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AUTARQUIA EDUCACIONAL DE BELO JARDIM – AEB FACULDADE DE BELO JARDIM – FBJ CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM LETRAS /INGLÊS ANA CLÁUDIA DO NASCIMENTO SILVA TEIXEIRA A PERSPECTIVA DO EMPODERAMENTO FEMININO NO ROMANCE PERSUASÃO DE JANE AUSTEN BELO JARDIM – PE 2019 ANA CLÁUDIA DO NASCIMENTO SILVA TEIXEIRA A PERSPECTIVA DO EMPODERAMENTO FEMININO NO ROMANCE PERSUASÃO DE JANE AUSTEN Monografia apresentada ao curso de Licenciatura Plena em Letras com habilitação em Inglês da Faculdade de Belo Jardim – FBJ em cumprimento ás exigências para obtenção do título de Graduado. Orientador: Ms. José Sandro dos Santos BELO JARDIM – PE 2019 ANA CLÁUDIA DO NASCIMENTO SILVA TEIXEIRA A PERSPECTIVA DO EMPODERAMENTO FEMININO NO ROMANCE PERSUASÃO DE JANE AUSTEN Aprovada _____/_____/_____ BANCA EXAMINADORA Prof. Ms. José Sandro dos Santos (orientador) Mestre - UFPB Maria das Mercês Costa Especialista - UPE Francêsca Izabella Diniz de Araújo Especialista - FBJ CONCEITO FINAL: _________________________________ AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu Deus, pois foi por ele e com Ele que tenho conseguido chegar ate aqui. Aos meus pais, à minha mãe, Tânia Maria do Nascimento Silva, que em meio às adversidades sempre me apoiou e acreditou em mim. Ao meu esposo Gabriel Ballester Teixeira. Às minhas amigas, Dalyane e Bárbara, que fizeram parte da minha jornada acadêmica me incentivando e demonstrando apoio e ajuda nos momentos mais importantes. Minha amiga Rosângela pelo apoio emocional. Aos meus professores que passaram fizeram parte da minha formação acadêmica deixando seus ensinamentos e promovendo habilidades desencadeadoras que possibilitaram essa conquista. Ao meu orientador José Sandro dos Santos pela paciência e orientação. Minha eterna gratidão a todos que fizeram e fazem parte dessa nova etapa da minha vida. O pior defeito de um caráter fraco e indeciso é que não se pode confiar na influência que exercemos sobre ele. Nunca se pode ter a certeza de que uma boa impressão seja duradoura. Toda a gente a pode alterar; quem quiser ser feliz tem de ser firme. AUSTEN, 1996. RESUMO As mulheres do século XVIII eram designadas para viverem a fim de beneficiar suas famílias por meio de casamentos vantajosos, sendo elas dependentes financeiras, estereotipadas e relegadas ao âmbito doméstico, neste contexto surge Jane Austen e o despontar de um novo romance sob o prisma de um olhar feminino. O presente trabalho procura abordar as perspectiva das tendências feministas na escrita da autora Jane Austen no romance Persuasão, analisando as dificuldades das mulheres no percurso de suas vidas no âmbito familiar, econômico e amoroso, sendo estes intrinsicamente interligados na formação e desenrolar de suas vidas, além de mostrar uma nova visão da mulher por meio das personagens, para as quais é dada voz para impor-se e tomar decisões sobre o seu futuro, a luz das teorias feministas de Mary Wollstonecraft (2016), Virginia Woolf (2004), Simone de Beauvoir (1970), trazendo seu brilhantismo ao tratar das questões feministas e sua conquista como suporte para o entendimento de tais efeitos e seus impactos na educação da mulher, sua restrição ao mundo doméstico, para entender qual a importância do movimento feminista e assimilar as diferenças que o mesmo pode proporcionar para suas vidas e na sua ascensão ao âmbito público. PALAVRAS CHAVE: Feminismo; Mulher; Literatura; Jane Austen. ABSTRACT Women of the eighteenth century were assigned to live in order to benefit their families by means of advantageous marriages, which depended financially, stereotyped and relegated to the domestic sphere, in this context arises Jane Austen and the emergence of a new novel under the prism of a feminine look so the present work seeks to address the perspective of feminist tendencies in Jane's writing. Austen in the novel Persuasion, analyzing women's difficulties in the course of their lives in the family, economic and loving, being these intrinsically interconnected in the formation and unfolding of their lives, as well as showing a new view of women through the characters, to the (Virginia Woolf, 2004), Simone de Beauvoir (1970), bringing her brilliance to the face of feminist issues and its conquest as support for the understanding of such effects and their impacts on the education of women, their restriction to the domestic world to understand the importance of the feminist movement and to assimilate the differences that it can provide for their lives and their rise to the public sphere. KEYWORDS: Feminism; Woman; Literature; Jane Austen. SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................................09 1. LITERATURA: A COMUNICAÇÃO POR MEIO DA ARTE...............................................11 1.1. Literatura: Uma arte da comunicação.....................................................................................11 2. Uma Breve História da mulher e do Feminismo.......................................................................23 2.1. Tendência feminista em Persuasão.........................................................................................23 2.2. Representação do Feminismo dentro do romance..................................................................29 3. Feminismo em “Persuasão” perspectivas de empoderamento.................................................31 3.1. Jane Austen.......................................................................................................... ...................31 3.2. Apresentação da Obra.............................................................................................................32 3.2.1. Tendências Feministas da autora....................................................................................37 3.2.1.1. Feminismo em ―Persuasão‖ perspectivas de empoderamento...................................40 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................50 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................................52 9 INTRODUÇÃO Na sociedade inglesa do século XVIII foi criado o modelo de mulher ―perfeita‖, o anjo do lar. O personagem feminino era visto de forma pura, sua educação voltada a afazeres domésticos, e educação dos filhos até a idade suficiente de ter um tutor ou ir à escola. As suas vidas eram de servidão e submissão, inferiorizada, vistas como seres frágeis e incapazes de se sustentarem. A obra Persuasão, de Jane Austen, traz uma abordagem relacionada à desmistificaçãoda suposta incapacidade intelectual da mulher e a sua ascensão por meio da literatura. Segundo Kamita (2006, p.286) ―a literatura foi, portanto, especialmente para as escritoras nascidas no século XIX, um ato de rebeldia‖, pelo fato de que ela era educada para não questionar, mas obedecer, e agir não de acordo com suas próprias vontades, mas segundo o que os outros esperavam dela. Esse tradicional silêncio seria quebrado pelas palavras. Impossibilitadas de ascender à vida social, eram educadas a buscar um casamento se não quisessem ficar para ―titia‖ ou depender dos familiares do sexo masculino para sustentá-las da maneira que os proviesse, instruídas a se adequar as normas éticas e as habilidades que as tornavam candidatas perfeitas, de modo que, quem não soubesse cantar, dançar, bordar, ou não dominasse outros idiomas, não seria elogiada e tão pouco considerada apta para o casamento com os melhores partidos da sociedade, cuja fortuna oferecia todo o conforto e segurança que uma dama aristocrata merecia. Suas vidas pertenciam aos homens, devia obediência ao pai e depois para o seu esposo, portanto suas opções eram limitadas e pré-estabelecida. No entanto, a literatura veio para as mulheres ainda que por pseudônimo, um meio de libertação, tanto quanto ao narrar suas historias quanto para ter uma vida digna por meio do seu trabalho literário. Com um destino premeditado buscava um partido a altura para continuar sua linhagem, portanto aquele que não estivesse dentro das condutas hereditárias não poderia formar aliança, dito isto se busca compreender as relações feministas diante de tais estereótipos dessa sociedade inglesa na obra de Jane Austen. Com objetivo de tratar das perspectivas feministas no romance a fim de destacá-las e mostrar o posicionamento feminino dentro das situações criadas a seu respeito e compreender o feminismo e sua importância para o crescimento social e material da mulher. Além de relatar as virtudes das mesmas também fazia uma crítica ao modo como suas vidas eram designadas ao mundo doméstico, também relata que elas são mais que uma propriedade, uma moeda de troca, uma dona de casa, são seres humanos que por muitos anos fora negado a instrução 10 de ascender como ser independente e capaz. Para essa pesquisa, buscou-se abordar as perspectivas feministas e da literatura a luz dos pressupostos teóricos e críticos de Mary Wollstonecraft (2016), Virginia Woolf (2004), Simone de Beauvoir (1970), Azeredo (2003), Branca Moreira Alves (1981), Jacqueline Pitanguy (1981), Michelle Perrot (2008) Engels (1984), Eagleton (2006), Massaud Moisés (2007), Antoine Compagnon (2012), Bakhtin (1997), Platão & Fiorin, (2002), Gabriel Perissé (2006) trazendo seu brilhantismo ao tratar das questões feministas e sua conquista e da teoria da literatura. Dessa forma, no primeiro capítulo procurou-se abordar a teoria da literatura a fim de compreender os conceitos e sua importância para compreender as diferenças entre os textos literários e não literários e sua produção. O segundo capítulo focalizou-se numa breve história das mulheres e do feminismo falando de suas lutas e conquistas. Já no terceiro capítulo, foi feita uma análise da obra Persuasão, procurando identificar as perspectivas feministas na obra de Jane Austen. Neste trabalho destacou-se a importância de conhecer as dificuldades enfrentadas por mulheres como também sua relevância nas atitudes das personagens criadas pela escritora. 11 1. LITERATURA: A COMUNICAÇÃO POR MEIO DA ARTE 1.1. Literatura: A arte da comunicação Questionamentos acerca do que é a literatura e sobre a sua funcionalidade são frequentes, principalmente porque esse tipo de manifestação artística tende a gracejar e envolver o seu receptor de forma única. Os textos literários são como enigmas que brincam com nosso senso interpretativo, com o jogo das palavras e a multiplicidade de sentidos. Muitos teóricos, filósofos e estudiosos tentam decifrar e esclarecer a ―funcionalidade‖ dos textos literários em diferentes parâmetros sem, contudo, chegar, de fato, a uma conclusão unificadora. Conquanto, todos os estudos partem sempre do mesmo princípio: a literatura é a arte de manifestar, de forma erudita, as plurissignificações do cotidiano; é reescrever poeticamente a história, a cultura de um determinado povo e o momento da historia de uma nação, transpassando através dos tempos sua crítica às situações de uma determinada época. Nesse sentido, à medida que os textos literários são produzidos, suas peculiaridades vão se manifestando ao passo que encontramos diversos recursos linguísticos nos quais são utilizados para enriquecê-los, criar novos sentidos como também dar mais expressividade a sua narrativa. Dentre esses recursos podemos citar: a ironia, as metáforas, as ambiguidades, a crítica, entre outras; que se façam necessária para sua composição. Assim sendo, segundo Perissé (2006) ―a palavra cria mundo, é ativa e ativadora. Com a palavra criamos o passado, o presente, o futuro. A palavra tem o poder de ―arrumar‖, ―organizar‖ nossa percepção e expressá-la‖. Dito isto, a forma a qual está disposta a poeticidade e a criticidade é algo particular de cada escritor, bem como podemos observar no exceto: O seu rico andor bordado de ouro, levavam-no sobre os ombros orgulhosos os cidadãos mais notáveis, os maiores fazendeiros, vestidos com a bata vermelha da confraria, e não é pouco dizer, pois os coronéis do cacau não primavam pela religiosidade, não frequentavam igrejas, rebeldes à missa e a confissão, deixando essas fraquezas para as fêmeas da família: – Isso de igreja é coisa para mulheres. Contentavam-se com atender os pedidos de dinheiro do bispo e dos padres para obras e folguedos: o colégio das freiras no alto da Vitória, o palácio diocesano, escolas de catecismo, novenas, mês de Maria, quermesses, festas de Santo António e São João.(Amado, 1958, p. 10). 12 Percebe-se que no trecho acima há uma crítica relacionada à burguesia que, como detentora do poder aquisitivo, dizia-se desnecessário ir à missa, uma vez que, como os mesmos faziam seus atos de caridade, não seria necessária a sua presença no culto, pois seus atos egocêntricos e transgressores seriam perdoados através de suas ofertas, cabendo, portanto, às mulheres o fazer religioso, visto que era um ato de fraqueza, e seria mais viável que elas o fizessem. Portanto, a literatura permite aos escritores liberdade para recriar, enaltecer e explorar as personalidades da sociedade na qual está inserida. Pode-se observar no fragmento quando o autor cita que os coronéis não primavam por ir aos eventos religiosos denotando uma personalidade ríspida, grotesca, controladora e de personalidade forte, cabendo aos que estavam ao seu redor seguir suas regras sem as questionar. As mulheres dessa sociedade tinham o dever de servir aos seus esposos, reclusas, não podiam sair desacompanhadas dos mesmos ou de sua empregada, cabendo a elas sempre honrar o matrimônio. Nesse sentido Bakhtin (1997), afirma que um texto autenticamente criativo é, em certa medida, sempre livre e não emana de uma descoberta, predeterminada por uma necessidade empírica individual. É por isso que o texto, em seu núcleo de liberdade, não admite nem explicação causal nem predicação científica. Com isso, a criticidade do autor diante da sociedade é a liberdade que encontra na literatura, à medida que produz seu romance articulando personalidades e situações de uma época. Bem como podemos perceber em: Quando um filho nasce, a liberdade lhe é dada quase que imediatamente. É verdade quemuitas vezes a criança não usufruirá por muito tempo dessa liberdade entre feras. Mas é verdade que, pelo menos, não se lamentará que, para tão curta vida, longo tenha sido o trabalho. Pois mesmo a linguagem que a criança aprende é breve e simples, apenas essencial. (Lispector, 2016, p.112). Quando pensamos em liberdade temos uma sequência de ideias do modo de viver e ser livre, dando a entender que se pode fazer o que lhe apetece. No entanto, com o tempo, o indivíduo depara-se com dogmas criados e impostos pela sociedade, os quais funcionam como limitadores e transformam a pura liberdade em ―liberdade de escolha‖, na qual o sujeito tem de optar pelo ―certo‖ ou ―errado‖ e está constantemente susceptível a diversas consequências de acordo com suas escolhas/ações. Aprende-se também que a liberdade é muito subjetiva, já que o mundo está ocupado por outros, os quais se tornam ―feras‖ quando se sentem ameaçados por estranhos, e hostis em recebê-los em suas vidas, que, trazendo costumes aos que se repelem com os seus os deixam desconfortáveis com as interferências de um ciclo a muito estabelecido. Essa liberdade que logo lhe tomada diz muito de uma sociedade egocêntrica, monopolizadora só permanecerá eficaz quem se encaixar dentro de suas crenças, aqueles que vivem fora desse padrão são vistos de forma 13 deformada, são alvos de crítica dos plastificados e reprimidos, escondem-se seus desejos, pois, a sociedade descrimina e exclui do seu meio social. Vivem uma vida curta com longos períodos de trabalho. Partindo do pressuposto de que a literatura tem a língua como matéria prima e é por meio dela que se manifesta, talvez seja essa uma das causas que dificulte dizer, com precisão, o que é literatura, já que a mesma está em constante evolução. Cabendo, portanto, uma definição para cada momento e situação no espaço e tempo de acordo com as estruturas estabelecidas para formular um texto. Ainda que o mesmo parta do princípio da realidade, eles não se detêm a esses fatos descrevendo-os do mesmo modo, estabelecendo, assim, as diferenças entre a realidade e o exagero na escrita, de como se vê o mundo ou como gostaria que o fosse, diferenciando as duas modalidades: realidade é a projeção da mesma. A linguagem em sua ductibilidade pode pular de um arranha-céu sem sofrer um arranhão, rastejar em meio à guerra, morrer e ressuscitar, estirar-se, comprimir-se sem se romper ou quebrar é elástica, moldável, e essas propriedades físicas ou metafísicas fazem com que ela recrie o mundo, sem violentá-lo, abertura de sentido. (PERISSÉ, 2006, p. 99). Essas ligações entre a realidade e a idealização fazem com que a escrita literária seja a poética necessária para refletir o fazer e o ser dentro do mundo artístico. Enquanto vê o mundo em suas plurissignificações de maneira romantizada ela vem trazendo uma ideia de perfeição da vida, portanto, perfazendo-se necessária para o desenvolvimento cultural e intelectual ao longo dos anos, pois a mesma tem sido uma grande referência para a reescrita de novos textos e conhecimento de diversas culturas. Segundo Perissé (2006) a palavra cotidiana, ao mergulhar nas águas da poesia, recupera-se, renova-se. E os leitores de poesia, renovam-se com a palavra. A poesia é formalista. Para deixar a palavra em forma, transforma, altera sentidos, reforça a sonoridade, brinca. Esse refazer-se sofre mudanças dentro e fora da linguagem e faz com que seja infinita sua abordagem criativa diante da existência das palavras. A literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade recriada através do espirito do artista e retransmitida através da língua para as diversas formas, que são os gêneros e, com os quais, ela toma corpo e nova realidade. (Coutinho, 1978). Desse modo, quando falamos que a literatura é a arte de manifestar as diversas formas das representações da vida, podemos afirmar que ela é capaz de perpetuar sua reprodução poética inspirada e reescrita a partir do real inferindo- se na imaginação artística decorrente de suas experiências, pois quando Martha Medeiros, em sua crônica ―O isopor e a neve‖, menciona como uma folha de isopor transformou-se em neve, faz fluir 14 junto à arte toda liberdade imaginativa do artista e do leitor sobre um fato e a idealização de poder sentir que estava numa nevasca de verdade, com isso enaltece uma visão de mundo totalmente diferente da realidade. Quando a cronista fala que via nevar em Porto Alegre no meio de uma tarde de dezembro ela não só fala, mas recria, imagina que aquelas bolinhas brancas esvoaçando para todo o lado seriam neve ainda que por alguns instantes, sendo assim, a imaginação produz novos sentidos na construção poética, não restringe as ideias, mas as deixar fluir ao modo de não existir deserto infértil para aqueles que, cuja arte faz parte de seu espirito. Mas, permite ser um refúgio para os que buscam apaziguar o enfado das controvérsias do ser humano, complexo e inacabado, que busca nesse tipo de arte as expressões e as reflexões que a mesma tráz. A linguagem literária é feita com primor dentre as quais a estética poética é um recurso que produz o plano de expressão trazendo entonação, exprimindo a beleza do conteúdo por meio das rimas e dos artifícios linguísticos ricos dos valores semânticos. Tais artifícios auxiliam no entendimento de maneira global ao que está disposta no texto. Como podemos perceber no poema abaixo: Dorme menina dormida teu lindo sonho a sonhar. No teu leito adormecida partirás a navegar. Estou presa em meu jardim com flores acorrentadas. Acudam! Vão me afogar. Acudam! Vão me matar. Acudam! Vão me casar numa casa me enterrar Na cozinha a cozinhar na arrumação a arrumar No piano a dedilhar na missa a me confessar. Acudam! Vão me casar na cama me engravidar. No teu leito adormecida partirás a navegar. Meu marido, meu senhor na minha vida a mandar. A mandar na minha roupa no meu perfume a mandar. A mandar no meu desejo no meu dormir a mandar. A mandar nesse meu corpo nessa Minh ‗alma a mandar. [...] (JORGE AMADO, 1958, p. 125). O trecho acima remete a vida das mulheres que, como Gabriela, são donas de um espirito livre, sonhadoras, desejosas de viver uma vida feliz com elas mesmas, trabalhar, sair, viajar, conversar, fazer amizades todas as possibilidades que a vida pode oferecer uma vida a qual ninguém ditasse o que deveria ou não fazer. Contudo, ao casar-se, depara-se com uma vida de reclusão, de regras a serem obedecidas, de ―respeito‖ e obediência ao seu marido. Portanto, essa ideia causou desalento, deixou-a insatisfeita. Sua constante obrigação de fazer o que lhe era ordenado fez com que sua espontaneidade diminuísse, suas vontades e desejos foram reprimidos. Sentia-se presa, sem 15 esperança, viu seus sonhos desaparecerem, pois não mais faria sua vontade, sua única opção era se adequar a nova vida de submissão e servidão. Toda essa compreensão se dá ao fato do autor utilizar uma sequência de verbos listados no que se baseia essa ―nova vida‖, sendo eles: sonhar, navegar, afogar, matar, enterrar, arrumar, confessar, engravidar, mandar, estava tudo minuciosamente planejado para ela fazer e obedecer, isso causa enfado, não na narrativa, mas na vida da personagem, pois sua autenticidade e autonomia deixarão de existir. Seu sonho agora ―deveria‖ ser o de engravidar mesmo que não o quisesse. Afogar suas angústias, pois o casamento para a mulher se resumia ao mundo doméstico e seus encargos provenientes do mesmo, matar e enterrar os seus sonhos de ser livre e no que concernem às decisões do que fazer da sua vida. Ao falar das características do texto literário,não podemos deixar de exemplificar a conotação das palavras, pois ela permite novos sentidos, múltiplas interpretações, sua utilização enriquecem os discursos. Os seus sentidos figurados são artifícios na construção dos textos literários e neles perpetuam suas complexidades. Assim, por trás de todo texto, encontra-se o sistema da língua. No texto, corresponde tudo quanto é repetitivo e reproduzível, tudo quanto pode existir fora do texto. Porém, ao mesmo tempo, cada texto (em sua qualidade de enunciado) é individual, único e irreproduzível, sendo nisso que reside seu sentido (seu desígnio, aquele para o qual foi criado). ―É com isso que ele remete à verdade, ao verídico, ao bem, à beleza, à história. Em relação a esta função, tudo o que é repetitivo e reproduzível é da ordem do meio, do material‖. (Bakhtin, 1997). De modo que as palavras são categoricamente reescritas no intuito de causar estranheza, mexer com o intelectual e buscar compreensão na narrativa, perceber que os significados das palavras estão no contexto da narrativa. Como no exemplo exposto abaixo: Não tardou que estivesse a sonhar com a África, quando era rapaz, e as extensas praias douradas, e as praias brancas, tão brancas que faziam doer os olhos, e os cabos alterosos e as grandes montanhas escuras. Vivia ao longo da costa todas as noites agora, e em sonhos ouvia o estrondo da ressaca e via a canoa nativa deslizarem por ela. Cheirava o alcatrão e a estopa do convés, a dormir, e cheirava o cheiro da África, que a brisa de terra pela manhã trazia. Em geral, quando cheirava a brisa de terra, acordava e vestia-se para ir acordar o rapaz. Mas, esta noite, o cheiro da brisa de terra viera muito cedo, e em sonhos soube que era ainda cedo e continuou a sonhar para ver as brancas alturas das Ilhas a erguerem-se do mar, e sonhou depois com os diferentes portos e ancoradouros das Ilhas Canárias. (HEMINGWAY, 1956, p.10). Pode-se depreender, no trecho acima, que é preciso uma leitura aprofundada para atentarmos às múltiplas significações que cada palavra carrega. Tais efeitos nos levam a refletir o que, de fato, o fazia sonhar com a África. Eram mesmo as lembranças? Um refúgio? Uma forma de escapismo 16 da vida que levava? Essas interpretações nos levam a refletir que não basta ler, mas atentar às plurissignificações que o texto dispõe, mas, precisamente na simbologia e metáforas no qual o romance foi construído. Quando o autor fala praias brancas, tão brancas que faziam doer os olhos, e os cabos alterosos e as grandes montanhas escuras o sentido da palavra nos faz repensar seu significado, essa luz que faziam doer os seus olhos nos remete a esperança estrondoso de dias melhores em contraste com a escuridão dos dias difíceis que tudo ao seu redor faz parecerem montanhas altas e exaustivas para escalar e sair do limbo em que se encontra. As montanhas são representações das dificuldades a serem superadas e a escuridão nesse caso são os desafios de se reerguer nos dias turbulentos. Na literatura ainda, não basta compreender que a mesma recorre a múltiplos recursos disponibilizados pela linguística ou que sua inspiração vem do real, pois no que diz respeito a isso, ela é impassível, refinada, intangível na sua essência, não pode e nem deve ser alterada. A sua intangibilidade poética está nas entrelinhas, esta característica se faz necessária para atingir a complexidade do texto. A palavra literária, a palavra poética, a palavra criadora é busca, ampliação da consciência, multiplicidade das possibilidades, colheita de inspiração, recriação dos sentimentos. (Perissé, 2006). Ao tocante da narrativa que desperta o seu sentido o que esta implícita não se pode modificar, pois esse sentido é construído dentro da narrativa e modificada altera-se a interpretação. O peixe não mudou de andamento nem de direção durante essa noite, tanto quanto pelas estrelas o homem avaliava. Depois de o sol se pôr, arrefeceu, e o suor do velho secou-lhe nas costas, nos braços e nas velhas pernas. Durante o dia, tirara o saco que cobria a caixa das iscas, e estendera-o a secar ao sol. Posto o sol, passou-o ao pescoço, por forma a que lhe descesse pelas costas, e cuidadosamente foi-o interpondo sob a linha que estava agora ao través dos ombros. O saco almofadava a linha, e o velho arranjara maneira de dobrar-se contra a proa, quase confortavelmente. A posição era, de facto, apenas um pouco menos intolerável; mas achava-a quase confortável. (HEMINGWAY, 1956, p.16). Nesse trecho devemos nos atentar que a busca incessante desse pescador demonstra perseverança, portanto, quando o sentido do texto relaciona as suas diretrizes contextuais completando-se no seu modo de dizer e as suas referências estão interligadas, quando modificadas perde-se o sentido, o qual estava descrito, muda sua totalidade, sendo assim, quando o autor fala: depois do sol se pôr, arrefeceu, e o suor do velho secou-lhe nas costas, nos braços e nas pernas. Durante o dia, tirara o saco que cobria a caixa das iscas, e estendera-o a secar ao sol, denota a vida de um pescador, removendo essa narrativa o seu contexto não seria mais no mar ou na pescaria, toda sua historia de luta e superação de entrave entre o homem e a natureza mudaria, uma vez que toda construção dessa narrativa foi constituída por metáforas. 17 Quando falamos da desautomatização da linguagem estética, implica dizer que ela reinventa- se, ressignifica-se, sai do óbvio, proporciona às palavras e ao texto uma nova categoria de sentidos, ou seja, a literatura permite fazer combinações inesperadas e excêntricas. Assim, Hemingway nos permite perceber, através de sua obra consagrada O Velho e o Mar, outros sentidos que o texto pode fornecer. Mas o velho sempre pensava no mar como feminino, como algo que entrega ou recusa favores supremos, e, se tresvariava ou fazia maldades era porque não podia deixar de as fazer. A lua influi no mar como as mulheres pensavam ele. (ERNEST HEMINGWAY, 1956, p.12). No fragmento acima se percebe a comparação que o autor fez do mar e da lua com a mulher. O mar é como a mulher, detentora de uma imensidão de possibilidades dentre as quais o homem as ambiciona, no entanto, elas não facilitam, deixando – os desejosos para alcançar seus objetivos. Provocam desvarios que prolongam, assim, o seu tempo de realizar com êxito sua missão. A lua, por sua vez, com sua luz desentenebrece as noites profundas e permeia com graciosidade as águas escuras dos mares, são assim, as mulheres, ao penetrar no coração e na mente dos homens, ilumina- os. É provocadora sua excitação e causa no homem flutuações como as ondas do mar tão agitadas e intensas, mas, calma e sutil quando saciada. Portanto, a ressignificação que o literato faz das palavras é brilhante. Ele se utiliza dos elementos da natureza para exemplificar a intensidade das mulheres, sendo elas fúria e calmaria como os mares, mas também luminosas e percucientes, fazendo-se notória e necessária na sua trajetória. Nesse sentido, segundo Platão e Fiorin (2002, p. 349) o que mais importa no texto literário, não é apenas o que se diz, mas o modo de dizer é tão (ou mais) importante quanto o que se diz. Desse modo, o poeta não se detém e desfrutam da sua subjetividade poética e emotiva com o intuito de expressar esse mar de sentimentos que carrega despondo metricamente em cada verso e palavra suas repletas significações. Como no poema a seguir: Quero que todos os dias do ano todos os dias da vida de meia em meia hora de 5 em 5 minutos me digas: Eu te amo. Ouvindo-te dizer: Eu te amo, creio, no momento, que sou amado. No momento anterior 18 e no seguinte, como sabê-lo?Quero que me repitas até a exaustão que me amas que me amas que me amas. Do contrário evapora-se a amação pois ao não dizer: Eu te amo, desmentes apagas teu amor por mim. [...] (DRUMMOND, 2012, p.44) No poema, percebemos o amor implacável e profundo, a partir de como o poeta articula as palavras descrevendo seu mais íntimo desejo de ser amado a todo instante e mais, ouvi-lo para ter certeza de não ser solitário, mas amado, e para tanto necessita que esse amor seja tão verdadeiro quanto o seu, e a única forma de obter essa certeza seria se o ouvisse constantemente. E numa linguagem rica em rima, que causa no leitor uma inquietação romântica. O vínculo interpessoal ganha densidade no momento em que expressa o amor que pressente e sente. Na frase “eu te amo” torna-se patente para mim e para quem eu amo que o amor não é mero propósito, quem sabe irrealizável. O campo amoroso entre mim e a outra precisa ser explicitado, patenteado, comprovado. (Perissé, 2006, p.). O amor é idôneo, perspicaz, essencial na vida do ser humano, uma força motriz na qual enaltece a vida daquele que o sente. Os textos literários têm suas peculiaridades, nas quais suas características são decorrentes, muitas vezes, dos recursos semânticos e estilísticos. Assim, faz-se notória e perspicaz sua maneira de contar/recontar suas estórias despretensiosas de descrever fielmente a realidade em sua narrativa, mas enriquecidas de significados que vão desde atribuir sentimentos humanos a seres da natureza a romantizar trágicas histórias de amor. Outro aspecto que também pode ser lembrado é que as obras literárias, em outras palavras, são ―‗reescritas‘, mesmo que inconscientemente, pelas sociedades que as leem; na verdade, não há releitura de uma obra que não seja também uma ‗reescritura‘.‖ (Eagleton, 2006, p. 31). Dado o fato de a Literatura ser regida de conceitos indefiníveis, suas características mais relevantes são os critérios de valor poético e a sua estrutura dividida por gêneros, a saber, épico, lírico, dramático e narrativo, em que cada um tem sua maneira de ser escrito. Sendo assim, o épico são poemas dispostos em versos e sua narrativa romantizada, contém heróis numa mistura do real com figuras fantásticas, recontando a história duma nação. Composta por figuras de linguagem e sentido conotativo. Até que um dia, os deuses, reunidos em concílio no Olimpo, a mais alta montanha da Grécia, decidiram resolver esse impasse. Atena, a deusa da sabedoria, protetora de Ulisses, 19 convenceu Zeus, o pai dos deuses. Este decidiu mandar o deus Hermes, seu mensageiro, à ilha onde Ulisses estava retido, para que ele comunicasse a Calipso que chegara a hora de deixar Ulisses partir. (LOURENÇO, 2012, p. 12). Vemos com notoriedade a presença dos seres mitológicos contidos nesse trecho, nele está narrada à estória de uma nação que vai mesclando entre os seres humanos e super-humanos e estes têm o poder de interferir na vida dos mortais e assim o faz, seja para abençoá-los em seus propósitos, ou seja, ajudá-los ou para livrá-los de seus inimigos. Quando a deusa Atena convence Zeus a deixar Ulisses sair do exílio, por exemplo, para lutar na cidade de Tróia, pois era uma cidade indestrutível e impenetrável devido a seus grandes muros, sua devoção e intermédio divino em sua vida possibilita-o a realizar feitos heroicos. Após conseguir adentrar por meio de uma estratégia brilhante e lutar mesmo em menor número, sai vencedor. Podemos denotar que a narrativa deste gênero vem recheada de imaginação, crenças e feitos heroicos, seus mitos e feitos ao longo dos anos os tornam épico, tanto por causa da natureza dos personagens quanto à veracidade de sua narrativa não ter sido comprovado até hoje. O lírico é caracterizado pela expressividade de sentimentos e sua subjetividade, são poemas musicalizados. Dado a uma época em que era acompanhado pelo instrumento musical a exemplo da lira. Contudo a sua manifestação está disposta em primeira pessoa. Vive, dizes, no presente, Vive só no presente. Mas eu não quero o presente, quero a realidade; Quero as coisas que existem não o tempo que as mede. O que é o presente? É uma coisa relativa ao passado e ao futuro. É uma coisa que existe em virtude de outras coisas existirem. Eu quero só a realidade, as coisas sem presente. Não quero incluir o tempo no meu esquema. [...] (FERNANDO PESSOA, 2013, p.142). No poema, como é de sua característica ser musicalizado ao ser recitado, fazemo-lo com naturalidade, acompanhando as suas rimas e sua simplicidade na reflexão que o mesmo traz quando ele fala do presente e a realidade neles a necessidade de viver aquele instante único e passageiro que é tudo que se tem. Quanto ao passado e o futuro, eles são tempos impossíveis ainda que um já fosse vivido e o outro a esperança de fazer o melhor no instante em que vive. Ou podemos simplesmente dizer que passado e futuro são apenas antônimos para esclarecer a realidade do exato momento a ser preenchido e realizado no exato instante e os demais momentos não sabemos se será tão importante ou mais quanto o exato instante que certamente em sua nomenclatura não tem significado ao verdadeiro prazer do sentimento desfrutado. 20 O dramático tem sua escrita voltada para peças de teatro com narrativas dramáticas e trágicas, sendo, atenuante ressaltar, cada parte em que a literatura está inserida manifesta-se a polissemia, permitindo uma infinidade de interpretação. Como podemos observar no exemplo que segue: Romeu É muito cedo. A minha mente teme Algo que, ainda preso nas estrelas, Vá começar um dia malfadado Com a festa desta noite, e ver vencido. O termo desta vida miserável. Com a pena vil da morte inesperada. Que aquele que me guia em meu percurso Me oriente agora. (SHAKESPEARE, 2011, p. 34). Advindo duma época em que a morte, as pragas e as pestes eram comuns e devastavam a tudo e a todos, as pessoas ainda precisavam lidar com as traições dos membros da burguesia, dado o fato dos casamentos serem arranjados muitas das vezes traziam mais intrigas e guerras. Também se esperava que os membros da sociedade fossem fortes o bastante para sobreviver sem o apoio da família, caso o seu desejo fosse contrariar sua vontade, esse detalhe faziam sentirem-se melancólicos e dramáticos quando o simples fato de uma festa o assustar e o fazer sentir a morte tão próxima quanto às batidas do seu coração, pois diante de suas crenças em que seu destino já havia sido escrito nas estrelas (nesse caso pelos seus pais) sentia a presença e a vontade de morrer ao pensar em não viver seu grande amor com Julieta. Como também era nessas festas que aconteciam as grandes fatalidades já que era um momento bem propício de colocar todos os planos maléficos em pratica, assassinatos por envenenamento, boatos de desonra entre as quais as virtudes das moças eram denegridas, pois sua honra era a essência para as alianças serem consumadas. A produção de um texto literário tem por princípio a realidade e outras obras como fonte de inspiração para serem produzidos os ―novos‖ textos, sendo assim, nada é puramente original. Seu conteúdo narrativo esta recheado de convicções, crenças, verossimilhança, referência ou ficção que nesse sentido pode ser interpretado como algo fantasioso distante de ser um acontecimento possível do mundo real. Essa reinterpretação do mundo, com o ―ficcional‖, a exemplo de Shakespeare nas suas peças teatrais trazem toda uma representatividade trágica da vida dos casais que não podiam ficar juntos por opróbrio familiares e os conflitos socioeconômicos os levando sempre ao mesmo fim: a mortesúbita em um momento indesejado de forma dramática. Como podemos observar no trecho da peça de teatro: 21 Coro (todos): Duas casas, iguais em seu valor, Em Verona, que a nossa cena ostenta, Brigam de novo, com velho rancor, Pondo guerra civil em mão sangrenta. Dos fatais ventres desses inimigos Nasce, com má estrela, um par de amantes, Cuja derrota em trágicos perigos Com sua morte enterra a luta de antes. A triste história desse amor marcado E de seus pais o ódio permanente, Só com a morte dos filhos terminado. (SHAKESPEARE, 2011, p. 13). Partindo das primícias realistas, grandes autores como Shakespeare remontam uma narrativa de caráter social, no entanto, não apenas o que conta, mas sua maneira de reinterpretar e reescrever os dramas do cotidiano fazendo um texto magnifico que, não se detendo aos fatos, traz uma expressividade acalorada, emoções, singeleza, verdades ocultas dos verdadeiros sentimentos, e destaca a relevância empregada aos bens materiais em vez daquilo que realmente é importante para o ser humano, ―o amor‖. De acordo com a peça acima destacada é compreendido como os familiares perdem seus bens mais preciosos, seus filhos e herdeiros por causa da arrogância e ganância e acabam destruindo o futuro de duas famílias, ainda mais, numa época em que a continuidade familiar era algo de sumo importância, pois era por meio deles que o nome da família transpassava por muitas gerações. Dotando a realidade de sentido, a palavra torna o mundo menos terrível e assustador. ―A solidão das coisas é o preço que o mundo sem sentido, sem razão de ser, pagaria, na ausência do ser falante (do homo loquen) que viesse admirar-se com as coisas, chamá- las com diferentes nomes, humanizá-las‖. (PERISSÉ, 2006, p.10). Os sentimentos empregados, a releitura, um olhar cativante sobre o outro e o mundo que cada um carrega em seu ser e essa ativação é feita por meio da leitura, abrangendo uma nova perspectiva de reconhecer o mundo em suas diversas facetas. Diante das questões advindas das produções literárias e sua preocupação interpretativa dos textos, ANTOINE (2012, p.97) destaca que em Saussure: ―A ideia do arbitrário do signo implica a autonomia relativa da língua em relação da realidade e supõe que a significação seja diferencial (resultando da relação entre os signos) e não referencial (resultando da relação entre as palavras e as coisas)‖. Implica dizer que a literatura ressignifica sua estrutura e seu uso linguístico tem um sentido próprio, não estabelecido em compreender o mundo, mas de compilar suas atividades em sentidos multiplicativos nas quais sua autonomia está relacionada à sua construção, uma vez que o 22 mundo, diante do significante e do significado vem com uma carga de compreensão do sentido das palavras, enquanto a literatura vem com outros paradigmas interpretativos que variam de acordo com a carga emocional que cada leitor carrega e sua subjetividade, compreendendo que as palavras podem diversificar no seu significado quando se entra em contato com o texto literário. Portanto, pode-se dizer que a literatura está na vertente ocupacional de algo existente sem a deixar presa num limbo em que não é possível se expandir, ela está ocasionada pela liberdade comunicativa em seus emaranhados de disseminação do conhecimento artístico, que se propagam em outras formas de fazer e ser no mundo da linguagem. Ele era triste e alto. Jamais falava comigo que não desse a entender que seu maior defeito consistia na sua tendência para a destruição. E por isso, dizia, alisando os cabelos negros como quem alisa o pelo macio e quente de um gatinho, por isso é que sua vida se resumia num monte de cacos: uns brilhantes, outros baços, uns alegres, outros como um ―pedaço de hora perdida‖, sem significação, uns vermelhos e completos, outros brancos, mas já espedaçados. (LISPECTOR, 2016, p.06). Esse fragmento consiste numa narrativa pautada nos sentimentos do personagem e sua completude é dada ao fato do envolvimento em que a leitura nos remete a seu entendimento, descrevendo-os e exemplificando sua intensidade e inconstância, com isso, compreender cada detalhe deposto dentro dele, é, portanto, deleitar-se na leitura já que o seu enredo dispõe de uma linguagem acessível. Sendo assim, o significado de cada palavra construído dentro da história proporciona leveza despondo do seu próprio sentido. É cabido dentro dele uma relação na sua construção em que o entendimento faz notório e perspicaz, quando o autor fala Ele era triste e alto. Jamais falava comigo que não desse a entender que seu maior defeito consistia na sua tendência para a destruição, o autor não se preocupar em expor uma imitação da realidade, mas dentro do texto é sabida a intensidade do que o ser humano venha a ser. Na sua leitura não buscamos referência, assimila-se o sentido de cada palavra em seu contexto. Cada narrativa possui seus próprios significados ao relatar os sentimentos e situação de cada personagem. O contato com a literatura não é mero contato, é encontro. Nesse encontro, ocorre a fruição. Fruir é desfrutar, colher os frutos, sem realizar demasiados esforços, o que não significa ler preguiçosamente... com quem nada quer. Ler é colher, escolher entre as linhas do texto aquilo que nos é oferecido. (Perissé, 2006, p.72). Assim, dentro do texto encontra-se o seu sentido, cada palavra interligada a outra traz sua própria história e significado ―seu mundo‖, também permite uma visão diferente do que antes era totalmente desconhecido e por sua vez, enriquece as habilidades de compreensão dentro da história. 23 CAPÍTULO 02 - Uma breve história sobre a luta da mulher e o Feminismo. 2.1. Uma breve historia da mulher e o Feminismo. A narrativa da trajetória da mulher desde a Grécia é construída com exageros que levam a condição da mulher de um extremo a outro. De um ser capaz de trazer a vida de diversas formas, dentre as quais podemos salientar que são as de conceber desde o nascimento do seu semelhante até a prosperidade dos frutos da terra, sendo este o seu primeiro feito mais notório e digno de adoração e respeito o de gerar filhos. Por esse ato extraordinário e inexplicável até então lhe foi atribuído o título de Deusa, digna de veneração, que por sua vez, essa divindade que lhes fora concedida por meio da fertilidade também se acreditava na prosperidade advinda pela produção de suas mãos, em tempos em que estavam férteis eram designadas para os campos a fim de semear, com a certeza de uma colheita boa e abundante, depois passou a um ser mitológico, ser este criado devido os seus feitos de cura através de ervas, foram então perseguidas e consideradas bruxas. Tais feitos de cura ameaçava a soberania do homem, sua imagem precisava ser denegrida, tarefas de significância como a cura de doenças não podia ser das mulheres esses ofícios eram designados aos homens. Ao longo dos tempos as tarefas foram divídidas dentro do princípio em que a plantação, os cuidados com o lar e a criação dos filhos ficavam a cargo da mulher, uma vez que os primeiros dias de vida da criança e sua recuperação a impediam de sair do seu lar para caçar, pescar ou qualquer que fosse a atividade fora do âmbito doméstico. Nesse meio tempo, o homem sai para realizar essas tarefas, as quais elas estavam impossibilitadas de realizar por um determinado período. Uma das justificativas considerada para ser uma tarefa masculina é por demandar mais força física, como também tempo disponível, ou seja, sem intervalos para que as atividades do cotidiano de caçador e ―protetor‖ do lar fossem interrompidas, deveriam ser efetuadas constantemente, essasrealizações se tornaram mais importante do que as que elas faziam. Uma vez que o conhecimento da área de trabalho fez com que o desejo de expandir e defender seus territórios os tornassem poderosos, circunstâncias em que além de lhes custar a vida os dignificava como seres que lutam por aquilo que desejam e as conquistam. ―Enquanto o homem caça e pesca, a mulher permanece no lar. Mas as tarefas domésticas comportam um trabalho produtivo: fabricação dos vasilhames, tecelagem, jardinagem, e com isso ela desempenha um papel importante na vida econômica.‖ (Beauvoir, 1970, 24 p.74). O valor atribuído às coisas materiais é de uma estima que não basta só possuí-las, mas de mantê-las sob sua tutela e ter quem deixar, por sua vez, deixavam as mulheres cada vez mais suscetíveis à dependência masculina. Como podemos notar nas palavras a seguir: Seu domínio sobre o mundo é menos extenso que o do homem; ela é mais estreitamente submetida à espécie. Mas esses fatos assumem um valor inteiramente diferente segundo o seu contexto econômico e social. Na história humana, o domínio do mundo não se define nunca pelo corpo nu: a mão com seu polegar apreensivo já se supera em direção ao instrumento que lhe multiplica o poder; desde os mais antigos documentos de pré-história o homem surge sempre armado. No tempo em que se tratava de brandir pesadas maças, de enfrentar animais selvagens, a fraqueza física da mulher constituía uma inferioridade flagrante; basta que o instrumento exija uma força ligeiramente superior à de que dispõe a mulher para que ela se apresente como radicalmente impotente. (Beauvoir, 1970, p.73). Diante dos feitos grandiosos e da tamanha força, elas só podiam ser complacentes com a soberania apresentada por meio de suas conquistas dominadoras. ―O trabalho doméstico da mulher desaparecia, então, ao lado do trabalho produtivo do homem; o segundo era tudo, o primeiro um anexo insignificante.‖ (Beauvoir, 1970, p.74). Com o crescimento e fortalecimento em sua vida profissional surgiu à necessidade de expansão e mais mão de obra masculina era necessária para dar continuidade no avanço e domínio das riquezas obtidas durante a sua trajetória de conquista e domínio dos seres que se submetiam ao seu poder. Dessa forma, pois, as riquezas à medida que iam aumentando, davam ao homem mais importância que à mulher na família, e faziam com que nascesse neles a ideia de valer-se dessa vantagem para modificar, em proveito de seus filhos, a ordem da herança estabelecida. (ENGELS, 1984, p. 59). Uma vez que antes da formação da família que hoje conhecemos não existiam casamentos propriamente ditos, havia relações amorosas compartilhadas entre homens e mulheres dentro de um grupo, eram homens e mulheres livres para ficar com quem desejassem, sendo assim os filhos pertenciam às mães, e, portanto, a herança de seus filhos descendia delas. O crescimento material e evolução da formação da família que passava a ser vigente entre um homem e uma mulher, em caso de separação entre o casal, o homem tinha o direito de levar consigo tudo o que havia conquistado, assim como também a mulher, ou seja, os utensílios domésticos ficavam com ela, matérias de importância inferior diante das que fora conquistado pelos homens, a exemplo da domesticação de animais, invenção de armas de caça e pesca, conquista de terras, sendo esses seus bens de valor superior. Toda essa conquista necessitava de um herdeiro, mas não havia descendente direto dele, ou seja, um filho. Sua herança passaria a seus irmãos e 25 irmãs, tendo em vista este impasse, mudou a forma de casamento para que houvesse um herdeiro, e seus descendentes pudessem ficar com os bens ao invés de recebê-lo de suas mães. Segundo Engels (1984) ―o desmoronamento do direito materno, a grande derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo. O homem apoderou-se também da direção da casa; a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples instrumento de reprodução‖. Submetida a qualquer custo a satisfazê-los, mudando de vez a vida das mulheres que uma vez fora livre herdeira e detentora da herança, passaram a ser propriedade privadas designadas à servidão e satisfação de seus dominadores. Passaram a ser mais um objeto de conquista, mais um animal doméstico a satisfazer sua soberania, sendo separadas e em entregue com sua honra intacta para que pudessem gerar os herdeiros. Esse modelo de família patriarcal submeteu e subjugou as mulheres a um patamar em que a mulher seria espancada e morta por seus parceiros caso elas não os obedecessem. Observemos de acordo com o parágrafo que segue: Para assegurar a fidelidade da mulher e, por conseguinte, a paternidade dos filhos, aquela é entregue, sem reservas, ao poder do homem: quando este a mata, não faz mais do que exercer o seu direito. (ENGELS, 1984, p. 62). Para assegurar a legitimidade dos seus filhos era necessário, a mulher conservar sua virtude, porque aquela que se atrevesse a desobedecer estava sujeita aos maus-tratos ou até mesmo a morte, pois suas vidas pertenciam aos seus senhores. As riquezas e as honras hereditárias têm feito das mulheres nulidades, servindo apenas para dar valor à cifra numérica; e a indolência tem produzido um misto de galanteria e despotismo na sociedade, o que leva os próprios homens, escravos de suas amantes, a tiranizar suas irmãs, esposas e filhas. (WOLLSTONECRAFT, 2006, p. 16). Fazendo-as acreditar que o mais importante para o seu sexo seria sua graciosidade, beleza e ―espontaneidade‖, ou seja, seriam suas ―iguais‖ para lhes dar um herdeiro, e escravas intelectuais para não fazer perguntas e satisfazê-los de acordo com suas necessidades e quando fossem requisitadas. Sua existência, por conseguinte, apenas convencional, uma mera conquista, mais uma forma de assegurar os negócios. Enquanto a escravidão e as riquezas progrediam simultâneas a isso retrocedia o bem-estar das mulheres e dos menos afortunados, que em todo caso eram oprimidos e menosprezados, suportando toda dor e humilhação, destinados a serem usados como objeto de compra e venda. Não achando o bastante tê-las submetido a meras servas, foram também classificadas como seres impotentes, incapazes intelectualmente, por sua vez, dependentes de seus pais, irmãos e maridos. Desacreditadas de exercer quaisquer que fossem as funções públicas, educação econômica e 26 política, eram restritas ao âmbito doméstico, sua função limitava-se a obedecer, não faziam nada sem antes a aprovação do seu cônjuge, estavam presas, não havia a quem recorrer. Viveram por muito tempo sem direto a ser ou exercer uma profissão que as possibilitassem a liberdade de viver uma vida segundo sua vontade. Pois tal superioridade é, estou firmemente persuadida, a base da fraqueza de caráter atribuída à mulher; é a causa pela qual o intelecto é negligenciado, enquanto talentos são adquiridos com cuidadoso esmero; e a mesma causa faz com que elas prefiram a elegância antes das virtudes heroicas. (WOLLSTONECRAFT, 2006, p. 31). Com uma educação voltada ao entretenimento masculino, aos cuidados do lar, e os cuidados dos filhos, passavam o seu tempo preocupadas em agradar ao esposo, enfeitar os seus lares, fazer compras, vestir-se elegante e comporta-se de forma a não envergonhar o seu companheiro. Por tais comportamentos de sujeição e ambivalência lhes era atribuído o título de frágil, incapaz mentalmente de compreender a vida agitada dos negócios, e da política. ―A base da fraqueza de caráter atribuída à mulher; é a causa pela qual o intelecto é negligenciado, enquanto talentos são adquiridos com cuidadoso esmero; ea mesma causa faz com que elas prefiram a elegância antes das virtudes heroicas‖. (WOLLSTONECRAFT, 2006, p. 31). A negligência ao conhecimento as faz suscetíveis à subordinação e às coisas supérfluas, como também sujeitas a ganancia tornando-se moeda de valor entre as alianças matrimoniais, eram obrigadas a casar, pois aceitar uma vida pomposa sem nenhum esforço no que diz respeito ao trabalho advindo de suas próprias mãos, eram então obrigadas a aceitar viver sob as regras criadas a fim de mantê-las em seu domínio. Suas vidas pertenciam aos homens, não havia nada que pertencessem a elas, a não ser sua honra como meio de ascender no meio social, possibilitando usufruir de um matrimônio que concedia conforto e segurança assegurada, não precisavam preocupar-se com seu sustento e em troca era requerido fidelidade e obediência, suas opções limitavam-se a ser esposa governanta, ou prostituta. Sendo as duas últimas um meio de sustentar-se, ter uma independência financeira que assegurava desfrutar em certos aspectos uma liberdade para ser e fazer uma vida respeitada dentro de suas habilidades. As mulheres, comumente chamadas de damas, não devem ser contraditas quando acompanhadas e não se lhes permite exercer qualquer força manual. Se das mulheres devemos esperar quaisquer virtudes, são elas apenas negativas – paciência, docilidade, bom humor e flexibilidade, virtudes incompatíveis com qualquer exercício vigoroso do intelecto. (WOLLSTONECRAFT, 2006, p. 32). Era comumente aceito as imposições ao modo como as mulheres deviam se comportar; como aceitar seu destino de graciosidades e obediência absoluta, encantadoras, adornos a serem 27 admirados. Sua conduta era respaldada em agradar, estarem à disposição de suas vontades, suas vidas simplesmente estavam sujeitas ao fracasso, pois suas mentes eram vazias, seus sentimentos à flor da pele, entregavam sua vida em troca de meros afetos momentâneos, pois foram levadas a acreditar que a única coisa que precisavam para viver seria um bom casamento. Não era necessário esforço intelectual para serem gentis e obedientes, já que sua educação era voltada para esse aspecto, para serem subservientes e agradáveis, elas não se atreviam a inflamar a fúria dos homens, uma que a lei estava ao seu favor, podiam ser espancadas ou até mortas por desobediência, não eram consideradas mais que um animal, quando não mais útil seria descartada. Por isso, sua educação flexível às ordens as faziam serem consideradas incompetentes. Não havia espaço ou educação para que pudessem ser igualadas em conhecimento com os homens. Diante do histórico da vida de servidão das mulheres a negligência educacional, o domínio a fizeram lutar pelos direitos a uma educação igualitária, o direito de votar, divorciarem-se, trabalhos remunerados, redução de carga horária, salários igualitários, direito à guarda dos filhos após o divórcio, direito a receber herança e ao casamento por amor. ―Não é de se estranhar, portanto, que as primeiras vozes de contestação feminina que a história moderna registra se dirijam justamente contra a desigualdade sexual no acesso à educação e ao trabalho‖. (Alves e Pitanguy, 1981, p.28). Ainda que o poder aquisitivo fosse retido ao monopólio dos homens, isso não poderia ser de fato um artificio suficiente para manipular as mulheres a aceitar ou acreditar que seu único meio de sobrevivência e ascensão seria somente por meio do casamento. Era preciso uma educação igualitária, refinamento e aulas de dança, de costura e de canto, uma leitura limitada para escrever cartas também não faria diferença para aquelas que desejavam o mundo de independência, vez e voz. Quando Virginia Woolf (2014) tenta explicar a ligação entre a ficção e as mulheres referindo-se ao que seria necessário para as fêmeas escreverem, deixa claro que elas precisariam de ―um teto todo seu‖ (2014), também fala da necessidade da independência financeira e a liberdade que seria fornecida dando-lhes poder e liberdade para escrever, como também se pode acrescer que deixariam de ser servas e passaram a serem senhoras de suas vidas do seu lar sem que houvesse objeções ou regras para escrever, nem mesmo seria necessário submeter-se a uma educação servente e fútil. Uma vez que fossem independentes, suas vozes seriam ouvidas, para tanto, a luta para conseguí-lo inicia-se em meio ao turbilhão de transformação que a França e a Inglaterra sofriam, alçando sua voz por meio da literatura, protestos e greves, para que assim, toda a carga 28 negativa em função de suas capacidades física e psicológica fosse desconstruída. Sua luta alcançou vitórias entre as quais sua ―liberdade foi conquistada‖. O movimento feminista surgiu durante a Revolução Francesa, no século XVII. Durante a Revolução Industrial, em meio às transformações, houve a necessidade de mão de obra barata, quando foram empregadas mulheres e crianças, a fim de serem exploradas com carga horária excessiva e faturamento para os donos das empresas. Com suas vidas sobrecarregadas e salários baixíssimos, encontraram-se, pois, oprimidas, porque além do trabalho nas fábricas as mulheres ainda tinham que dar conta dos seus lares. E com salários inferiores ao dos homens deu-se início às greves das operárias na qual lutavam por uma reforma trabalhista justa, com salários igualitários e carga horária mínima de oito horas. ―As mulheres revolucionárias francesas dirigem-se a assembleia, peticionando a revogação de institutos legais que submetem o sexo feminino ao domínio masculino. Reivindicam, assim, a mudança da legislação sobre o casamento que, outorgando ao marido direitos absolutos sobre o corpo e os bens de sua mulher, aparece-lhes como uma forma de despotismo incompatível com os princípios gerais da Revolução Francesa.‖ (Alves e Pitanguy, 1981, p.32). Sua luta pelo direito à liberdade de serem donas de si demonstrava que sua capacidade estava além da maneira a qual foram instruídas, nada condizia na verdade, sobre quem realmente eram; seres pensantes, capazes de lutar, aprender e serem muito mais que um adorno para seus maridos. Direitos que por muito tempo foram negados, mas isso mudaria com a necessidade de crescimento da sociedade, com a Revolução Industrial que transferia às empresas a produção artesanal, seria fácil serem exploradas sem que houvesse consequências prejudicais ao seu lucro. No entanto, mostrando-se capazes e úteis para fazer o que fosse necessário para terem uma vida digna de ser vivida. Conquistando o seu espaço no mundo através de sua voz e de sua força. Podiam ser mãe, esposa, mulher e o que mais desejassem ser. Foram às ruas reivindicarem por direitos igualitários no trabalho, na vida política, no salário, e o direito para casar com quem amasse e a educação, não precisava de um homem que a governasse, elas eram suficientes para cuidarem de suas vidas. Mary Wollstonecraft, com sua obra O direito de reinvindicação das mulheres (2016), considerada uma das primeiras feminista, embora o termo feminista ainda não existisse na época, serviu de subsídio para dar voz à obra de outras grandes escritoras que inicia uma vida na escrita de romances ainda que suas publicações fossem com nomes masculinos. 29 2.2. Representação do feminismo dentro do romance Com o surgimento da crítica literária feminista nos anos 1960 e 1970 e as transformações que a burguesia sofreu diante das mudanças indústrias, e a chegada do romance como uma forma das mulheres desmistificarem as crenças e o poderio dos homens sobre elas, conquistando a pena para si, foi criando uma nova perspectiva ao dar vida às personagens feminina em que leva a representatividade de um ponto devista diferente ao que habitualmente fora escrito pelos homens ao seu respeito. Conforme Lynn Hunt (2007, p. 274), "a Revolução foi o momento no qual se descobriu a política como uma atividade imensamente poderosa, como um agente para a mudança consciente, um molde para o caráter, a cultura e as relações sociais". Uma mudança em que as lutas e conquistas favoreciam aos homens foi então que elas viram a necessidade de formar grupos em que lutassem por suas próprias causas. A representação do feminismo dentro do romance está nas características, mais proeminente da construção do enredo, desconstruindo as formalidades contando o cotidiano, rompendo as barreiras linguísticas, com uma reformulação das personagens femininas, feitos heroicos, buscando encontrar suas próprias identidades deixando de esperar por seus príncipes encantado, sendo autoras de suas histórias. Constituindo uma identidade feminina em que suas atitudes e pensamento contrariam toda formação cultural a seu respeito. ―Ser feminina é mostrar-se impotente, fútil, passiva, dócil. A jovem deverá não somente enfeitar-se, arranjar-se, mas ainda reprimir sua espontaneidade e substituir, a esta, a graça e o encanto estudados que lhe ensinam as mais velhas. Toda afirmação de si própria diminui sua feminilidade e suas probabilidades de sedução‖. (Beauvoir, 1967, p.73). Esse ser descrito por Beauvoir existe nas narrativas masculinas, pois, quanto ao que depende das mulheres em seus romances, ensaios, artigos, obras literárias, vem contrário aos conceitos históricos da formação do modo a qual ela deveria ser e comportar-se. Enquanto as mulheres eram pintadas pelos homens como; loucas, adúlteras, anjos, demônios, deusas, inúteis, incapazes, submissas, moeda de troca e meras reprodutoras em suas obras literárias, as fêmeas ao tomar a pena para si desconstrói os estereótipos submetidos a elas por muitos anos. Como também reivindica por igualdade em destaque aos feitos de aptidões dita ser papel do homem, como questionamentos a respeito do seu poder absoluto. Descrevendo mulheres 30 totalmente diferentes, ou poderiam ser se não fosse negado o direito de falar, foi educada a tarefas de cunho profissional, e ao jugo que elas mostraram capacidade em mostrar o contrário. Dentro dos romances escritos por autoras como Jane Austen (2016), Emily Brontë (1994) entre outras, encontramos não apenas os costumes ditadores ao quais as mulheres deveriam viver como percebemos a vivacidade, espontaneidade, critica revolta, certa histeria vivenciados pelas personagens que não aceitam o rumo de suas vidas dependerem da decisão de um terceiro. Dentre as quais suas insatisfações e opiniões estão em evidência. Segundo WOOLF (2014, p.35): Quando, porém, lemos sobre o afogamento de uma bruxa, sobre uma mulher possuída por demônios, sobre uma feiticeira que vendia ervas ou mesmo sobre um homem muito notável e sua mãe, então acho que estamos diante de uma romancista perdida, uma poeta subjugada, uma Jane Austen muda e inglória, uma Emily Brontë que esmagou o cérebro em um pântano ou que vivia vagando pelas ruas, enlouquecida pela tortura que seu dom lhe impunha. A liberdade implícita cedida às personagens de falar o que pensava e em algumas situações conseguir fazer o que acreditavam ser o melhor para si demonstra muita feminilidade e empoderamento feminino nessa obra. Numa época em que a expressividade das mulheres se detinha ao entretenimento dos seus pares, manifestar-se com opiniões contrarias as deles era desafiar o seu ―destino‖, e aquelas cuja opinião compartilhava dos senhores com certeza a humilhação a qual foi submetida mexeu com os seus sentidos ao ponto de concordar e acreditar que merecia viver tal situação de derrota e escravidão. 31 CAPÍTULO 03 - A PERSPECTIVA DO EMPODERAMENTO FEMININO NO ROMANCE PERSUASÃO DE JANE AUSTEN “Quando cedi, pensei que cumpria o meu dever; mas agora não estava nenhum dever em causa. Se casasse com um homem que me era indiferente, teria corrido todos os riscos e violado todos os deveres.". Austen 3.1. Jane Austen Jane Austen foi uma proeminente escritora inglesa do século XVIII sendo considera uma das melhores romancistas depois de Shakespeare. Desde a primeira publicação dos seus romances suas edições têm sido infindáveis e reconhecidas no mundo inteiro. Dois séculos após sua morte, as obras de Jane ainda obtêm um grande teor de sucesso, nas quais podemos destacar diversas adaptações cinematográficas e televisivas, livros traduzidos para diversos idiomas, releituras das obras para o terror e o suspense, dentre outros. Tais acontecimentos ocorrem devido a sua escrita afiada e irônica, descrevendo, portanto, a sociedade provinciana inglesa com clareza e obstinação. Seus romances têm inspirado muitos outros dos quais vemos nos dias de hoje. Nasceu (1775) em Stevenson, Hampshire, a segunda filha de um reverendo, viveu no seio de um pequeno grupo agrário e religioso, formado pela aristocracia. Uma época de grandes revoluções, nas quais houve uma efervescência cultural possibilitando aos escritores liberdade e crescimento tanto poético quanto literário. Percebemos em suas obras o estilo georgiano no qual descreve precisamente a sociedade rural que passava por grandes transformações agraria e industrial em sua transição da Regência Georgiana para a Era Vitoriana. Mesmo com todas essas mudanças e guerras napoleônicas, Jane Austen escreveu suas obras mais centradas em seu cotidiano, recorrendo a um estilo irônico, diálogos afiados e leveza dissimulada em sua narrativa, descrevendo sutilmente as mudanças e estilo de vida burguês. Desde cedo se interessava pela leitura e escrita, estimulada pela biblioteca de seu pai que era o seu lugar preferido. Com 17 anos escreveu seu primeiro romance ―Lady Susan‖ (1987) com sua 32 narrativa marcante relatando os casos amorosos da época. Depois escreveu Pride and Prejudice (Orgulho e Preconceito) (1982), Sence and Sensibility (Razão e Sensibilidade) (2012), os quais foram oferecidos por seu pai a um editor que logo os rejeitou por serem escritos por uma mulher. À época, esse feito não era oficio para as mesmas, mais tarde foram essas obras que a consagrou como a melhor romancista da literatura inglesa. Depois vieram outros grandes sucessos como Mansfield Park (2014) e Emma (2012), escritos com mais serenidade e sabedoria, sem perder sua sutileza e ironia. Jane também deixou uma obra inacabada Sanditon que foi oriunda de recortes de sua escrita e montada por seu sobrinho completando o romance e publicado em 1871. Suas obras foram publicadas sob o pseudônimo ―by lady‖ por um editor que aceitou seus romances e fizeram tanto sucesso que a família foi instruída a permanecer em absoluto silencio a respeito da autoria de Jane Austen. A autora só foi considerada uma grande romancista no início do século XIX. Ela e todas as mulheres de sua época tiveram suas vidas restritas ao âmbito familiar, e a autora as expos em seus romances de forma irônica e sutil ao escrever a respeito da sociedade inglesa de sua época. Após a morte de seu pai Austen ficou sob os cuidados de seu irmão, junto a sua mãe e sua irmã Cassandra, com a qual mantinha uma amizade muito forte e trocavam confidencias por meio de cartas quando a distância as separava. Ambas ficaram noivas, contudo, não chegaram a se casar, Jane terminou o seu noivado e sua irmã perdeu o noivo que viajava nos navios em busca de recurso financeiro para poder casar-se. Austen faleceu em Winchester, um ano antes a publicações da obra Persuasion, essa obra foi intituladaa principio por The Elliots, depois foi publicada por seu irmão com o título Persuasão. Com sua facilidade em observar o cotidiano, esta habilidade lhe forneceu material suficiente para compor suas personagens e suas obras, com isso a crítica considerou-a a primeira romancista da literatura inglesa. 3.2. Apresentação da obra A obra Persuasão foi a última escrita e acabada pela autora, publicada em 1818 (ano seguinte ao falecimento da autora). Seu título original The Elliots, posteriormente renomeado Persuasion, apresenta-se como uma obra tensa, revelando as consequências de quem permite ser 33 influenciada, assim, transgredindo a história de sua vida social e por sua vez, muda o seu percurso de modo a causar sofrimento e arrependimento por não acreditar em suas próprias convicções. Como já diz seu título (persuasão) o romance discorre sobre as diversas influências que cada personagem sofre decorrente do estilo de vida que girava em torno das famílias aristocratas. O enredo mostra a maneira com que a personagem Anne Elliot lida com os conflitos da sua família como também os problemas relacionados à moral, poder aquisitivo e a linhagem a qual os pretendentes pertenciam, fatos importantes para um bom casamento, pois a aprovação da sociedade aristocrata era de grande valia, ainda mais, por que esse era um meio de negócios entre as famílias e as diferenças financeiras não poderiam interferir nos rendimentos, os quais serviam para suster as famílias no mais alto padrão de conforto e segurança, e para que não houvesse conflitos na transição de poderes hierárquicos, pois eram extremamente importantes, principalmente em tempos guerras, no qual a Inglaterra do século XVIII passava. Anne é a segunda de três filhas de um proprietário rural na cidade fictícia de Solar de Kellynch, em Somersetshire, Inglaterra. Uma obra narrada no âmbito rural há séculos ainda assim nos faz lembrar as situações vivenciadas em dias atuais, não só a ideia romântica, mas a crítica que sabrecai na vida das mulheres, contendo uma assídua procura de leitores e adaptadores de cinema, como também tem servido de inspiração para outros dramas. Sua narrativa tem sido por séculos uma das preferidas, sob a consideração da crítica literária. A trama gira em torno do romance entre Anne e o Capitão Frederick Wentworth, ela, a filha do meio, dentre as suas irmãs Elizabeth a mais velha é o orgulho de seu pai, após a morte de sua mãe tomou a frente dos cuidados do lar, e sua irmã mais nova Mary já casada e estabelecida, pertenciam a uma família que se orgulhava da sua linhagem de baronete, ele, porém, não tinha posses ou dinheiro para sustentá-la com a vida a qual esta acostumada. Anne, portanto, foi dissuadida pela a amiga de sua mãe falecida à senhora SR Russell a esperar por um pretendente melhor. Uma vez que precisavam controlar os gastos e não seria de bom grado ela, de uma família tão importante casar-se com um homem desprovido de títulos. Sendo assim, ele foi para a guerra e depois de sete anos volta com títulos e riquezas em busca de um casamento. E meio aos acontecimentos eles se reencontram e percebem que ainda estão apaixonados, mas dessa vez não seria fácil fazer-lhe novamente o pedido de casamento. Ele ainda estava magoado com a recusa de Anne, precisavam de tempo para não deixar influenciar-se pelas opiniões alheias. Com uma escrita aparentemente sutil produziu o romance com um teor crítico direcionado as futilidades, prepotência e vaidade que levavam muitos a falência e ocasionava o distanciamento 34 entre os membros da família. Descreve com veemência a relevância que era depositada nas coisas triviais, contudo, para isso utiliza de um tom irônico e perspicaz que camufla sua sagacidade ao trazer a tona toda hipocrisia vivenciada e reverenciada por aqueles que se beneficiava dessas características da classe burguesa, revelando por meio de suas personagens uma beleza além de sua aparência, quando ela diz: A vaidade era o princípio e o fim do carácter de Sir Walter: vaidade pela sua pessoa e posição. Ele tinha sido extraordinariamente belo na sua juventude; e, aos 55 anos, ainda era um homem muito atraente. Poucas mulheres se preocupavam mais com o seu aspecto do que ele; nem o criado pessoal de um lorde que tivesse acabado de receber este título se sentiria tão satisfeito com o seu lugar na sociedade. Ele considerava a bênção da beleza inferior apenas à bênção de ser baronete; e Sir Walter Elliot, que possuía ambos os dons, era o objecto constante do seu mais caloroso respeito e admiração. (AUSTEN, 1996, p.02). Nesse trecho evidencia o egocentrismo que o personagem sente ao título e a sua aparência que deveras eram de suma importância para ele, no entanto, tanta soberba o fazia uma pessoa fútil que mesmo diante dos problemas financeiros só conseguia se preocupar com a opinião alheia e o que poderia fazer para se manter no alto patamar e sem dinheiro. Que, por conseguinte de suas atitudes levianas de importar-se com sua aparência e seu título, negligenciava a administração de seus bens, despojando-os de maneira irresponsável ao ponto de precisar recorrer aos conselhos de seu advogado e da melhor amiga da família para tentar resolver as discrepâncias, sem que a sociedade sequer desconfiasse que ele, o Sr. Elliot estava enfrentando momentos de turbulência em sua vida financeira. Dito isto é válido ressaltar a ironia cuja autora salienta nessa passagem com essas atitudes no seio familiar. E, portanto, uma zombaria dos valores adotados pela personagem. Anne era uma mulher inteligente, de temperamento sereno, obediente e de aparência singular, essa característica fazia com que o seu pai não lhe desse muita importância, uma vez que sua filha mais velha se parecia muito com ele, lhe era dado todo o credito, seus conselhos e desejos eram todos atendidos, tendo assumido o papel de administradora do lar após o falecimento de sua mãe, enquanto Anne só despertava o interesse e os cuidados de Lady Russell que fora muito amiga sua amiga e via nela suas qualidades e habilidades. Anne, com uma elegância de espírito e doçura de carácter que lhe teriam granjeado a admiração de pessoas de discernimento, não era ninguém aos olhos do pai, nem dos da irmã; a sua palavra não tinha qualquer peso; era sempre obrigada a ceder - era apenas Anne. (AUSTEN, 1996, p.03). Como podemos notar Anne Elliot possui uma inteligência capaz de instaurar sua família, mas por não possuir uma beleza extraordinária era simplesmente negligenciada aos assuntos da 35 família, no entanto, estava sob seu conhecimento tudo que se passava ao seu redor, assim, Austen foi muito perspicaz nesse romance ao caracterizar com elegância os conflitos amorosos e familiares, destacando as competências e relevância não só dessa personagem, mas das mulheres, ainda que a elegância e doçura fossem uma das qualidades esperada e exigida delas na época, Jane mostra numa perspectiva graciosa o quanto é importante o papel da mulher, sua formosura não é apenas para agradar, ou ser uma moeda de troca, mas para ser usada como uma ferramenta de articulação nos negócios, se requisitadas, pois um discurso persuasivo juntamente com uma boa postura poderia ser feito os negócios sem chamar atenção dos curiosos. Com uma escrita marcante é uma grande opositora dos costumes de sua época, ela trás em sua narrativa marcante, empolgante heroínas que leitores atuais se identificam com suas personagens, a representativa da voz feminina o poder e o brilho que as mulheres possuíam dentro de si, exterioriza dando-as voz camufladas de sagacidade e ironia. ―Austen é uma grande escritora pelo uso que
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