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caderno SM3 Os desafios da formacao

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Caderno Saúde Mental 3
Saúde Mental:
Os desafios da formação
Belo Horizonte, 2010
Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais
O Caderno Saúde Mental nº 3 da ESP-MG reúne os trabalhos apresentados no 
SEMINÁRIO NACIONAL SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO, realizado 
nos dias 27, 28 e 29 de maio de 2009, em Belo Horizonte, pela Escola de Saúde 
Pública do Estado de Minas Gerais, com o apoio do Conselho Federal de Psicologia.
Tammy Angelina Mendonça Claret Monteiro
Diretora Geral da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais
Thiago Augusto Campos Horta
Superintendente de Educação
Marilene Barros de Melo
Superintendente de Pesquisa
Tânia Mara Borges Boaventura
Superintendente de Planejamento, Gestão e Finanças
Fabiane Martins Rocha
Assessor de Comunicação Social
Audrey Silveira Batista
Assessor Juridíco
Nina de Melo Dável
Auditora geral
Organização: Ana Marta Lobosque
Revisão: Bárbara Maia - ASCOM/ESP-MG
Editora: Fabiane Martins Rocha
Arte: baseada no cartaz do Seminário 
Diagramação: Leonardo Lucas - ASCOM/ESP-MG
Impressão: Editora Autêntica
Caderno Saúde Mental / Ana Marta Lobosque (Organizadora)
Seminário Saúde Mental: Os Desafios da Formação, Belo Horizonte:
ESP-MG. 2010. v. 3
ISSN: 1984-5359
1. Saúde Mental 2. Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais
I. LOBOSQUE, Ana Marta II. Título
Caderno Saúde Mental 3
Saúde Mental:
Os desafios da formação
Organização:
Ana Marta Lobosque
Seminário
Saúde Mental: os desafios da formação
Comissão Organizadora:
Ana Marta Lobosque
Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG
Denize Armond
Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG
Fabiane Martins
Assessora de Comunicação Social - ESP-MG
Humberto Verona
Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG
Isabela Macedo
Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG
Leonardo Lucas
Designer - Assessoria de Comunicação Social - ESP-MG
Marcelo Arinos Drummond Jr
Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG
Wagner Viana
Grupo de Produção Temática em Saúde Mental - ESP-MG
Realização:
Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais - ESP-MG
Apoio:
Conselho Federal de Psicologia-CFP
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................ 07
PREFÁCIO ...................................................................................... 09
INTRODUÇÃO ................................................................................ 13
PRODUÇÃO DE SABERES E POLÍTICAS DE VERDADE ..................... 17
MESAS
A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: ASPECTOS BÁSICOS .............................. 19
EMENTA ................................................................................................................... 21
DESAFIOS DE DESAPRENDIZAGENS NO TRABALHO EM SAÚDE: EM BUSCA DE 
ANÔMALOS
Emerson Merhy ....................................................................................................... 23
A INSTITUIÇÃO DO NOVO: PREPARANDO O TRABALHO COM A COISA MENTAL
Marcus Vinícius de Oliveira ..................................................................................... 37
TUDO QUE EXISTE MERECE PERECER
Silvia Maria Ferreira ................................................................................................ 47
A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: QUESTÕES PERMANENTES .................... 49
EMENTA ................................................................................................................... 51
A INVENÇÃO COLETIVA DA SAÚDE MENTAL
Cirlene Ornelas ........................................................................................................ 53
A HOSPITALIDADE E A REDE DE SAÚDE MENTAL
Fernanda Otoni de Barros ....................................................................................... 57
A EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE E AS QUESTÕES PERMANENTES À 
FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL
Ricardo Burg Ceccim ................................................................................................ 67
A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: OUSANDO AVANÇAR ............................ 91
EMENTA ................................................................................................................... 93
ALGUMAS OBSERVAÇÕES CRÍTICAS SOBRE A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL
Paulo Amarante ....................................................................................................... 95
A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: OUSEMOS AVANÇAR
Ana Marta Lobosque ............................................................................................. 107
A FORMAÇÃO COMO COMBATE
Antonio Lancetti .................................................................................................... 115
OFICINAS
EIXO TEMÁTICO: ASPECTOS BÁSICOS DA FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL . 125
O ENSINO DAS DISCIPLINAS EM SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DE FORMAR NOVOS 
TRABALHADORES
Renato Diniz Silveira e Paula Cambraia de Mendonça Vianna .............................. 127
FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL DAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Marta Elizabeth de Souza ...................................................................................... 133
CONTROLE SOCIAL E SAÚDE MENTAL: CAPACITANDO OS CONSELHEIROS 
MUNICIPAIS DE SAÚDE EM MINAS GERAIS
Elvira Lídia Pessoa e João Carlos Vale .................................................................... 137
ESTÁGIOS E ATIVIDADES AFINS: NOVOS CAMPOS DE PRÁTICAS EM SAÚDE MENTAL
Cláudia Maria Generoso, Isabela Melo, Jarbas Vieira, 
Lorena Melo, Ramon Vieira ........................................................................... 143
EIXO TEMÁTICO : A FORMAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE MENTAL .......... 149
FORMAÇÃO POLÍTICA DOS USUÁRIOS E FAMILIARES DA SAÚDE MENTAL
Jaciara Siqueira e Paulo Braga .............................................................................. 151
A SUPERVISÃO CLÍNICO-INSTITUCIONAL: DOS RISCOS E DAS POSSIBILIDADES
Tânia Ferreira e Francisco Goyatá ......................................................................... 157
EDUCAÇÃO PERMANENTE DE GESTORES: ORGANIZAÇÃO DA REDE DE ATENÇÃO À 
SAÚDE MENTAL
Lourdes Machado e Thiago Horta ......................................................................... 165
EIXO TEMÁTICO: AVANÇANDO NA FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL .......... 171
A UNIVERSIDADE E SEUS PRODUTOS: OUSANDO AVANÇAR EM SAÚDE MENTAL
Maria Stella Goulart ............................................................................................. 173
PUBLICAÇÕES EM SAÚDE MENTAL
Fuad Kyrillos Neto ................................................................................................. 185
CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO E RESIDÊNCIAS MULTIPROFISSIONAIS EM SAÚDE 
MENTAL
Jairo de Almeida Gama e Elisa Zanerato ............................................................... 187
PESQUISAR EM SAÚDE MENTAL: REFLEXÕES
Aline Aguiar Mendes e Marcelo Arinos Drummond Júnior .................................... 197
APRESENTAÇÃO
“O vento experimenta o que irá fazer com sua liberdade” 
Guimarães Rosa
A Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais publica com alegria o 
terceiro número do seu Caderno Saúde Mental, alicerçando o compromisso com 
as permanentes publicações relativas ao campo da Saúde Mental.
Este Caderno traz novas contribuições, seguindo a linha dos números ante-
rio res, qual seja: uma fértil interlocução entre professores, gestores, traba lha -
dores, estudantes, usuários e familiares, visando o avanço da Reforma Psi quiá-
trica brasileira.
A proposta editorial destes Cadernos consiste justamente em promover e 
divulgar o diálogo entre estes diferentes segmentos. Apoiando ou promovendo 
seminários, oficinas e outros espaços de encontro dos quais participam todos 
eles, a Escola empreende, a seguir, a publicação dos trabalhos ali apresentados. 
Dessa forma, evitamos restringir o debate das questõesda Saúde Mental ao 
âmbito estritamente técnico no qual antigas determinações sociais e históricas 
procuram mantê-lo,trazendo-o ao âmbito vivo da cidadania, sem prejuízo do 
rigor teórico e da clareza conceitual. 
Por conseguinte, este Caderno, como aqueles que o antecederam, traz 
contribuições de professores da Filosofia, da Psicanálise, da Saúde Coletiva, 
da Saúde Mental, de alta qualificação acadêmica e destacada atividade no 
campo do ensino e das publicações; de trabalhadores e gestores que convivem 
cotidianamente com os desafios e os avanços da atenção à Saúde, deles possuindo 
o inquieto conhecimento que apenas através da experiência se adquire; de 
estudantes que se empenham em trazer para a sua formação as urgentes questões 
advindas da atenção psicossocial em redes de serviços abertos; de usuários que 
atravessam a difícil vivência do sofrimento mental sustentando seus direitos de 
cidadãos, de familiares que os apoiam nesta difícil conquista.
Esta mescla singular possibilita-nos oferecer aos leitores os felizes produtos 
de uma reflexão que rompe muros; sejam aqueles, mais visíveis e óbvios, do 
hospital psiquiátrico, sejam aqueles, mais sutis, que impedem a circulação e a 
ação da palavra no espaço da cidade. Certos de aportar-lhes assim um convite 
singular, desejamos a todos, carinhosamente, boas vindas! 
Tammy Claret Monteiro
Diretora Geral da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais
PREFÁCIO
No prefácio do Caderno de Saúde Mental nº2, lançado em maio de 2009, 
apresentamos o Grupo de Produção Temática em Saúde Mental, que busca 
efetivar a concepção de educação permanente sustentada pela Escola de Saúde 
Pública, através do tripé pesquisa-ensino-serviço
Agora, prefaciando o Caderno Saúde Mental nº3 - Saúde Mental: os desafios 
da formação, este Grupo tem a contar felizes realizações no ano de 2010, e 
importantes projetos para 2011.
Uma significativa realização consiste no seminário que dá o nome a este 
Caderno, ofertando as contribuições que o compõem. Nos dias 27, 28 e 29 de 
maio de 2009, o evento reuniu, entre expositores e participantes, um público 
ativo e atento, movimentando alegremente salas e corredores da Escola. Da 
produção então ocorrida, dão testemunho os valiosos textos aqui divulgados.
Uma nova criação, o Espaço Saúde Mental, veio à luz no dia 11 de agosto 
do mesmo ano. Essa comunidade virtual que dá acesso às aulas e publicações 
do Grupo, e promove fóruns de discussão sobre temas variados em nossa 
área, representa nossa primeira incursão na Educação à Distância, abrindo 
possibilidades várias a explorar. No momento em que escrevemos este prefácio, 
o Espaço Saúde Mental está sendo remodelado, para tornar-se mais bonito de 
se ver e mais fácil de acessar.
Sem demora, passamos a outra publicação, a Cartilha Saúde Mental em letras 
mineiras, lançada em 14 de de dezembro de 2009, que nos merece especial carin-
ho. Elaborada em parceria com os usuários, e destinada a eles, a Cartilha tem 
sido divul gada por trabalhadores do GPT-SM e membros da Associação Mi neira 
dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais -ASUSSAM, em rodas 
de conversa realizadas com usuários de vários municípios mineiros. Já estivemos 
em Barbacena, Betim, Nova Era, Nova Serrana, Poços de Calda, Monlevade, 
São Domingos do Prata, São Joaquim de Bicas, Esmeraldas,Ribeirão das Neves, 
entre vários outros - e programamos muitas viagens ainda, “ levando estas letras 
mineiras a muitos olhos e muitas mãos”. 
Seguiu-se uma das nossas mais importantes conquistas: a Residência Multipro-
fissional em Saúde Mental. Elaborado em parceria com a Secretaria Municipal de 
Betim, o projeto foi aceito, em fevereiro deste ano, pelos Ministérios de Saúde 
e Educação; após um concorrido processo seletivo, as atividades se iniciaram 
no dia 10 de agosto. Partilhamos orgulhosamente esta conquista com todos os 
companheiros da Reforma Psiquiátrica do Brasil e de Minas - assim contribuindo, 
estamos certos, para fazê-la avançar.
Importa ressaltar: trata-se da primeira Residência Multiprofissional em Saúde 
Mental que oferece aos residentes passagem por todas as linhas de cuidado 
na rede de atenção em Saúde Mental – CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) 
tipos III, II e I, CAPSi, atenção básica, centro de convivência, moradias protegidas 
- prescindindo inteiramente do recurso ao hospital psiquiátrico como cenário 
de ensino. Faculta-nos tal superação a parceria com o município de Betim, 
cuja rede de Saúde Mental é construção histórica da Reforma Brasileira. As 
quatro residentes - uma assistente social, uma enfermeira, uma psicóloga e 
uma terapeuta ocupacional - desempenham suas atividades práticas na rede 
betinense, sob a supervisão de preceptores que ali atuam, e com o apoio das 
equipes locais. Além disso, todas as quintas-feiras, a Escola recebe alegremente 
residentes, preceptores e trabalhadores do município, para os seminários 
teóricos, supervisões e reuniões clínico-institucionais. Nessas atividades, 
vimos discutindo, de forma viva e participativa, tanto os aspectos teóricos da 
construção das redes, das práticas que aí se realizam, dos aspectos históricos 
e antropológicos do sofrimento mental, quanto os casos clínicos e as situações 
concretas que nos permitem melhor compreender as questões da rede local, 
ajudando a buscar respostas e saídas face às suas dificuldades.
Uma outra novidade encontra-se nas oficinas cujo tema é a atenção aos 
cidadãos que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas - tema relevante 
e pouco trabalhado, cujo desafio decidimos enfrentar. São 6 oficinas mensais, 
da qual participam componentes da rede de Saúde Mental de 18 municípios 
mineiros de pequeno, médio e grande porte, visando garantir e aprimorar o 
atendimento a estes usuários nas redes do Sistema Único de Saúde. 
Nem só de novas invenções, porém, se vive: demos prosseguimento a ini-
cia tivas anteriores, que prezamos igualmente. Dentre elas, destacam-se as 
Oficinas para Gestão em Saúde Mental, que subsidiam 120 participantes, entre 
coordenadores de serviços e referências técnicas da área, contemplando as 13 
macrorregiões de todo Estado na construção de redes locais e regionais de Saúde 
Mental. Complementam esta ação educacional as Oficinas de Produção de Artigos 
Científicos sobre o mesmo tema, cuja produção esperamos em breve divulgar.
Atentos à articulação política necessária ao nosso trabalho, temos participado 
das diversas instâncias representativas do controle social em nosso Estado: 
presentes nas Comissões Estadual e Municipal de Reforma Psiquiátrica, 
participamos também da Comissão Organizadora da IV Conferência Estadual de 
Saúde Mental. Realizou-se na ESP-MG, como construção conjunta de numerosos 
colegas de outras instituições, a Primeira Plenária do Coletivo de Docentes e 
Discentes de Saúde Mental do Estado, realizada nos dias 14 e 15 de abril deste 
ano, cujo produto foi levado às Conferências Estadual e Nacional de Saúde 
Mental. Apoiamos a realização do Seminário Saúde Mental: Marcos Conceituais, 
Campos de Prática, promovido pelo mesmo coletivo que deu impulso à Plenária. 
Balanço feito das atividades de 2010, há que apresentar nossas ideias e 
expectativas para 2011. Os numerosos e variados projetos refletem nosso 
compromisso, sempre firme, com a formação em Saúde Mental. 
Um ponto de grande importância estratégica é a continuidade, avanço e 
ampliação na formação de residentes. Pretendemos – e já empreendemos 
gestões neste sentido - dar continuidade à Residência Multiprofissional, e 
articulá-la com uma Residência de Psiquiatria, constituindo a realização inédita 
de Residências Integradas em Saúde Mental no âmbito das redes substitutivas ao 
hospital psiquiátrico. Sabemos bem que uma tal proposta é um grande desafio 
político e conceitual, que não se viabiliza sem grandes oposições ou dificuldades;reiteramos, contudo, nossa disposição em enfrentá-lo decididamente.
Um outro ponto importante consiste no prosseguimento e ampliação das 
nossas Oficinas. Após a conclusão, em março, da primeira série das Oficinas de 
Gestão, planejamos a realização de uma nova série, cuja qualidade certamente 
há de aprimorar-se a partir da primeira experiência; o mesmo vale para aquelas 
que abordam o tema Álcool e Outras Drogas. Encontra-se já em andamento 
a elaboração do projeto de Oficinas de Atenção à Criança e Adolescente, que 
requer, certamente, especial atenção. Pretendemos ainda retomar as Oficinas de 
Modelagem de Rede em Saúde Mental iniciadas em 2008, em Uberlândia: elas 
devem agora envolver toda a microrregião na qual se localiza o município-polo. 
Pretendemos também dar continuidade à participação nas Comissões de 
Reforma Psiquiátrica Municipal e Estadual; às rodas de conversa que divulgam a 
cartilha dos usuários da Saúde Mental; desejamos empreender novas parcerias 
com usuários, conselheiros, estudantes, militantes da Saúde, apoiando sempre 
o exercício democrático do controle social. Ainda, a realização de mais um 
seminário e a publicação dos Cadernos Saúde Mental 4 e 5são também parte 
preciosa dos planos para 2011, visando envolver sempre novos atores no debate 
da Saúde Mental, e divulgar amplamente suas produções.
Naturalmente, a efetivação de tantos projetos passa por fatores alheios 
à nossa vontade. A mudança da gestão em Minas e no país, produto do jogo 
democrático, traz uma nova conjuntura que nos cabe aguardar com serenidade. 
Estamos cientes de que a continuidade dos projetos hoje existentes e a 
implementação dos demais aqui elencados não estão dadas de antemão. Nunca 
o estariam, de qualquer maneira; não apenas mudam os governos, mas também, 
ainda quando não mudam, variam as correlações de força que os sustentam, 
e as alianças com as quais se compõem. Sejam estas quais forem, eis aquilo 
de que estamos certos: permaneceremos ao lado da força crescente e viva dos 
movimentos sociais - e, nomeadamente, do movimento antimanicomial.
Se não podemos pois, assegurar estes ou aqueles propostas e projetos para o 
ano vindouro, cabe-nos todavia sustentar com firmeza os princípios que regem 
nosso trabalho: o empenho num novo e fértil modelo de formação, e a parceria 
com os trabalhadores, estudantes, usuários e familiares que nos ajudam a 
concebê-lo e torná-lo real.
O leitor saberá supor as dificuldades enfrentadas e o grande esforço re que -
rido para sustentar as atividades aqui descritas, e, mais ainda, para dar-lhes 
seguimento e ampliação. Contudo, dificuldades e esforços têm sido gene ro sa-
mente validados pela intensa produção que deram à luz. Agradecemos o apoio 
da Direção e da Superintendência de Educação desta casa, nas pessoas de 
Tammy Claret Monteiro e Thiago Horta, respectivamente; e as contribuições dos 
colegas de diferentes setores da ESP-MG, sem o qual não seria possível o nosso 
trabalho. Manifestamos ainda nossa gratidão pelos laços de companheirismo e 
solidariedade que nos reúnem, a nós, participantes do GPT-SM, em tantos e tão 
queridos empreendimentos.
Agora, cabe comemorar: lançamos, com prazer, o Caderno Saúde Mental nº 3. 
Mais um ano, mais um seminário, mais um caderno - mais histórias entre tantas, 
difíceis de escrever, certamente, porém ainda mais difíceis de apagar, uma vez 
escritas. A todos os que delas desejam participar: sejam bem vindos! 
Ana Marta Lobosque
Grupo de Produção Temática em Saúde Mental da Escola de Saúde Pública do 
Estado de Minas Gerais
13
CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
No campo da formação, encontram-se hoje alguns dos maiores desafios 
colocados para a Reforma Psiquiátrica. Por tal razão, a Escola de Saúde Pública 
do Estado de Minas Gerais - ESP-MG, através de seu Grupo de Produção Temática 
em Saúde Mental, realiza este Seminário. 
A formação não acompanhou as significativas transformações ocorridas 
nas últimas três décadas no panorama da Saúde Mental: desconsidera ainda 
as práticas de cuidado e convívio que hoje oferecem suporte à grande maioria 
dos brasileiros portadores de sofrimento mental. Quais as razões desse 
descompasso?
Algumas delas se podem encontrar na forma mesma pela qual nasceram e 
tomaram corpo as práticas antimanicomiais. Por um lado, a segregação e os maus 
tratos nos hospitais psiquiátricos não foram denunciados através de proposições 
científicas, e sim pela coragem e determinação daqueles que os conheceram de 
perto. Por outro lado, a criação de redes substitutivas ao hospital psiquiátrico 
tampouco se pôde fazer a partir de referenciais teóricos: como utilizá-los, se as 
imprevistas questões do cuidar em liberdade não encontravam neles formulação 
ou registro? Ainda, a luta política foi constitutiva de todo esse processo, pela 
organização de um forte movimento social. 
As transformações propostas por esse movimento, portanto, não se limitam à 
racionalização ou aplicação criteriosa de recursos, à modernização das técnicas, 
à humanização dos cuidados. Trata-se sobretudo da ruptura com todo um ideário 
de normatização e controle, buscando dar às singulares experiências da loucura 
direito pleno de cidadania. 
Nesse processo, torna-se necessário pensar o lugar da ciência no mundo 
contemporâneo. Ora, indagações de tal gênero não se podem fazer nos termos 
da ciência mesma: partem das produções da cultura, em que afetos e desejos, 
Introdução ao Seminário
SAÚDE MENTAL:
OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
14
ideias e imagens, ficções e fantasias tecem laços com a arte e a criação. Tais 
produções não se autorizam por regras institucionalmente definidas, e sim por 
seus próprios efeitos vitais no espaço social onde tiveram origem. 
Os saberes assim nascidos teriam então um caráter basicamente empírico e 
intuitivo, sem relação com o âmbito do conceito? Não nos parece. Nessa trajetória, 
o estudo, a leitura, a reflexão têm sido de grande importância: a percepção da 
fragilidade dos discursos pretensamente científicos sobre a “doença mental” é 
inseparável da busca de referências teóricas mais complexas e férteis para a sua 
abordagem. 
O aprendizado junto aos chamados loucos certamente busca entrar em 
relações com o campo conceitual, em supervisões, seminários, pesquisas, 
publicações e atividades afins. Contudo, os traços que conferem originalidade 
a esses novos conhecimentos são os mesmos que dificultam seu trânsito nas 
instituições de formação: a indispensável ancoragem na experiência, a legitimação 
pelo exercício cotidiano, a recusa das pretensões tecnicistas, o reconhecimento 
dos usuários como atores políticos e sociais. 
Daí os desafios que se colocam para o avanço, a formulação e a transmissão 
de tais saberes. Caso se submetam docilmente aos cânones da produção 
científica formal, perdem a contundência crítica e a potência inventiva que os 
singulariza. Entretanto, se permanecem isolados, em cômoda satisfação com a 
própria marginalidade, acabam por empobrecer-se, comprometendo o futuro 
da audaciosa empresa que os gerou. 
Em Minas, a abordagem dos desafios no campo da formação deu um 
importante passo através do Seminário Reforma Psiquiátrica e Universidade: 
interrogando a distância. Organizado por estudantes universitários da área da 
Saúde, o evento efetuou com rigor a interrogação a que se propunha. Seus 
produtos, compondo o Caderno Saúde Mental n º 2 da ESP-MG, oferecem um 
valioso subsídio para o nosso trabalho.
O debate aqui proposto não pode consistir em denúncias de lacunas, faltas 
e falhas: deve fazer-se propositivo, de forma tal que a análise dos desafios em 
causa nos conduza de fato ao seu enfrentamento. 
É preciso intervir nas bases da formação, propiciando a alunos e professores 
do curso médio e da graduação, a gestores, usuários, familiares, conselheiros 
de Saúde e outros interessadoso acesso a noções minimamente necessárias à 
sua atuação. A educação permanente requer atenção, oferecendo a todos os 
segmentos já envolvidos no trabalho em Saúde Mental condições necessárias 
15
CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
para pensá-lo ativamente. A promoção de pesquisas, publicações, dissertações, 
teses, que respeitem e problematizem as experiências em curso visando ao seu 
avanço, é um terceiro aspecto, até hoje pouco discutido. 
Esses três aspectos da formação serão tratados nas três mesas-redondas, 
desdobrando-se nas oficinas que as sucedem. A consideração das peculiaridades 
dos saberes não instituídos, a análise dos regimes de produção de verdade em 
nossa sociedade, o exame das políticas públicas de educação e saúde, temas 
inicialmente abordados na conferência, constituem o pano de fundo que nos 
deve acompanhar ao longo de todo o seminário. 
A Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, reafirmando seu compromisso 
com a Reforma Psiquiátrica, dá as boas-vindas a todos vocês.
Comissão Organizadora do Seminário
17
CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
PRODUÇÃO DE SABERES 
E POLÍTICAS DE VERDADE
O exame das questões próprias à formação em Saúde Mental deve fazer-se 
a partir de uma perspectiva mais ampla: aquela das políticas de verdade que 
regem a produção e a transmissão dos saberes numa sociedade dada. À fé numa 
neutralidade do conhecimento científico, produzindo evidências supostamente 
irrefutáveis, há que contrapor uma interpelação crítica daquilo que se julga 
evidente, levando em conta a quem convém e em quais relações de forças se 
inscreve. Se a verdade pode entender-se como objeto a ser buscado lá onde 
estaria desde sempre, através de seu progressivo desvelamento pelo saber, 
cumpre pensá-la como produção de um jogo bem mais complexo, no qual as 
perguntas feitas participam da determinação das respostas encontradas. 
Nessa ótica, cumpre avaliar as políticas públicas de educação, ciências, 
tecnologia. Tais políticas asseguram aos cidadãos uma escolaridade básica de 
qualidade? Propiciam equidade no acesso à formação superior? Definem áreas 
e temas de pesquisa segundo os interesses da população? São receptivas ao 
controle social ao definir e implantar suas metas? Democratizam o acesso às 
informações e aos recursos tecnológicos que as disponibilizam? Tais perguntas, 
elementares, são necessárias face a um cenário no qual frequentemente a 
escolarização é reduzida a rudimentos precários, a formação universitária 
banalizada pela proliferação sem controle das instituições de ensino, as pesquisas 
e publicações determinadas por interesses privados e corporativos. 
A determinação de critérios universalmente definidos para o reconhecimento 
da produção científica, certamente necessária, enfrenta sempre o risco de 
empobrecer seus objetos, ao unificar a linguagem pela qual os aborda. Na área 
da Saúde Mental, esse problema se manifesta, por exemplo, nos novos códigos 
internacionais de doença e compêndios psiquiátricos que os acompanham. Um 
outro exemplo diz respeito ao pouco espaço encontrado para a transmissão de 
disciplinas de conteúdo discursivo mais denso, como é o caso da psicanálise. 
18
Contudo, não é preciso restringirmo-nos a uma determinada área de saber, ou 
nem mesmo ao campo científico: a simplificação excessiva da linguagem é um 
fenômeno contemporâneo, que, visando facilitar a comunicação e as trocas, 
acaba por empobrecer tanto a apreensão do mundo quanto a subjetividade que 
o percebe. Nesse enquadre, o avanço tecnológico das comunicações, precioso 
instrumento para o intercâmbio de informações, notícias, conhecimentos, artes, 
arrisca-se também a servir um utilitarismo banal.
Como promover uma produção de conhecimentos que não sirva a fins 
exclusivamente pragmáticos, e sim enriqueça o mundo humano? Como praticar 
uma atividade intelectual que exercite e desafie o pensamento, sem limitar-se 
à sua aplicação meramente instrumental? Como associar clareza e precisão, 
sem excluir o singular e o complexo? Como democratizar o acesso aos saberes 
científicos em particular e às produções da cultura em geral, sem denegar o que 
é difícil, problemático e ambíguo em sua constituição?
Questões como essas - difíceis, certamente, porém claramente formuladas - 
guiam-nos no trabalho deste Seminário.
Grupo de Produção Temática em Saúde Mental 
Mesa redonda
A FORMAÇÃO EM SAÚDE MENTAL: 
ASPECTOS BÁSICOS
Desafios de desaprendizagens no trabalho 
em Saúde: em busca de anômalos
Emerson Elias Merhy
A instituição do novo: preparando o trabalho com a 
coisa mental
Marcus Vinícius de Oliveira
Tudo que existe merece perecer
Sílvia Maria Ferreira 
21
CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
Ementa
Quando da abertura dos novos serviços de Saúde Mental substitutivos ao 
hospital psiquiátrico, a alegria e o empenho de trabalhadores, usuários e familiares, 
aliados ao respaldo de um movimento antimanicomial organizado, propiciaram 
a experimentação de práticas inovadoras na abordagem do sofrimento mental. 
Num momento cultural e político bem diverso do que vivemos hoje, todos os 
envolvidos nesse trabalho lançavam-se, sem temor ou cansaço, às surpresas de 
um movimentado dia a dia: encontravam para as situações difíceis ou inusitadas 
da loucura novas saídas, que as portas fechadas dos hospitais psiquiátricos até 
então lhes proibiam pensar.
Ao longo desse percurso, os trabalhadores adquiriram experiência e ma tu-
ri dade; os usuários encontraram melhores maneiras de enfrentar seu próprio 
so frimento; as famílias passaram a compreender e valorizar as propostas do 
tratamento em liberdade; as cidades aprenderam a conviver de forma mais 
solidária com esses singulares cidadãos.
Ora, construído todo esse importante aprendizado, encontram-se, todavia, 
grandes entraves à sua transmissão.
Os estudantes continuam a obter na escola, seja no nível técnico ou 
universitário, apenas os conhecimentos constituídos no enquadre do antigo 
modelo: uma psicopatologia baseada na discutível “apresentação de enfermos”, 
uma psicofarmacologia que se crê autossuficiente, uma clínica ordenada em 
torno da consulta e dos consultórios. Por outro lado, o ensino e a discussão das 
políticas públicas de Saúde e Saúde Mental são praticamente omitidos, quando 
as escolas preparam seus alunos para atender a uma determinada classe social, 
e não a todos os cidadãos do seu país. Tudo se passa como se essa perspectiva 
fosse a única existente e possível, elidindo tantas outras que se desenham no 
Brasil e no mundo.
Não apenas os estudantes se ressentem dos efeitos desse silêncio. Também 
seus professores, quando alunos, os sofreram; como poderiam agora transmitir 
uma experiência que não os tocou? Perpetua-se, pois, um círculo vicioso, 
resultando na chegada à rede de trabalhadores despreparados para a tarefa que 
os espera. 
Ainda, cumpre examinar os aspectos básicos da formação, considerando 
também outros atores. Os usuários e seus familiares, que outrora se faziam 
presentes sobretudo pela via da denúncia e do depoimento pessoal, querem 
agora formular críticas mais precisas sobre as políticas públicas, legislações, 
22
redes de atenção. Os conselheiros de Saúde muitas vezes não têm acesso a 
noções elementares nessa área, necessárias ao exercício do controle social. 
A formação dos gestores, insuficiente sob vários aspectos, é precária no que 
diz respeito à Saúde Mental. Novas estratégias do trabalho em Saúde, como 
os Programas de Saúde da Família, levam a repensar a formação básica dos 
generalistas, enfermeiros, auxiliares de Enfermagem, agentes comunitários 
de Saúde. Deve-se também considerar a demanda de outros profissionais 
crescentemente solicitados pela Saúde Mental, como é o caso dos profissionais 
do Direito.Finalmente, é preciso levar informações e debates à sociedade civil, 
interessando-a em questões que também lhe dizem respeito.
Já não se pode admitir que o ensino básico sobre a Saúde Mental, seja 
qual for o público ao qual se destine, desconsidere realizações que hoje se 
oferecem generosamente à maioria da população brasileira. Uma análise crítica 
dessa situação e a busca de formas de superá-la é o que se espera desta mesa 
redonda. 
Comissão Organizadora do Seminário
23
CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
DESAFIOS DE DESAPRENDIZAGENS NO 
TRABALHO EM SAÚDE: EM BUSCA DE 
ANÔMALOS
Emerson Elias Merhy1 
Aprender a desaprender para apreender, em interseção
 que viver é uma perspicácia na produção da diferença
 no interior das repetições
Introdução
O material que se segue é produto da junção de um texto que preparei 
antecipadamente para o evento junto à Escola de Saúde Pública de Minas Gerais 
e minha fala em ato na mesa que participei. Fiz uma edição de incorporação. 
Esta primeira parte é baseada na minha fala, e depois vem o texto que produzi.
Minha fala partiu da constatação de que iria me remeter a diferentes tipos 
de experiências que vivi dentro da universidade, mas sem deixar de lado minha 
longa inserção, que se mantém até hoje, junto às redes de cuidado em Saúde e 
nos serviços de diferentes ordens, inclusive incluindo algumas experiências em 
Saúde Mental.
Desses lugares, a primeira coisa que eu gostaria de pautar, e que já faz parte 
de algumas produções minhas, é o reconhecimento de que não há nenhum 
tipo de privilégio no campo da universidade, ou nos reconhecidos territórios 
formais de formação, em relação à questão da produção de conhecimento ou 
à questão da construção de situações nos processos de educação e formação, 
quanto ao mundo do trabalho no cotidiano das redes de cuidado. Quero dizer 
1 - Coordenador da linha de pesquisa Micropolítica do trabalho e o cuidado em Saúde da UFRJ.
24
com isso que já temos discutido e defendido claramente a ideia de que a riqueza 
que existe a partir da construção daquele mundo nas várias redes de cuidado é 
absolutamente imponderável. Nós não temos noção nem do tamanho nem da 
quantidade de coisas que são produzidas efetivamente ali. O que nós sabemos é 
que a publicidade, no sentido de tornar público, do que se faz é muito pequena. 
Então, se você é capaz de fazer um levantamento do registro formal de 
conhecimento produzido, quase chega à conclusão de que a Fiocruz, por 
exemplo, é um dos templos da maior produção de conhecimento desse país, 
ou mesmo que quase não há experiências nessa direção no mundo do trabalho 
nas redes de cuidado. Aponto isso como um processo paradoxal que deve nos 
chamar a atenção, e não para analisar a Fiocruz em si, pois a utilizo somente 
como elemento analisador exemplar.
Entretanto, é só procurar nas várias instituições que formalizam os lugares 
de produção de conhecimento e você terá esses mesmos indicadores reais. E 
aparece para todos nós que é aí que se produzem os conhecimentos válidos, 
consolidando uma imagem de que esses lugares são aqueles onde o conhecimento 
efetivamente é conduzido e consolidado.
Queria marcar isso como uma primeira questão chave.
Porém, ledo engano esse nosso, na medida em que efetivamente, no Brasil 
em particular isso é muito forte, as redes de serviços são fontes inesgotáveis 
de produção sistemática de novos conhecimentos. Novos conhecimentos e 
práticas.
Nós precisamos pensar nisso, problematizar isso. Precisamos pensar signifi ca-
tivamente nessa dificuldade que temos de dar visibilidade a esse mundo. Como 
dizem alguns pensadores: não é dar a visibilidade do que já existe de baixo do 
tapete, ou seja, só desocultar. Mas trata-se de dar visibilidade produzindo um 
novo visível, resultado de uma nova forma de olhar. Ou seja, nós temos que 
tomar isso como uma grande questão. Não é que esse conhecimento já esteja 
consolidado e formalizado para ser publicizado, no sentido de que já está debaixo 
do tapete e basta desocultá-lo. Não: na realidade, há que se fazer um esforço 
gigantesco de produção em relação à consolidação daquilo que, no cotidiano, 
sistematicamente, os coletivos de trabalho operam em termos de construção de 
novos conhecimentos e práticas, ordená-los, para publicizá-los.
A segunda grande questão que me interessa traduziria com a seguinte 
imagem: há que agir no campo da produção das anomalias ou dos anômalos no 
campo da formação; e rapidamente entenderão por que eu falo isso. Acho que 
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CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
é algo imensamente desafiante, para o qual não temos tido boas respostas. Vou 
me explicar. Ao que temos assistido formalmente no campo da formação? Vou 
pautar dois grandes analisadores.
Nós temos assistido a uma aposta profunda, e no Brasil isso é muito relevante, 
no campo das profissões. Isso vai num crescente interesse de observar, mas 
olhando para um dos seus efeitos fundamentais, pois vem se consolidando pari-
passo com uma intensa fragmentação dos núcleos de saber, de uma intensa 
fragmentação nos processos de disciplinarização e numa intensa fragmentação 
na própria construção das práticas nas redes de cuidado. Essa aposta gigantesca 
no campo das profissões deixa marcas interessantes e importantes diante do 
que eu estou nominando como a necessidade de produção de anômalos.
O outro analisador que me interessa destacar é uma outra grande aposta, no 
campo da formação, na construção de trabalhadores de Saúde, em particular no 
ensino universitário, que se pautam no mundo da rede de cuidados, pela ideia 
de um forte centramento nas suas próprias lógicas de saberes, tomando o outro 
que chega ao mundo do cuidado, o usuário, como seu objeto de ação. E isso 
tem construído uma forte imagem de processos subjetivantes na construção 
de trabalhadores, nas práticas formais de formação, que se julgam verdadeiros 
cientistas a manipular seus objetos, além de portadores de discursos cientificistas 
do saber no campo da Saúde e de proprietários exclusivos sobre esse saber de 
alguns em relação aos outros.
Dentro dessas lógicas, apontadas pelos dois analisadores, o mundo do 
cuidado tem sido visto como sendo o lugar da aplicação dessa cientificidade 
pelos considerados profissionais de Saúde, no qual, alguns trabalhadores de 
posse dessa ciência adquirem legitimamente, no plano social, o direito de 
intervir sobre os outros, despossuídos.
Esses componentes são chaves naquilo que coloco como a produção do anô-
malo, cuja imagem nos remete aos que saem, fogem das normas. E é por isso 
que estou “brincando” com essa ideia da produção do anômalo. Porque, quan do 
nós vivenciamos as nossas expectativas e as nossas experiências nas redes que 
se propõem a desinstitucionalizar as práticas predominantes de Saúde, atra vés 
de novas experiências de cuidado, procuramos incorporar trabalhadores que 
fugiram às regras oficiais, instituídas, de modos hegemônicas, da formação. 
Pro cu ra mos os anômalos, os que fogem às abordagens fragmentadas e sobre 
os outros.
Pois no fundo nós apostamos nessas experiências, na conformação de 
26
trabalhadores que deveriam, primeiro, se submeter à presença do outro, ou 
seja, trabalhadores que deveriam se posicionar no mundo do cuidado para 
serem afetados. Afetados pela presença do outro e, através desse efeito da 
presença do outro, poder operar nesse encontro a construção de qualquer 
coisa que pudéssemos chamar de prática de um cuidado. Essa perspectiva de 
ter um trabalhador que se posicione para ser afetado pela presença do outro é 
uma anomalia em relação a estratégias de formação que eu apontei antes. Por 
quê? Porque essas estratégias tomam como territórios instituídos exatamente a 
construção dos núcleos profissionais e dos saberes e ciências como algo que nãodeve ser exposto ao afetamento, ou ao efeito da presença do outro, na medida 
em que o outro, perante esses núcleos profissionais e perante esses saberes, 
deve ser um mero objeto. E objeto, nessa concepção, não afeta. Ao contrário, 
ele deve ser manejado, ele deve ser manipulado.
Então, há algo nessa expectativa, quando olhamos as apostas na construção 
das práticas que nos interessam, que é o desejo de uma anomalia. O seja, é o 
desejo de que, no interior dos processos institucionalizados, onde construímos 
grandes investimentos sociais para a formação desses trabalhadores para que 
eles deem certo, a formação dê errado.
Essa expectativa é o que eu estou chamando de produção do anômalo. Ou 
seja, temos algo a conversar sobre essa questão. Como é que nos interessa 
conduzir a construção de anômalos? Por quê? Porque não nos interessa aqueles 
que são formatados - a palavra “formatar” é muito adequada, a isso tudo. Foram 
formatados pelas estratégias de formação profissional e pela condução do 
saberes científicos que pouco têm permitido conduzir as relações no mundo do 
cuidado. Isso, para mim, é chave para podermos pautar uma reflexão do que eu 
chamaria de aspectos básicos da formação em qualquer área do campo Saúde e 
que constituam apostas de construção de anomalias profissionais. 
Estou colocando que estamos diante da necessidade de condução desses 
analisadores como possibilidade de dispositivos de intervenção no território do 
mundo onde o processo de formação ocorre. Ou seja, como é que podemos 
pensar a construção de dispositivos produtores de anômalos? E esse processo 
de condução de dispositivos de produção de anômalo deveria ambicionar todos 
os territórios de formação, inclusive aqueles legitimados como acadêmicos.
Sabemos das dificuldades desse tipo de processo, e sabemos das dificuldades 
que temos vivido quando construímos uma aposta tão ampla, como, por 
exemplo, na Reforma Psiquiátrica, na luta antimanicomial de uma maneira geral, 
independente das várias estratégias ou das várias correntes que aí habitam. E 
27
CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
sabemos como é difícil para todos nós operar a construção do cotidiano sem 
contar com a produção de mecanismos que eu estou chamando de produção 
de anomalias. 
Temos tido sérias dificuldades na medida em que certos núcleos profissionais 
têm conseguido conduzir terapeuticamente grandes controles sobre a produção 
das suas anomalias. Eu nominaria que, hoje, o território de formação psiquiátrica 
é um território muito forte. Parece que eles desenvolveram, e façamos jus a isso, 
com a ajuda de alguns medicamentos, a possibilidade de controlar a própria 
formação psiquiátrica, porque o número de psiquiatras anômalos tem sido 
precário. Então, parece que eles estão conduzindo muito bem as suas estratégias 
de controles de anomalias no seu território profissional. isso tem que nos chamar 
a atenção; afinal, não faremos aprofundamentos no campo que nos interessa, 
o da Reforma, sem conduzirmos não só uma estratégia societária ampla de 
derrotar o que se produziu em torno da loucura nesses séculos, mas também 
de conduzir de uma forma ampla a derrota dessas estratégias de consolidação 
que o saber científico e os lucros profissionais têm conduzido de uma maneira 
absolutamente exitosa. E, no campo dessas lutas, temos que ordenar não só 
a construção de novos equipamentos do ponto de vista das perspectivas de 
cuidado, de novas redes, mas também ordenar para o interior dessas redes a 
possibilidade de que elas sejam profundamente invasoras.
Para isso, procuro adiante trazer um conjunto de elementos sobre o mundo do 
trabalho no cuidado em Saúde que possam dar concretude às apostas desse tipo.
Atrás de elementos produtores de anômalos
Parto da ideia de que o mundo do trabalho é um território em produção 
habitado por multiplicidades, repetições e diferenças, e, como tal, deve ser 
pensado através de imagens e não por representações. Ou seja, não há a 
possibilidade de ser captado em sua totalidade, pois não se constitui como tal; 
e, assim, só pode ser visado angulosamente, por pedaços e por momentos. 
Pedaços construídos como espaços recortados, intencionalmente interessantes 
para quem os realiza; momentos que podem registrar um dos muitos tempos 
que o habitam.
Nessa direção, irei tratar do mundo do trabalho nas redes de cuidado em 
Saúde através de algumas imagens que possam trazer para a cena elementos da 
complexidade desse mundo, sem tentar dar conta de um arcabouço que se sinta 
plenamente satisfeito com o que for feito. Mas só como uma certa oferta de 
28
possibilidades de chegada nesse lugar como um de seus habitantes, que quer se 
ver ali nas suas implicações, naquele lugar em que não há como separar “o joio 
do trigo”, em que não é mais possível não se ver como constituinte e constituído 
nesse mundo.
Essa oferta é feita com a intenção de ajudar a abrir para cada um de seus 
habitantes um “olhar” de si como múltiplos, repetidos e diferentes, considerando 
a impossibilidade de só se agir sobre, pois está atado a uma exigência: que aja com 
e nesse mundo, junto com todos os habitantes que ali encontrar, que ocupam, 
também, como múltiplos, repetidos e diferentes as mesmas possibilidades de 
potência de produção desse mundo na sua repetição e diferenciação. Desafio 
que, visto do lugar da educação, pode pautar a possibilidade de entendê-la 
também como desaprendizagem.
As imagens que utilizo para avançar e esclarecer essas intricadas questões são:
O mundo do trabalho é lugar de captura
Não surpreende ninguém constatar que nas atividades produtivas de qualquer 
tipo - cozinhando, fazendo móveis, uma consulta médica, uma ação burocrática, 
escrevendo um livro, entre outras - o trabalhador está submetido a uma certa 
normatividade que se antepõe a ele no momento do ato produtivo. Sem certos 
instrumentos de trabalho, sem certas matérias primas, sem uma certa forma de 
fazer, por aí vai, não se chega no final do ato produtivo; e, de alguma maneira, 
sem uma certa “antevisão” da própria atividade também não. Saber o que se 
quer produzir é dado no ato.
No mínimo, por isso é que se diz que o mundo do trabalho é um lugar 
de captura de ações produtivas do trabalhador, pois ele está inserido nesses 
vários “dados” a priori para fazer sua atividade produtiva; e, sem dúvida, ficar 
atento às infinitas situações possíveis no mundo humano permite ver muito 
mais possibilidades de construções de capturas a que se está submetido como 
trabalhadores, e pode-se mapear o quanto de repetição tem entre todos que 
estão no interior dele. Será essa a única e definitiva marca desse mundo?
O mundo do trabalho é lugar de liberdade
Também não se tem muita dificuldade em perceber que em todo ato produtivo 
existe um certo jeitinho de quem está trabalhando na hora da atividade produtiva. 
Mesmo em processos produtivos muito normatizados, como aqueles em que o 
29
CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
produto é “único” e define o rumo dos atos produtivos, olhando bem de perto, 
percebe-se que há variações no modo de agir na hora da atividade produtiva 
dependendo de quem é o trabalhador que está realizando aquela atividade.
Não são poucas as evidências de que, mesmo em fábricas bem normatizadas, 
a liberdade de agir do trabalhador, como que um certo escape dessa excessiva 
normatização, muita vezes é o que possibilita a chegada do processo produtivo a 
bom termo. O que obriga a um reconhecimento de que, mesmo em situações muito 
“fechadas”, pelo menos o cálculo humano e a construção de caminhos estratégicos, 
como atividades mentais em ato para a ação, são sempre elementos-chaves.
Isso é bem mais forte em processos produtivos mais abertos, nos quais se tem 
dificuldade em ter um único formato para o produto final, como, por exemplo, 
emprocessos produtivos da área de serviço que se realizam através do encontro 
de “indivíduos” nos quais o produto final depende claramente de quem compõe 
o encontro, mesmo que tenha a presença evidente de muitas normas a serem 
seguidas.
Os campos de práticas da Saúde e da educação são bons exemplos da evidência 
e da importância dessa fissura de liberdade que há no mundo capturante dos 
processos produtivos. Como será que essa tensão entre captura e liberdade 
opera ou abre desafios para quem se debruça sobre os processos produtivos? 
Talvez chegar um pouco mais de perto na dinâmica do trabalho possa ajudar.
O mundo do trabalho é habitado pela tensão entre o 
trabalho morto e o trabalho vivo
Quando se está na realização de um processo produtivo, há a presença de 
componentes de natureza bem distintas, entre os quais vale destacar aqueles 
que entram nesse processo como produtos de um trabalho anterior. Esse é o 
caso de uma máquina, de um conhecimento que o trabalhador já tem e usa 
para o seu trabalho, das regras que há na organização desse trabalho, que 
são produzidos por processos produtivos anteriores e se apresentam agora já 
como produtos. Esses produtos que estão em um processo produtivo como um 
elemento meio para serem utilizados nele são denominados de componente 
trabalho morto (TM) desse processo. Isso distingue-os do componente que 
compõe o ato ao vivo dos trabalhadores – o componente trabalho vivo (TV) do 
processo produtivo - que está nesse processo e sem o qual o outro não tem 
sentido nenhum, não “age” produtivamente.
Todo conjunto de atos produtivos carrega em si uma tensão constitutiva entre 
30
os componentes TM e TV, pois as possibilidades de uso do componente TM são 
limitadas (uma máquina que fabrica uma certa peça não consegue produzir 
outra) e as do componente TV são mais abertas, pois os trabalhadores, na forma 
em ato de utilizar o TM, podem dar outro sentido para esse componente. Isso 
é mais evidente quanto “menos material” for esse componente TM, como é o 
caso do conhecimento como elemento meio de um processo produtivo, que 
pode ser manejado pelo TV em ato do trabalhador de modos muito abertos.
Assim, também vale a pena distinguir elementos materiais mais duros (as 
má quinas, as estruturas físicas) dos materiais mais leves (conhecimentos tecno-
lógicos) e outros mais leves ainda (os que só se apresentam para o processo 
produtivo no ato do TV). Olhar e mapear os processos produtivos pela composição 
e arranjos desses componentes e elementos, e as formas como se articulam para 
funcionarem produtivamente, permite-nos “ver” tensões e disputas operando 
no cotidiano dos processos produtivos e dos jogos de captura e liberdade que os 
habitam; além de abrir uma certa noção de que há processos produtivos mais 
permeáveis à presença do TV em ato do que outros. É esse o caso dos trabalhos 
na Saúde, produtores de cuidado, e, na educação, produtores de “formação”.
O mundo do trabalho é polifônico e polissêmico
Perceber a presença de muitas vozes ali no cotidiano do trabalho é algo que 
não parece muito difícil se ficarmos bem atentos à quantidade de ruídos que 
são produzidos em qualquer processo produtivo. Considerando o ruído como 
uma expressão de “desencontros” na busca de processos comunicativos entre 
os que compõem uma organização produtiva, há vários exemplos que podem 
exemplificar como essa produção de ruídos é presença permanente de qualquer 
“ambiente” organizacional, na base do qual agem tensamente TV e TM e muitos 
atores / sujeitos da ação.
Um dos mais evidentes são os ruídos produzidos pelos agentes organizacionais 
nas formas de ocupação e ação dos espaços formais e informais que existem; 
aliás, esses ruídos são mais do que isso, ao se ver que os espaços informais 
são abertamente produzidos pelos agentes, com seus trabalhos vivos em ato, 
como que fundando permanentemente ações de governos paralelos em relação 
àquelas que se realizam nos espaços formais de uma organização.
Mapear a existência e a invenção de espaços informais e os sentidos que são 
produzidos neles é uma boa forma de enxergar o quanto polifônico e polissêmico 
é o mundo do trabalho. E o que isso nos indica? No mínimo que esse mundo 
31
CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
tem elementos em aberto, não capturados, trabalho vivo em ato dependente, 
e que se expressam como tensões e disputas pelo seu sentido. Somado esse 
mapeamento ao anterior, pode-se aproximar da noção de quanto o mundo do 
trabalho é cartográfico, dependente dos modos e maneiras de agir do trabalho 
vivo em ato de cada um e de todos nos seus encontros; e, como tal, construtor 
tanto de espaços de liberdade onde há captura, quanto de novos sentidos onde 
há forças com ambições unicistas.
O mundo do trabalho é habitado por disputas micropolíticas 
e tecnológicas
Quando está acontecendo o ato produtivo, há produção de encontros de 
muitas ordens, muitos dos quais são inclusive imprevisíveis, criando desafios 
para o agir em ato operado pelo trabalho vivo. Há também muitos encontros 
previsíveis e obrigatórios para que certas intenções dos atos produtivos se 
realizem. Por exemplo, no mundo da produção do cuidado, há que se realizar 
essa intencionalidade portada a priori tanto pelo trabalhador quanto pelo 
usuário do seu trabalho; bem como, nesse encontro entre trabalhador e usuário 
ou entre trabalhador e trabalhador para operar essa produção, - previsível e que 
dá sentido para esse tipo de trabalho - há a produção de situações em ato nos 
encontros, com jogos de relações de poder entre todos que abrem o agir para 
imprevisibilidades, que não podem ser manejadas a não ser em ato, e, portanto, 
pelo trabalho vivo em ato de cada um e de todos ao mesmo tempo, como um 
grande acontecer.
A multiplicidade habita esses encontros e convive com a previsibilidade. 
Nessa cartografia dos encontros, nas suas tensões entre o que tem que ser e 
o que pode ser, o mundo do trabalho torna-se lugar produzido e em produção. 
Nesse movimento, aponta-se como elemento importante a ser mirado a tensão 
entre um agir tecnológico, no qual está dada a intenção final do ato, e as ações 
produtivas que devem seguir um sentido dado para a produção, e um outro agir 
que só se define no imediato do acontecimento do encontro e no qual não há 
saber a priori - ou seja, não há TM já dado em geral - que consiga determiná-lo 
ou mesmo definir uma chegada dada a priori, como no anterior.
Como consequência disso, não há mundo do trabalho que não seja uma 
disputa permanente entre lógicas produtivas e, mais, não há mundo do trabalho 
em que essa disputa possa ser anulada, o que exige sempre o manejo de muito 
poder por parte de quem quer impor uma única lógica para o mundo produtivo. 
32
E, ainda, quanto mais habitado por muitos e distintos tipos de operadores 
produtivos, mais aberto a tensões e disputas esse mundo se encontra. Por isso, 
os mundos da produção do cuidado e da formação são sempre à flor da pele.
Deve-se ficar atento também ao que acrescentam nesse tipo de mundo as 
disputas que os usuários podem operar. Quando os usuários se relacionam 
diretamente com os atos produtivos, não havendo separação entre produção e 
consumo, em relação ao usuário final, o nível de tensão e disputa é ampliado, 
pois esse novo território de subjetivação - os usuários - passa a também compor 
os sentidos dos atos produtivos em si. Veja que em um mundo do trabalho 
no qual o usuário é virtual, pois só se relaciona com o consumo do produto 
finalizado, essa tensão e disputa estão bem mediatizadas e são mais manejáveis 
a partir do mundo produtivo.
Nesse amplo jogo, chamo a atenção para uma outra questão que está 
aí embutida: não há separação entre gestão e atos produtivos, ou seja, no 
mundo do trabalho, todo mundo governa,e não só os governantes formais, 
como se costumaimaginar; aliás isso já poderia ter sido percebido quando falei 
anteriormente de governos paralelos nas organizações, que são construídos e 
conduzidos pela produção dos espaços institucionais informais.
O mundo do trabalho em Saúde, que promete a produção do 
cuidado, é uma cartografia do trabalho vivo em ato
No encontro entre uma equipe de trabalhadores de Saúde e os usuários, há 
a promessa, socialmente construída, de que ali será processada a produção do 
cuidado, seja o que isso possa expressar para cada um que esteja nesse encontro.
Não são poucas as diferentes formas de referenciar, para distintos compo-
nentes de uma sociedade, o que seja Saúde e cuidado; entretanto, para qualquer 
uma delas, há sempre uma certa forma de se “desejar” com isso um certo 
modo de andar a vida. Modo esse que varia amplamente em sentido conforme 
subjetivações que se operam nesses distintos componentes. Há aqueles para os 
quais andar na vida é ir e voltar de uma jornada de trabalho; para outros, é fazer 
conexões com outros “viventes” - e ponto. 
Nesse ponto dos encontros entre a equipe e os usuários, já operam em 
aberto muitas possibilidades produtivas, pois a própria finalidade do encontro 
encontra-se em disputa. Não bastasse isso para mostrar o quanto esse mundo 
do trabalho é trabalho vivo em ato, há ainda as várias alternativas tecnológicas 
de dar sentido a algumas das possibilidades produtivas desse mundo. Ou seja, 
33
CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
construir caminhos tecnológicos que permitem apostar em certa produção 
de vida e não em outra. E, aí, entram em jogo as muitas possíveis tecnologias 
não duras que conduzem essa produção, como: os saberes tecnológicos que 
compõem o campo da clínica e os modos de conduzir em ato os encontros como 
relações de poder entre e sobre a vida dos que ali estão, sejam usuários, sejam 
trabalhadores. 
Nessa direção, é que aponto a seguinte ideia que elaborei em uma conversa 
com Flávia Freire, em uma discussão sobre o que há de muito peculiar no mundo 
da produção do cuidado em termos de capturas e liberdades, no campo dos 
agires, tecnológicos ou não:
“O raciocínio é que, em um encontro no qual se promete 
a produção do cuidado, o que marca como referente sim-
bó lico o campo da Saúde, há transversalizações de muitos 
platôs de produção de vida que não podem ser tomados 
como objeto desse campo; e outros que podem, ao serem 
capturados pelas ações que aquela promessa procura operar 
nesse encontro, através de ações produtivas conduzidas 
tecnologicamente. Nesse processo de produção do cuidado, 
então, há uma tensão entre a possibilidade tecnológica e 
a não tecnológica do encontro realizar certas promessas 
como a produção de uma ação terapêutica; pois esse en-
con tro abre-se para produções intencionais cujo efeito é a 
terapêutica como finalidade, mas também para produções 
que têm efeito terapêutico, mesmo que não seja intencional, 
na medida em que o encontro no mundo da produção do 
cuidado tem todas as transversalizações operando sobre o 
processo autopoiético de produção de vida, que é múltiplo 
e não obrigatoriamente capturado por agires tecnológicos.
Por isso, Castoriadis disse que, em um processo analítico, 
nem toda a teoria do mundo permite dar conta dos acon-
te cimentos que aí operam. Nessa medida é que falo que 
uma residência como moradia tem efeito terapêutico não 
previsto.
Se essa cartografia da produção do cuidado fica clara, 
pode-se colocar nela o lugar e a promessa que a clínica faz, 
bem como qualquer outra lógica de biopoder como poder 
sobre a vida e da vida, que é o que a clínica é, enfim. Ela não 
pode escapar disso, por mais ampliada que seja. E isso não 
quer dizer que ela não seja um elemento do agir tecnológico, 
leve-duro, fundamental, pois o modo como ela opera abre 
34
ou fecha, como um pulsar, as outras transversalizações 
conectadas com a autopoiese da vida.
Por isso, importa, sim, perguntar que clínica fazemos ou 
queremos? Por isso, é possível entender a clínica também 
como dispositivo agenciador de subjetivações.”
Neste sentido, é importante fazer perguntas para qualquer tipo de incor-
po ração de saberes tecnológicos que se está realizando no ato da produção 
do cuidado e colocá-lo em análise ético-política interrogando em que tipo de 
produção de vida se está apostando, com quem e como. Só desse modo pode-se 
compreender por que há fracasso terapêutico em lugares em que só se espera 
sucesso e o contrário, onde imagina-se fracasso.
Veja que não é evidente, pelas teorias mais predominantes do trabalho em 
Saúde, que valoram o lugar determinante dos saberes e das tecnologias duras, 
praticamente desconhecendo as tecnologias leves, produções do trabalho 
vivo em ato produzidas, o porquê há tanto fracasso terapêutico no cuidado ao 
tuberculoso, se tudo sobre a doença e sobre os cuidados medicamentosos é 
muito conhecido. Pode-se fazer bem os diagnósticos, além de haver arsenais 
antibacterianos potentes. No entanto, o fracasso é inquestionável. Mas, ao se 
olhar como os processos relacionais são produzidos nesses processos de cuidado 
entre as equipes de trabalhadores da Saúde e os “doentes-tuberculosos”, dá para 
imaginar que não há muito o que duvidar, se o chamado “doente” abandonar 
o tratamento. A não produção de acolhimento, vínculo e responsabilização, 
dentre várias outras possibilidades de produções do trabalho vivo em ato 
realizadas, leva a um conjunto de ações do “usuário” do trabalho em Saúde que 
opera a construção do resultado: fracasso terapêutico. Por outro lado, não se 
consegue explicar por que tantos hipertensos, mesmo sem frequentar redes de 
cuidado oficiais, são conduzidos e se conduzem rumo a sucessos terapêuticos. 
Há perspicácias no viver que têm sido pouco compreendidas nos modelos atuais 
de condução do trabalho em Saúde, centrado nas tecnologias dura e leve-dura.
Para alargar e autointerrogar o que efetivamente se está fazendo com as ações 
tecnológicas e ampliar a possibilidade de compreender os efeitos terapêuticos dos 
encontros dos trabalhadores com os usuários no mundo do trabalho em Saúde, 
para além das possibilidades do universo das ações tecnológicas, a incorporação 
de uma visão cartográfica da produção do cuidado, como território do trabalho 
vivo em ato, abre a construção de processos coletivos de autointerrogações dos 
que ali estão constituindo-a e ali estão sendo constituídos. 
35
CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
O mundo do trabalho na Saúde pede a desaprendizagem 
para poder apreender novas lógicas produzidas pela 
perspicácia do viver
Criar situações individuais e coletivas de autointerrogar o próprio sentido do 
fazer no mundo do trabalho - colocando como sua base a pergunta sobre o que faz 
com o trabalho vivo em ato, para onde ele é apontado em termos ético-políticos 
(produz mais vida ou não) - traz também novas perguntas, como, por exemplo, o 
que se faz com o que já se sabe fazer e com o que se acha que se deve fazer sobre 
ou junto com os outros, com quem se encontra no mundo do trabalho.
Perguntas que podem implicar em trazer esse outro para uma composição 
conjunta de um modo de realizar os atos produtivos, que não mais comportam 
o que já se tem de formatado para esse outro, mas sim o que se pode realizar 
em ato junto com ou mesmo para uma abertura que permita ver esse outro já 
em movimento de produção de um viver, e assim ressignificando o que já se 
sabe, de forma que uma certa doutrina a ser seguida passa a ser posicionada 
como ferramenta para compor uma ação de interseção, ou seja, que se constitui 
no encontro com o outro, e só com esse outro, em encontro, existe. Significa 
abandonar o impulso de seguir uma ordem e dar ordens no fazer a produção 
do cuidado.
Com isso, talvez se seja levado a interrogar como construir, eminterseção 
com esse outro em nós e vice-versa, a desaprendizagem e, assim, colocar as 
possibilidades de ocupar esse vazio produzido com novos sentidos e lógicas 
construídas ali em ato nesses encontros-acontecimentos, nos quais está imerso 
nos trabalhos, intensamente, o trabalho vivo em ato, como o é o da Saúde e 
também o da educação.
Isso implica colocar entre parênteses, parafraseando Basaglia, o sabido a 
priori que há nesses campos de práticas, para deixar vazar em cada um e nos 
outros a nova constitutividade que se tem ao se construir com o outro novas 
possibilidades para os modos de andar a vida, tomando como base os processos 
de viver que, de modos perspicazes, são construídos de maneira efetiva por 
cada um e por qualquer um. Isso permite ser afetado por essas perspicácias e se 
autointerrogar, inclusive como coletivo que se é.
A chance de que se venha a conectar novos processos de produção 
autopoiéticos de vida é alta, mas nunca uma garantia e uma obrigação. O operar 
em alteridade com o outro na produção do viver implica sempre um disputar, 
36
sempre uma tensão. Mas o que interessa aqui é a possibilidade da sua expressão 
em ato no próprio processo de condução dos modos de viver e as interrogações 
partilhadas que isso pode provocar pela própria perspicácia do viver em coletivos. 
Viver é uma sabedoria que amplia suas oportunidades nos encontros com os 
outros em ato, que também vivem.
Talvez essa seja a plataforma básica que os trabalhos no campo da Saúde e da 
educação devam ter como seu fundante e aí estaquear suas bases ético-políticas 
para a ação.
Agir com o outro na interseção dos encontros que ali operam, produzindo 
modos de viver, talvez seja o sentido mais interessante desses trabalhos. Colocar 
os saberes tecnológicos a serviço disso no interior dos atos produtivos talvez 
seja a grande apreensão possível para quem procurar desaprender os modos 
predominantes desses campos de práticas, se realizarem, hoje, quando a vida 
virou um objeto de manejo e não uma conexão autopoiética no mundo, como 
produção coletiva.
Guattari, no seu 3 Ecologia, já alertava, a todos, e de forma intensa, sobre 
essa busca de um novo paradigma ético-estético para ser-estar no mundo, hoje, 
ao pautar a necessidade de uma construção anticapitalística no modo de ser; 
ao enfatizar a aposta radical na produção da vida em escala planetária e não na 
morte, em cada conexão que se fizer.
Desafio final
De posse dessas imagens analisadoras, pode-se olhar de modo mais vibrátil 
o mundo do trabalho onde se está e no qual se chega. Obriga-se a mirar o que 
são os “outros” em cada um de nós e para nós, levando cada um a se ver no 
outro de modo implicado através dessas imagens-dispositivos e se desconstruir 
- construindo novos sentidos para estar ali e agir ali como seu constituinte. Pode-
se assim fazer escolhas de vozes, de capturas e liberdades, pode-se escolher 
alguns territórios de implicações, pode-se, entre tantas possibilidades, escolher 
algumas que nos encarnam: apostar na produção da vida de modo solidário ou 
solitário. Viver e morrer de modo prudente, sem conduzir produção de morte 
no outro. Por fim, convoco cada um a construir suas imagens-dispositivos para 
se ver e andar pelas perspicácias que cada um constitui no mundo do trabalho 
da educação e da saúde, lugar centralmente operado pelo trabalho vivo em ato 
e só existente na interseção do encontro com o outro.
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CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
A INSTITUIÇÃO DO NOVO: 
PREPARANDO O TRABALHO 
COM A COISA MENTAL
Marcus Vinícius de Oliveira
Bom dia a todos e a todas. Quero dizer que é uma satisfação muito grande 
estar aqui nesta Escola, agradecer a Ana Marta, bem como à equipe da Escola pelo 
convite, sempre gentil, sempre laborioso, para trabalhar, para fazer coisas, para 
colocar o pensamento em movimento. Considerando o tempo curto, vou fazer 
ao modo do Emerson: lançar algumas teses relativas ao modo como os aspec tos 
básicos da formação chegaram ao meu recenseamento, destacando o que não 
poderia deixar de ser dito quando se trata de selecionar aspectos bási cos.
Uma primeira questão que sempre me preocupa: aqueles que militam no 
campo do instituinte, que militam no campo da produção de uma alternativa 
ao que está já estabelecido como sendo a realidade, buscando instituir os 
saberes e práticas que são candidatos à realidade, aqueles saberes e práticas 
utópicos necessários para darmos um nome para essas coisas que produzimos, 
concorrem em condições muito desiguais com os saberes e práticas já esta be-
le cidos e hegemônicos. A mera invocação de uma pretensa superioridade das 
suas racionalidades ou da sua ética, ainda que seja bom argumento, não lhes 
garante passagem. Portanto, sobre esses saberes e práticas que são candidatos 
à realidade recai todo o ônus da viabilização daquelas condições políticas vitais 
para sua autoexpressão. Mais do que a força da sua racionalidade, será sua 
competência estratégica que permitirá o seu estabelecimento. 
Estou querendo dizer que o nosso negócio é esse. É instituir um real que não 
existe. E nós não podemos reclamar das dificuldades ou reivindicar passagem só 
porque nós temos um real que achamos que é muito mais interessante para se 
instalar, um devir muito mais interessante para oferecer para a humanidade. 
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Quem tem um devir muito mais interessante que o demonstre: isso implica 
que nós sejamos estratégicos. A competência política, portanto, deve ser um 
dos recursos fundamentais para que nós possamos estabelecer esses saberes 
instituintes na condição de instituição. E, depois que eles se instituem, é preciso 
tomar muito cuidado. 
Vejam, por exemplo, como uma noção tão interessante, que é a noção de 
CAPS, quando ela efetivamente vai se consolidando, se instituindo, vai também 
se burocratizando, se cristalizando. Então, esse processo instituinte-instituído é 
um processo ao qual nós temos de estar permanentemente atentos, sabendo 
que isso depende de uma grande competência política e de uma permanente 
atitude de crítica.
Uma outra questão que eu queria trazer é uma interrogação acerca desse 
significante “Saúde mental”, até porque o seminário chama-se Saúde Mental: 
os desafios da formação. Quero dizer que, embora muitas vezes utilizados de 
modo indistinto, os campos da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica e da luta 
antimanicomial, apesar de se sobreporem em algumas esferas, porque têm em 
comum, em graus distintos, a problemática relativa à existência do manicômio 
e suas consequências, não se confundem. Por isso é preciso sempre frisar que 
eles são campos que têm origens distintas, escopos diferentes e são formados 
por saberes que não se equivalem.
Estou querendo dizer que muitas vezes nós usamos indis tin tamente os 
termos Reforma Psiquiátrica, Saúde Mental, luta antimanicomial como se 
fossem absolutamente orgânicos e fossem apenas uma derivação semântica da 
mesma coisa. Eu quero pensar que nós temos que apurar um pouco quais são 
as questões que estão por detrás dos projetos da Saúde Mental, da Reforma 
Psiquiátrica e da luta antimanicomial. Para assim distinguir, é óbvio, aqueles 
pontos que são convergentes, aqueles pontos que são comuns, mas também 
para sinalizar e localizar aquilo que não é transferível ou aproveitável de um 
campo para outro.
Ainda outra ideia. Embora os fenômenos relacionados à loucura e à aflição 
encontrem-se fortemente inscritos no campo sanitário desde o século XVIII - 
sobretudo a partir da Lei dos Loucos que, em 1838, na França, deu à Medicina a 
hegemonia e o domínio legal sobre a loucura - por mais que se amplie o conceito 
de Saúde, haverá sempre algo de inadequado nessa inscrição. Estou querendo 
dizer para vocês que eu penso que a inscrição da problemática da loucura e da 
aflição no campo da Saúde tem sido e será sempre uma inscriçãoproblemática. 
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CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
Há, no conceito de Saúde, uma dimensão que se enreda com a produção 
de ordem, que é ineliminável. Mesmo que consideremos, como Canguilhem 
ou como o nosso Emerson Merhy, a ideia da anomalia ou a ideia da produção 
da autorregulação como uma das características da Saúde, mesmo que 
consideremos conceitos avançados de Saúde, há algo no conceito de Saúde 
que torna este espaço, o campo sanitário, como um campo problemático para o 
manejo do tema da loucura, da aflição, da desorganização. 
Estou querendo reafirmar uma ideia, que sempre trago, de que esses temas 
estão ligados com a temática da cultura, e é óbvio que a Saúde faz parte do 
tema da cultura, mas, radicalmente, nós estamos falando é de mudança e 
transformação cultural. E aí os recursos interpretativos do campo sanitário têm 
sempre um limite; mesmo que tenhamos uma antropologia médica, mesmo 
que tenhamos uma etno-psiquiatria, sempre há um limite na transferência das 
questões que são do campo sanitário para o campo da cultura. 
A Saúde é uma forma de estruturação dentro do campo da cultura. E, como 
tal, talvez ela não seja um campo tão favorável ao desenvolvimento de conceitos 
que pensam o tema do transbordamento, da desorganização paroxística, como 
coloca o tema da loucura. Ou seja, a tendência da Saúde vai ser sempre produzir 
uma certa constrição para a loucura. O tema da cultura também é produção de 
constrição para a loucura, mas, no campo da Saúde e de seus compromissos com 
a ordem, essa constrição recebe formas específicas; eu tenho a impressão de 
que o Merhy tocava nisso quando disse que a preeminência desse segmento que 
aposta e investe nessa dimensão é a preeminência de um segmento nitidamente 
ligado às práticas de controle. 
Quero então trazer uma outra ideia: a de que os saberes médicos e psicológicos 
que foram produzidos historicamente em torno da loucura e da aflição devem 
todos ser colocados em suspeição a partir de seus efeitos históricos práticos. Quer 
dizer: nós temos pouquíssimas coisas instituídas de saber médico-psicológico 
que mereçam ser levadas a sério quando se trata da desinstitucionalização da 
loucura. Haja visto que durante a sua instituição, por mais de duzentos e tantos 
anos, esses saberes produziram o que produziram: a exclusão da loucura, o seu 
manejo manicomial, convertida em desvio e doença. 
Então, se queremos produzir outra coisa, como fazemos agora, sua produção 
pressupõe uma coragem para negar esses saberes como sendo capazes e ade-
quados para lidar com o nosso campo de problemas. Isso não é novidade. Quem 
fez isso com brilhantismo e nos ensinou assim foi Franco Basaglia, que afirmava 
ser fundamental negar o saber estabelecido, porque ele até agora esta beleceu o 
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que estabeleceu. Se a Psiquiatria colocou o homem entre parên teses em nome 
da doença, é preciso colocar entre parênteses esse saber em nome do homem. 
Então, isso traz a questão de que vamos operar neste campo novo que 
quer se instituir, neste projeto utópico - que é para mim o projeto da luta 
antimanicomial, já que acredito que nós podemos ter reformas psiquiátricas 
muito compatíveis com a ordem das Saúdes mentais; no entanto, o que acho 
difícil de ser compatível com a ordem é essa tal luta antimanicomial. 
A luta antimanicomial é o espaço dentro dessa geografia que problematiza a 
inscrição da desorganização no âmbito da cultura. E só nós fazemos isso de cara 
aberta, de peito aberto. Só nós dizemos claramente para a cultura: não, o sujeito 
não precisa remir todos os sintomas para ter direito à assistência plena como 
cidadão no âmbito da comunidade. Só nós dizemos: não, nós temos que aceitar 
que a sua dimensão desorganizada, mesmo se inconforme com as práticas e os 
costumes, possa ter lugar. E só nós pedimos, exigimos da cultura, que ela abra 
espaço para que a loucura possa ter cabimento. 
Queria marcar que distingo isso como algo que é, digamos, o que nós temos 
de diferencial enquanto luta antimanicomial. Esse é um dos nossos diferenciais 
em relação a esse campo da Saúde, a esse campo da Reforma Psiquiátrica e 
a esse campo da Saúde Mental. Saúde mental é muito problemático. Muito 
problemático! O conceito de Saúde mental é um conceito que nós manejamos, 
porque, de alguma forma, é lá que estão inscritas as verbas do Ministério da 
Saúde, a pesquisa do CNPq e os comitês todos - mas Saúde mental é uma ideia 
muito problemática. 
A maior parte das coisas que se produzem na Saúde Mental são ideias muito 
problemáticas. São sempre de grande conformidade com a ordem instituída. 
São ideias da produção de estados disciplinados, de estados ordenados dentro 
de certas dinâmicas sociais muito lineares, “caretas”, e às vezes muito chatas. 
Instrumentais e perigosas no sentido da sua intenção de produzir o “bem” para 
as pessoas. Estar com a Saúde Mental não me parece às vezes muito legal. 
Bem, aí vem então mais outra dimensão, dentre as coisas a se ensinar e a se 
aprender no “preparo para o trabalho com a coisa mental”. E essa expressão, 
quero registrar, aprendi com a nossa querida Ana Marta Lobosque, e gosto 
muito dela por achá-la precisa na definição das tarefas denominadas como as 
de formação dos profissionais. É verdade que não tenho ouvido muitas pessoas 
usando essa expressão, mas eu continuo achando que é a melhor forma de dizer 
do problema que nós estamos tratando aqui. Como é que se prepara alguém 
para o trabalho com a “coisa mental”? 
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CADERNO SAUDE MENTAL 3 - SAÚDE MENTAL: OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO
“Coisa mental” é uma expressão muito boa, porque consegue ficar se esguei-
rando da inscrição nos campos disciplinares da psicologia, da psiquiatria, da 
psicanálise. Consegue manter esse fenômeno, de alguma forma, num jogo de 
esquiva com a tentativa de captura desses saberes. Pelo menos, assim eu tenho 
me definido: estou me dedicando atualmente a investigar, a contribuir com os 
processos de preparo para o trabalho com a “coisa mental”. 
Estou tomando essa questão do preparo para o trabalho com a “coisa 
mental” como uma tarefa de invenção, já que os saberes que estão aí são muito 
imprestáveis, a maior parte dos saberes tradicionais produzidos no campo 
médico e psicológico é muito pouco útil para fazer o que nós precisamos fazer. 
Então, nós precisamos buscar outras fontes. 
Primeiro, nós inventamos um bando de coisas. Estamos aqui diante de 
um inventor de um monte de coisas, estou me referindo ao Emerson Merhy. 
Todo dia ele inventa uma palavrinha nova; eu particularmente gosto muito 
das palavrinhas que ele inventou, como as “tecnologias leves”. É um grande 
achado, uma ideia interessantíssima para falar de uma invenção, do que é que 
nós fazemos. Vejam só: tecnologias leves são fundamentais para o preparo 
para o trabalho com a “coisa mental”. Vejam que fantástico! Olha que frase que 
ninguém enquadra em lugar nenhum: tecnologias leves para o preparo para o 
trabalho com a “coisa mental”. 
Acho que esse é o desafio. Esse é o desafio de produzir teorização. É 
achar formas de dizer que não sejam capturáveis nos discursos que já estão 
estabelecidos, e que eu acho que há muito pouco neles que sirva para aquilo que 
precisamos fazer, para as necessidades que temos. Um dos temas desse preparo 
para o trabalho com a “coisa mental” que tem me chamado a atenção é aquela 
dimensão que pressupõe uma habilidade, uma competência, uma capacidade 
dos técnicos, dos operadores, que eu tenho chamado de tecnologias relacionais 
baseadas nos manejos vinculares. 
Então, tecnologias relacionais baseadas nos manejos vinculares: se vocês 
forem ver, boa parte do que precisamos para o trabalho com a “coisa mental” 
está relacionada com tecnologias relacionais. Tecnologias em que se usa relação 
para manejar, a partir do vínculo, interesses e direções os mais variados.

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