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Bernardo Sarrasqueiro, N.: 74211 Catarina Cardoso, N.: 73386 Filipa Teles, N.: 73052 João Pedro Meira, N.: 73383 Mariana Gonçalves, N.: 73319 EB2 Formas de apropriação pública de empresas privadas: DAS NACIONALIZAÇÕES ÀS GOLDEN SHARES Licenciatura de Economia Direito Económico Ano letivo 2016-2017 Professor Pedro Quartin Graça Simão José 1 | P á g i n a Índice . Introdução ..................................................................................................................................... 1 1. Formas de apropriação pública ............................................................................................. 2 1.1. Definição e enquadramento legal ...................................................................................... 2 1.2. O Estado empresário .......................................................................................................... 3 1.3. O setor empresarial do Estado ........................................................................................... 4 1.4. Estado regulador ................................................................................................................ 5 2. Nacionalizações: um processo complexo em 42 anos de democracia .................................. 6 2.1 Um conceito económico ..................................................................................................... 6 2.2. Evolução jurídico-constitucional do Regime de Nacionalizações ..................................... 7 2.3. Nacionalizações de 75/76: uma reação político-ideológica ............................................... 9 2.4. O Socialismo Democrático e a preparação para a entrada na CEE ................................. 10 2.5. Influência do Direito Comunitário ................................................................................... 11 2.6. Um exemplo de exceção: o caso do BPN ........................................................................ 13 3. Poderes especiais de apropriação: as golden shares ........................................................... 14 3.1 Definição e enquadramento legal ..................................................................................... 14 3.2. Contexto histórico das Golden Shares ............................................................................. 14 3.3. Razões governamentais para as golden shares ................................................................ 15 3.4. Legalidade das Golden Shares ......................................................................................... 15 3.5. Golden Shares históricas: EDP, PT e REN ...................................................................... 16 3.6. Influência do Direito Comunitário e as reações de outros estados membros .................. 17 Conclusão .................................................................................................................................... 19 Referências bibliográficas ........................................................................................................... 21 Introdução O trabalho que se apresenta de seguida insere-se numa das temáticas de maior discussão e controvérsia política e económica a que assistimos durante o período de vigência do Memorando de Entendimento com a Troika - a apropriação públicas dos meios de produção – e ainda hoje continua a ser mote para inúmeros artigos científicos do ponto de vista doutrinário, que intimamente se tocam com o modelo de crescimento económico levado a cabo nas diferentes partes do mundo, principalmente no ceio da UE. No que toca à sua forma, a apropriação pública tem sofrido alterações significativas nos últimos 70 anos, desde o Estado Novo, passando pelo período revolucionário das nacionalizações de 75/76, bem como, pelas reprivatizações da década de 90, chegando às 2 | P á g i n a novas formas de apropriação por via de direitos especiais, como as golden shares ou mais recentemente à retoma de um conjunto de privatizações, entre 2011 e 2014. É através desta evolução cronológica e histórica que este trabalho se desenvolve, apresentando para cada um dos casos o enquadramento legal de âmbito nacional e quando possível, de âmbito comunitário, caracterizando-se do ponto de vista técnico cada um dos conceitos e exemplificando com casos práticos do conhecimento comum. No capítulo 1 apresenta-se essencialmente o enquadramento teórico ao tema, de acordo com um conjunto de definições, regulamentos e normas jurídicas necessárias ao conhecimento do leitor para a compreensão das temáticas desenvolvidas nos capítulos seguintes. O capítulo 2 permite-nos apresentar o impacto do Estado empresário na economia portuguesa, com especial destaque para o período revolucionário que se seguiu ao início da democratização do país. É através das nacionalizações de 75/76 e dos pressupostos económicos e doutrinários que estiveram por detrás das mesmas que se apresenta a evolução deste conceito na prática económica e na Lei portuguesa. Por fim, no capítulo 3 é apresentada uma forma especial de controlo da gestão de empresas reprivatizadas durante a década de 90 e que vigorou em Portugal até à vinda da Troika – as golden shares – que permitiram ao Estado manter sobre o seu poder de decisões atividades económicas consideradas de interesse nacional. 1. Formas de apropriação pública 1.1. Definição e enquadramento legal Em primeiro lugar é necessário enumerar o art. 83º da Constituição da República Portuguesa, no qual este afirma que “A lei determina os meios e as formas de intervenção e de apropriação pública dos meios de produção, bem como os critérios de fixação da correspondente indemnização.” Contudo, existem medidas diferenciadas das enumeradas no art. 83º, quando nos referimos às empresas privadas. Assim, segundo o número 3 do art. 86º “A lei pode definir setores básicos nos quais seja vedada a atividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza.” As funções da Lei descritas acima são exercidas, então pela Assembleia da República, já que esta, com a devida autorização do Governo em funções, tem o poder de legislar acerca dos “meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização 3 | P á g i n a dos meios de produção e solos por motivo de interesse público, bem como critérios de fixação, naqueles casos, de indemnizações” [art. 165º, no1, al. l)]. Assim, só o Estado tem o poder de realizar nacionalizações. As restantes entidades públicas como os municípios e as Regiões Autónomas estão, portanto, excluídas. É, então possível definir nacionalização como um exemplo de expropriação, onde uma única unidade de propriedade privada é transferida, de forma forçada, para a propriedade pública. No caso de Portugal, o regime jurídico da apropriação pública dos meios de produção (objeto das nacionalizações) após o caso da nacionalização do BPN foi aprovado em 2008. Por outro lado, uma privatização é referida como uma estratégia que o Estado utiliza com o objetivo de reduzir ou modificar a sua intervenção na economia em prole do setor privado. Também o direito à indemnização é referido na Constituição da República Portuguesa, no seu art. 4º que enuncia que: “1) Aos titulares das participações sociais da pessoa coletiva, bem como aos eventuais titulares de ónus ou encargos constituídos sobre as mesmas, é reconhecido o direito a indemnização, quando devida, tendo por referência o valor dos respetivos direitos, avaliados à luz da situaçãopatrimonial e financeira da pessoa coletiva à data da entrada em vigor do ato de nacionalização. 2) No cálculo da indemnização a atribuir aos titulares das participações sociais nacionalizadas, o valor dos respetivos direitos é apurado tendo em conta o efetivo património líquido.” 1.2. O Estado empresário Na economia portuguesa o Estado desempenha dois papéis principais que são juridicamente reconhecidos: o de empresário e do de regulador. Estes papéis são uma consequência direta da evolução constitucional e doutrinária que a Intervenção do Estado na economia tem sofrido ao longo dos últimos anos. De uma forma geral o Estado empresário baseia-se no papel deste como produtor, prestador ou distribuidor de bens e serviços numa economia. O Estado empresário contrariamente ao que verificaremos para o Estado regulador, tem vindo a perder importância a nível constitucional, nomeadamente a partir da revisão de 1989. As imensas variações verificadas ao longo dos anos na importância do Estado como produtor deveram-se essencialmente a fatores políticos, económicos e jurídicos 4 | P á g i n a específicos da realidade portuguesa, e também à evolução do papel do setor público empresarial. Podemos destacar o período entre o 25 de Abril de 1974 e 1988, em que se verificou um aumento da importância do Setor Empresarial do Estado (SEE) a nível económico, politico e social. Esta importância era marcada por dois principais preceitos constitucionais: 1. “Principio de irreversibilidade das nacionalizações” - impedindo a privatização das empresas nacionalizadas; 2. “Proibição do acesso do capital privado aos setores básicos da economia” - definindo que certos setores estavam vedados à iniciativa privada. A partir de 1989 inicia-se um período de reprivatizações, conjugado com um conjunto de serviços que passaram a ser concessionados a entidades privadas, reduzindo-se substancialmente o SEE, como analisaremos empiricamente mais à frente. Por fim, é importante referir que a redução deste setor ocorreu maioritariamente devido a opções internas de ordem politico-ideológica e a razões de ordem económica e financeira, como a necessidade de criação de receitas públicas. 1.3. O setor empresarial do Estado O conceito de setor público empresarial (SPE) expandiu-se no DL n.º 133/2013 de 3 de outubro, passando a integrar o SEE e o setor empresarial local. Esta integração tinha por objetivo harmonizar a integração jurídica e fortalecer o controlo financeiro da atividade empresarial a nível estatal e local. O SEE reúne todas as unidades produtivas do Estado, organizadas empresarialmente, integrando as empresas públicas e as empresas participadas. Estrategicamente, o Estado reúne empresas ou outras instituições que apresentam interesse público para a sociedade, no entanto, existem também situações em que o Estado é a única entidade interessada, como é o caso do setor das águas, assumindo o controlo, por inexistência de iniciativa privada. Para compreendermos melhor este conceito temos de definir os tipos de empresas que integram este setor do Estado. Empresas públicas são, hoje em dia, as entidades públicas empresariais e as organizações empresariais - sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial - nas quais o Estado ou outras entidades públicas podem exercer, isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, uma influência dominante (art. 5.º, 5 | P á g i n a 9.º e 13.º do DL n.º133/2013). Estas empresas são de uma forma mais geral todas as sociedades “em mão estatal” (DL. n.º 319/94 de 24 de dezembro). Empresas participadas são aquelas em que o Estado ou outras entidades públicas, de caráter administrativo ou financeiro, detém uma participação permanente, de forma direta ou indireta (art. 7.º do DL n.º133/2013). Por fim, é importante referir que o Estado detém um enorme conjunto de participações indiretas, integradas em grupos económicos como a Parpública - Participações Públicas, SGPS, SA, e a Caixa Geral de Depósitos, S.A. As evoluções descritas nos subcapítulos 1.2. e 1.3. acerca do SEE são empiricamente apresentadas no gráfico 1, no qual é visível a diminuição substancial do mesmo na economia, identificável através da redução do contributo produtivo do SEE na economia portuguesa, reduzindo o peso do VAB do SEE no PIB português de 25%, em 1979 para cerca de 3,8%, em 2013. Por outro lado a criação de emprego no setor empresarial do estado também diminui significativamente entre 1979 (12%) e 2013 (3,1%). 1.4. Estado regulador Para que a noção de Estado Regulador seja compreendida de uma melhor forma, é necessário, em primeiro lugar, proceder-se à definição do conceito de regulação. A regulação é então a reunião das medidas legislativas, administrativas e convencionadas, com as quais o Estado determina, controla ou influencia o comportamento de agentes económicos com o objetivo de evitar efeitos significativamente negativo das atividades económicas sobre interesses socialmente legítimos, conduzindo estes interesses para uma vertente socialmente aceitável. Com o regresso do predomínio liberal sobre o mainstream económico, as privatizações começaram a surgir na Europa e no resto do mundo. Perante as políticas de reprivatização e privatização novas questões levantaram-se, levando à reformulação do papel do Estado na economia. Foi, então, possível perceber que era necessário um estado regulador onde 0 5 10 15 20 25 30 1979 2003 2013 SEE na Economia Portuguesa: PIB e Emprego Peso do VAB (SEE) no PIB Peso no Emprego Gráfico 1 Fonte: OCDE e DGTF 6 | P á g i n a se defendia a concorrência e a libertação do estado das suas responsabilidades enquanto empresário. Nos anos 80 surge o conceito de estado regulador, que veio substituir o estado capitalista. A responsabilidade pela existência de concorrência foi atribuída às autoridades competentes e a regulação às agências reguladoras (BdP, CMVM, etc.). Contudo, apesar das mudanças radicais ocorridas, os apoiantes deste novo conceito de estado regulador nunca descartaram a hipótese de ainda existir uma parte de estado intervencionista para que o interesse público fosse defendido e salvaguardado. Um mercado regulado representaria assim, uma hipótese de o estado conseguir, quer proteger o interesse público, quer respeitar a ordem pública económica e regular os mercados financeiros. Assim, para que esta hipótese fosse atingida, segundo os liberais, a regulação deveria ser feita pelas agências reguladoras competentes e não pelo Estado. O Estado passou, assim, de produtor para regulador, onde já não é da sua responsabilidade a produção e distribuição direta de bens e serviços, mas sim a regulação e consequente supervisão da produção e distribuição, realizada por privados. Relativamente à Europa, ocorreu uma expansão do uso do termo “regulação”, associada aos princípios descritos anteriormente. A UE passou a denominar-se como um regulatory state. 2. Nacionalizações: um processo complexo em 42 anos de democracia 2.1 Um conceito económico Naturalmente a criação de setores públicos empresariais está ligada historicamente às nacionalizações. Em Portugal, foi após 11 de março de 1975 que a figura da empresa pública ganhou mais relevância política e económica devido às nacionalizações ocorridas neste período. Juridicamente, uma nacionalização é uma espécie de expropriação, traduzindo-se na transferência forçada, por ato de autoridade, de uma unidade económica da propriedade privada para a propriedade pública. No entanto, há que distinguir nacionalização de expropriação.Uma vez que uma expropriação stricto sensu consiste na desapropriação de um bem imóvel privado em benefício de uma entidade privada ou pública, por outro lado, uma nacionalização tem sempre por objetivo unidades económicas. A primeira assenta no direito de propriedade e a segunda tem por objetivo a propriedade dos meios de produção. 7 | P á g i n a 1 Eric N. Baklanoff, University of Alabama, Department of Economics, Finance & Legal Studies 2 Art. 1º da CRP de 25 de abril de 1976 3 Art. 2º da CRP de 25 de abril de 1976 Posto isto, mais rigorosamente uma nacionalização consiste num ato político, sob a forma legislativa, implicando a transferência forçada de empresas privadas para a propriedade pública, na generalidade dos casos do Estado stricto sensu. Esta afeta o direito de propriedade e o direito de iniciativa privada, sendo a forma mais “radical” de apropriação pública dos meios de produção. 2.2. Evolução jurídico-constitucional do Regime de Nacionalizações O conceito de nacionalização tal como o conhecemos hoje apenas é recebido em Portugal após a Revolução de 25 de Abril de 1974, na medida em que durante o período da ditadura o papel do Estado sobre a economia era claramente restritivo e moderado seguindo a índole do “sistema económico-político corporativo”1 que vigorava no Estado Novo, tal como previa a sua Constituição de 1933, onde se lê no seu artigo 33º: “O Estado só pode intervir diretamente na gerência das atividades económicas particulares quando haja necessidade de financiá-las e para conseguir benefícios sociais superiores aos que seriam obtidos sem a sua intervenção”. Iniciado o período revolucionário após 25 de Abril de 1974 um conjunto de reformas políticas, económicas e sociais estruturantes são desencadeadas no cumprimento das diretivas do Conselho da Revolução e do Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas (MFA), que de acordo com a forte tendência de esquerda que vigorava sobre o poder político fez aprovar em Assembleia Constituinte, após o I Pacto Partidos- MFA, a Constituição da República Portuguesa de 25 de abril de 1976, que se caracterizou por uma “orientação comunista”1. A aprovação do texto definia a “transformação (de Portugal) numa sociedade sem classes”2, cujo regime político-económico se basearia desse dia em diante na “transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras”3 A aprovação da nova constituição do regime democrático é a confirmação do forte papel intervencionista do Estado na economia, sendo feitas aprovar um conjunto de propostas de apropriação dos meios de produção e expropriação dos latifúndios na sequência da Lei da Reforma Agrária (Decreto-Lei n.° 406-A/75, de 29 de Julho). Desta forma, a CRP de 1976 veio legislar o conjunto de nacionalizações de empresas privadas iniciado logo após a Revolução de 25 de Abril, inserido no Processo Revolucionário em Curso (PREC), bem como definir no seu artigo 82º a “nacionalização e socialização dos meios de produção, bem como os critérios de fixação de indemnizações”, assumindo uma forte componente ideológica de um Estado Forte sobre a economia, na medida em que 8 | P á g i n a “todas as nacionalizações efetuadas depois de 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras” (art. 83º da CPR de 25 de abril de 1976). O art. 82º da CRP previa também as expropriações dos latifúndios, sem que houvesse lugar à referida indemnização, por forma a dar fundamento constitucional à Lei da Reforma Agrária. Depois da aprovação da CRP de 1976 e das eleições legislativas de 1976, Portugal começara a distanciar-se do rumo do Socialismo Económico, em direção ao Socialismo Democrático. Com o aumento do número de europeístas nos denominadas partidos de Bloco Central e crescente vontade de integrar as Comunidades Europeias (CE) urge a necessidade de compatibilizar a política económica praticamente no país e aquela que doutrinariamente se encontrava redigida na CRP de 1976. Em 8 de julho de 1989 efetua-se a segunda Revisão Constitucional que altera o art. 82º, suprimindo-o no art. 83º, segundo o qual se passa a considerar “a apropriação coletiva dos meios de produção”, no lugar da até então assumida “nacionalização e socialização” nos termos da CRP. De igual modo, o art. 83º é alterado e suprimido no art. 85º que no seu número 1 revoga a “irreversibilidade das nacionalizações”, prevendo a “reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974”. Desta forma, abriu-se caminho a um novo período caracterizado pela adesão de Portugal à CE e por um consenso maioritário entre as instituições políticas, sociais e económicas portuguesas que permitiu aprovar na Revisão Constitucional de 12 de Dezembro de 2001 o art. 296º (que altera e suprime o art. 85º anteriormente mencionado) que “regula a reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de l974”. Na atualidade e de acordo com a CRP é competência da Assembleia da República os “meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização dos meios de produção e solos por motivo de interesse público”, ao abrigo do no. 1 do art. 165º. Todavia, as nacionalizações apenas deverão ser concretizadas à luz do art. 80º da CRP, al. d) que assegura a “propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse coletivo” e desde que não coloquem em risco a concorrência de mercado, suprimindo ou menorizando de qualquer forma a iniciativa privada, dando cumprimento ao mesmo artigo, al. c) que define a “liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista”. 9 | P á g i n a 2.3. Nacionalizações de 75/76: uma reação político-ideológica Tal como já referimos, durante o Estado Novo a intervenção do Estado sobre a economia era minimalista, sendo apenas destacável como instituições públicas a Caixa Geral de Depósitos, o Banco de Fomento Nacional, os portos e a indústria de armamento. Para a História de Portugal ficará reconhecido como o grande período de nacionalizações os anos de 1975/76, todavia, este processo iniciou-se desde logo após o a Revolução do 25 de Abril de 1974 e com ela o arranque em toda a sua plenitude do PREC, decretando-se logo em Setembro de 1974 a nacionalização do bancos emissores de moeda, como o Banco Ultramarino, o Banco de Angola e o Banco de Portugal. Durante o denominado Verão Quente de 1975 a Comissão Coordenadora do MFA, até então possuidora do poder político indiretamente, em sucessivos governos provisórios, dirigidos por um dos seus principais membros, o coronel Vasco Gonçalves, faz aprovar em Assembleia um conjunto de nacionalizações que se caracterizaram por: 1. Após o golpe direitista de 11 de Março de 1975, aprova-se por Decreto-Lei de 14 e 15 de Março a total nacionalização dos bancos comerciais e dos seguros, sendo este o mote para a nacionalização indireta de 1300 empresas, dependentes financeiramente destas instituições; 2. Decreto-Lei nº 203-C/75 atribuí ao Estado capacidades “bruscas” e “massivas” de controlo sobre as “alavancas” da economia, lançando-se os princípios gerais para as nacionalizações nos setores dos transportes, agricultura, petroquímica, siderurgia, energia, comunicações, papel, construção naval e minério, sendo todas estas empresas incluídas no SEE não financeiro; 3. Conclusão das nacionalizações das grandes empresas, até setembro de 1975: TAP, CP, empresas petrolíferas, Cimentos de Leiria,Siderurgia Nacional, ENVC, LISNAVE, Companhia Nacional de Navegação, Companhia União Fabril (CUF), empresas rodoviárias, Rodoviária Nacional, etc…; 4. Processo de nacionalização de todos os meios de comunicação social (com destaque para a RTP), à exceção dos católicos, até ao final de 1975; 5. Conclusão da nacionalização dos grandes grupos familiares empresariais Champalimaud, Espírito Santo, Mello e Pinto e Sotto Mayor, durante o ano de 1976. O conjunto de nacionalizações anteriormente apresentado são o testemunho político- ideológico da época, na medida em que eram fundamentos da esquerda revolucionária que controlava o poder político do país: a intervenção do Estado na estrutura económica 10 | P á g i n a como forma de coletivização dos meios de produção, que garantisse recompensar as classes trabalhadores “oprimidas” e “marginalizadas” durante o regime fascista; a necessária condução da política económico-financeira no sentido do Socialismo Económico e a correção das falhas de mercado que impossibilitavam o igual e amplo acesso de toda a população a produtos básicos, cuja exploração pelo setor privado excluía as classes mais baixas de rendimento. A doutrina que acabamos de descrever viria a predominar em Portugal apenas durante os anos acesos da Revolução, sendo contrariada pela imposição do Socialismo Democrático, alternado com a Social-Democracia, nos últimos 40 anos de democracia. 2.4. O Socialismo Democrático e a preparação para a entrada na CEE Antecedendo a aprovação da CRP de 1976, a 25 de novembro de 1975 desencadeia-se um golpe militar liderado pelo General Ramalho Eanes contra as forças político- militarizadas da esquerda revolucionária que insistiam na propaganda pela conversão da economia e do Estado português num regime do Socialismo Económico. A partir deste golpe, as forças políticas e os partidos reorganizam-se e as eleições legislativas de 1976 serão decisivas para a viragem ideológica e doutrinária de Portugal para o Socialismo Democrático, ainda que o Regime de Nacionalização se mantivesse inalterado até à Revisão Constitucional de 1989. Com as manifestas intenções por parte de Portugal em aderir à CE era necessário preparar a economia portuguesa para o choque que viria pela entrada num mercado de 370 milhões de consumidores, bem como, pelo impacto socioeconómico da integração com países maioritariamente mais ricos que Portugal. Ainda que a resposta constitucional tarde, as ações políticas levadas a cabo pelos Governos de Mário Soares forçadamente foram no sentido de, no curto prazo, levar ao reconhecimento das reprivatizações. Após a adesão de Portugal à CE a 1 de janeiro de 1986 e com a primeira vitória absoluta de um único partido em democracia, o PSD, desde o início da II República, nas eleições legislativas de 1987, o então eleito primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva, suporta-se da parangona de Milton Friedman “Menos Estado, Melhor Estado”, para defender junto dos portugueses a promoção da eficiência do Estado, por via de um processo de reprivatizações que permitissem o enquadramento de Portugal à luz do Tratado da CE, bem como, por forma a iniciar-se uma política económica capitalista concorrencial que progressivamente permitisse a maior abertura do país ao mercado europeu e internacional. 11 | P á g i n a Em 1989 é aprovada na Assembleia da República por proposta do PSD e com aprovação maioritária de todos os partidos à exceção da Aliança Povo Unido, dirigida pelos comunistas, a Revisão Constitucional que revertia o princípio de irreversibilidade das nacionalizações após o 25 de Abril. Em Abril de 1990 entra em vigo a Lei Quadro das Privatizações que previa o desmantelamento a 100% das empresas públicas, bem como, permitia formas inovadores de apropriação pública dos meios de produção: as golden shares. Desde 1986 e até à crise económica e financeira de 2008 estava assumido explicitamente um consenso político estável em torno do modelo económico para Portugal, nomeadamente em matérias de nacionalizações e privatizações, o que nos permitia caracterizar o regime português, do ponto de vista económico, como uma economia capitalista aberta e regulada, do ponto de vista mais político, como um país do Socialismo Democrático, todavia, a crise de 2008 e com ela o caso da nacionalização do BPN vieram abrir precedentes para um questionamento ideológico para o futuro económico do país, testemunhado com o processo de privatizações a que assistimos durante a vigência do Memorando de Entendimento com a Troika (2011 – 2014). 2.5. Influência do Direito Comunitário Após a adesão de Portugal às então Comunidades Europeias a Lei portuguesa fica sujeita a diretivas e regulamentos da Lei comunitária, previstos no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), cujos artigos 107º e 108º presentes nas Regras de Concorrência da Secção 2 “Os auxílios concedidos pelos Estado” nos permitem proceder ao enquadramento legal das formas de apropriação dos meios de produção no Direito Comunitário, como causa da evolução constitucional que foi apresentada anteriormente no que toca à Lei portuguesa. No seguimento do artigo 107º, os auxílios concedidos pelos Estados não são compatíveis com o mercado interno, uma vez que afetam as trocas comerciais entre os Estados-Membros e a concorrência entre os mesmos, levando ao favorecimento de determinadas empresas ou determinadas produções. Existem, mesmo assim, casos que se consideram compatíveis com o mercado interno, destacando-se, por exemplo, auxílios de natureza social ou auxílios que se destinam a remediar danos causados por fatores naturais. Relativamente a outros casos, podem ainda ser considerados compatíveis com o mercado interno, por exemplo, auxílios que se destinam à promoção do desenvolvimento económico de regiões menos favorecidas ou 12 | P á g i n a auxílios que se destinam ao incentivo para a realização de projetos com interesse a nível europeu. No seguimento do artigo 108º, a Comissão Europeia, com a ajuda dos Estados- membros irá proceder à análise permanente de todas as formas de auxílio que existam nesses mesmos Estados e proporá também medidas que se adequem ao desenvolvimento e melhor funcionamento do mercado interno. Para além do mencionado, se a Comissão verificar algum auxílio concedido por parte de um Estado que não esteja de acordo com o referido nos termos do artigo 107º, ou seja, que não seja compatível com o mercado interno ou que, de alguma forma está a ser aplicado de forma abusiva, o Estado em questão terá de suprimir ou modificar esse mesmo auxílio. Caso haja incumprimento, a Comissão ou outro Estado-membro que manifeste interesse pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia. A Comissão deve sempre ser informada antecipadamente de quaisquer projetos relacionados com auxílio estatal, sendo que estes não podem ser postos em prática caso a Comissão não os considere compatíveis com o mercado interno, nos termos do artigo 107º e, por isso, os mesmos não poderão ser aplicados. No que toca à opinião das instituições europeias relativamente ao controlo dos auxílios estatais é cada vez mais unânime a defesa da não intervenção do Estado na Economia por parte dos Estados-membros da UE, sendo estes a favor de que a concorrência entre os mesmos, ou mesmo dentro dos seus próprios mercados, se baseia num princípio de igualdade. A concessão de apoios conhecidos por auxílios estatais podem levar à distorção da concorrência real entre empresas e afetar a economia, motivo pelo qual são controlados pela Comissão Europeia. Beneficiar de um auxílio estatal significa que, por exemplo, uma empresa recebeapoio público, que pode revestir diversas formas, como bonificações de juros, isenções fiscais, etc. Isto leva a empresa a obter uma vantagem incorreta relativamente aos seus concorrentes. Assim, é por isso que o TFUE, de forma geral, proíbe os auxílios estatais, a não ser que estes sejam devidamente justificados e que promovam o desenvolvimento económico a nível geral, como está a acontecer muito recentemente no que toca à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos com dinheiros públicos. 13 | P á g i n a 2.6. Um exemplo de exceção: o caso do BPN A 11 de Novembro de 2008, entrou em vigor a Lei nº62-A/2008 relativa à nacionalização do Banco Português de Negócios (BPN). Esta justifica a razão pela qual foi escolhida esta forma de apropriação pública. Tal como foi dito anteriormente, a revisão constitucional de 1989 previu a eliminação do regime de nacionalizações da lei fundamental portuguesa. Durante os 19 anos que se sucederam, ainda que as nacionalizações fossem uma competência da Assembleia da República prevista ao abrigo do art. 165º da CRP, não se verificou a existência de um regime jurídico para as mesmas. Perante a necessidade de se proceder a uma nacionalização, a lei de 2008 permitiu a reintrodução no sistema jurídico português de matéria legal referente às nacionalizações. Motivos da Nacionalização do BPN O BPN foi nacionalizado de forma a garantir estabilidade no sistema financeiro e bancário e minimizar a preocupação e desconfiança dos depositantes. Esta encontra-se relacionada com a solidez desta instituição de crédito causada pela crise financeira de 2008, tal como prevê a Lei acima mencionada: “o volume de perdas acumuladas (...), a ausência de liquidez adequada e a iminência de uma situação de ruptura de pagamentos que ameaçam os interesses dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro e apurada a inviabilidade ou inadequação de meio menos restritivo apto a salvaguardar o interesse público, são nacionalizadas todas as acções representativas do capital social do BPN”. Os problemas do BPN agravaram-se quando este adquiriu o Banco Insular de Cabo Verde, do qual os prejuízos não revelados colocaram o BPN numa situação de grande fragilidade económica. A Sociedade Lusa de Negócios, que detinha a maior parte do capital do BPN, realizou um conjunto de operações clandestinas que não se encontravam registadas, das quais eram perdas em operações através do Banco Insular de Cabo Verde, por onde passavam as operações offshore do BPN. Os debates políticos sobre a situação do BPN levam à conclusão de que a insolvência do banco em causa teria como consequência um agravamento da crise económica e financeira e teria também grandes impactos no sistema financeiro a nível nacional, gerando-se um risco sistémico, que a expandir-se a todo o mercado interbancário levaria a uma rutura e possível falência de outras instituições financeiras. Assim, após a nacionalização, a Caixa Geral de Depósitos ficou responsável por definir os objetivos de gestão do Banco Português de Negócios. 14 | P á g i n a 3. Poderes especiais de apropriação: as golden shares 3.1 Definição e enquadramento legal Segundo o Código das Sociedades Comerciais (CSC), as ações de uma sociedade anónima podem ser agrupadas em três tipos: ordinárias, diminuídas e privilegiadas. As ações privilegiadas ou golden shares são tidas como ações que conferem aos seus detentores vantagens, podendo estas ser criadas no momento da fundação da sociedade ou não. Segundo o art. 302º no.1 do CSC podemos afirmar que não existe qualquer carácter de tipicidade na criação de ações privilegiadas, isto é, pode existir qualquer tipo de vantagem. Assim, estas ações podem dar qualquer tipo de vantagem referente à gestão da empresa, desde o voto em assembleia geral em que o acionista, mesmo com uma participação social inferior procede à eleição do administrador da empresa. O Estado por razões políticas ou económicas sente a necessidade de ficar com parte do capital social da empresa no ato de privatização ou reprivatização. É nesta altura que existe o uso das golden shares por parte do Estado em que o mesmo tem poderes de gestão na empresa, mesmo que desproporcionados em relação aos direitos de propriedade que lhe cabem. Em alguns casos como analisaremos mais à frente o Estado pode mesmo ter o direito de veto. Em Portugal, o uso de golden shares foi permitido pela primeira vez graças à Lei nº11/90 de 5 de Abril de 1990, reconhecida como Lei Quadro das Privatizações (LQP), mais precisamente por feito do transcrito no seu art. 15º que veio tornar possíveis não só o uso das golden shares como também a privatização de qualquer empresa pública, ainda que em alguns casos específicos, apenas privatizáveis até aos 49% do capital social, tal como prevê o art. 84º da CRP como empresas do domínio público. 3.2. Contexto histórico das Golden Shares Uma vez que as golden shares estão intimamente ligadas com as privatizações e a necessidade do Estado permanecer com poderes sobre a empresa, a origem das mesmas está relacionada com a origem das privatizações. Com as crises da década de 70 e com o falhanço dos ideais Keynesianos, a ideia de que a presença do Estado na economia, sem ser apenas como regulador da mesma faliu com a ascensão de ideais neoliberais. Nos processos de privatizações os Estados usaram as golden shares como uma forma de manterem a sua presença e poder dentro das diversas 15 | P á g i n a empresas de interesse nacional, mas podendo ao mesmo tempo lucrar com a venda da sua participação social. Ajudando assim, num dos objetivos mais importantes das privatizações, a diminuição de desequilíbrios orçamentais e a contribuição para a redução do peso da dívida pública. Os primeiros países a usar as golden shares foram o Reino Unido e os Estados Unidos mas rapidamente todos os países ocidentais as passaram a usar. 3.3. Razões governamentais para as golden shares Já em pontos anteriores foi referido de que o uso das golden shares por parte do Estado é fundamentado pela necessidade dos mesmos defenderem interesses públicos ao mesmo tempo que defendem um mercado livre com o livre funcionamento dos mecanismos do mesmo, existindo um meio-termo entre os dois. Contudo, mais especificamente, as razões entre muitas outras, são: Utilizar o poder conferido para garantir que os proprietários respeitam os interesses públicos limitando o controlo sobre os preços e quantidades fornecidas à população, como é o caso da eletricidade; Impossibilitar a alienação da empresa a outros proprietários, algo que é impossibilitado graças ao poder de veto por parte do Estado e que mais a frente iremos abordar no caso da Portugal Telecom em que o Estado impossibilitou a venda de um dos ativos a uma empresa estrangeira; Auxiliar a empresa contra outras concorrentes dando benefícios de forma a manter a competitividade da mesma. 3.4. Legalidade das Golden Shares A existência e o uso de golden shares por parte do Estado foi pela primeira vez permitido no art. 15º da Lei Quadro das Privatizações, tendo sido durante mais de duas décadas o pilar jurídico para a existência de golden shares em empresas com participações do Estado. Em 2002 o Tribunal de Justiça Português pronunciou-se em relação a três casos relacionados com o uso de golden shares, motivado pela crítica feita pela comunicação da Comissão Europeia relativa à ilegalidade do uso das mesmas. Apesar disto, apenas em 2008 a Comissão formalizou um pedido ao Tribunal de Justiça (TJ) para a condenação de Portugal devido ao uso das golden shares. Segundo a Comissão, o poder de vetopor parte do Estado impedia o bom funcionamento e livre circulação de capitais. Em 2010 o TJ, depois do Estado ter usado o poder de veto numa Assembleia Geral da empresa, impedindo a venda da empresa Vivo, detida pela PT, à 16 | P á g i n a empresa Telefónica, condenou as ações do Estado impedindo o uso do veto no caso referido. Finalmente a 13 de Setembro de 2011, a Lei 11/90 sofreu uma revisão e o art. 15º foi revogado. A revogação do mesmo foi motivada não por interesses nacionais mas europeus em que o Tribunal de Justiça Europeu, após diversos casos contra os entraves públicos ao investimento privado, não só português mas também de outros Estados- Membros, foi claro em relação a existência de golden shares. Os dois artigos que limitam a existência das mesmas são o art. 63º e 49º do TFUE que protegem a livre circulação do mercado. Assim, não existe qualquer lei portuguesa que impossibilite o uso de golden shares por parte do Estado, mas também não existe nenhuma que o permita. Contudo, uma vez que Portugal se insere na comunidade europeia tem de respeitar o TFUE que impossibilita o uso das mesmas. 3.5. Golden Shares históricas: EDP, PT e REN Após o período de privatizações levado a cabo pelo Estado português existiram três casos históricos de três empresas dominantes nos diferentes setores em que se inseriam. Depois de 1990, as três viram a presença do Estado diminuir mas não o seu poder através da utilização de direitos especiais por parte do Estado sobre o capital social das mesmas: as golden shares. Devido às sucessivas críticas por parte da comissão europeia e a respetiva condenação das ações por parte do Estado na Portugal Telecom, com o cumprimento do estabelecido no Memorando sobre as condicionalidades da política económica que acompanhou o acordo com a Troika, Portugal procedeu à revogação da existência de golden shares perdendo a existência das mesmas na EDP, GALP e PT. EDP – Energias de Portugal A EDP foi criada em 1976 através da fusão de 13 empresas que foram nacionalizadas em 1975. O processo de privatização iniciou-se em 1991, com a empresa a tornar-se uma Sociedade Anónima, passando por seis operações de privatização de 1996 a 2006. Durante este processo o Estado criou as golden shares de forma a manter o seu poder na empresa, poder este desproporcional da presença acionista na empresa. Ainda que tivesse base legal para o processo, tal como já foi referido antes, a Comissão Europeia (CE) apresentou relutância em relação à existência das mesmas levando o Tribunal de Justiça Europeia em 2010 a declarar a ilegalidade das mesmas: “No acórdão hoje proferido, o Tribunal de Justiça declara que, ao manter na EDP direitos especiais atribuídos ao abrigo das «golden shares», Portugal não cumpriu as obrigações que lhe 17 | P á g i n a incumbem por força da livre circulação de capitais”. Em 2011, no seguimento do Memorando com a Troika, os acionistas da EDP votaram em assembleia geral o fim das golden shares, o qual passou com 94% dos votos a favor. É importante referir que o Memorando de Entendimento obrigava Portugal a abdicar da sua presença nas três empresas com o uso de golden shares para que pudesse ter direito a ajuda monetária. GALP Energia O caso da GALP é semelhante ao da EDP no sentido de que esta também foi uma empresa nacionalizada pelo Estado após o 25 de Abril. Sofreu vários processos de privatização o que levou à criação de golden shares após a regulamentação da LQP. Tal como a EDP, após 2011 o Estado perdeu as golden shares na empresa detendo indiretamente 7% do capital social da empresa na atualidade. A abdicação da participação na EDP e na GALP criaram controvérsia junto dos diferentes partidos, devido à importância de ambas as empresas, não só pelo valor estratégico que representavam para o país como pelas receitas que ambas geravam e pela possibilidade de subida de preços em dois bens essenciais para a população. PT-Portugal Telecom O caso da PT, é semelhante aos anteriores tanto no processo de privatização como de criação das golden shares. De entre os três foi aquele que teve mais atenção e críticas por parte da CE devido ao uso do poder de veto em Assembleia Geral por parte do Estado no processo de venda da Vivo, empresa detida pela PT, caso já referido acima. Assim, em 2011, o Estado perdeu o controlo da PT, não tendo atualmente qualquer presença no capital social da mesma. 3.6. Influência do Direito Comunitário e as reações de outros estados membros O direito comunitário manteve-se durante longos anos focado na liberdade de circulação de mercadorias e serviços e indiferente relativamente à adoção de medidas, descritas no Tratado de Roma, acerca da liberdade de circulação de capitais. Ao virar a sua atenção para esta liberdade de circulação de capitais, começou por eliminar as restrições aos impostos, e mais recentemente eliminou as intervenções estatais que permitiam a cada país, proteger a sua própria economia. Após a aprovação da Lei que afirma que a utilização de golden shares é ilegal, estas passam a violar o direito comunitário, com exceção de casos de força maior, tal como 18 | P á g i n a 1 Lei no. 11/90, de 5 de Abril, art. 15º, no. 3 afirma a anterior Lei: “Poderá ainda o diploma referido no no. 1 do art. 4º, e também a título excecional, sempre que razões de interesse nacional o requeiram, prever a existências de ações privilegiadas, destinadas a permanecer na titularidade do Estado, as quais, independentemente do seu número, concederão direito de veto quanto às alterações do pacto social e outras deliberações respeitantes a determinadas matérias, devidamente tipificadas nos mesmos estatutos.”1 Assim, este tipo de ações viola o direito comunitário já que não vai de acordo com o Tratado que diz respeito à não discriminação e à livre circulação de capitais. Aquando da violação deste Tratado, a Comissão Europeia deve intervir de forma rápida e eficaz. De forma resumida, o Estado ao emitir golden shares é movido pela tentativa de chegar a um meio-termo entre um mercado livre e defensor do interesse público. Assim, o poder governamental é mantido, mas existem possibilidades de entrada de investidores. A existência de golden shares não é um processo controlador, mas sim regulador, tal como explicado anteriormente no conceito de Estado regulador. Contudo, o facto de o Estado utilizar golden shares e violar a Lei de modo a defender o interesse público não esclarece quais são de facto as justificações para a utilização destas ações. Assim, os privilégios do Estado apoiam-se em quatro pontos principais: 1- Privilégios relativos a bens ou serviços de primeira necessidade. Ao possuir este privilégio, o Estado poderá assegurar de forma constante uma distribuição igualitária e acessível a toda a população. 2- Privilégio de o Estado poder continuar a condicionar a emissão de ações e assim, impedir o aumento de poder sobre a empresa por parte dos investidores. 3- Privilégio de continuar a proteger as empresas participadas das empresas privadas, de forma a manter uma posição de votos maioritária nos mercados. 4- Privilégios face ao direito europeu das sociedades, de forma a poder contornar as leis do mercado livre e concorrencial para que os interesses nacionais sejam protegidos. Em 2011, em toda a União Europeia, existiam pelo menos 9 estados-membros onde as golden shares ainda estavam presentes na economia. Países como a Alemanha, Reino Unido, Irlanda, Grécia, Bélgica, Polónia, Finlândia ou até mesmo França não veem os seus interesses nacionais coincidir com os propostos pela Comissão Europeia. Como justificação da utilizaçãode golden shares, estes recorrem maioritariamente a motivos de natureza económica. Contudo, estes oito países acima enumerados são apenas alguns exemplos de locais onde as golden shares ainda se encontram ativas, pelo que a Comissão 19 | P á g i n a Europeia não possui uma lista completa e exaustiva de todos os países que ainda utilizam este tipo de ações. Interrogações e previsões futuras: 1. O caminho que o direito comunitário está a tomar na UE está assente na defesa da liberdade de mercado. Contudo, o funcionamento livre deste mercado de capitais poderá perder a sua importância quando bens como a eletricidade ou as telecomunicações surgem. Após este surgimento, o oligopólio pode surgir, destruindo assim a livre circulação de capitais no mercado, já que existirá concorrência, mas esta será imperfeita. 2. A impossibilidade de manter as liberdades de circulação defendidas pelo direito comunitário nas fonteiras internas poderá levar à criação de uma liberdade global e consequentemente, a uma exposição global aos riscos de aparecimento de um oligopólio. 3. Para que exista um bom funcionamento dos serviços gerais, são apenas necessários mecanismos comuns de regulação administrativa, mesmo que não haja intervenção por pate dos acionistas ou até do mercado. Contudo, a contínua utilização das golden shares tem não só como objetivo o funcionamento seguro e contínuo dos serviços essenciais mas também a criação de estratégias para um melhor funcionamento do mercado de capitais. 4. Os países mais fracos a nível económico da União Europeia, ao continuarem a pôr em prática as golden shares invocam o seu interesse nacional. Contudo, este assenta numa realidade que os restantes países da União desprezam. 5. Numa economia de mercado, apesar das argumentações que os países que ainda possuem golden shares se concentrarem em argumentações de carácter económico e social, colocando em risco os objetivos exigidos pela União Europeia, estas razões não podem ser totalmente postas de parte e ignoradas pela comunidade europeia aquando a utilização das golden shares. Conclusão O estudo que acaba de ser apresentado é apenas o retalho de um conjunto de conteúdos, dissertações e análises empíricas que existem acerca da temática em causa, todavia, no âmbito em que se insere este relatório permite-nos principalmente caracterizar a evolução política, económica e doutrinária da interpretação dada por Portugal às formas de apropriação pública dos meios de produção. Indiscutivelmente, Portugal é um caso muito peculiar e atípico na comunidade europeia em que se insere, na medida em que experimentou um conjunto de modelos económicos em termos parciais, mas que à sua medida produziram efeitos reais sobre a 20 | P á g i n a economia e que ainda hoje fazem perdurar marcas da sua passagem, como demonstrámos através da evolução cronológica: sistema corporativista, sistema económico socialista (índole comunista), sistema capitalista regulado e sistema liberal de concorrência de mercado (atual). Esta evolução económico-política foi causa e consequência simultânea para a prática inexistência de controlo dos meios de produção por parte do Estado durante o período fascista, que evolui para uma apropriação e nacionalização, assumidas como irreversíveis, de um conjunto de meios de produção considerados lucrativos e de estrategicamente definidos como propícios ao interesse nacional, o que levou à presença de cerca de 25% do PIB português causado pelo SEE, em 1979, traços característicos do Socialismo Económico, que se asseguraram após a Revolução de 25 de Abril de 1974 que abriu caminho para um aumento progressivo da intervenção do Estado sobre a economia. Definido o rumo político de Portugal e assumido o objetivo de integração nas então Comunidades Europeias, as sucessivas revisões constitucionais são representativas da evolução do modelo económico, que se caracterizou por um conjunto de reprivatizações. Ainda que o Direito Comunitário previsse desde a adesão de Portugal, em 1986, e hoje com maior ênfase e rigor doutrinário, a progressiva liberalização da atividade económica e com ela a diminuição da presença do Estado na economia, dando cumprimento aos princípios da iniciativa privada, do direito à propriedade, da concorrência de mercado e da livre circulação de bens, serviços e capitais, Portugal, juntamente com outos estados- membros desenvolveu direitos especiais de controlo da gestão das empresas que a seu tempo ia reprivatizando – as golden shares – com o objetivo de assegurar o aprovisionamento e interesse nacionais. Com a ilegalização das golden shares à luz do TFUE, as empresas controladas pelo Estado português foram totalmente privatizadas e na atualidade, após a vigência das políticas de “austeridade expansionista” tantas vezes impostas pela UE (não apenas em Portugal, ainda que as tenhamos sentido de forma mais repentina e avassaladora), poderemos considerar que se assume um objetivo liberal de minimização do Estado na economia, o que nos faz concluir que estamos perante uma nova “revolução” doutrinária e “massiva”, que poderá vir a assumir contornos idênticos aos que experimentámos em 75/76, no que toca unicamente às matérias em estudo, todavia, do outro lado da barricada, esquecendo-nos tantas vezes de que “no meio é que está a virtude”, como dizem as gentes lusas. 21 | P á g i n a Referências bibliográficas BRITO, A., 2011. Governo Recua no Regime Jurídico das Nacionalizações [online]. [consultado em 3 de dezembro de 2016]. 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