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sença internacional - os professores Denise Jodelet, da École de Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, e Robert Farr, da London School of Economics and Political Science - cuja contribuição para o desenvolvimento da Psicologia Social contemporânea é por demais reconheci- da. Ambos se dispusera.Ill a refletir conosco sobre os rumos da Psicologia Social contemporânea, e sqbre o que se pode considerar a contribuição específica de hossa região, mar- cada por tantos contrastes sociais e smlturais, para adis- ciplina como um todo. Busca.Illos assim explorar as questões que nos fora.Ill 1 colocadas pela própria dinâmica de nossa sociedade, mar- çada por uma clivagem social e cultural de proporções eJtageradas. Em que medida a associação entre a observa- ção sistemática do funciona.Illento dos grupos e a ação daí decorrente, em uma sociedade com essas características, nos teria levado a buscar novos modelds de análise do social, incorporando as contribuições elaboradas em outros tempos e lugares em uma síntese original? Esta foi a questão central colocada aos colegas participantes do Colóquio. Cada um a elaborou à sua maneira, a partir de sua própria experiência. O resultado é de uma riqueza e de uma profundidade surpreendentes. Todos os participantes se engajara.Ill na discussão e iniciara.Ill um diálogo ao qual, espera.Illos, possa.Illos dar continuidade em outras oportunidades. Es- peramos sobretudo que esta discussão contribua para apontar caminhos para o futuro da psicologia social na América Latina. 10 -A INDIVIDUALIZA.ÇAO DA PSICOLOGIA SOCIAL 1 Robert M. Farr t" V "Enquanto as raízes da psicologia social estão plantadas no solo intelectual de toda a tradição ocidental, seu flores- cimento no presente é reconhecido como um fenômeno tipicamente norte-americano" (Allport 1954). Meu ponto de entrada no processo histórico é o capí- tulo clássico de Allport sobre as bases da psicologia social moderna (Allport 1954). Ele marca o ponto de transição entre o longo passado da psicologia social como parte do conjunto da tradição ocidental e sua curta história como uma ciência social experimental, principalmente norte- a.Illericana. O texto se inscreve na abordagem da história das idéias à escrita da história. Sa.Illelson (1974) criticou Allport por criar um falso mito de origem para a psicologia social, e por apresentar uma interpretação "whig"2 dessa história. Tendo escolhido Comte como o fundador, Allport 1. "The individualization of social psychology in North America", apresentado por Robert Farr no Colóquio Internacional: Paradigmas em Psicologia Social para a América Latina, Universidade Federal de Minas Gerais, setembro de 1997. Tradução de Regina Helena de Freitas Campos. 2. A expressão "abordage.m Wnig", entre histcriadores, refere-se à tendênda do historiador em tomar como referência o presente para reconstruir o passado, o que acarreta um desvio conhecido como "presentismo", no qual os eventos são interpretados do ponto de vista daquilo que foi bem-sucedido e sobreviveu até a atualidade. A origem da expressão pode ser encontrada na obra dos críticos da historiografia inglesa do século XIX, que avaliavam que a história política da Inglaterra não teria sido reconstruída com rigor pelo fato de seus historiadores tenderem a se identificar com o lado "vencedor", isto é, com a tradição protestante dos Whigs, agrupamento político dos séculos XVIII e XIX que visava limitar a autoridade real e aumentar os poderes do parlamento (cf. WOODWARD, W . "Toward a criticai historiography of psychology". ln BRO- ZEK, J., PONGRATZ, L. Historiography of Modem Psychology. Toronto: C.J. Hogrefe, 1980, p. 29-67). Nota da tradutora. 11 li estava refletindo sua própria crença de que a psicologia social tinha então entrado na fase positiva de seu desen- volvimento como uma ciência social moderna. Farr (1991) critica Lindzey e Aronson (1968/1969, 1985) por reterem, com algumas pequenas modificações, o relato de Allport em edições subseqüentes do Handbook of Social Psycholo- gy. Isto, associado a certas mudanças editoriais, reflete, segundo Farr, a influência das filosofias da ciência positi- vistas na elaboração dos relatos sobre a psicologia social ná. era moderna. (. As raízes da psicologia social ·- º conjunto da tradição intelectual ocidental As raízes, aqui, devem ser encontradas nas ciências humanas e sociais (Smith 1997; Jahoda 1992) e são esseri- cialmente européias. Antes de Comte, segundo Allport (1954), as raízes da psicologia social podem ser localizadas na área que, hoje em dia, seria denominada ciência políti- ca. Eram teorias sobre a essência das relações entre a natureza humana e o estado. Allport concedeu algum es- paço, por exemplo, a uma exposição sobre o Leviatã, de Hobbes (incluindo uma página inteira com a reprodução do frontispício do livro de Hobbes). Aqui, estamos no terreno da especulação, que faz parte do período que Comte chamou de fase metafísica na evolução de qualquer disciplina. De minha parte, prefiro começar com a emergência da tradição da Wissenschaft no interior do sistema uni- versitário alemão que marcou o nascimento da universi- dade moderna (Farr, 1996). Essa tradição data do tempo em que Humboldt restabeleceu a Universidade de Ber- lim, em 1809. Desenvolveu-se então uma controvérsia en- tre as Geistesvvissenschaften (que se pode traduzir apro- ximadamente por ciências humanas e sociais) e as Natur- wissenschaften (ciências naturais). Aqui temos uma con- trovérsia entre duas formas rivais de ciência. A psicologia social, pelo menos em termos de suas raízes européias, era parte das Geistesvvissenschaften, haja vista os dez volu- 12 mes da Võlkerpsychologie (Wundt 1900-20). Manicas (1987) relata a transformação dessa tradição européia das Geistesvvissenschaften depois que elas cruzaram o Atlân.., tico e deitaram raízes (ou melhor, não deitaram raízes) no solo norte-americano. Fenômenos mentais coletivos No ano de 1998, temos o cent~ário do conceito de re- presentação coletiva de Durkheiin (Durkheim 1898). Ao distinguir representações coletivas de representações in- dividuais (as primeiras sendo objetos de estudo da socio- logia), Durkheim efetivamente separou a sociologia ·da psicologia, criando, em conseqüência, uma crise de iden- tidade para os psicólogos sociais, que eles não foram capazes de resolver no curso deste século. A psicologia social poderia se desenvolver e efetivamente se desenvol- veu no contexto de qualquer uma das disciplinas paren- tais. Existem na atualidade formas tanto psicológicas quanto sociológicas de psicologia social. Durkheim não estava sozinho ao insistir que fenôme- nos coletivos e individuais deveriam ser tratados separa- damente. Os objetos de estudo da Võlkerpsychologie de Wundt eram a linguagem, a religião, os costumes, o mito, a magia e os fenômenos cognatos. Estes objetos, que seriam comparáveis às representações coletivas de Durk- heim, não poderiam ser explicados em termos da consciên- cia do indivíduo, base da sua ciência de laboratório. Wundt, como Durkheim, era um anti-reducionista severo. É por isso que ele procurou separar sua psicologia social de sua psicologia experimental, tratando-as como dois projetos completamente distintos. A mente em suas manifestações externas (isto é, as representações coletivas), sendo o produto da interação de muitos, era diferente da mente em suas manifestações internas, reveladas, por exemplo, pela introspecção. Le Bon (1895) contrastou a racionalidade do indivíduo com a irracionalidade das massas. Nos anos 20, Freud (1921, 1923) transferiu sua atenção do estudo clínico do indivíduo para uma crítica psicanalíticada cultura e dos fenômenos de massa. 13 Os teóricos, cujo trabalho está sumarizado na Figura 1, podem, na atualidade, ser identificados com disciplinas específicas diferentes, por exemplo, a sociologia (Durk- heim}, a psicanálise (Freud), a psicologia (Wundt), a lin- güística (de Saussure}, a filosofia (G.H. Mead), a sociobiologia (McDougall}, a psicologia das massas (Le Boh) e a psicologia social (F.H. Allport). É difícil, a essa distância no tempo, avaliar o quanto cada um deles estava ao par do trabalho dos outros. Hoje em dia, essa possibili- dade seria menos provável, com as barreiras que existem entre as disciplinas. Manicas (1987) construiu um conjunto muito útil de marcos temporais para a separação das Geisteswissenschaften em disciplinas distintas: " ... se, como cientistas sociais, nos puséssemos a imaginar a nós mesmos transportados para Oxford, para a Sorbon- ne, ou para Harvard em, digamos, 1870, não acharíamos quase nada que nos fosse familiar. Não haveria 'departa- mentos' de 'sociologia' ou 'psicologia'; as práticas de pes- quisa dos professores e os modos de instrução graduada nessas instituições seriam na maioria das vezes estra- nhos. Mas acharíamos muito pouca coisa que não nos fosse familiar se fizéssemos uma visita similar a qualquer 'departamento' em qualquer universidade norte-america- -na em 1925" (Manicas 1987, p. 5). FIGURA 1: Níveis de teorização NÍVEL DO FENÔMENO Teórico Individual Intermediário Coletivo Wundt Psicologia Volkerpsychologie Fisiológica Durkheim Representações Representações individuais coletivas LeBom O indivíduo A multidão Freud Estudos climcos ld, Ego, Superego Crítica psicana- lítica da cultura e da sociedade de Saussure Fala Língua Me a d Mente Self Sociedade McDougall Instintos Mente grupal F.H. Allport Comportamento Comportamento do indivíduo institucional, opi- nião pública 14 Reducionismo nas ciências sociais Todos os teóricos importantes identificados na figura 1, com a exceção de F.H. Allport, eram anti-reducionistas. Isto é, eles acreditavam que os fenômenos listados na coluna final não podiam ser explicados em termos dos fenômenos listados na primeira coluna. Some~~ F .H. Allport acreditava ser possível se movimentar do nívehndividual para o coletivo sem modificar o modelo explanatório. Isto porque, para ele, o indivíduo era a última e única realidade: "Não existe uma psicologia dos grupos que não seja es- sencial e inteiramente uma psicologia dos indivíduos. A psicologia social não deve ser colocada em oposição à psicologia do indivíduo: ela é parte da psicologia do indi- víduo ... Não há, da mesma maneira, uma consciência que não pertença aos indivíduos. A psicologia, em todas as suas subdivisões, é uma ciência do indivíduo" (Allport 1924, p. 4). Floyd Allport era um crítico feroz de qualquer um- seja cientista social ou jornalista - que quisesse atribuir ativi- dade a outras entidades que não os indivíduos. Ele atacou a concepção de mente grupal em McDougall (McDougall 1920; Farr 1986). Somente indivíduos têm mentes. Criticou a concepção de mente grupal proposta por McDougall. Só existe a consciência dos indivíduos que fazem parte da multidão - a multidão não pode ser consciente, porque ela não possui um sistema nervoso central. Este argumento prosperou quando a psicologia deixou de ser a ciência da mente e tornou-se a ciência do comportamento. A psicologia social moderna: um fenômeno caracteristicamente norte-americano Psicologia Social (Allport 1924) Neste manual, agora clássico, Floyd Allport (irmão de Gordon) estabeleceu a psicologia social na América como uma ciência experimental e comportamental. Graumann 15 (1986) está correto, na essência, quando argumenta que a principal contribuição de Allport para a psicologia social foi a individualização da disciplina. Esta era uma conse- qüência direta tanto de seu behaviorismo quanto de seu experimentalismo . . , O campo de pesquisa substantivo de Allport na psico- · logi'a social englobava os efeitos da facilitação social. Sua 1 preocupação era avaliar os efeitos, na performance indivi- dual, da presença dos outros, seja como co-autores ou como audiência. Graumann (1986) indica que a origem dessa tradição experimental de pesquisa encontra-se nos estudos de Meumann (1914) e Moede (1914, 1920), feitos na Alemanha, na área da educação. Allport teve cpmo orientador Münsterberg, durante seus estudos doutorais em Harvard. Sua psicologia social deriva, embora indireta- mente, da psicologia experimental de Wundt, e não da Volkerpsychologie. Na verdade, Allport pode ser classifica- do como parte da jovem geração de positivistas que repu- diaram Wundt (Danziger 1979). Wundt acreditava (ver acima) que a psicologia era somente parte do ramo das Naturwissenschaften . Para ele não seria possível, por exemplo, estudar os processos men- tais superiores experimentalmente. Estes seriam parte de sua psicologia social, que por sua vez fazia parte das Geisteswissenschaften. A geração mais jovem de experi- mentalistas rejeitou a afirmação de Wundt de que a psico- logia experimental seria um projeto científico estritamente limitado. Eles se deslocaram para Würzburg, Berlim e outros lugares, para mostrar que era possível estudar os processos mentais superiores experimentalmente. Allport, junto com Meumann e Moede, mostraram que era possível o estudo da psicologia social através da experimentação. Os behavioristas na América, assim como a geração mais jovem de experimentalistas alemães estudada por Danzi- ger, afirmavam que a psicologia era, em seu conjunto, um ramo das ciências naturais, assim repudiando Wundt. A emergência da psicologia social como uma ciência social experimental e comportamental foi, como Gordon Allport (1954) pretendia, um fenômeno caracteristicamente norte- arnericano. Seu irmão Floyd tinha contribuído para que as coisas se passassem assim. 16 Quando Allport escreveu sua Psicologia Social, afirma- ria, de maneira bastante acurada, que mais sociólogos que psicólogos haviam escrito manuais de psicologia social. Esta foi provavelmente a última vez que essa afirmativa seria feita com razão. Jones (1985) organizou, por décadas, o número de manuais escritos por psicólogos e por soció- logos, visando fornecer evidências da dominância das for- mas psicológicas sobre as formas sociológicas de psico- ; logia social. Por volta dos anos 'l!J e 80, os psicólogos se sobrepuseram aos sociólogos ria escrita desse tipo de texto, em uma razão de aproximadamente quatro para um. O texto de Allport de 1924 foi o começo daquilo que veio a se tomar a tradição dominante em Psicologia Social, na sua forma psicológica, na América da era moderna. Examinando a tese de Graumann Graumann (1986) baseou sua tese referente à indivi- dualização do social primariamente em uma leitura atenta do texto de 1924 de Allport. Ele poderia ter fortalecido consideravelmente seu argumento se tivesse ampliado sua leitura de Allport, especialmente no que se refere ao livro de 1933, Institutional Behavior, no qual o reducionis- mo de Allport fica mais evidente. As instituições são ana- lisadas em termos do comportamento dos indivíduos . Tendo em vista o contexto no qual o capítulo foi publi- cado, não é surpreendente que Graumann tenha se con- centrado no relato de Allport sobre o comportamento das multidões. Na literatura da época, as multidões incluíam as instituições. McDougall (1920), por exemplo, em The Group Mind, concentrou-se na análise da moral de institui- ções tais como o exército ou a Igreja. Os estudos experi- mentais de Meumann (1914) e de Moede (1914, 1920), citados anteriormente, tratavam do efeitodo contextó ins- titucional sobre o trabalho escolar. A comparação era feita entre o trabalho feito na escola, onde os efeitos da facilita- ção social podiam ser observados, e o trabalho feito em casa, em condições de isolamento. Se Graumann tivesse incluído a análise de Allport sobre o comportamento insti- tucional, ele teria confirmado sua hipótese de que o beha- viorismo leva à individualização das ciências sociais . 17 ,, li GraurnanÍl não menciona nem mesmo o poderoso apoio dado por Allport às pesquisas de opinião pública, quando elas foram pela primeira vez realizadas na .Arn.érica na década de 1930. Tratava-sedeummétododepesquisaque era inteiramente consistente com o individualismo meto- dológico de Allport. Era também o necessário antídoto, em urna democracia, à unanimidade percebida nas multidões. Os indivíduos encontram-se na condição de isolamento quando respondem às questões das pesqi.lisas de opinião. Contudo, o argumento de Graumann de que a indivi- dualização do social equivale à dessocialização do indiví- duo está inteiramente equivocado. Não existe contradição interna, por exemplo, entre os processos de individua1iza- ção e de socialização na psicologia social de Mead (1934). Em culturas em que o individualismo faz parte de um conjunto importante de valores (com~ por exemplo nos Estados Unidos da América), as cri~ças são educadas para ser indivíduos, e são ao mesmó tempo altamente socializadas. Bronfenbrenner (1970) contrasta dois mun- dos infantis: o norte-americano (que é altamente individua- lista) e o da antiga União Soviética (que é fortemente coletivista). Os processos de socialização eram igualmente fortes de ambos os lados da Cortina de Ferro. As crianças eram socializadas em duas culturas completamente opos- tas. No decorrer da socialização, as ideologias rivais da Guerra Fria mais recente, isto é, o capitalismo e o comu- nismo, tinham seu papel. O relato de Graurnann é insuficiente em outro aspecto. O behaviorismo não era a única força em funcionamento durante os anos de construção da psicologia social indivi- dualista na .Arn.érica do Norte, isto é, os anos entre as duas guerras mundiais, embora certamente representasse a corrente de pensamento mais potente. Gordon, o irmão de Floyd, era um teórico cognitivista, e teve um papel também importante na individualização da psicologia social. Em seu estudo clássico sobre atitudes (Allport 1935), Gordon individualizou o conceito teórico-chave da psicologia so- cial. Naquela época, o conceito de atitude era comum tanto entre sociólogos quanto entre psicólogos. Ele era, e é ainda, um conceito altamente proeminente na psicologia 18 social de tendência psicologizante. Thomas, o conhecido sociólogo de Chicago, definiu a psicologia social nos anos 20 corno "o estudo científico das atitudes sociais". Em SU!i revisão do conceito para o Handbook de Murchison, Gor- don Allport considerou um amplo esp~ctro de definições propostas tanto por sociólogos quanto por psicólogos. Conforme Jaspars e Fraser (1984) demonstraram ampla- . mente, ao editar seletivamente os aspectos coletivos e ; sociais de cada definição, Allp~ realmente individuali- zou o conceito. Ele fez a mesma coisa, como Craik (1993) demonstrou, para o conceito de personalidade (Allport 1937). O ponto que quero ressaltar aqui é que o behaviorismo não era um único dispositivo a favorecer a individualização da psicologia social durante o período entre-guerras. Embora a tese de Graumann seja correta, ela está incompleta. A perspectiva dos psicólogos da Gestalt Há ainda duas correntes adicionais favorecendo a indi- vidualização da psicologia social, além daquela identifica- da por Graurnann. A primeira está associada com a mi- gração dos psicólogos da Gestalt da Áustria e Alemanha para a América (Farr 1996, 110-117). A segunda, relativa à emergência das ciências comportamentais na .Arn.érica na década de 1950, é examinada na seção final deste texto. Koffka migrou para a América em 1927 e Heider em 1930. Wertheimer e Lewin deixaram a Alemanha em 1933, com a ascensão de Hitler ao poder, e outros os seguiram mais tarde. O estudo definitivo da perspectiva da Gestalt, no contexto da cultura norte-americana, foi feito por Ash (1995). Minha preocupação, aqui, é com o que aconteceu depois da emigração dos Gestaltistas para a América, onde, pela primeira vez, eles encontraram o behaviorisn:10 como o paradigma dominante para a pesquisa em psicolo- gia. Estou interessado, primariamente, em Lewin e Heider, uma vez que eles influenciaram diretamente o desenvolvi- mento da psicologia social na .Arn.érica. Wertheirner é im- portante também, especialmente devido a sua influência sobre Solomon Asch. 19 ·- ,, !1 Erribora tenham migrado em diferentes ocasiões e por motivos variados, os psicólogos da Gestalt se encontraram mais ou menos unidos, no contexto norte-americano, em sua oposição ao behaviorismo. O início da Primeira Guerra Mundial marcou o estabelecimento do behaviorismo na América (Watson 1913), e da psicologia da Gestalt na Al~manha. A guerra e seus desdobramentos posteriores contribuíram para que essas duas formas completamente distintas de trabajho em psicologia se desenvolvessem independentemente uma da outra nos dois lados opostos do Atlântico. A ocasião para seu encontro foi a ameaça iminente da guerra, urna vez mais, na Europa. Embora as migrações tenham ocorrido antes da eclosão do conflito, o impacto da perspectiva da Gestalt não se tornou aparente senão na era moderna da psicologia social, em seguida ao final da Segunda Grande Guerra. A emergência da psico- logia social cognitiva na América no período pós-guerra foi ' uma conseqüência direta daquelas migraçõ~s anteriores. Erribora Allport (1954) tenha descrito a psicologia social moderna como um fenômeno tipicamente norte-america- no, a contribuição da Europa continental foi vital. A coeXistência de duas perspectivas incompatíveis A perspectiva behaviorista é a de um observador dos outros, enquanto a perspectiva do psicólogo gestaltista é a de um ator na cena social. Isto corresponde, respectiva- mente, às abordagens da "consistência da resposta" e da "visão do mundo" no estudo das atitudes (Campbell 1963). Campbell mostra como, historicamente, a abordagem da "visão do mundo" veio a prevalecer sobre a abordagem da "consistência da resposta". Esse movimento corresponde à dominância da perspectiva da Gestalt sobre a perspec- tiva behaviorista, associada à emergênda da psicologia social cognitiva nos Estados Unidos. A perspectiva da Gestalt individualizou o social tão efetivamente quanto o behaviorismo já o tinha feito. A individualização, desta vez, era em termos de percepção, e não de comportamento. No contexto do behaviorismo, a abordagem da "visão de mundo" ao estudo das atitudes parecerá ser subjetiva. A única maneira de eliciar a pers- pectiva dos outros é convidá-los a dizer como eles vêem o 20 mundo. Isto envolve o uso de métodos que se baseiam em relatos individuais no levantamento de atitudes e aferição de opiniões. A perspectiva do ator é tão individualizada quanto a perspectiva do observador. Segundo Jones e Nisbett (1972), essas duas perspectivas são incompatíveis entre si. A coexistência de duas perspectivas altamente individualizadas, porém incompatíveis, ao longo da era moderna da psicologia social não contribui para a consti- tuição de uma ciência social. , ~: ,... Asch tinha apenas 12 anos de idade quando seus pais migraram da Polônia para a América. Ele tomou conheci- mento da psicologia da Gestalt, na América, principalmen- te através de Wertheimer, que então lecionava na New School for Social Researchem Nova York. Em muitos as- pectos, ele desempenhou um papel importante na ameri- canização da psicologia da Gestalt. Seu manual intitulado Psicologia Social (Asch 1952) teve um papel central na emergência da psicologia social cognitiva na América do Norte na era moderna. Ele pode ser comparado em impor- tância ao texto escrito por Floyd Allport em 1924 com o mesmo título. Como seu predecessor, ele tarribém resultou na individualização da psicologia social. A individualização das ciências sociais A morte da psicologia comparada O behaviorismo individualizou tanto a psicologia com- parada quanto a psicologia social. Colocar o foco no com- portamento individual significa individualizar tanto as ciências biológicas quanto as sociais. Wundt, em sua Võl- kerpsychologie, utilizou o método comparativo, corno Dar- win havia feito antes dele. O complemento para o controle experimental de 'variáveis' em um laboratório é o estudo das várias espécies que existem na natureza. Wundt esta- va tentando fazer, em relação à mente humana, o que Darwin já havia feito em relação ao corpo humano, isto é, estabelecer uma perspectiva evolucionista. Aqui o limite são os experimentos da própria natureza. Wundt tinha que se contentar com os relatos de antropólogos e lingüistas relativos às variedades da natureza humana que se podia 21 'i encontrar no mundo inteiro, e das línguas faladas pelos seres humanos. Esta abordagem comparativa à compreen- são da natureza humana era o princípio organizador do manual de Murchison, o Handbook of Social Psychology (Murchison 1935). Tratava-se de uma abordagem multidis- ciplinar ao estudo · da psicologia social. Não era possível submeter essas variações naturais ao controle experimen- tal. ·o behaviorismo destruiu tanto a psicologia comparada quanto a psicologia social. Os editores da série moderna de manuais em psl.cologia social, os . Handbooks of Social Psychology, Linzey (1954) e Lindzey e Aronson (1968/69; 1985), medem o progresso na disciplina através da distân- cia percorrida desde a publicação do primeiro Handbook, que agora pertence à idade pré-moderna da psicologia social (Farr 1991). ' As ciências comportamentais ) Nos anos 50, tornou-se conveniente para as ciências humanas e sociais (que, na cultura alemã, seriam as Geis- teswissenschaften), referir-se a si mesmas como ciências comportamentais. Isto porque os políticos e as fundações de pesquisa que controlavam os fundos de pesquisa pare- ciam propensos a confundir ciência social com socialismo. Estamos agora no começo da Guerra Fria recente. O be- haviorismo, que já havia individualizado a psicologia social, teve então o mesmo efeito sobre as outras ciên- cias sociais. No coração dessa nova designação para o agrupamento das ciências humanas e sociais estava a psicologia (isto é, a ciência do comportamento), e não a psicologia social. Isto acelerou de maneira formidável o processo de individualização do social. Foi a segunda onda do processo, muito além daquela identificada por Gaumann (1986), e relacionada, por ele, ao texto de 1924 de Allport. Os efeitos são muito mais amplos e acarreta- ram a destruição da possibilidade de que os psicólogos pudessem re-socializar sua disciplina voltando-se para as outras ciências sociais na cena americana. Ao contrá- rio, eles teriam que se voltar para as Geisteswissens- chaften. O que Graumann chamou de individualização da psicologia social é um caso especial daquilo que Manicas (1987) denominou o processo de "americaniza- 22 ção das ciências sociais". As ciências comportamentais são 0 resultado final desse processo. . Psicologia social multidisciplinar A psicologia social está se tornando; uma vez mais, um empreendimento multidisciplinar (como nos incômodos dias : antigos do manual de Murchison). Agora, as outras discipli- nas foram saneadas ao se tornareJ;n ciências comportamen- tais. Desde o final dos anos 60 e cbntinuando até o presente, temos a emergência de novos campos de pesquisa interdis- ciplinar, como a psicologia transcultural, comportamento organizacional - as sombras do comportamento institu- cional! - medicina comportamehtal, psicologia ambiental, psicologia pólítica, psicologia econômica - para falar ape- nas de alguris. Isto tudo é muito diferente dos cruzamen- tos entre cul~ura e mente (Jahoda 1992), que, no passado, produziram alguns clássicos das ciências sociais como as representaçôes coletivas (Durkheim 1898), Võlkerpsycho- logie (WUNDT, 1900-20), e até o primeiro Handbook of Social Psychology (Murchison 1935). Voltamos ao mesmo ponto da ciência política pré-cómteana, à qual Allport fez referência (ver acima), exceto pelo fato de que agora ela é uma ciência comportamental, e não uma ciência social e humana. Também podemos escolher se qu~remos publicar nossa pesquisa histórica nas revistas Journal of the Hístory of the Behavioural Sciences (estabelecida na América em 1965), ou The Hístory of Human Sciences (estabelecida na Europa em 1988). Referências bibliográficas ALLPORT, F.H. (1933). Institutional Behavior. Chapel Hill: Uni- versity of North Carolina Press. ALLPORT, F.H. (1924). Social Psychology. Boston: Houghton-Mifflin. ALLPORT, F.H. (1937). Towards a science of public opinion. Public Opinion Quarterly, n. 1: 7-23. ALLPORT, G.W. (1935). Attitudes. ln: MURCHISON, C. (Ed.). Handbook of Social Psychology. Worcester, Mass.: Clark Uni- versity Press, p. 798-844. 23 ALLPORT, G.W. (1937). Personality: A Psycholo'gical Interpreta- tion. New York, Holt. ALLPORT, G.W. (1954). 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Ambos os relatos históricos estão baseados no positivismo - o de Allport no positivismo de Comte, o de Jones no positivismo de Mach e Avenarius. Os psicólogos sociais (isto é, os estudantes de pós-gra- duação e seus professores), no mundo inteiro, deveriam se familiarizar com essa relevante tradição de pesquisa. Esta é uma implicação dos aspectos locais/globais da cultura, no período do modernismo tardio. O conhecimento da psico- logia social que um estudante adquire deve ser reconhecido como válido a nível global. Este é o melhor serviço que urna universidade pode fornecer a sua comunidade local. No passado (na Europa da Idade Média, por exemplo), essa função era desempenhada pelo monastério. A universidade moderna é uma versão secular desses monastérios. Meu artigo, eu espero, é um relato razoavelmente pre- ciso de como a forma dominante de psicologia social na América do Norte tornou-se tão individualizada quanto ela 1. "Social Psychology in Latin America: Possible futures " (Themes for discussion from Prof. Farr's paper on "The lndividualization of Social Psychology in North America"), apresentado por Robert Farr no Colóquio Internacional: Paradig- mas em Psicologia Social para a América Latina, Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, setembro de 1997. Tradução de Regina Helena de Freitas Campos. 2 . O autor se refere ao texto "A individualização da psicologia social", cf. Cap. 1 desta coletânea. 27
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