou liberal, deve reconhecer que os conflitos para os quais projeta decisões e as conseqüências da criminalização, cujo avanço propõe habilitar, são produzidos em um mundo físico c em uma realidade social protagonizada pela interação de pessoas dotadas de um psiquismo que dispõe de suas respec- tivas estruturas, e que tudo isso é real, ôntico, existe no mundo dessa maneira e não de outra'g2. Por isso, o sistema deve admitir que, quando o legislador se refere a algum dado do mundo, não pode inventá-lo, mas sim deve respeitar elementarmente sua onticidade83 . Pouco importa que o impossível o seja por razões físicas ou sociais: em qualquer caso não pode ser considerado juridica- mente possível, sob pena de incorrer em um autismo discursivo ou em uma ataviada ficção. Não é surpreendente que, a partir do autoritarismo, sejam de- fendidas as ficções jurídicas". Um direito penal como discurso, que aspire a alguma eficácia, em qualquer sentido que seja, não pode esquivar-se a um alto grau de integração com as ciências sociaiss.s . 2. Este debate que, há algumas décadas, se centrava no conceito de ação e se estendia no máximo até a restante teoria do delito, deve abarcar agora lodo o sistema do direito penal. Sem prejuízo de voltar a desenvolver alguns de seus aspectos na teoria do delito, em razão de ser a sede teórica de suas conseqüên- cias mais debatidas, é necessário antecipar aqui a perspectiva metodológica geral válida para todo o sistema de compreensão do direito penal. 3. A chamada teoria das estruturas lógico-reais ou lógico-objetivasll6 foi fruto do pós-guerra, que tentava conter a onipotência legislativa c, por conseguinte, integrou u conjunto de teonas à procura desse objetivo que: apela para a natureza das coisas e ~. Sustentado na França para opor-se ao conlrole de constitucionalidade (Lambert, Edouard, Le gOllvemement dex jllges). foi utilizado nos Estados Unidos na década seguinle. 8l Sobre a incotporação dos dados sociais. Bustos R:nnin:z, £1 poder penal dei estado, !lom. a Ui/de Kaufmann, p. 133; Silva Sánchez. Jesús.María. Aproximación. p. 334. 81 Todo conccilo normalivo requer uma mínima plau5ibilidade empírica (cf. Fianuaca. Giovanni. em DDDP, 1987. 2, p. 243 55.). Sol Schmiu. Carl. cm Diriuo e Cultura. Roma. J 991. p. 65 ss.. afirmava que a validade das ficçiks depende de sua utilidade; Rayardo nt=ngoa. femando. Dogmática juddico penal, p. 28. 8S Fiandaca. Giovanni, em DDDP, 1987,2. p. 243 S5. &li Welzel, Hans. Abhandilmgen; Radbruch. Gustav, em Rechrsphilo.wphie. 174 abarca também algumas tendências jus-naturalistas1l7• Não se pode afirmar que a teo- ria das estruturas lógico-objetivas seja jus-naturalista, exceto para aqueles que consi- derarem ser jus-naturalismo qualquer limitação ao legislador. Por isso. falou-se de um jus-naturalismo negativo dessa teoria8S• que não pretendia estabelecer o que deve ser o direito. mas sim delimitar o que não é direito. Todo o movimento onde essa teoria se acha inscrita constitui uma tentativa de contenção da potência legislativa, própria do período de horror do pós-guerra. A teoria das estruturas lógico-objetivas pretende que o legislador esteja vinculado ao mu~do quando mencionar qualquer conceito e. por conseguinte. deverá respeitar a ordem do mundo, sob pena de ineficá- cia legislativa, salvo quando violentar estruturas lógico-objetivas fundamentais, corno aquela que instaura a idéia de pessoa, caso que redundará num puro exercício de poder~9 . O abandono dessa teoria pela doutrina posterior a \Velzel deve chamar a arençâo'l(). É verdade que não existe um conceito ôntico de ação humana e que, nesse sentido, O finalismo incorreu em um excesso de onticidade91 ~ no entanto, em lugar de corrigir tal excessO e ampliar o critério de respeito às estruturJ..'i do mundo, expandindo- o na direção dos demais aspectos do sistema. optou-se por arquivá-lo. A dúvida. que não é possível dissipar, pelo menos no momento, é se o discurso não lerá percebido que essa expansão colocava em crise não apenas a estrutura teórica do delito, mas sua pró- pria totalidade, pal1icularmenre quando fosse imposto o respeito às estruturas do mun- do na teoria das penas. 4. O re.~l}eito às estnlturas reais do mundo é um(l condiçc1o de qualquer direito que pretenda ter alguma eficácia. A primeira estrutura real que o siste- ma de compreensão do direito penal deve respeitar é a incorporação do dado ôntico de que seus conceitos são sempre funcionais: a funcionalidade política dos conceitos jurídicos não é uma opção, ou seja, algo que pode, ou não, ser escolhido, mas sim tais conceitos são politicamente sempre funcionais. A única coisa que a construção de um sistema que não expressa sua funcionalidade consegue omitir é aquela funcionalidade manifesta, sem, contudo, lograr supri- 31 Sobr~ ~Sle paTlOr<lIna, flaratta, Alessandro, em Amwrio bibliografico di Filosofia dei Diritla, p. 227 SS.; do mesmo, em Die omoiogische Hegriindung des Recltts; também em Fest. f Erik Woif. p. 137 ss.: em ARSP. 1968. L1V-3. p. 325; em AnnaUi deUa Facoltã Giuridica, Università degli Sludi di Camerino, p. 39 S5.; Garz.6n Valdez. Ernesto, Derecho y "natllrale:,ll de las cosas "; Recasens Siches. Luis, Experiencia jurídica. naturaleza de la cosa y lógica ..raumable". aR Engisch. Karl. ,\uf der SI/che nach der Gerechtigkeit. 1971, p. 240; um século antes. Tobias B<lrreto dizia que não hâ um direito natural, senão uma "lei natural do direito" (Introdução. p. 38). ~v We17.el.em Fest. f. Scllaf!stein. W Sobte sua vigência. com reivindicação da sistemática tinalista desde uma "postura fraca". Serrano Maillo. Alfonso. £n5a)'0 sobre el derecho penal como ciencia. p. 172 55. 91 Cf. infra. S 27. 175 ! l- I I I I li f mir a latente. Para cumprir a função manifesta atribuída, a primeira coisa que o sistema de compreensão do direito penal deve respeitar são os dados da realida- de social em relação ao exercício""tlo poder punitivo: no que tange a este, não podc\)perar com dados sociais falsos, porque ao romper ou sonegar as estrutu- ras da realidade do mundo não chegará a cumprir a função atribuída, mas qual- quer outra. Ninguém pode mudar algo sem respeitar sua estrutura real. Em nível individual, uma ruptura com as estruturas da realidade do mundo é um fenômeno patológico grave. Embora conceitos individuais não possam ser li- vremente transferidos para f1mbitos coletivos, é bem provável que, nesse senti- do, pelo menos, eles exponham um indício de situação crítica. 5. Quando a função política se evidencia e impõe a construção dialética de um discurso que responda ~llcnsão permanente na qual essa função deverá ser realizada, em luta constante contra o poder do estado de polícia, tal falO estará fornecendo um indicador fundamental que deve operar como viga-mestra de sua mClOdologia: (l absoluta proihiçl1o de incorporar dados falsos sobre o exercí- cio de poder que deve ser reduzido. Tais dados são justamente aqueles provin- dos de disciplinas que operam com a verificação92 • Toda estratégia se preocupa, antes de mais nada, em obter o maior volume possível de informações a respeito da força que deverá enfrentar c scu êxito, em grande parte, dependení do realis- mo com que incorpore e processe tudo isso. Não faltam J.lllOrcs que negam inclusive a univer:-;afidade das proposições de lOdas as ciências
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