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Caderno Saúde Mental 3 Saúde Mental: Os desafios da formação Belo Horizonte, 2010 Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais O Caderno Saúde Mental nº 3 da ESP-MG reúne os trabalhos apresentados no SEMINÁRIO NACIONAL SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO, realizado nos dias 27, 28 e 29 de maio de 2009, em Belo Horizonte, pela Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais, com o apoio do Conselho Federal de Psicologia. Tammy Angelina Mendonça Claret Monteiro Diretora Geral da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais Thiago Augusto Campos Horta Superintendente de Educação Marilene Barros de Melo Superintendente de Pesquisa Tânia Mara Borges Boaventura Superintendente de Planejamento, Gestão e Finanças Fabiane Martins Rocha Assessor de Comunicação Social Audrey Silveira Batista Assessor Juridíco Nina de Melo Dável Auditora geral Organização: Ana Marta Lobosque Revisão: Bárbara Maia - ASCOM/ESP-MG Editora: Fabiane Martins Rocha Arte: baseada no cartaz do Seminário Diagramação: Leonardo Lucas - ASCOM/ESP-MG Impressão: Editora Autêntica Caderno Saúde Mental / Ana Marta Lobosque (Organizadora) Seminário Saúde Mental: Os Desafios da Formação, Belo Horizonte: ESP-MG. 2010. v. 3 ISSN: 1984-5359 1. Saúde Mental 2. Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais I. LOBOSQUE, Ana Marta II. Título Caderno Saúde Mental 3 Saúde Mental: Os desafios da formação Organização: Ana Marta Lobosque Seminário Saúde Mental: os desafios da formação Comissão Organizadora: Ana Marta Lobosque Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG Denize Armond Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG Fabiane Martins Assessora de Comunicação Social - ESP-MG Humberto Verona Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG Isabela Macedo Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG Leonardo Lucas Designer - Assessoria de Comunicação Social - ESP-MG Marcelo Arinos Drummond Jr Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG Wagner Viana Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG Realização: Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais - ESP-MG Apoio: Conselho Federal de Psicologia-CFP SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ............................................................................ 07 PREFÁCIO ...................................................................................... 09 INTRODUÇÃO ................................................................................ 13 PRODUÇÃO DE SABERES E POLÍTICAS DE VERDADE ..................... 17 MESAS A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: ASPECTOS BÁSICOS .............................. 19 EMENTA ................................................................................................................... 21 DESAFIOS DE DESAPRENDIZAGENS NO TRABALHO EM SAÚDE: EM BUSCA DE ANÔMALOS Emerson Merhy ....................................................................................................... 23 A INSTITUIÇÃO DO NOVO: PREPARANDO O TRABALHO COM A COISA MENTAL Marcus Vinícius de Oliveira ..................................................................................... 37 TUDO QUE EXISTE MERECE PERECER Silvia Maria Ferreira ................................................................................................ 47 A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: QUESTÕES PERMANENTES .................... 49 EMENTA ................................................................................................................... 51 A INVENÇÃO COLETIVA DA SAÚDE MENTAL Cirlene Ornelas ........................................................................................................ 53 A HOSPITALIDADE E A REDE DE SAÚDE MENTAL Fernanda Otoni de Barros ....................................................................................... 57 A EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE E AS QUESTÕES PERMANENTES À FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL Ricardo Burg Ceccim ................................................................................................ 67 A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: OUSANDO AVANÇAR ............................ 91 EMENTA ................................................................................................................... 93 ALGUMAS OBSERVAÇÕES CRÍTICAS SOBRE A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL Paulo Amarante ....................................................................................................... 95 A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: OUSEMOS AVANÇAR Ana Marta Lobosque ............................................................................................. 107 A FORMAÇÃO COMO COMBATE Antonio Lancetti .................................................................................................... 115 OFICINAS EIXO TEMÁTICO: ASPECTOS BÁSICOS DA FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL . 125 O ENSINO DAS DISCIPLINAS EM SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DE FORMAR NOVOS TRABALHADORES Renato Diniz Silveira e Paula Cambraia de Mendonça Vianna .............................. 127 FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL DAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA Marta Elizabeth de Souza ...................................................................................... 133 CONTROLE SOCIAL E SAÚDE MENTAL: CAPACITANDO OS CONSELHEIROS MUNICIPAIS DE SAÚDE EM MINAS GERAIS Elvira Lídia Pessoa e João Carlos Vale .................................................................... 137 ESTÁGIOS E ATIVIDADES AFINS: NOVOS CAMPOS DE PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL Cláudia Maria Generoso, Isabela Melo, Jarbas Vieira, Lorena Melo, Ramon Vieira ........................................................................... 143 EIXO TEMÁTICO : A FORMAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE MENTAL .......... 149 FORMAÇÃO POLÍTICA DOS USUÁRIOS E FAMILIARES DA SAÚDE MENTAL Jaciara Siqueira e Paulo Braga .............................................................................. 151 A SUPERVISÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL: DOS RISCOS E DAS POSSIBILIDADES Tânia Ferreira e Francisco Goyatá ......................................................................... 157 EDUCAÇÃO PERMANENTE DE GESTORES: ORGANIZAÇÃO DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL Lourdes Machado e Thiago Horta ......................................................................... 165 EIXO TEMÁTICO: AVANÇANDO NA FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL .......... 171 A UNIVERSIDADE E SEUS PRODUTOS: OUSANDO AVANÇAR EM SAÚDE MENTAL Maria Stella Goulart ............................................................................................. 173 PUBLICAÇÕES EM SAÚDE MENTAL Fuad Kyrillos Neto ................................................................................................. 185 CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO E RESIDÊNCIAS MULTIPROFISSIONAIS EM SAÚDE MENTAL Jairo de Almeida Gama e Elisa Zanerato ............................................................... 187 PESQUISAR EM SAÚDE MENTAL: REFLEXÕES Aline Aguiar Mendes e Marcelo Arinos Drummond Júnior .................................... 197 APRESENTAÇÃO “O vento experimenta o que irá fazer com sua liberdade” Guimarães Rosa A Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais publica com alegria o terceiro número do seu Caderno Saúde Mental, alicerçando o compromisso com as permanentes publicações relativas ao campo da Saúde Mental. Este Caderno traz novas contribuições, seguindo a linha dos números ante- rio res, qual seja: uma fértil interlocução entre professores, gestores, traba lha - dores, estudantes, usuários e familiares, visando o avanço da Reforma Psi quiá- trica brasileira. A proposta editorial destes Cadernos consiste justamente em promover e divulgar o diálogo entre estes diferentes segmentos. Apoiando ou promovendo seminários, oficinas e outros espaços de encontro dos quais participam todos eles, a Escola empreende, a seguir, a publicação dos trabalhos ali apresentados. Dessa forma, evitamos restringir o debate das questõesda Saúde Mental ao âmbito estritamente técnico no qual antigas determinações sociais e históricas procuram mantê-lo,trazendo-o ao âmbito vivo da cidadania, sem prejuízo do rigor teórico e da clareza conceitual. Por conseguinte, este Caderno, como aqueles que o antecederam, traz contribuições de professores da Filosofia, da Psicanálise, da Saúde Coletiva, da Saúde Mental, de alta qualificação acadêmica e destacada atividade no campo do ensino e das publicações; de trabalhadores e gestores que convivem cotidianamente com os desafios e os avanços da atenção à Saúde, deles possuindo o inquieto conhecimento que apenas através da experiência se adquire; de estudantes que se empenham em trazer para a sua formação as urgentes questões advindas da atenção psicossocial em redes de serviços abertos; de usuários que atravessam a difícil vivência do sofrimento mental sustentando seus direitos de cidadãos, de familiares que os apoiam nesta difícil conquista. Esta mescla singular possibilita-nos oferecer aos leitores os felizes produtos de uma reflexão que rompe muros; sejam aqueles, mais visíveis e óbvios, do hospital psiquiátrico, sejam aqueles, mais sutis, que impedem a circulação e a ação da palavra no espaço da cidade. Certos de aportar-lhes assim um convite singular, desejamos a todos, carinhosamente, boas vindas! Tammy Claret Monteiro Diretora Geral da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais PREFÁCIO No prefácio do Caderno de Saúde Mental nº2, lançado em maio de 2009, apresentamos o Grupo de Produção Temática em Saúde Mental, que busca efetivar a concepção de educação permanente sustentada pela Escola de Saúde Pública, através do tripé pesquisa-ensino-serviço Agora, prefaciando o Caderno Saúde Mental nº3 - Saúde Mental: os desafios da formação, este Grupo tem a contar felizes realizações no ano de 2010, e importantes projetos para 2011. Uma significativa realização consiste no seminário que dá o nome a este Caderno, ofertando as contribuições que o compõem. Nos dias 27, 28 e 29 de maio de 2009, o evento reuniu, entre expositores e participantes, um público ativo e atento, movimentando alegremente salas e corredores da Escola. Da produção então ocorrida, dão testemunho os valiosos textos aqui divulgados. Uma nova criação, o Espaço Saúde Mental, veio à luz no dia 11 de agosto do mesmo ano. Essa comunidade virtual que dá acesso às aulas e publicações do Grupo, e promove fóruns de discussão sobre temas variados em nossa área, representa nossa primeira incursão na Educação à Distância, abrindo possibilidades várias a explorar. No momento em que escrevemos este prefácio, o Espaço Saúde Mental está sendo remodelado, para tornar-se mais bonito de se ver e mais fácil de acessar. Sem demora, passamos a outra publicação, a Cartilha Saúde Mental em letras mineiras, lançada em 14 de de dezembro de 2009, que nos merece especial carin- ho. Elaborada em parceria com os usuários, e destinada a eles, a Cartilha tem sido divul gada por trabalhadores do GPT-SM e membros da Associação Mi neira dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais -ASUSSAM, em rodas de conversa realizadas com usuários de vários municípios mineiros. Já estivemos em Barbacena, Betim, Nova Era, Nova Serrana, Poços de Calda, Monlevade, São Domingos do Prata, São Joaquim de Bicas, Esmeraldas,Ribeirão das Neves, entre vários outros - e programamos muitas viagens ainda, “ levando estas letras mineiras a muitos olhos e muitas mãos”. Seguiu-se uma das nossas mais importantes conquistas: a Residência Multipro- fissional em Saúde Mental. Elaborado em parceria com a Secretaria Municipal de Betim, o projeto foi aceito, em fevereiro deste ano, pelos Ministérios de Saúde e Educação; após um concorrido processo seletivo, as atividades se iniciaram no dia 10 de agosto. Partilhamos orgulhosamente esta conquista com todos os companheiros da Reforma Psiquiátrica do Brasil e de Minas - assim contribuindo, estamos certos, para fazê-la avançar. Importa ressaltar: trata-se da primeira Residência Multiprofissional em Saúde Mental que oferece aos residentes passagem por todas as linhas de cuidado na rede de atenção em Saúde Mental – CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) tipos III, II e I, CAPSi, atenção básica, centro de convivência, moradias protegidas - prescindindo inteiramente do recurso ao hospital psiquiátrico como cenário de ensino. Faculta-nos tal superação a parceria com o município de Betim, cuja rede de Saúde Mental é construção histórica da Reforma Brasileira. As quatro residentes - uma assistente social, uma enfermeira, uma psicóloga e uma terapeuta ocupacional - desempenham suas atividades práticas na rede betinense, sob a supervisão de preceptores que ali atuam, e com o apoio das equipes locais. Além disso, todas as quintas-feiras, a Escola recebe alegremente residentes, preceptores e trabalhadores do município, para os seminários teóricos, supervisões e reuniões clínico-institucionais. Nessas atividades, vimos discutindo, de forma viva e participativa, tanto os aspectos teóricos da construção das redes, das práticas que aí se realizam, dos aspectos históricos e antropológicos do sofrimento mental, quanto os casos clínicos e as situações concretas que nos permitem melhor compreender as questões da rede local, ajudando a buscar respostas e saídas face às suas dificuldades. Uma outra novidade encontra-se nas oficinas cujo tema é a atenção aos cidadãos que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas - tema relevante e pouco trabalhado, cujo desafio decidimos enfrentar. São 6 oficinas mensais, da qual participam componentes da rede de Saúde Mental de 18 municípios mineiros de pequeno, médio e grande porte, visando garantir e aprimorar o atendimento a estes usuários nas redes do Sistema Único de Saúde. Nem só de novas invenções, porém, se vive: demos prosseguimento a ini- cia tivas anteriores, que prezamos igualmente. Dentre elas, destacam-se as Oficinas para Gestão em Saúde Mental, que subsidiam 120 participantes, entre coordenadores de serviços e referências técnicas da área, contemplando as 13 macrorregiões de todo Estado na construção de redes locais e regionais de Saúde Mental. Complementam esta ação educacional as Oficinas de Produção de Artigos Científicos sobre o mesmo tema, cuja produção esperamos em breve divulgar. Atentos à articulação política necessária ao nosso trabalho, temos participado das diversas instâncias representativas do controle social em nosso Estado: presentes nas Comissões Estadual e Municipal de Reforma Psiquiátrica, participamos também da Comissão Organizadora da IV Conferência Estadual de Saúde Mental. Realizou-se na ESP-MG, como construção conjunta de numerosos colegas de outras instituições, a Primeira Plenária do Coletivo de Docentes e Discentes de Saúde Mental do Estado, realizada nos dias 14 e 15 de abril deste ano, cujo produto foi levado às Conferências Estadual e Nacional de Saúde Mental. Apoiamos a realização do Seminário Saúde Mental: Marcos Conceituais, Campos de Prática, promovido pelo mesmo coletivo que deu impulso à Plenária. Balanço feito das atividades de 2010, há que apresentar nossas ideias e expectativas para 2011. Os numerosos e variados projetos refletem nosso compromisso, sempre firme, com a formação em Saúde Mental. Um ponto de grande importância estratégica é a continuidade, avanço e ampliação na formação de residentes. Pretendemos – e já empreendemos gestões neste sentido - dar continuidade à Residência Multiprofissional, e articulá-la com uma Residência de Psiquiatria, constituindo a realização inédita de Residências Integradas em Saúde Mental no âmbito das redes substitutivas ao hospital psiquiátrico. Sabemos bem que uma tal proposta é um grande desafio político e conceitual, que não se viabiliza sem grandes oposições ou dificuldades;reiteramos, contudo, nossa disposição em enfrentá-lo decididamente. Um outro ponto importante consiste no prosseguimento e ampliação das nossas Oficinas. Após a conclusão, em março, da primeira série das Oficinas de Gestão, planejamos a realização de uma nova série, cuja qualidade certamente há de aprimorar-se a partir da primeira experiência; o mesmo vale para aquelas que abordam o tema Álcool e Outras Drogas. Encontra-se já em andamento a elaboração do projeto de Oficinas de Atenção à Criança e Adolescente, que requer, certamente, especial atenção. Pretendemos ainda retomar as Oficinas de Modelagem de Rede em Saúde Mental iniciadas em 2008, em Uberlândia: elas devem agora envolver toda a microrregião na qual se localiza o município-polo. Pretendemos também dar continuidade à participação nas Comissões de Reforma Psiquiátrica Municipal e Estadual; às rodas de conversa que divulgam a cartilha dos usuários da Saúde Mental; desejamos empreender novas parcerias com usuários, conselheiros, estudantes, militantes da Saúde, apoiando sempre o exercício democrático do controle social. Ainda, a realização de mais um seminário e a publicação dos Cadernos Saúde Mental 4 e 5são também parte preciosa dos planos para 2011, visando envolver sempre novos atores no debate da Saúde Mental, e divulgar amplamente suas produções. Naturalmente, a efetivação de tantos projetos passa por fatores alheios à nossa vontade. A mudança da gestão em Minas e no país, produto do jogo democrático, traz uma nova conjuntura que nos cabe aguardar com serenidade. Estamos cientes de que a continuidade dos projetos hoje existentes e a implementação dos demais aqui elencados não estão dadas de antemão. Nunca o estariam, de qualquer maneira; não apenas mudam os governos, mas também, ainda quando não mudam, variam as correlações de força que os sustentam, e as alianças com as quais se compõem. Sejam estas quais forem, eis aquilo de que estamos certos: permaneceremos ao lado da força crescente e viva dos movimentos sociais - e, nomeadamente, do movimento antimanicomial. Se não podemos pois, assegurar estes ou aqueles propostas e projetos para o ano vindouro, cabe-nos todavia sustentar com firmeza os princípios que regem nosso trabalho: o empenho num novo e fértil modelo de formação, e a parceria com os trabalhadores, estudantes, usuários e familiares que nos ajudam a concebê-lo e torná-lo real. O leitor saberá supor as dificuldades enfrentadas e o grande esforço re que - rido para sustentar as atividades aqui descritas, e, mais ainda, para dar-lhes seguimento e ampliação. Contudo, dificuldades e esforços têm sido gene ro sa- mente validados pela intensa produção que deram à luz. Agradecemos o apoio da Direção e da Superintendência de Educação desta casa, nas pessoas de Tammy Claret Monteiro e Thiago Horta, respectivamente; e as contribuições dos colegas de diferentes setores da ESP-MG, sem o qual não seria possível o nosso trabalho. Manifestamos ainda nossa gratidão pelos laços de companheirismo e solidariedade que nos reúnem, a nós, participantes do GPT-SM, em tantos e tão queridos empreendimentos. Agora, cabe comemorar: lançamos, com prazer, o Caderno Saúde Mental nº 3. Mais um ano, mais um seminário, mais um caderno - mais histórias entre tantas, difíceis de escrever, certamente, porém ainda mais difíceis de apagar, uma vez escritas. A todos os que delas desejam participar: sejam bem vindos! Ana Marta Lobosque Grupo de Produção Temática em Saúde Mental da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais 13 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO No campo da formação, encontram-se hoje alguns dos maiores desafios colocados para a Reforma Psiquiátrica. Por tal razão, a Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais - ESP-MG, através de seu Grupo de Produção Temática em Saúde Mental, realiza este Seminário. A formação não acompanhou as significativas transformações ocorridas nas últimas três décadas no panorama da Saúde Mental: desconsidera ainda as práticas de cuidado e convívio que hoje oferecem suporte à grande maioria dos brasileiros portadores de sofrimento mental. Quais as razões desse descompasso? Algumas delas se podem encontrar na forma mesma pela qual nasceram e tomaram corpo as práticas antimanicomiais. Por um lado, a segregação e os maus tratos nos hospitais psiquiátricos não foram denunciados através de proposições científicas, e sim pela coragem e determinação daqueles que os conheceram de perto. Por outro lado, a criação de redes substitutivas ao hospital psiquiátrico tampouco se pôde fazer a partir de referenciais teóricos: como utilizá-los, se as imprevistas questões do cuidar em liberdade não encontravam neles formulação ou registro? Ainda, a luta política foi constitutiva de todo esse processo, pela organização de um forte movimento social. As transformações propostas por esse movimento, portanto, não se limitam à racionalização ou aplicação criteriosa de recursos, à modernização das técnicas, à humanização dos cuidados. Trata-se sobretudo da ruptura com todo um ideário de normatização e controle, buscando dar às singulares experiências da loucura direito pleno de cidadania. Nesse processo, torna-se necessário pensar o lugar da ciência no mundo contemporâneo. Ora, indagações de tal gênero não se podem fazer nos termos da ciência mesma: partem das produções da cultura, em que afetos e desejos, Introdução ao Seminário SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO 14 ideias e imagens, ficções e fantasias tecem laços com a arte e a criação. Tais produções não se autorizam por regras institucionalmente definidas, e sim por seus próprios efeitos vitais no espaço social onde tiveram origem. Os saberes assim nascidos teriam então um caráter basicamente empírico e intuitivo, sem relação com o âmbito do conceito? Não nos parece. Nessa trajetória, o estudo, a leitura, a reflexão têm sido de grande importância: a percepção da fragilidade dos discursos pretensamente científicos sobre a “doença mental” é inseparável da busca de referências teóricas mais complexas e férteis para a sua abordagem. O aprendizado junto aos chamados loucos certamente busca entrar em relações com o campo conceitual, em supervisões, seminários, pesquisas, publicações e atividades afins. Contudo, os traços que conferem originalidade a esses novos conhecimentos são os mesmos que dificultam seu trânsito nas instituições de formação: a indispensável ancoragem na experiência, a legitimação pelo exercício cotidiano, a recusa das pretensões tecnicistas, o reconhecimento dos usuários como atores políticos e sociais. Daí os desafios que se colocam para o avanço, a formulação e a transmissão de tais saberes. Caso se submetam docilmente aos cânones da produção científica formal, perdem a contundência crítica e a potência inventiva que os singulariza. Entretanto, se permanecem isolados, em cômoda satisfação com a própria marginalidade, acabam por empobrecer-se, comprometendo o futuro da audaciosa empresa que os gerou. Em Minas, a abordagem dos desafios no campo da formação deu um importante passo através do Seminário Reforma Psiquiátrica e Universidade: interrogando a distância. Organizado por estudantes universitários da área da Saúde, o evento efetuou com rigor a interrogação a que se propunha. Seus produtos, compondo o Caderno Saúde Mental n º 2 da ESP-MG, oferecem um valioso subsídio para o nosso trabalho. O debate aqui proposto não pode consistir em denúncias de lacunas, faltas e falhas: deve fazer-se propositivo, de forma tal que a análise dos desafios em causa nos conduza de fato ao seu enfrentamento. É preciso intervir nas bases da formação, propiciando a alunos e professores do curso médio e da graduação, a gestores, usuários, familiares, conselheiros de Saúde e outros interessadoso acesso a noções minimamente necessárias à sua atuação. A educação permanente requer atenção, oferecendo a todos os segmentos já envolvidos no trabalho em Saúde Mental condições necessárias 15 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO para pensá-lo ativamente. A promoção de pesquisas, publicações, dissertações, teses, que respeitem e problematizem as experiências em curso visando ao seu avanço, é um terceiro aspecto, até hoje pouco discutido. Esses três aspectos da formação serão tratados nas três mesas-redondas, desdobrando-se nas oficinas que as sucedem. A consideração das peculiaridades dos saberes não instituídos, a análise dos regimes de produção de verdade em nossa sociedade, o exame das políticas públicas de educação e saúde, temas inicialmente abordados na conferência, constituem o pano de fundo que nos deve acompanhar ao longo de todo o seminário. A Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, reafirmando seu compromisso com a Reforma Psiquiátrica, dá as boas-vindas a todos vocês. Comissão Organizadora do Seminário 17 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO PRODUÇÃO DE SABERES E POLÍTICAS DE VERDADE O exame das questões próprias à formação em Saúde Mental deve fazer-se a partir de uma perspectiva mais ampla: aquela das políticas de verdade que regem a produção e a transmissão dos saberes numa sociedade dada. À fé numa neutralidade do conhecimento científico, produzindo evidências supostamente irrefutáveis, há que contrapor uma interpelação crítica daquilo que se julga evidente, levando em conta a quem convém e em quais relações de forças se inscreve. Se a verdade pode entender-se como objeto a ser buscado lá onde estaria desde sempre, através de seu progressivo desvelamento pelo saber, cumpre pensá-la como produção de um jogo bem mais complexo, no qual as perguntas feitas participam da determinação das respostas encontradas. Nessa ótica, cumpre avaliar as políticas públicas de educação, ciências, tecnologia. Tais políticas asseguram aos cidadãos uma escolaridade básica de qualidade? Propiciam equidade no acesso à formação superior? Definem áreas e temas de pesquisa segundo os interesses da população? São receptivas ao controle social ao definir e implantar suas metas? Democratizam o acesso às informações e aos recursos tecnológicos que as disponibilizam? Tais perguntas, elementares, são necessárias face a um cenário no qual frequentemente a escolarização é reduzida a rudimentos precários, a formação universitária banalizada pela proliferação sem controle das instituições de ensino, as pesquisas e publicações determinadas por interesses privados e corporativos. A determinação de critérios universalmente definidos para o reconhecimento da produção científica, certamente necessária, enfrenta sempre o risco de empobrecer seus objetos, ao unificar a linguagem pela qual os aborda. Na área da Saúde Mental, esse problema se manifesta, por exemplo, nos novos códigos internacionais de doença e compêndios psiquiátricos que os acompanham. Um outro exemplo diz respeito ao pouco espaço encontrado para a transmissão de disciplinas de conteúdo discursivo mais denso, como é o caso da psicanálise. 18 Contudo, não é preciso restringirmo-nos a uma determinada área de saber, ou nem mesmo ao campo científico: a simplificação excessiva da linguagem é um fenômeno contemporâneo, que, visando facilitar a comunicação e as trocas, acaba por empobrecer tanto a apreensão do mundo quanto a subjetividade que o percebe. Nesse enquadre, o avanço tecnológico das comunicações, precioso instrumento para o intercâmbio de informações, notícias, conhecimentos, artes, arrisca-se também a servir um utilitarismo banal. Como promover uma produção de conhecimentos que não sirva a fins exclusivamente pragmáticos, e sim enriqueça o mundo humano? Como praticar uma atividade intelectual que exercite e desafie o pensamento, sem limitar-se à sua aplicação meramente instrumental? Como associar clareza e precisão, sem excluir o singular e o complexo? Como democratizar o acesso aos saberes científicos em particular e às produções da cultura em geral, sem denegar o que é difícil, problemático e ambíguo em sua constituição? Questões como essas - difíceis, certamente, porém claramente formuladas - guiam-nos no trabalho deste Seminário. Grupo de Produção Temática em Saúde Mental Mesa redonda A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: ASPECTOS BÁSICOS Desafios de desaprendizagens no trabalho em Saúde: em busca de anômalos Emerson Elias Merhy A instituição do novo: preparando o trabalho com a coisa mental Marcus Vinícius de Oliveira Tudo que existe merece perecer Sílvia Maria Ferreira 21 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO Ementa Quando da abertura dos novos serviços de Saúde Mental substitutivos ao hospital psiquiátrico, a alegria e o empenho de trabalhadores, usuários e familiares, aliados ao respaldo de um movimento antimanicomial organizado, propiciaram a experimentação de práticas inovadoras na abordagem do sofrimento mental. Num momento cultural e político bem diverso do que vivemos hoje, todos os envolvidos nesse trabalho lançavam-se, sem temor ou cansaço, às surpresas de um movimentado dia a dia: encontravam para as situações difíceis ou inusitadas da loucura novas saídas, que as portas fechadas dos hospitais psiquiátricos até então lhes proibiam pensar. Ao longo desse percurso, os trabalhadores adquiriram experiência e ma tu- ri dade; os usuários encontraram melhores maneiras de enfrentar seu próprio so frimento; as famílias passaram a compreender e valorizar as propostas do tratamento em liberdade; as cidades aprenderam a conviver de forma mais solidária com esses singulares cidadãos. Ora, construído todo esse importante aprendizado, encontram-se, todavia, grandes entraves à sua transmissão. Os estudantes continuam a obter na escola, seja no nível técnico ou universitário, apenas os conhecimentos constituídos no enquadre do antigo modelo: uma psicopatologia baseada na discutível “apresentação de enfermos”, uma psicofarmacologia que se crê autossuficiente, uma clínica ordenada em torno da consulta e dos consultórios. Por outro lado, o ensino e a discussão das políticas públicas de Saúde e Saúde Mental são praticamente omitidos, quando as escolas preparam seus alunos para atender a uma determinada classe social, e não a todos os cidadãos do seu país. Tudo se passa como se essa perspectiva fosse a única existente e possível, elidindo tantas outras que se desenham no Brasil e no mundo. Não apenas os estudantes se ressentem dos efeitos desse silêncio. Também seus professores, quando alunos, os sofreram; como poderiam agora transmitir uma experiência que não os tocou? Perpetua-se, pois, um círculo vicioso, resultando na chegada à rede de trabalhadores despreparados para a tarefa que os espera. Ainda, cumpre examinar os aspectos básicos da formação, considerando também outros atores. Os usuários e seus familiares, que outrora se faziam presentes sobretudo pela via da denúncia e do depoimento pessoal, querem agora formular críticas mais precisas sobre as políticas públicas, legislações, 22 redes de atenção. Os conselheiros de Saúde muitas vezes não têm acesso a noções elementares nessa área, necessárias ao exercício do controle social. A formação dos gestores, insuficiente sob vários aspectos, é precária no que diz respeito à Saúde Mental. Novas estratégias do trabalho em Saúde, como os Programas de Saúde da Família, levam a repensar a formação básica dos generalistas, enfermeiros, auxiliares de Enfermagem, agentes comunitários de Saúde. Deve-se também considerar a demanda de outros profissionais crescentemente solicitados pela Saúde Mental, como é o caso dos profissionais do Direito.Finalmente, é preciso levar informações e debates à sociedade civil, interessando-a em questões que também lhe dizem respeito. Já não se pode admitir que o ensino básico sobre a Saúde Mental, seja qual for o público ao qual se destine, desconsidere realizações que hoje se oferecem generosamente à maioria da população brasileira. Uma análise crítica dessa situação e a busca de formas de superá-la é o que se espera desta mesa redonda. Comissão Organizadora do Seminário 23 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO DESAFIOS DE DESAPRENDIZAGENS NO TRABALHO EM SAÚDE: EM BUSCA DE ANÔMALOS Emerson Elias Merhy1 Aprender a desaprender para apreender, em interseção que viver é uma perspicácia na produção da diferença no interior das repetições Introdução O material que se segue é produto da junção de um texto que preparei antecipadamente para o evento junto à Escola de Saúde Pública de Minas Gerais e minha fala em ato na mesa que participei. Fiz uma edição de incorporação. Esta primeira parte é baseada na minha fala, e depois vem o texto que produzi. Minha fala partiu da constatação de que iria me remeter a diferentes tipos de experiências que vivi dentro da universidade, mas sem deixar de lado minha longa inserção, que se mantém até hoje, junto às redes de cuidado em Saúde e nos serviços de diferentes ordens, inclusive incluindo algumas experiências em Saúde Mental. Desses lugares, a primeira coisa que eu gostaria de pautar, e que já faz parte de algumas produções minhas, é o reconhecimento de que não há nenhum tipo de privilégio no campo da universidade, ou nos reconhecidos territórios formais de formação, em relação à questão da produção de conhecimento ou à questão da construção de situações nos processos de educação e formação, quanto ao mundo do trabalho no cotidiano das redes de cuidado. Quero dizer 1 - Coordenador da linha de pesquisa Micropolítica do trabalho e o cuidado em Saúde da UFRJ. 24 com isso que já temos discutido e defendido claramente a ideia de que a riqueza que existe a partir da construção daquele mundo nas várias redes de cuidado é absolutamente imponderável. Nós não temos noção nem do tamanho nem da quantidade de coisas que são produzidas efetivamente ali. O que nós sabemos é que a publicidade, no sentido de tornar público, do que se faz é muito pequena. Então, se você é capaz de fazer um levantamento do registro formal de conhecimento produzido, quase chega à conclusão de que a Fiocruz, por exemplo, é um dos templos da maior produção de conhecimento desse país, ou mesmo que quase não há experiências nessa direção no mundo do trabalho nas redes de cuidado. Aponto isso como um processo paradoxal que deve nos chamar a atenção, e não para analisar a Fiocruz em si, pois a utilizo somente como elemento analisador exemplar. Entretanto, é só procurar nas várias instituições que formalizam os lugares de produção de conhecimento e você terá esses mesmos indicadores reais. E aparece para todos nós que é aí que se produzem os conhecimentos válidos, consolidando uma imagem de que esses lugares são aqueles onde o conhecimento efetivamente é conduzido e consolidado. Queria marcar isso como uma primeira questão chave. Porém, ledo engano esse nosso, na medida em que efetivamente, no Brasil em particular isso é muito forte, as redes de serviços são fontes inesgotáveis de produção sistemática de novos conhecimentos. Novos conhecimentos e práticas. Nós precisamos pensar nisso, problematizar isso. Precisamos pensar signifi ca- tivamente nessa dificuldade que temos de dar visibilidade a esse mundo. Como dizem alguns pensadores: não é dar a visibilidade do que já existe de baixo do tapete, ou seja, só desocultar. Mas trata-se de dar visibilidade produzindo um novo visível, resultado de uma nova forma de olhar. Ou seja, nós temos que tomar isso como uma grande questão. Não é que esse conhecimento já esteja consolidado e formalizado para ser publicizado, no sentido de que já está debaixo do tapete e basta desocultá-lo. Não: na realidade, há que se fazer um esforço gigantesco de produção em relação à consolidação daquilo que, no cotidiano, sistematicamente, os coletivos de trabalho operam em termos de construção de novos conhecimentos e práticas, ordená-los, para publicizá-los. A segunda grande questão que me interessa traduziria com a seguinte imagem: há que agir no campo da produção das anomalias ou dos anômalos no campo da formação; e rapidamente entenderão por que eu falo isso. Acho que 25 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO é algo imensamente desafiante, para o qual não temos tido boas respostas. Vou me explicar. Ao que temos assistido formalmente no campo da formação? Vou pautar dois grandes analisadores. Nós temos assistido a uma aposta profunda, e no Brasil isso é muito relevante, no campo das profissões. Isso vai num crescente interesse de observar, mas olhando para um dos seus efeitos fundamentais, pois vem se consolidando pari- passo com uma intensa fragmentação dos núcleos de saber, de uma intensa fragmentação nos processos de disciplinarização e numa intensa fragmentação na própria construção das práticas nas redes de cuidado. Essa aposta gigantesca no campo das profissões deixa marcas interessantes e importantes diante do que eu estou nominando como a necessidade de produção de anômalos. O outro analisador que me interessa destacar é uma outra grande aposta, no campo da formação, na construção de trabalhadores de Saúde, em particular no ensino universitário, que se pautam no mundo da rede de cuidados, pela ideia de um forte centramento nas suas próprias lógicas de saberes, tomando o outro que chega ao mundo do cuidado, o usuário, como seu objeto de ação. E isso tem construído uma forte imagem de processos subjetivantes na construção de trabalhadores, nas práticas formais de formação, que se julgam verdadeiros cientistas a manipular seus objetos, além de portadores de discursos cientificistas do saber no campo da Saúde e de proprietários exclusivos sobre esse saber de alguns em relação aos outros. Dentro dessas lógicas, apontadas pelos dois analisadores, o mundo do cuidado tem sido visto como sendo o lugar da aplicação dessa cientificidade pelos considerados profissionais de Saúde, no qual, alguns trabalhadores de posse dessa ciência adquirem legitimamente, no plano social, o direito de intervir sobre os outros, despossuídos. Esses componentes são chaves naquilo que coloco como a produção do anô- malo, cuja imagem nos remete aos que saem, fogem das normas. E é por isso que estou “brincando” com essa ideia da produção do anômalo. Porque, quan do nós vivenciamos as nossas expectativas e as nossas experiências nas redes que se propõem a desinstitucionalizar as práticas predominantes de Saúde, atra vés de novas experiências de cuidado, procuramos incorporar trabalhadores que fugiram às regras oficiais, instituídas, de modos hegemônicas, da formação. Pro cu ra mos os anômalos, os que fogem às abordagens fragmentadas e sobre os outros. Pois no fundo nós apostamos nessas experiências, na conformação de 26 trabalhadores que deveriam, primeiro, se submeter à presença do outro, ou seja, trabalhadores que deveriam se posicionar no mundo do cuidado para serem afetados. Afetados pela presença do outro e, através desse efeito da presença do outro, poder operar nesse encontro a construção de qualquer coisa que pudéssemos chamar de prática de um cuidado. Essa perspectiva de ter um trabalhador que se posicione para ser afetado pela presença do outro é uma anomalia em relação a estratégias de formação que eu apontei antes. Por quê? Porque essas estratégias tomam como territórios instituídos exatamente a construção dos núcleos profissionais e dos saberes e ciências como algo que nãodeve ser exposto ao afetamento, ou ao efeito da presença do outro, na medida em que o outro, perante esses núcleos profissionais e perante esses saberes, deve ser um mero objeto. E objeto, nessa concepção, não afeta. Ao contrário, ele deve ser manejado, ele deve ser manipulado. Então, há algo nessa expectativa, quando olhamos as apostas na construção das práticas que nos interessam, que é o desejo de uma anomalia. O seja, é o desejo de que, no interior dos processos institucionalizados, onde construímos grandes investimentos sociais para a formação desses trabalhadores para que eles deem certo, a formação dê errado. Essa expectativa é o que eu estou chamando de produção do anômalo. Ou seja, temos algo a conversar sobre essa questão. Como é que nos interessa conduzir a construção de anômalos? Por quê? Porque não nos interessa aqueles que são formatados - a palavra “formatar” é muito adequada, a isso tudo. Foram formatados pelas estratégias de formação profissional e pela condução do saberes científicos que pouco têm permitido conduzir as relações no mundo do cuidado. Isso, para mim, é chave para podermos pautar uma reflexão do que eu chamaria de aspectos básicos da formação em qualquer área do campo Saúde e que constituam apostas de construção de anomalias profissionais. Estou colocando que estamos diante da necessidade de condução desses analisadores como possibilidade de dispositivos de intervenção no território do mundo onde o processo de formação ocorre. Ou seja, como é que podemos pensar a construção de dispositivos produtores de anômalos? E esse processo de condução de dispositivos de produção de anômalo deveria ambicionar todos os territórios de formação, inclusive aqueles legitimados como acadêmicos. Sabemos das dificuldades desse tipo de processo, e sabemos das dificuldades que temos vivido quando construímos uma aposta tão ampla, como, por exemplo, na Reforma Psiquiátrica, na luta antimanicomial de uma maneira geral, independente das várias estratégias ou das várias correntes que aí habitam. E 27 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO sabemos como é difícil para todos nós operar a construção do cotidiano sem contar com a produção de mecanismos que eu estou chamando de produção de anomalias. Temos tido sérias dificuldades na medida em que certos núcleos profissionais têm conseguido conduzir terapeuticamente grandes controles sobre a produção das suas anomalias. Eu nominaria que, hoje, o território de formação psiquiátrica é um território muito forte. Parece que eles desenvolveram, e façamos jus a isso, com a ajuda de alguns medicamentos, a possibilidade de controlar a própria formação psiquiátrica, porque o número de psiquiatras anômalos tem sido precário. Então, parece que eles estão conduzindo muito bem as suas estratégias de controles de anomalias no seu território profissional. isso tem que nos chamar a atenção; afinal, não faremos aprofundamentos no campo que nos interessa, o da Reforma, sem conduzirmos não só uma estratégia societária ampla de derrotar o que se produziu em torno da loucura nesses séculos, mas também de conduzir de uma forma ampla a derrota dessas estratégias de consolidação que o saber científico e os lucros profissionais têm conduzido de uma maneira absolutamente exitosa. E, no campo dessas lutas, temos que ordenar não só a construção de novos equipamentos do ponto de vista das perspectivas de cuidado, de novas redes, mas também ordenar para o interior dessas redes a possibilidade de que elas sejam profundamente invasoras. Para isso, procuro adiante trazer um conjunto de elementos sobre o mundo do trabalho no cuidado em Saúde que possam dar concretude às apostas desse tipo. Atrás de elementos produtores de anômalos Parto da ideia de que o mundo do trabalho é um território em produção habitado por multiplicidades, repetições e diferenças, e, como tal, deve ser pensado através de imagens e não por representações. Ou seja, não há a possibilidade de ser captado em sua totalidade, pois não se constitui como tal; e, assim, só pode ser visado angulosamente, por pedaços e por momentos. Pedaços construídos como espaços recortados, intencionalmente interessantes para quem os realiza; momentos que podem registrar um dos muitos tempos que o habitam. Nessa direção, irei tratar do mundo do trabalho nas redes de cuidado em Saúde através de algumas imagens que possam trazer para a cena elementos da complexidade desse mundo, sem tentar dar conta de um arcabouço que se sinta plenamente satisfeito com o que for feito. Mas só como uma certa oferta de 28 possibilidades de chegada nesse lugar como um de seus habitantes, que quer se ver ali nas suas implicações, naquele lugar em que não há como separar “o joio do trigo”, em que não é mais possível não se ver como constituinte e constituído nesse mundo. Essa oferta é feita com a intenção de ajudar a abrir para cada um de seus habitantes um “olhar” de si como múltiplos, repetidos e diferentes, considerando a impossibilidade de só se agir sobre, pois está atado a uma exigência: que aja com e nesse mundo, junto com todos os habitantes que ali encontrar, que ocupam, também, como múltiplos, repetidos e diferentes as mesmas possibilidades de potência de produção desse mundo na sua repetição e diferenciação. Desafio que, visto do lugar da educação, pode pautar a possibilidade de entendê-la também como desaprendizagem. As imagens que utilizo para avançar e esclarecer essas intricadas questões são: O mundo do trabalho é lugar de captura Não surpreende ninguém constatar que nas atividades produtivas de qualquer tipo - cozinhando, fazendo móveis, uma consulta médica, uma ação burocrática, escrevendo um livro, entre outras - o trabalhador está submetido a uma certa normatividade que se antepõe a ele no momento do ato produtivo. Sem certos instrumentos de trabalho, sem certas matérias primas, sem uma certa forma de fazer, por aí vai, não se chega no final do ato produtivo; e, de alguma maneira, sem uma certa “antevisão” da própria atividade também não. Saber o que se quer produzir é dado no ato. No mínimo, por isso é que se diz que o mundo do trabalho é um lugar de captura de ações produtivas do trabalhador, pois ele está inserido nesses vários “dados” a priori para fazer sua atividade produtiva; e, sem dúvida, ficar atento às infinitas situações possíveis no mundo humano permite ver muito mais possibilidades de construções de capturas a que se está submetido como trabalhadores, e pode-se mapear o quanto de repetição tem entre todos que estão no interior dele. Será essa a única e definitiva marca desse mundo? O mundo do trabalho é lugar de liberdade Também não se tem muita dificuldade em perceber que em todo ato produtivo existe um certo jeitinho de quem está trabalhando na hora da atividade produtiva. Mesmo em processos produtivos muito normatizados, como aqueles em que o 29 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO produto é “único” e define o rumo dos atos produtivos, olhando bem de perto, percebe-se que há variações no modo de agir na hora da atividade produtiva dependendo de quem é o trabalhador que está realizando aquela atividade. Não são poucas as evidências de que, mesmo em fábricas bem normatizadas, a liberdade de agir do trabalhador, como que um certo escape dessa excessiva normatização, muita vezes é o que possibilita a chegada do processo produtivo a bom termo. O que obriga a um reconhecimento de que, mesmo em situações muito “fechadas”, pelo menos o cálculo humano e a construção de caminhos estratégicos, como atividades mentais em ato para a ação, são sempre elementos-chaves. Isso é bem mais forte em processos produtivos mais abertos, nos quais se tem dificuldade em ter um único formato para o produto final, como, por exemplo, emprocessos produtivos da área de serviço que se realizam através do encontro de “indivíduos” nos quais o produto final depende claramente de quem compõe o encontro, mesmo que tenha a presença evidente de muitas normas a serem seguidas. Os campos de práticas da Saúde e da educação são bons exemplos da evidência e da importância dessa fissura de liberdade que há no mundo capturante dos processos produtivos. Como será que essa tensão entre captura e liberdade opera ou abre desafios para quem se debruça sobre os processos produtivos? Talvez chegar um pouco mais de perto na dinâmica do trabalho possa ajudar. O mundo do trabalho é habitado pela tensão entre o trabalho morto e o trabalho vivo Quando se está na realização de um processo produtivo, há a presença de componentes de natureza bem distintas, entre os quais vale destacar aqueles que entram nesse processo como produtos de um trabalho anterior. Esse é o caso de uma máquina, de um conhecimento que o trabalhador já tem e usa para o seu trabalho, das regras que há na organização desse trabalho, que são produzidos por processos produtivos anteriores e se apresentam agora já como produtos. Esses produtos que estão em um processo produtivo como um elemento meio para serem utilizados nele são denominados de componente trabalho morto (TM) desse processo. Isso distingue-os do componente que compõe o ato ao vivo dos trabalhadores – o componente trabalho vivo (TV) do processo produtivo - que está nesse processo e sem o qual o outro não tem sentido nenhum, não “age” produtivamente. Todo conjunto de atos produtivos carrega em si uma tensão constitutiva entre 30 os componentes TM e TV, pois as possibilidades de uso do componente TM são limitadas (uma máquina que fabrica uma certa peça não consegue produzir outra) e as do componente TV são mais abertas, pois os trabalhadores, na forma em ato de utilizar o TM, podem dar outro sentido para esse componente. Isso é mais evidente quanto “menos material” for esse componente TM, como é o caso do conhecimento como elemento meio de um processo produtivo, que pode ser manejado pelo TV em ato do trabalhador de modos muito abertos. Assim, também vale a pena distinguir elementos materiais mais duros (as má quinas, as estruturas físicas) dos materiais mais leves (conhecimentos tecno- lógicos) e outros mais leves ainda (os que só se apresentam para o processo produtivo no ato do TV). Olhar e mapear os processos produtivos pela composição e arranjos desses componentes e elementos, e as formas como se articulam para funcionarem produtivamente, permite-nos “ver” tensões e disputas operando no cotidiano dos processos produtivos e dos jogos de captura e liberdade que os habitam; além de abrir uma certa noção de que há processos produtivos mais permeáveis à presença do TV em ato do que outros. É esse o caso dos trabalhos na Saúde, produtores de cuidado, e, na educação, produtores de “formação”. O mundo do trabalho é polifônico e polissêmico Perceber a presença de muitas vozes ali no cotidiano do trabalho é algo que não parece muito difícil se ficarmos bem atentos à quantidade de ruídos que são produzidos em qualquer processo produtivo. Considerando o ruído como uma expressão de “desencontros” na busca de processos comunicativos entre os que compõem uma organização produtiva, há vários exemplos que podem exemplificar como essa produção de ruídos é presença permanente de qualquer “ambiente” organizacional, na base do qual agem tensamente TV e TM e muitos atores / sujeitos da ação. Um dos mais evidentes são os ruídos produzidos pelos agentes organizacionais nas formas de ocupação e ação dos espaços formais e informais que existem; aliás, esses ruídos são mais do que isso, ao se ver que os espaços informais são abertamente produzidos pelos agentes, com seus trabalhos vivos em ato, como que fundando permanentemente ações de governos paralelos em relação àquelas que se realizam nos espaços formais de uma organização. Mapear a existência e a invenção de espaços informais e os sentidos que são produzidos neles é uma boa forma de enxergar o quanto polifônico e polissêmico é o mundo do trabalho. E o que isso nos indica? No mínimo que esse mundo 31 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO tem elementos em aberto, não capturados, trabalho vivo em ato dependente, e que se expressam como tensões e disputas pelo seu sentido. Somado esse mapeamento ao anterior, pode-se aproximar da noção de quanto o mundo do trabalho é cartográfico, dependente dos modos e maneiras de agir do trabalho vivo em ato de cada um e de todos nos seus encontros; e, como tal, construtor tanto de espaços de liberdade onde há captura, quanto de novos sentidos onde há forças com ambições unicistas. O mundo do trabalho é habitado por disputas micropolíticas e tecnológicas Quando está acontecendo o ato produtivo, há produção de encontros de muitas ordens, muitos dos quais são inclusive imprevisíveis, criando desafios para o agir em ato operado pelo trabalho vivo. Há também muitos encontros previsíveis e obrigatórios para que certas intenções dos atos produtivos se realizem. Por exemplo, no mundo da produção do cuidado, há que se realizar essa intencionalidade portada a priori tanto pelo trabalhador quanto pelo usuário do seu trabalho; bem como, nesse encontro entre trabalhador e usuário ou entre trabalhador e trabalhador para operar essa produção, - previsível e que dá sentido para esse tipo de trabalho - há a produção de situações em ato nos encontros, com jogos de relações de poder entre todos que abrem o agir para imprevisibilidades, que não podem ser manejadas a não ser em ato, e, portanto, pelo trabalho vivo em ato de cada um e de todos ao mesmo tempo, como um grande acontecer. A multiplicidade habita esses encontros e convive com a previsibilidade. Nessa cartografia dos encontros, nas suas tensões entre o que tem que ser e o que pode ser, o mundo do trabalho torna-se lugar produzido e em produção. Nesse movimento, aponta-se como elemento importante a ser mirado a tensão entre um agir tecnológico, no qual está dada a intenção final do ato, e as ações produtivas que devem seguir um sentido dado para a produção, e um outro agir que só se define no imediato do acontecimento do encontro e no qual não há saber a priori - ou seja, não há TM já dado em geral - que consiga determiná-lo ou mesmo definir uma chegada dada a priori, como no anterior. Como consequência disso, não há mundo do trabalho que não seja uma disputa permanente entre lógicas produtivas e, mais, não há mundo do trabalho em que essa disputa possa ser anulada, o que exige sempre o manejo de muito poder por parte de quem quer impor uma única lógica para o mundo produtivo. 32 E, ainda, quanto mais habitado por muitos e distintos tipos de operadores produtivos, mais aberto a tensões e disputas esse mundo se encontra. Por isso, os mundos da produção do cuidado e da formação são sempre à flor da pele. Deve-se ficar atento também ao que acrescentam nesse tipo de mundo as disputas que os usuários podem operar. Quando os usuários se relacionam diretamente com os atos produtivos, não havendo separação entre produção e consumo, em relação ao usuário final, o nível de tensão e disputa é ampliado, pois esse novo território de subjetivação - os usuários - passa a também compor os sentidos dos atos produtivos em si. Veja que em um mundo do trabalho no qual o usuário é virtual, pois só se relaciona com o consumo do produto finalizado, essa tensão e disputa estão bem mediatizadas e são mais manejáveis a partir do mundo produtivo. Nesse amplo jogo, chamo a atenção para uma outra questão que está aí embutida: não há separação entre gestão e atos produtivos, ou seja, no mundo do trabalho, todo mundo governa,e não só os governantes formais, como se costumaimaginar; aliás isso já poderia ter sido percebido quando falei anteriormente de governos paralelos nas organizações, que são construídos e conduzidos pela produção dos espaços institucionais informais. O mundo do trabalho em Saúde, que promete a produção do cuidado, é uma cartografia do trabalho vivo em ato No encontro entre uma equipe de trabalhadores de Saúde e os usuários, há a promessa, socialmente construída, de que ali será processada a produção do cuidado, seja o que isso possa expressar para cada um que esteja nesse encontro. Não são poucas as diferentes formas de referenciar, para distintos compo- nentes de uma sociedade, o que seja Saúde e cuidado; entretanto, para qualquer uma delas, há sempre uma certa forma de se “desejar” com isso um certo modo de andar a vida. Modo esse que varia amplamente em sentido conforme subjetivações que se operam nesses distintos componentes. Há aqueles para os quais andar na vida é ir e voltar de uma jornada de trabalho; para outros, é fazer conexões com outros “viventes” - e ponto. Nesse ponto dos encontros entre a equipe e os usuários, já operam em aberto muitas possibilidades produtivas, pois a própria finalidade do encontro encontra-se em disputa. Não bastasse isso para mostrar o quanto esse mundo do trabalho é trabalho vivo em ato, há ainda as várias alternativas tecnológicas de dar sentido a algumas das possibilidades produtivas desse mundo. Ou seja, 33 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO construir caminhos tecnológicos que permitem apostar em certa produção de vida e não em outra. E, aí, entram em jogo as muitas possíveis tecnologias não duras que conduzem essa produção, como: os saberes tecnológicos que compõem o campo da clínica e os modos de conduzir em ato os encontros como relações de poder entre e sobre a vida dos que ali estão, sejam usuários, sejam trabalhadores. Nessa direção, é que aponto a seguinte ideia que elaborei em uma conversa com Flávia Freire, em uma discussão sobre o que há de muito peculiar no mundo da produção do cuidado em termos de capturas e liberdades, no campo dos agires, tecnológicos ou não: “O raciocínio é que, em um encontro no qual se promete a produção do cuidado, o que marca como referente sim- bó lico o campo da Saúde, há transversalizações de muitos platôs de produção de vida que não podem ser tomados como objeto desse campo; e outros que podem, ao serem capturados pelas ações que aquela promessa procura operar nesse encontro, através de ações produtivas conduzidas tecnologicamente. Nesse processo de produção do cuidado, então, há uma tensão entre a possibilidade tecnológica e a não tecnológica do encontro realizar certas promessas como a produção de uma ação terapêutica; pois esse en- con tro abre-se para produções intencionais cujo efeito é a terapêutica como finalidade, mas também para produções que têm efeito terapêutico, mesmo que não seja intencional, na medida em que o encontro no mundo da produção do cuidado tem todas as transversalizações operando sobre o processo autopoiético de produção de vida, que é múltiplo e não obrigatoriamente capturado por agires tecnológicos. Por isso, Castoriadis disse que, em um processo analítico, nem toda a teoria do mundo permite dar conta dos acon- te cimentos que aí operam. Nessa medida é que falo que uma residência como moradia tem efeito terapêutico não previsto. Se essa cartografia da produção do cuidado fica clara, pode-se colocar nela o lugar e a promessa que a clínica faz, bem como qualquer outra lógica de biopoder como poder sobre a vida e da vida, que é o que a clínica é, enfim. Ela não pode escapar disso, por mais ampliada que seja. E isso não quer dizer que ela não seja um elemento do agir tecnológico, leve-duro, fundamental, pois o modo como ela opera abre 34 ou fecha, como um pulsar, as outras transversalizações conectadas com a autopoiese da vida. Por isso, importa, sim, perguntar que clínica fazemos ou queremos? Por isso, é possível entender a clínica também como dispositivo agenciador de subjetivações.” Neste sentido, é importante fazer perguntas para qualquer tipo de incor- po ração de saberes tecnológicos que se está realizando no ato da produção do cuidado e colocá-lo em análise ético-política interrogando em que tipo de produção de vida se está apostando, com quem e como. Só desse modo pode-se compreender por que há fracasso terapêutico em lugares em que só se espera sucesso e o contrário, onde imagina-se fracasso. Veja que não é evidente, pelas teorias mais predominantes do trabalho em Saúde, que valoram o lugar determinante dos saberes e das tecnologias duras, praticamente desconhecendo as tecnologias leves, produções do trabalho vivo em ato produzidas, o porquê há tanto fracasso terapêutico no cuidado ao tuberculoso, se tudo sobre a doença e sobre os cuidados medicamentosos é muito conhecido. Pode-se fazer bem os diagnósticos, além de haver arsenais antibacterianos potentes. No entanto, o fracasso é inquestionável. Mas, ao se olhar como os processos relacionais são produzidos nesses processos de cuidado entre as equipes de trabalhadores da Saúde e os “doentes-tuberculosos”, dá para imaginar que não há muito o que duvidar, se o chamado “doente” abandonar o tratamento. A não produção de acolhimento, vínculo e responsabilização, dentre várias outras possibilidades de produções do trabalho vivo em ato realizadas, leva a um conjunto de ações do “usuário” do trabalho em Saúde que opera a construção do resultado: fracasso terapêutico. Por outro lado, não se consegue explicar por que tantos hipertensos, mesmo sem frequentar redes de cuidado oficiais, são conduzidos e se conduzem rumo a sucessos terapêuticos. Há perspicácias no viver que têm sido pouco compreendidas nos modelos atuais de condução do trabalho em Saúde, centrado nas tecnologias dura e leve-dura. Para alargar e autointerrogar o que efetivamente se está fazendo com as ações tecnológicas e ampliar a possibilidade de compreender os efeitos terapêuticos dos encontros dos trabalhadores com os usuários no mundo do trabalho em Saúde, para além das possibilidades do universo das ações tecnológicas, a incorporação de uma visão cartográfica da produção do cuidado, como território do trabalho vivo em ato, abre a construção de processos coletivos de autointerrogações dos que ali estão constituindo-a e ali estão sendo constituídos. 35 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO O mundo do trabalho na Saúde pede a desaprendizagem para poder apreender novas lógicas produzidas pela perspicácia do viver Criar situações individuais e coletivas de autointerrogar o próprio sentido do fazer no mundo do trabalho - colocando como sua base a pergunta sobre o que faz com o trabalho vivo em ato, para onde ele é apontado em termos ético-políticos (produz mais vida ou não) - traz também novas perguntas, como, por exemplo, o que se faz com o que já se sabe fazer e com o que se acha que se deve fazer sobre ou junto com os outros, com quem se encontra no mundo do trabalho. Perguntas que podem implicar em trazer esse outro para uma composição conjunta de um modo de realizar os atos produtivos, que não mais comportam o que já se tem de formatado para esse outro, mas sim o que se pode realizar em ato junto com ou mesmo para uma abertura que permita ver esse outro já em movimento de produção de um viver, e assim ressignificando o que já se sabe, de forma que uma certa doutrina a ser seguida passa a ser posicionada como ferramenta para compor uma ação de interseção, ou seja, que se constitui no encontro com o outro, e só com esse outro, em encontro, existe. Significa abandonar o impulso de seguir uma ordem e dar ordens no fazer a produção do cuidado. Com isso, talvez se seja levado a interrogar como construir, eminterseção com esse outro em nós e vice-versa, a desaprendizagem e, assim, colocar as possibilidades de ocupar esse vazio produzido com novos sentidos e lógicas construídas ali em ato nesses encontros-acontecimentos, nos quais está imerso nos trabalhos, intensamente, o trabalho vivo em ato, como o é o da Saúde e também o da educação. Isso implica colocar entre parênteses, parafraseando Basaglia, o sabido a priori que há nesses campos de práticas, para deixar vazar em cada um e nos outros a nova constitutividade que se tem ao se construir com o outro novas possibilidades para os modos de andar a vida, tomando como base os processos de viver que, de modos perspicazes, são construídos de maneira efetiva por cada um e por qualquer um. Isso permite ser afetado por essas perspicácias e se autointerrogar, inclusive como coletivo que se é. A chance de que se venha a conectar novos processos de produção autopoiéticos de vida é alta, mas nunca uma garantia e uma obrigação. O operar em alteridade com o outro na produção do viver implica sempre um disputar, 36 sempre uma tensão. Mas o que interessa aqui é a possibilidade da sua expressão em ato no próprio processo de condução dos modos de viver e as interrogações partilhadas que isso pode provocar pela própria perspicácia do viver em coletivos. Viver é uma sabedoria que amplia suas oportunidades nos encontros com os outros em ato, que também vivem. Talvez essa seja a plataforma básica que os trabalhos no campo da Saúde e da educação devam ter como seu fundante e aí estaquear suas bases ético-políticas para a ação. Agir com o outro na interseção dos encontros que ali operam, produzindo modos de viver, talvez seja o sentido mais interessante desses trabalhos. Colocar os saberes tecnológicos a serviço disso no interior dos atos produtivos talvez seja a grande apreensão possível para quem procurar desaprender os modos predominantes desses campos de práticas, se realizarem, hoje, quando a vida virou um objeto de manejo e não uma conexão autopoiética no mundo, como produção coletiva. Guattari, no seu 3 Ecologia, já alertava, a todos, e de forma intensa, sobre essa busca de um novo paradigma ético-estético para ser-estar no mundo, hoje, ao pautar a necessidade de uma construção anticapitalística no modo de ser; ao enfatizar a aposta radical na produção da vida em escala planetária e não na morte, em cada conexão que se fizer. Desafio final De posse dessas imagens analisadoras, pode-se olhar de modo mais vibrátil o mundo do trabalho onde se está e no qual se chega. Obriga-se a mirar o que são os “outros” em cada um de nós e para nós, levando cada um a se ver no outro de modo implicado através dessas imagens-dispositivos e se desconstruir - construindo novos sentidos para estar ali e agir ali como seu constituinte. Pode- se assim fazer escolhas de vozes, de capturas e liberdades, pode-se escolher alguns territórios de implicações, pode-se, entre tantas possibilidades, escolher algumas que nos encarnam: apostar na produção da vida de modo solidário ou solitário. Viver e morrer de modo prudente, sem conduzir produção de morte no outro. Por fim, convoco cada um a construir suas imagens-dispositivos para se ver e andar pelas perspicácias que cada um constitui no mundo do trabalho da educação e da saúde, lugar centralmente operado pelo trabalho vivo em ato e só existente na interseção do encontro com o outro. 37 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO A INSTITUIÇÃO DO NOVO: PREPARANDO O TRABALHO COM A COISA MENTAL Marcus Vinícius de Oliveira Bom dia a todos e a todas. Quero dizer que é uma satisfação muito grande estar aqui nesta Escola, agradecer a Ana Marta, bem como à equipe da Escola pelo convite, sempre gentil, sempre laborioso, para trabalhar, para fazer coisas, para colocar o pensamento em movimento. Considerando o tempo curto, vou fazer ao modo do Emerson: lançar algumas teses relativas ao modo como os aspec tos básicos da formação chegaram ao meu recenseamento, destacando o que não poderia deixar de ser dito quando se trata de selecionar aspectos bási cos. Uma primeira questão que sempre me preocupa: aqueles que militam no campo do instituinte, que militam no campo da produção de uma alternativa ao que está já estabelecido como sendo a realidade, buscando instituir os saberes e práticas que são candidatos à realidade, aqueles saberes e práticas utópicos necessários para darmos um nome para essas coisas que produzimos, concorrem em condições muito desiguais com os saberes e práticas já esta be- le cidos e hegemônicos. A mera invocação de uma pretensa superioridade das suas racionalidades ou da sua ética, ainda que seja bom argumento, não lhes garante passagem. Portanto, sobre esses saberes e práticas que são candidatos à realidade recai todo o ônus da viabilização daquelas condições políticas vitais para sua autoexpressão. Mais do que a força da sua racionalidade, será sua competência estratégica que permitirá o seu estabelecimento. Estou querendo dizer que o nosso negócio é esse. É instituir um real que não existe. E nós não podemos reclamar das dificuldades ou reivindicar passagem só porque nós temos um real que achamos que é muito mais interessante para se instalar, um devir muito mais interessante para oferecer para a humanidade. 38 Quem tem um devir muito mais interessante que o demonstre: isso implica que nós sejamos estratégicos. A competência política, portanto, deve ser um dos recursos fundamentais para que nós possamos estabelecer esses saberes instituintes na condição de instituição. E, depois que eles se instituem, é preciso tomar muito cuidado. Vejam, por exemplo, como uma noção tão interessante, que é a noção de CAPS, quando ela efetivamente vai se consolidando, se instituindo, vai também se burocratizando, se cristalizando. Então, esse processo instituinte-instituído é um processo ao qual nós temos de estar permanentemente atentos, sabendo que isso depende de uma grande competência política e de uma permanente atitude de crítica. Uma outra questão que eu queria trazer é uma interrogação acerca desse significante “Saúde mental”, até porque o seminário chama-se Saúde Mental: os desafios da formação. Quero dizer que, embora muitas vezes utilizados de modo indistinto, os campos da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica e da luta antimanicomial, apesar de se sobreporem em algumas esferas, porque têm em comum, em graus distintos, a problemática relativa à existência do manicômio e suas consequências, não se confundem. Por isso é preciso sempre frisar que eles são campos que têm origens distintas, escopos diferentes e são formados por saberes que não se equivalem. Estou querendo dizer que muitas vezes nós usamos indis tin tamente os termos Reforma Psiquiátrica, Saúde Mental, luta antimanicomial como se fossem absolutamente orgânicos e fossem apenas uma derivação semântica da mesma coisa. Eu quero pensar que nós temos que apurar um pouco quais são as questões que estão por detrás dos projetos da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica e da luta antimanicomial. Para assim distinguir, é óbvio, aqueles pontos que são convergentes, aqueles pontos que são comuns, mas também para sinalizar e localizar aquilo que não é transferível ou aproveitável de um campo para outro. Ainda outra ideia. Embora os fenômenos relacionados à loucura e à aflição encontrem-se fortemente inscritos no campo sanitário desde o século XVIII - sobretudo a partir da Lei dos Loucos que, em 1838, na França, deu à Medicina a hegemonia e o domínio legal sobre a loucura - por mais que se amplie o conceito de Saúde, haverá sempre algo de inadequado nessa inscrição. Estou querendo dizer para vocês que eu penso que a inscrição da problemática da loucura e da aflição no campo da Saúde tem sido e será sempre uma inscriçãoproblemática. 39 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO Há, no conceito de Saúde, uma dimensão que se enreda com a produção de ordem, que é ineliminável. Mesmo que consideremos, como Canguilhem ou como o nosso Emerson Merhy, a ideia da anomalia ou a ideia da produção da autorregulação como uma das características da Saúde, mesmo que consideremos conceitos avançados de Saúde, há algo no conceito de Saúde que torna este espaço, o campo sanitário, como um campo problemático para o manejo do tema da loucura, da aflição, da desorganização. Estou querendo reafirmar uma ideia, que sempre trago, de que esses temas estão ligados com a temática da cultura, e é óbvio que a Saúde faz parte do tema da cultura, mas, radicalmente, nós estamos falando é de mudança e transformação cultural. E aí os recursos interpretativos do campo sanitário têm sempre um limite; mesmo que tenhamos uma antropologia médica, mesmo que tenhamos uma etno-psiquiatria, sempre há um limite na transferência das questões que são do campo sanitário para o campo da cultura. A Saúde é uma forma de estruturação dentro do campo da cultura. E, como tal, talvez ela não seja um campo tão favorável ao desenvolvimento de conceitos que pensam o tema do transbordamento, da desorganização paroxística, como coloca o tema da loucura. Ou seja, a tendência da Saúde vai ser sempre produzir uma certa constrição para a loucura. O tema da cultura também é produção de constrição para a loucura, mas, no campo da Saúde e de seus compromissos com a ordem, essa constrição recebe formas específicas; eu tenho a impressão de que o Merhy tocava nisso quando disse que a preeminência desse segmento que aposta e investe nessa dimensão é a preeminência de um segmento nitidamente ligado às práticas de controle. Quero então trazer uma outra ideia: a de que os saberes médicos e psicológicos que foram produzidos historicamente em torno da loucura e da aflição devem todos ser colocados em suspeição a partir de seus efeitos históricos práticos. Quer dizer: nós temos pouquíssimas coisas instituídas de saber médico-psicológico que mereçam ser levadas a sério quando se trata da desinstitucionalização da loucura. Haja visto que durante a sua instituição, por mais de duzentos e tantos anos, esses saberes produziram o que produziram: a exclusão da loucura, o seu manejo manicomial, convertida em desvio e doença. Então, se queremos produzir outra coisa, como fazemos agora, sua produção pressupõe uma coragem para negar esses saberes como sendo capazes e ade- quados para lidar com o nosso campo de problemas. Isso não é novidade. Quem fez isso com brilhantismo e nos ensinou assim foi Franco Basaglia, que afirmava ser fundamental negar o saber estabelecido, porque ele até agora esta beleceu o 40 que estabeleceu. Se a Psiquiatria colocou o homem entre parên teses em nome da doença, é preciso colocar entre parênteses esse saber em nome do homem. Então, isso traz a questão de que vamos operar neste campo novo que quer se instituir, neste projeto utópico - que é para mim o projeto da luta antimanicomial, já que acredito que nós podemos ter reformas psiquiátricas muito compatíveis com a ordem das Saúdes mentais; no entanto, o que acho difícil de ser compatível com a ordem é essa tal luta antimanicomial. A luta antimanicomial é o espaço dentro dessa geografia que problematiza a inscrição da desorganização no âmbito da cultura. E só nós fazemos isso de cara aberta, de peito aberto. Só nós dizemos claramente para a cultura: não, o sujeito não precisa remir todos os sintomas para ter direito à assistência plena como cidadão no âmbito da comunidade. Só nós dizemos: não, nós temos que aceitar que a sua dimensão desorganizada, mesmo se inconforme com as práticas e os costumes, possa ter lugar. E só nós pedimos, exigimos da cultura, que ela abra espaço para que a loucura possa ter cabimento. Queria marcar que distingo isso como algo que é, digamos, o que nós temos de diferencial enquanto luta antimanicomial. Esse é um dos nossos diferenciais em relação a esse campo da Saúde, a esse campo da Reforma Psiquiátrica e a esse campo da Saúde Mental. Saúde mental é muito problemático. Muito problemático! O conceito de Saúde mental é um conceito que nós manejamos, porque, de alguma forma, é lá que estão inscritas as verbas do Ministério da Saúde, a pesquisa do CNPq e os comitês todos - mas Saúde mental é uma ideia muito problemática. A maior parte das coisas que se produzem na Saúde Mental são ideias muito problemáticas. São sempre de grande conformidade com a ordem instituída. São ideias da produção de estados disciplinados, de estados ordenados dentro de certas dinâmicas sociais muito lineares, “caretas”, e às vezes muito chatas. Instrumentais e perigosas no sentido da sua intenção de produzir o “bem” para as pessoas. Estar com a Saúde Mental não me parece às vezes muito legal. Bem, aí vem então mais outra dimensão, dentre as coisas a se ensinar e a se aprender no “preparo para o trabalho com a coisa mental”. E essa expressão, quero registrar, aprendi com a nossa querida Ana Marta Lobosque, e gosto muito dela por achá-la precisa na definição das tarefas denominadas como as de formação dos profissionais. É verdade que não tenho ouvido muitas pessoas usando essa expressão, mas eu continuo achando que é a melhor forma de dizer do problema que nós estamos tratando aqui. Como é que se prepara alguém para o trabalho com a “coisa mental”? 41 CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO “Coisa mental” é uma expressão muito boa, porque consegue ficar se esguei- rando da inscrição nos campos disciplinares da psicologia, da psiquiatria, da psicanálise. Consegue manter esse fenômeno, de alguma forma, num jogo de esquiva com a tentativa de captura desses saberes. Pelo menos, assim eu tenho me definido: estou me dedicando atualmente a investigar, a contribuir com os processos de preparo para o trabalho com a “coisa mental”. Estou tomando essa questão do preparo para o trabalho com a “coisa mental” como uma tarefa de invenção, já que os saberes que estão aí são muito imprestáveis, a maior parte dos saberes tradicionais produzidos no campo médico e psicológico é muito pouco útil para fazer o que nós precisamos fazer. Então, nós precisamos buscar outras fontes. Primeiro, nós inventamos um bando de coisas. Estamos aqui diante de um inventor de um monte de coisas, estou me referindo ao Emerson Merhy. Todo dia ele inventa uma palavrinha nova; eu particularmente gosto muito das palavrinhas que ele inventou, como as “tecnologias leves”. É um grande achado, uma ideia interessantíssima para falar de uma invenção, do que é que nós fazemos. Vejam só: tecnologias leves são fundamentais para o preparo para o trabalho com a “coisa mental”. Vejam que fantástico! Olha que frase que ninguém enquadra em lugar nenhum: tecnologias leves para o preparo para o trabalho com a “coisa mental”. Acho que esse é o desafio. Esse é o desafio de produzir teorização. É achar formas de dizer que não sejam capturáveis nos discursos que já estão estabelecidos, e que eu acho que há muito pouco neles que sirva para aquilo que precisamos fazer, para as necessidades que temos. Um dos temas desse preparo para o trabalho com a “coisa mental” que tem me chamado a atenção é aquela dimensão que pressupõe uma habilidade, uma competência, uma capacidade dos técnicos, dos operadores, que eu tenho chamado de tecnologias relacionais baseadas nos manejos vinculares. Então, tecnologias relacionais baseadas nos manejos vinculares: se vocês forem ver, boa parte do que precisamos para o trabalho com a “coisa mental” está relacionada com tecnologias relacionais. Tecnologias em que se usa relação para manejar, a partir do vínculo, interesses e direções os mais variados.
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