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SÍNDROME DE PETER PAN
DAN KILEY
O que é Síndrome de Peter Pan?
Síndrome de Peter Pan é um estado de imaturidade emocional que
comea com ansiedade e narcisismo e termina em desespero. E um
fenômeno sociopsicológico detectado em homens que, embora
tenham atingido a idade adulta, são incapazes de encarar os
sentimentos e as responsabilidades dos adultos. No esforço de
esconder seus fracassos, recorrem ao fingimento e à falsa alegria.
Seguindo o sucesso de Complexo de Cinderela, Síndrome de Peter
Pan figura na lista dos livros mais vendidos do "The New York
Times", há quase um ano, pois explora um fenômeno psicológico
crescente.
* * *
Um sério fenômeno sociopsicológico está sendo detectado entre os
homens, diz o psicólogo Dr. Dan Kiley: centenas de milhares de
homens nun¬ca cresceram. Há muitos anos o Dr. Kiley vem
estudando a síndrome. Seu primeiro caso clínico foi quando
trabalhava com um jovem oficial da Força Aérea. Os sucessivos
anos de acon¬selhamento de adolescentes, universitários e jovens
casais recém-casados, ensinaram-lhe muito mais do que "as
preocupações e as tribulações do amadurecimento... que lentamente
me levaram a um número alarmante de homens que não
ama¬dureceram, não cresceram. Alguma coisa estava errada".
Somente quando relia a peça de Barrie é que ele se defrontou com a
conexão existente entre o problema que estava testemunhando e o
herói brincalhão, que a seu ver é realmente "um adolescente muito
infeliz que se encontra à beira do abismo entre o homem que não
quer ser e o menino que ele já não é ... Como O problema espelha a
vida ficcional do persona¬gem clássico, facilitando desta maneira a
explicação e a compreensão, não levei muito tempo para rotular esta
condição de Síndrome de Peter Pan — ou abreviando SPP".
O Dr. Kiley também explica que tem observado o crescimento deste
fenômeno há anos: "Suspeito que ocorram casos isolados há um
longo tempo, mas somente nos últimos 20 ou 25 anos, entretanto, é
que as pres¬sões da vida moderna têm exacerbado os fatores
desencadeadores, resultando num crescimento dramático na
freqüência do problema. Há razões para se supor que a situação
piore nesses próximos anos". De acordo com o autor, embora eles
tenham atingido a idade adulta, esses homens são incapazes de
encarar os sentimentos e as responsabilidades adultos; distantes de
suas verdadeiras emoções, eles se escondem atrás de máscaras,
estando repletos de sentimentos vazios e de solidão, e, como o herói
da história infantil, eles recor¬rem ao fingimento e à falsa alegria
num esforço supremo de esconder suas fraquezas dos outros.
Em Síndrome de Peter Pan, o Dr. Kiley dá uma olhada abrangente
nu vítima clássica da síndrome — seu perfil social e psicológico e os
seis maiores sintomas que ela exibe (incluindo a irresponsabilidade,
a ansie¬dade, a solidão e o chauvinismo); as idades em que
aparecem, as causas e os padrões de comportamentos manifestos.
Além de detalhar os sintomas e seus efeitos potencialmente
desastro¬sos na vida de um homem, o autor oferece conselhos
práticos para aqueles que querem tentar mudar a situação: pais que
podem perceber sinais em seus filhos adolescentes; esposas e
companheiras, amigos e conhecidos, e as próprias vítimas.
O autor
Nascido e educado em Illinois, Dr. Kiley graduou-se com M.A. e Ph.
D. na Universidade de Illinois. Fez parte da equipe de psicólogos do
VA Hospital em Danville, em Illinois, é administrador e psicólogo
do Departamento de Corregedoria de Illinois — Divisão Juvenil.
O Dr. Dan Kiley já publicou três livros de sucesso editorial e tem o
seu próprio programe de rádio em Chicago. Supervisiona
seminários e workshops nesta área e também escreve artigos para
Good Housekeeping e Family Circle, bem como para jornais
especializados no campo do relacionamento dos adolescentes e
familiares. Kiley mantém um consultório particular em Chicago,
onde reside.
* * *
À minha esposa Nancy, uma Sininho que faz de cada dia uma
aventura.
Agradecimentos
Merecem minha mais profunda gratidão as seguintes pessoas: Evan
Marshall, editor sênior em Dodd, Mead, cujo estímulo só é
suplantado por uma editoração brilhante; Kay Radtke, diretora de
publicidade, e sua excelente equipe; Howard Morhaim, meu agente
literário, que bem podia ter sido um grande psicoterapeuta; e
Donald Merz, Ph. D., amigo e colega que vem supervisionando
minha pesquisa ao longo dos anos. Estas pessoas fizeram este livro
infinitamente melhor do que eu sozinho jamais teria conseguido.
Sumário
Agradecimentos
Nota do Autor
Prefácio
PARTE I — INTRODUÇÃO AO QUADRO
1 Reconhece este Homem-menino?
2 O Adulto Vítima da SPP — Teste
3 A Síndrome de Peter Pan — Quadro Geral . . . .
PARTE II — A SÍNDROME DE PETER PAN
4. Irresponsabilidade
5. Ansiedade
6. Solidão
7. Conflito Relativo ao Papel Sexual
8. Narcisismo
9. Chauvinismo
10. Crise: Impotência Social
11. Após os 30 anos: Desalento
PARTE III — A MUDANÇA
12 Para os Pais
13 Para Esposas e Amantes
14 Para Irmãos, Irmãs e Amigos
15 Para as Vítimas
Nota do Autor
Os casos apresentados neste livro nele constam por propósitos
educacionais. A fim de proteger aqueles que lutaram na
confrontação e superação da Síndrome de Peter Pan, modifiquei
certos dados secundários e misturei outros. As histórias resultantes
representam as dificuldades cotidianas reais das vítimas da SPP, e
ocultam ao mesmo tempo as identidades das pessoas mencionadas.
Qualquer semelhança entre estas histórias e a de algum indivíduo
ou família real é pura coincidência.
Viver seria uma aventura incrível.
Peter Pan
Prefácio
Não ameaça a vida; portanto, não é uma doença. Mas põe em risco a
saúde mental da pessoa; portanto, é mais que incômodo. Seus
sintomas são bem conhecidos; portanto, não posso dizer que é uma
descoberta. Porém este quadro jamais foi descrito; portanto, este
livro traz algo de novo.
Trata-se de um fenômeno psicológico ainda por catalogar. Ele não
cabe em nenhuma categoria reconhecível, embora não haja como
negar sua existência. Em minha área, tal anomalia é denominada
síndrome. Ou, para usar jargão comum, uma síndrome é um
conjunto de sintomas expresso por algum tipo de padrão social.
Quero falar-lhe sobre uma síndrome, em nossa sociedade, que está
causando inúmeros problemas. Todo mundo sabe que ela existe,
mas até agora ninguém a rotulou ou explicou.
Venho estudando esta síndrome há anos, na tentativa de
compreender esse emaranhado de causa e efeito. Suspeito que casos
isolados há muito vêm ocorrendo; contudo, foi só nos últimos vinte
ou vinte e cinco anos que as pressões da vida moderna
exacerbaram-lhe os fatores causais, resultando num dramático
aumento na freqüência do problema. E temos todos os motivos para
esperar que piore nos anos vindouros.
Meu primeiro caso clínico foi uma vítima da síndrome, apesar de eu
não ter percebido isso na época. Eu trabalhava na Força Aérea
dando orientação a jovens em vias de "atingir a maioridade" ou com
problemas no processo de amadurecimento.
Ele chamava-se George. Tinha vinte e dois anos, mas agia como se
tivesse dez. Suas expressões emocionais eram exageradas,
inadequadas e tolas. Falava muito, mas não dizia muito de
aproveitável. Era hora de ele tomar as rédeas de sua vida, porém
estava fixado em seus tempos de estudante ginasial. Achei que ele
ultrapassaria seu medo de "virar adulto". Até hoje desconheço se o
fez ou não.
Meus anos de orientação a adolescentes, universitários e jovens
casais ampliaram meu conhecimento das dificuldades e tribulações
envolvidas no processo de amadurecimento. Aos poucos fui-me
dando conta de que um alarmante número de moços nãoestava
amadurecendo. Algo estava errado.
Este livro enfoca adultos do sexo masculino que não ama-
dureceram, bem como as razões para isso e o que se pode fazer a
respeito. Aposto que, depois dos dois primeiros capítulos, você já
terá identificado alguém que conhece como sendo vítima deste
problema. Imagino que se surpreenderá à medida que o
comportamento da pessoa lhe for ficando mais compreensível.
Dos dezessete aos vinte e poucos anos de idade, esses homens
vivem uma vida impetuosa. O narcisismo fecha-os em si mesmos,
ao passo que seus irrealísticos egos crêem poder e dever pôr em
ação tudo o que suas fantasias sugerirem. Mais tarde, depois de
anos de uma insuficiente adaptação à realidade, a guinada de 180°
em suas vidas. "Quero" é substituído por "Devo". Obter a aceitação
dos outros parece o único meio de eles se aceitarem. Seus acessos de
mau humor e irritação são disfarçados como afirmação masculina.
O amor é algo "obviamente a lhes ser dado, e nunca aprendem a dá-
lo em troca. Fingem ser adultos; todavia, na verdade, comportam-se
como crianças mimadas.
Leva tempo para uma criança inteligente e sensível transformar-se
num adulto imaturo e zangado. Os pais têm muitas chances de
reverter o processo; por isso, este é um livro destinado aos pais. Mas
esposas e amantes têm toda oportunidade de transformar o "nunca"
em "algum dia"; é por isso que este livro se destina especialmente a
mulheres que mantenham um relacionamento especial (no
casamento ou fora dele) com a vítima. Amigos e parentes com
influência sobre a vida da vítima podem oferecer ajuda; portanto,
este livro pode ser-lhes de valia. Finalmente, nunca é tarde demais
para um homem amadurecer por seus próprios esforços; é por isso
que este livro se destina também à vítima propriamente dita.
Seja você esposa, amante, pai ou mãe, avô, ou simplesmente amigo,
bem pode ajudar a vítima, independentemente da idade dela. Em
sua tentativa de compreendê-la, lembre-se: ame a criança, pois ela
não se ama; acredite no homem, pois ele não acredita em si mesmo;
e, acima de tudo, ouça-o, pois ele não ouve a si próprio. A fim de
sobrepujar esse problema, ele precisa percorrer a maior distância do
mundo: a que vai de sua boca a seus ouvidos.
PARTE I
INTRODUÇÃO AO QUADRO
1
Reconhece este Homem-menino?
CAPITÃO GANCHO: — Você tem algum outro nome?
PETER PAN: — Hum, hum.
GANCHO (ansiosamente): — Legume?
PETER: — Não.
GANCHO: — Mineral?
PETER: — Não.
GANCHO: — Animal?
PETER (após consultas com um amigo): — Sim.
GANCHO: — Homem?
PETER (desdenhosamente): — Não.
GANCHO: — Menino?
PETER: — Sim.
GANCHO: — Menino como os outros? PETER: — Não!
GANCHO: — Menino maravilhoso?
PETER (para consternação de Wendy): — Sim!
Reconhece esta pessoa? A julgar pela idade, é um homem; porém,
por seus atos, é uma criança. O homem deseja seu amor; a criança
quer sua compaixão. O homem almeja a aproximação; a criança
teme ser tocada. Se você enxergar além de sua máscara de orgulho,
verá sua vulnerabilidade. Se desafiar sua audácia, sentirá seu medo.
Você acha que conhece bem essa pessoa, mas a verdade é o inverso.
As contradições são incômodas. As respostas são ambíguas. Fica até
mesmo difícil encontrar as perguntas corretas. Contudo, olhe para
seus filhos, ou para os de algum amigo, e pergunte-se: "Como seria
se o corpo dele crescesse e sua mente parasse no tempo?"
Este homem-menino é vítima de um mal grave. Se não for ajudado,
amargará muito a vida. Não se trata de doença mental nem de
incapacidade de convivência em sociedade. No entanto, ele é muito
triste. Para ele a vida é uma perda de tempo. Ele se esforça por
camuflar a tristeza com vivacidade e piadas. Em muitos casos isso
engana, ao menos por alguns anos. Com o tempo, porém, aqueles
que o amam vão se cansando de sua imaturidade. À primeira vista
isso parece prematuro e até injusto. Mas analise melhor o quadro, e
entenderá por que desejam livrar-se dessa pessoa.
Sua tarefa é identificar esse homem-menino. Quanto antes
reconhecê-lo, maiores suas chances de auxiliá-lo. Ele pode ser seu
filho, seu marido, um tio ou um primo. Ou ainda um amigo, um
vizinho, um colega de trabalho. Ou, se você é do sexo masculino,
pode ser você! Quem quer que seja ele, pensa que não quer sua
ajuda. Não a quer porque não sabe que precisa dela. Está tão
acostumado a encarar a vida como uma caverna vazia que suas
atitudes do tipo "não ligo a mínima" parecem normais. Se ele ousar
gostar de alguém, ficará perturbadíssimo. Prefere a paz e a
tranqüilidade da bela indiferença.
Possivelmente você não conseguirá identificar esse homem
enquanto ele tem pouca idade. O contraste entre esta e seu grau de
maturidade será o primeiro indício. Uma vez identificado o
problema, você poderá planejar a ajuda a oferecer ou, pelo menos,
evitar contribuir para as dificuldades dele. Ao compreender a
complexidade do quadro, você poderá perceber os primeiros sinais
indicadores da síndrome. Se acaso você for pai ou mãe de um
menino que apresente esses sinais, poderá aprender como
interromper tal desenvolvimento deletério.
O problema começa a aparecer cedo na vida de um homem. Quem
sabe alguma criança em seu meio esteja agora atingindo o estágio
de crise? Pode ser o filho do vizinho, um dos filhos de algum amigo,
o líder do grupo de jovens de sua igreja, ou mesmo seu filho.
Quanto mais íntimo desse menino, maior a probabilidade de você
interromper o processo.
A identificação desse homem-menino implica um processo de três
passos. Este processo foi elaborado de modo que possa oferecer
objetividade; conseqüentemente, tem um ar um tanto impessoal,
algo parecido com os livros técnicos de psicologia, onde se estudam
casos clássicos.
Em primeiro lugar, defina seu campo de observação. Esse campo inclui
sua casa, a vizinhança, seu local de trabalho e quaisquer outros
lugares onde você passe um período significativo de tempo. Onde
quer que você entre em contato com os outros — é aí que acabará
vendo essa pessoa. Pode acontecer numa festa, numa reunião de
Amigos do Bairro, num piquenique familiar, ou no escritório ao
lado do seu. Se você for pai ou mãe sensível, pode ver este homem-
menino em miniatura à mesa do jantar. Se for uma mulher
apaixonada, pode talvez vê-lo em sua cama. Se for um homem que
pensa, pode até localizá-lo no espelho à sua frente.
Em segundo lugar, assuma o papel de investigador social. Reúna
dados preliminares, usando este perfil social do caso clássico:
Perfil Social da Vítima
Sexo: Masculino Idade: De 12 a 50 anos
Cronologia sintomática:
De 12 a 17 anos: Quatro sintomas fundamentais desenvolvem-se em
graus variáveis: irresponsabilidade, ansiedade, solidão e conflitos
relativos ao papel sexual.
De 18 a 22 anos: Aparece a negação à medida que o narcisismo e o
chauvinismo dominam o comportamento.
De 23 a 25 anos: Período de crise aguda, durante o qual a vítima
pode procurar ajuda queixando-se de uma vaga, mas profunda
insatisfação com a vida. Geralmente interpretado como normal pelo
médico ou terapeuta.
De 26 a 30 anos: A vítima entra no estágio crônico, representando o
papel de "adulto".
De 31 a 45 anos: A vítima casou-se, tem filhos, um emprego estável,
porém angustia-se por sentir a vida entediante e monótona.
Após os 45 anos: Aumentam a depressão e a agitação à medida que
se aproxima a andropausa (climaterio masculino). A vítima pode
rebelar-se contra um estilo de vida indesejado e sem significado
próprio, tentando recapturar sua juventude.
Nível socioeconómico: classe média para alta.
Aparência: Ele é visto como amável e agradável por pessoas que não
o conhecem muito bem. Tem sorriso insinuante e deixa uma
primeira impressão excelente.
Condição financeira: Os mais jovens raramente se sustentam. Aos
vintee poucos anos ainda moram com os pais, ou destes dependem
financeiramente. Vítimas com mais idade podem apresentar uma
situação segura, sentindo, contudo, que não a têm. Costumam ser
mesquinhas, exceto com relação à satisfação de seus próprios
desejos.
Situação marital: Até aproximadamente os vinte e cinco anos, os
homens costumam manter-se solteiros. Namoram mulheres mais
novas, ou aquelas cujas ações sugerem imaturidade. Depois de
casadas, em geral, estas mulheres acabam tendo que manter a
vítima "na linha". Esta costuma preferir os amigos à família.
Situação educacional: As vítimas mais jovens levam a faculdade "na
brincadeira" e têm dificuldade em resolver o que desejam estudar.
Raramente terminam o curso universitário no período normal. As
vítimas com mais idade sentem-se insatisfeitas com o grau de
instrução obtido, achando que deveriam ter ido além. Esses homens
raramente são vistos como vencedores ou empreendedores.
Situação profissional: Os mais novos têm uma história profissional
bastante instável. Só trabalham quando sob pressão. Querem uma
carreira, mas não querem "batalhar". Ofendem-se facilmente com
relação a empregos que consideram "indignos" deles. Têm
problemas empregatícios por causa de sua negligência. As vítimas
de mais idade caem no extremo oposto. Trabalham duro, na
tentativa de provar seu valor. Têm expectativas irrealistas em
relação a si mesmos, a seus colegas de trabalho e a seus chefes.
Vêem-se acometidos pela incômoda idéia de não ter encontrado o
emprego "certo".
Família: A vítima geralmente é o filho mais velho de uma família
tradicional. Os pais permanecem casados e têm boa situação
financeira. Provavelmente o pai é executivo de alguma empresa,
enquanto a mãe considera o cuidar da casa e dos filhos como sua
principal tarefa. Ela talvez trabalhe fora para aumentar.a renda
familiar, embora não tenha ambições profissionais.
Interesses: O grande interesse das vítimas mais novas são as festas.
As mais velhas esforçam-se por se divertir em festas, mas também
tendem a se envolver além de limites razoáveis em esportes
comunitários.
O terceiro passo no processo de identificação é a decisão de assumir
o papel de investigador psicológico. Após reconhecer a vida da vítima
externamente mediante a utilização do perfil social, use este perfil
psicológico para avaliar sua vida interior:
Perfil Psicológico da Vítima
Sete traços psicológicos dominam a vida da vítima da SPP. Estão
presentes em cada estágio de desenvolvimento, porém são mais
perceptíveis durante o período de crise. No estágio crônico a vítima
tende a esconder esses traços por trás de uma máscara de
maturidade.
Paralisia emocional: As emoções da vítima são inadequadas. Não são
expressas da mesma forma com que são experimentadas. A raiva
costuma emergir como fúria, a alegria toma a forma de histeria, e
uma decepção transforma-se em autopiedade. A tristeza pode
manifestar-se como alegria forçada, brincadeiras imaturas ou
risadas nervosas. As vítimas mais idosas afirmam que amam você
ou que gostam de você, mas não parecem capazes de expressar tal
amor. Ironicamente, apesar de quando crianças haverem sido
extremamente sensíveis, estes homens de modo geral parecem ser
egocêntricos até a crueldade. Acabam chegando ao ponto de
aparentemente se recusarem a compartilhar seus sentimentos. Na
verdade, perderam contato com suas emoções, e simplesmente não
sabem o que sentem.
Procrastinação: Durante o estágio desenvolvimental, a jovem vítima
adia as coisas até ser absolutamente forçada a fazê-las. "Não sei" e
"não me importa" tornam-se sua defesa contra as críticas. Seus
objetivos de vida são obscuros e mal definidos, principalmente
porque ela adia para o dia seguinte pensar sobre eles. A culpa força
a vítima mais idosa a compensar a procrastinação do passado,
transformando se em alguém que precisa estar sempre fazendo
alguma coisa. Ela simplesmente não sabe relaxar.
Impotência nas relações sociais: Não importa quanto se esforcem: as
vítimas não conseguem fazer amizades verdadeiras. Na
adolescência são facilmente levadas pelos companheiros. Os
impulsos assumem a prioridade sobre o sentido do certo e do
errado. Procurar amigos e ser agradável a meros conhecidos têm
precedência sobre as demonstrações de amor e a preocupação com a
família. A vítima sofre de uma desesperada necessidade de
pertencer a grupos; é terrivelmente solitária e entra em pânico se
está só. Ela pode até mesmo tentar comprar amigos. Durante toda a
vida tem dificuldade em sentir-se bem consigo mesma. Um falso
orgulho constantemente impede a aceitação das próprias limitações
(humanas).
Pensamento magico: "Se eu não pensar nisso, acabará". "Se eu achar
que é diferente, assim será". Estes exemplos refletem o "pensamento
mágico" das vítimas, o qual impede que admitam honestamente
para si próprias terem cometido erros, e praticamente as
impossibilita de dizer "desculpe-me". Este processo irracional é uma
defesa utilizada pelas vítimas para sobrepujarem sua impotência
nas relações sociais e sua paralisia emocional, de vez que lhes per-
mite culpar outrem por seus enganos. Freqüentemente as leva ao
abuso de drogas, pois crêem que, quando estão "loucas", seus
problemas desaparecem.
Conflitos com a mãe: Raiva e culpa causam uma enorme ambivalência
em relação à mãe. As vítimas desejam libertar-se da influência
desta, mas sentem-se culpadas toda vez que o tentam. Quando
estão com a mãe, há sempre uma tensão no ar, pontilhada por
momentos de sarcasmos seguidos de momentos de ternura reativa.
Os mais jovens provocam compaixão de suas mães a fim de
obterem o que querem, especialmente dinheiro. Ao discutirem têm
repentes de ira, e depois desculpam-se de modo inconseqüente. Os
mais velhos têm menos o senso de ambivalência e mais o de culpa
por causa da dor que causaram a suas mães.
Conflitos com o pai: A vítima sente-se alienada no relacionamento
com o pai. Anseia aproximar-se, mas convenceu-se de que jamais
poderá receber amor e aprovação de seu pai. Mesmo com mais
idade, ainda idealiza o pai, não compreendendo suas limitações e
muito menos aceitando seus defeitos. Boa parte da problemática da
vítima com respeito a figuras de autoridade origina-se nos conflitos
com o pai.
Conflitos sexuais: A impotência social da vítima estende-se até o
campo sexual. Logo após a puberdade o rapaz começa a buscar
desesperadamente uma namorada. Contudo, sua imaturidade e
maneiras tolas tendem a afastar a maioria das moças.
Seu medo de ser rejeitado leva-o a ocultar sua sensibilidade por trás
de uma atitude machista, cruel e impiedosa. Na maioria dos casos o
jovem permanece virgem até entrar na casa dos vinte, coisa que o
constrange e leva-o a mentir — freqüentemente a ponto de falar em
estupro, gabando-se de como "ganhou", ou planeja "ganhar", as
garotas.
Uma vez rompida a barreira da virgindade, a vítima pode passar
para o outro extremo, tendo relações sexuais com qualquer moça
que o deseje — para provar a si mesmo que é potente. Quando
decide ficar com uma, liga-se completamente a ela. Seu ciúme só é
suplantado por sua habilidade em despertar nela a compaixão.
O homem sente-se provocado (e pode até ficar furioso) frente às
atitudes de afirmação ou de autonomia da mulher; ele precisa que
esta seja dependente dele para que possa sentir que a está
protegendo. Na realidade, ele sente-se impotente para lidar com
uma mulher de personalidade marcante, que o trata de igual para
igual, e por isso ele a inferioriza. Anseia partilhar sua sensibilidade
com uma mulher, porém nega este lado de sua personalidade por
temer que seus amigos o considerem um fraco e não um "homem".
Nesta altura você provavelmente já identificou pelo menos um
homem, em seu meio, como vítima deste quadro. É improvável que
ele se ajusteperfeitamente à descrição que forneci. É mais provável
que ele apresente alguns, não todos os atributos examinados. É raro
o caso clássico existir na realidade. No próximo capítulo
abordaremos a questão de modo menos objetivo, menos didático,
digamos assim; passaremos a analisá-la mais subjetiva e
vivencialmente. Então talvez você tenha de enfrentar o fato de que,
em maior ou menor grau, este mal pode estar afligindo sua vida
cotidiana.
Isto nos conduz ao próximo passo: personalizar o processo de
identificação. Para fazê-lo, você deve formular a seguinte questão:
em que nível o homem em minha vida apresenta essa problemática?
Sua resposta o ajudará a resolver o que deseja fazer (se é que o
deseja) a respeito de sua realidade pessoal.
Resumo
Identificação: Homens que não amadureceram.
Categorização: Síndrome de Peter Pan (SPP).
2
O Adulto Vítima da SPP —Teste
PETER: — Como você se chama?
WENDY (muito satisfeita): — Wendy Moira Angela
Darling. E você? PETER (desconsolado com a brevidade de seu nome):
— Peter Pan. WENDY: — Só isso?
PETER (mordendo o lábio): — Só.
WENDY (polidamente): — Sinto muito.
PETER: — Está tudo bem. WENDY: — Onde você mora?
PETER: — Segunda à direita e daí sempre em frente
até a manhã.
WENDY: — Que endereço engraçado!
PETER: — Não é, não.
WENDY: — Quer dizer, é isso que escrevem nas cartas?
PETER: — Eu não recebo cartas.
WENDY: — Mas sua mãe recebe?
PETER: — Não tenho mãe.
WENDY: — Peter!
Trata-se de um mal com um nome simples, e sua identificação
objetiva é relativamente simples. Entretanto, no que tange à
subjetividade, determinar quem é portador deste mal pode ser tão
desnorteante quanto tentar decifrar a localização de "segunda à
direita e daí sempre em frente até a manhã".
Deve-se ser cauteloso em rotular um homem adulto como vítima da
Síndrome de Peter Pan. Na área do diagnóstico sempre se corre o
risco dos "negativos verdadeiros" (a doença parece estar presente,
mas não está realmente), e dos "positivos falsos" (a doença parece
não estar presente, mas na realidade está).
Para complicar ainda mais as coisas, muitos adultos possuem um
ou dois atributos da Síndrome de Peter Pan sem, na verdade,
apresentar a síndrome propriamente dita: digamos, uma
imaginação fértil e um anseio de permanecerem jovens
mentalmente. Tais traços não sugeririam inteligência e serenidade?
A presença de um ou dois atributos da SPP não faz de um homem
uma vítima da SPP; estar inconsciente por acaso significa que a
pessoa está morta? Não se contente com a primeira impressão. Um
homem é vítima da SPP apenas quando os atributos atrapalham seu
funcionamento e seu desenvolvimento de relacionamentos
produtivos com outras pessoas. Em outras palavras: os atributos da
SPP tornam-se um problema quando o homem não mais se
comporta de maneira infantil, mas simplesmente é infantil.
Um teste simples ajudará a concluir se o homem em sua vida é ou
não vítima da SPP. Para os homens que ousam analisar-se, este teste
pode ser altamente revelador. Porém aviso: se você é vítima da SPP
achará o teste tolo, irrelevante e sem sentido. Você pode até ficar
irritado. Se isto ocorrer, eu diria que você está se sentindo ameaçado
pela verdade e tentando ignorá-la, como faz com as outras coisas
que o perturbam; isto é, assume uma atitude cínica rindo por fora,
mas morrendo de medo por dentro.
O Teste
O teste é simples. Leia cada descrição comportamental e assinale o
grau em que ela se aplica à pessoa em questão. O 0 significa que tal
comportamento nunca ocorre; 1 significa que esse comportamento
ocorre às vezes (por exemplo, aconteceu uma ou duas vezes
espaçadas); 2 significa sempre (ou você mal se lembra de sua «5o
ocorrência).
Desde que este teste foi elaborado para esposas e amantes, foi
escrito do ponto de vista de uma mulher observando seu
companheiro. Se seu relacionamento com a vítima em potencial é
diferente, modifique as sentenças onde for necessário para facilitar
sua avaliação.
0 1 2 Quando comete um erro, ele reage de forma despro-
porcional à situação, exagerando sua culpa ou procurando
justificativas que o absolvam.
0 1 2 Ele esquece datas importantes como aniversários.
0 1 2 Numa festa ele a ignora, mas faz o máximo para
impressionar outras pessoas, especialmente as mulheres.
0 l 2 É quase impossível para ele dizer "desculpe-me".
0 1 2 Ele espera de você prontidão para relações sexuais quando ele
está pronto, pouco levando em consideração sua necessidade de
jogos introdutórios.
0 1 2 Ele vai além dos limites para ajudar os amigos, mas
deixa de fazer as pequenas coisas que você lhe pede.
0 1 2 Ele só demonstra preocupação por você e por seus
problemas, depois de você queixar-se da indiferença dele.
0 1 2 Ele só toma a iniciativa em situações em que a atividade
ou a diversão é do interesse dele.
0 1 2 Ele parece ter enorme dificuldade em expressar seus
sentimentos.
0 1 2 Ele anseia aproximar-se do pai, porém qualquer con-
versa (presente ou passada) com ele é afetada, cerimoniosa e
superficial.
0 1 2 Ele não dá ouvidos a opiniões que divirjam das suas.
0 1 2 Ele tem repentinos ataques de raiva, durante os quais
recusa-se a acalmar-se.
Ele fica tão intimidado com os desejos da mãe que chega a
aborrecer-se com ela por ser tão exigente.
0 1 2 Ele crê não ter um emprego à altura de sua capacidade,
mas não faz nada a respeito além de reclamar.
0 1 2 Faltam-lhe sinceridade e calor humano ao relacionar-se
com outras pessoas, especialmente com o filho mais velho.
0 1 2 Ao ingerir álcool, sua personalidade parece mudar; surgem
um temperamento explosivo, falsas bravatas ou uma alegria
exagerada.
0 1 2 Para ele não é possível deixar de participar de algum
divertimento ou evento com os amigos, indo muito além dos limites
a fim de não ser deixado para trás.
0 1 2 Ele expressa chauvinismo através de atitudes como:
"Acho ótimo minha esposa trabalhar fora, contanto que a casa esteja
sempre limpa".
0 1 2 Ele parece ter temores inexplicáveis e falta de auto-
confiança, mas recusa-se a conversar a respeito.
0 1 2 Ele a acusa de ficar histérica, enquanto ele próprio parece
superior à situação. Quando você se zanga, ele fica impassível.
Agora some os valores por você escolhidos. Use a seguinte
classificação para julgar o grau em que o homem em questão está
comprometido.
0 a 10 Não é vítima da SPP. São apenas alguns sintomas, e nada
muito sério. Se há alguma situação incômoda entre vocês, converse
com ele a respeito. É muito provável que ela possa ser resolvida
numa atmosfera de amor e cooperação.
11 a 25 A SPP é uma grande ameaça real. Siga as instruções que
seguem este teste e, se você é do sexo feminino, prepare-se para
avaliar-se (ver Capítulo 13). Há algumas providências que você
pode tomar para melhorar a situação; todavia tenha em mente que,
quanto mais altos forem os índices nesta categoria, tanto mais terá
que se esforçar.
26 a 40 A Síndrome de Peter Pan está instalada. Se o homem não
procurar ajuda para resolver seus problemas, é aconselhável que
você discuta com um profissional da área sobre o que pode fazer
para enfrentar a situação. Veja no Capítulo 13 como avaliar seu
papel na situação.
PROJETO DE MUDANÇA
Releia o teste. Quanto mais alto o índice, tanto maior o cuidado com
que você deve avaliar a gravidade de cada traço que sentiu estar
presente. Mesmo que a Síndrome de Peter Pan esteja instalada em
alto grau (índice por volta de 30), ainda há esperança. Essa revisão
do teste poderá oferecer indícios para a elaboração de um projeto de
mudança.
Eis o próximo passo: trace numa folha de papel três colunas com os
títulos "Nunca", "Às vezes" e "Sempre". Agora repasse novamenteo
teste, porém desta vez rememorando os últimos seis meses; tão
acuradamente quanto possível, situe cada traço comportamental na
coluna apropriada. Foi assim que uma mulher de trinta e três anos
completou este projeto de mudança para seu marido:
Nunca
Flerta
Deixa de ouvir
Repentes de raiva
Relacionamentos frios
Às vezes
Desconsideração de minhas necessidades sexuais
Esquecimento de datas
Egoísta com relação à diversão
Problemas com bebida
Faz tudo para sair com os amigos
Chauvinista
Nega ter medos
Sempre
Reações desproporcionais diante dos erros
Sem "desculpe"'
Ajuda os amigos
Indiferente
Intimidado pela mãe
Problema com o emprego
Não expressa sentimentos
Distante do pai
Acima de tudo e de todos
De acordo com a pessoa que respondeu ao teste, este homem obteve
índice 25. Quando conversei com ela pela primeira vez sobre o
índice do marido, surgiram contradições (ele era honesto e terno em
seus relacionamentos, mas nunca expressava seus sentimentos).
Tais inconsistências sugeriam que, por mais que ela se esforçasse,
nunca conseguia ser totalmente objetiva. Embora parecesse existir
algum problema, era provável que ela estivesse interpretando
erroneamente algumas situações. Afinal de contas, ela amava esse
homem e, portanto, havia desvios em alguns de seus julgamentos.
Assim, seu projeto de mudança poderia servir de linha mestra em
sua análise de como lidar com a SPP do companheiro. Poderia
também ser útil para relembrá-la de que, ao avaliar o marido, ela
tinha de levar em consideração a influência de seus próprios
pensamentos e sentimentos.
Se você realmente se dispõe a ajudar uma vítima em potencial da
SPP, necessitará desse projeto como um guia. Depois de elaborá-lo,
ponha-o de lado, enquanto decide qual o passo seguinte.
Você poderá tomar essa decisão, colocando-se três perguntas e
selecionando a que mais deseja ver respondida. As perguntas são
estas:
Como foi que ele ficou assim?
Em que ele está pensando?
O que posso fazer para ajudá-lo?
Se "Como foi que ele ficou assim?" é a pergunta mais importante
para você, então gostará de ler os capítulos de 4 a 9. Neles você
descobrirá os complexos detalhes do desenvolvimento de uma
vítima da SPP — como uma criança recua diante da realidade e
refugia-se na segurança da Terra do Nunca.
Se "Em que ele está pensando?" é o que mais a preocupa, chamo sua
atenção para o Capítulo 7, especialmentte para a seção final. É com
o desenvolvimento do conflito em relação ao papel sexual no fim da
adolescência que a personalidade tipo Jekyll/Hyde começa a
formar-se.
Se "O que posso fazer para ajudá-lo?" é a sua questão central,
recomendo o Capítulo 13. Nele eu a desafio a confrontar não apenas
os traços que mais a aborrecem em seu companheiro, como também
a analisar-se criticamente. É provável que você não se surpreenda
ao descobrir que pode estar inconscientemente reforçando a
Síndrome de Peter Pan.
Seja qual for seu próximo passo, sugiro que dedique alguns minutos
para familiarizar-se com a sintomatologia geral da Síndrome de
Peter Pan contida no capítulo que se segue. Uma compreensão
dessa sintomatologia irá auxiliá-la a fincar pé no chão e a resistir à
tentação de fugir da realidade, fingindo que não há nada de errado.
3
A Síndrome de Peter Pan: Quadro Geral
PETER: — Você me poria na escola?
SRA. DARLING (amavelmente): — Sim.
PETER: — E depois eu teria que trabalhar?
SRA. DARLING: — Acho que sim.
PETER: — Logo eu seria um homem?
SRA. DARLING: — Logo, logo.
PETER (com veemência): — Não quero ir para a escola e aprender
nada sério. Ah, minha senhora, ninguém vai me pegar e me
transformar em gente grande. Eu quero ser sempre um menininho e
me divertir.
Todos recordamos a constrangedora história de Peter Pan, certo?
Aquele despreocupado menino meio efeminado que se recusava a
crescer. Foi Peter quem nos mostrou o encanto da juventude eterna.
Foi Peter quem enfeitiçou e deu fim ao Capitão Gancho. Sua canção
e sua dança quebraram o coração do cruel pirata e o conduziram
por uma passagem autodestrutiva do tombadilho do navio para os
dentes do vigilante e voraz crocodilo.
Peter Pan simboliza a essência da mocidade. A alegria. O espírito e
o vigor inesgotável. Em suas aventuras com a fada Sininho e as
demais crianças, ele desperta a criança dentro de todos nós. Ele nos
atrai. Ele é maravilhoso. Ele nos estende a mão de um fiel
companheiro de folguedos. Quando permitimos que Peter Pan
toque nosso coração, nossa alma nutre-se da fonte da juventude.
Contudo, quantas pessoas percebem o outro lado da clássica
personagem criada por J. M. Barrie? Há entre nós céticos que leiam
nas entrelinhas deste inquietante conto? Você já parou para pensar
em por que Peter queria permanecer jovem? Claro, é duro crescer,
mas Peter Pan evitava isso a todo custo. O que o fez rejeitar todas as
coisas do mundo adulto? O que é que ele realmente buscava? Será
tão simples quanto o texto da obra faz parecer? Seu desejo de
permanecer jovem não era na verdade uma rígida recusa a
amadurecer? Se assim é, qual era seu problema? Ou problemas?
Uma leitura cuidadosa do original de Barrie abriu meus olhos para
uma realidade assustadora. Embora eu desejasse muito acreditar no
contrário, Peter Pan era um rapaz muito triste. Sua vida era cheia de
contradições, conflitos e confusão. Seu mundo era hostil e
impiedoso. Apesar de toda aquela jovialidade, ele era um menino
profundamente perturbado, vivendo numa época ainda mais
perturbadora. Ele resvalou no abismo entre o homem que não
desejava tornar-se e o menino que não podia mais ser.
Perdoem-me por usar o conhecimento psicológico para desenterrar
uma história dada como leve e divertida. Mas sinto-me plenamente
justificado. Uma análise séria desse conto não somente propicia
uma alegoria didática dos caprichos dos jovens, como ainda
delineia uma realidade apavorante da qual devem conscientizar-se
os profissionais da área. Sem que muitos pais e professores
percebam isso, inúmeros de nossos meninos estão
inconscientemente seguindo o exemplo de Peter Pan.
Com crescente freqüência, o pouco conhecido lado de Peter Pan
vem conquistando corações e almas de um significativo segmento
de nossa população de meninos. Se não forem libertados, sofrerão
contínuos conflitos emocionais e sociais. Estou certo de que Peter
não se aborreceria por eu usar sua história para ajudar outros. Na
verdade, duvido que ele ligasse para isso.
As crianças de hoje vivem numa época conturbada; aliás, não
diferente da turbulência que cercava Peter Pan e sua serena Terra
do Nunca. Diversamente de nosso travesso herói, porém, é
impossível às nossas crianças evadirem-se e permanecerem jovens
para sempre.
Tal como os contemporâneos de Peter, quem mais está sofrendo são
as crianças do sexo masculino. Em muitos países, rapazes estão se
recusando a amadurecer. Milhares, talvez até centenas de milhares,
encaminham-se para um estágio de vida que os assusta.
Apavorados, apressam-se a engrossar as fileiras da legião dos
meninos perdidos. Mais cedo ou mais tarde vários deles superam
seus temores da vida adulta e desertam da legião. Todavia muitos
outros rendem-se ao medo e submetem-se à convicção de estarem
perdidos. A legião dos meninos perdidos tem membros de todas as
idades. Muitos homens adultos "bem-sucedidos" ainda se
comportam como os meninos da legião de Pan.
É mais fácil identificar os membros mais moços. Eles constituem
uma oportunidade de estudo de contrastes. Externamente não há
nada de errado com eles. Pelo contrário, são umas jóias raras:
inteligentes e belos, sensíveis e sinceros, a concretização dos sonhos
e esperanças de todos os pais. Contudo, se permanecem na legião
por muito tempo, seu comportamentotorna-se um tanto estranho.
Distanciam-se da realidade, deleitam-se com as ervas naturais do
solo, brincam de fada e fogem às responsabilidades adultas.
Estas reencarnações de Pan fazem eco à sua apaixonada rebeldia
expressa no início deste capítulo. Eles não querem nada com o
estudo, com o trabalho, nem com qualquer outra coisa vinculada ao
adulto. Seu desejo é fazer tudo o que for possível a fim de
permanecerem sendo o que são: crianças que não querem crescer.
A maioria de nós já acalentou esta fantasia em alguma fase da vida.
É perfeitamente normal polvilhar um pouco de pó mágico na
cabeça, principalmente quando se é jovem. Aí pode-se voar para a
Terra do Nunca acompanhando os amigos de brincadeiras infantis,
ou simplesmente escapar à realidade nas asas das próprias
fantasias. Certamente não há nada de errado em desejar reunir-se a
Peter Pan e seus frívolos companheiros. Quer dizer: contanto que se
retorne da Terra do Nunca, quando chega a hora de relacionar-se com o
mundo real.
Lembro-me de meu encontro com Peter Pan e seu pó mágico. Não
fiquei invisível aos adultos — o que acontecia a Peter; mas assim
mesmo tentei um dia voar como ele saltando do alto do galinheiro,
tal qual meus amigos emplumados. A
natureza me deu uma lição prática (e dolorosa) sobre a realida-
de. Eu também disse à minha avó que não ia crescer nunca. Ela
foi gentil e compreensiva ao responder: "Que bom, Danny.
Agora vá para a horta e cuide dos tomates".
A realidade neutraliza os poderes do pó mágico. Se os pais,
professores e demais adultos envolvidos ajudarem a criança a lidar
com a realidade, os efeitos de Peter Pan e sua legião rapidamente se
esvaecerão, permanecendo apenas uma fonte de recordações
agradáveis. Mas se as crianças entram na adolescência totalmente
envolvidas na busca da juventude eterna, grandes problemas
surgem à medida que a realidade vai se tornando nebulosa. E se
atingirem o início da casa dos vinte anos com a mesma atitude
perante a vida, uma séria crise de identidade as acometerá durante
essa década.
Existem muitos rapazes cujas imitações de Peter Pan acabam
trazendo conseqüências deprimentes. Começam como todos nós,
tomados pelo fascínio da eterna juventude. Contudo, por uma série
de razões, chegam a um ponto em que os devaneios sobre a Terra
do Nunca transformam-se em desastroso pesadelo. Alguns se
recuperam, mas um crescente número deles não. Seu filho talvez
seja uma vítima; e também seu marido.
As crianças que seguem os passos de Peter Pan acabam por
experimentar um grave problema psicológico que em geral conduz
à desadaptação social. Muitas se comportam inadequadamente nas
esferas emocional e interpessoal. Sentimentos de isolamento e de
fracasso se apoderam delas ao se depararem com uma sociedade
pouco paciente com os adultos que agem como crianças. Porém as
pessoas desta sociedade não vêem motivos para se sentirem mal.
Consideram a situação temporária e, portanto, esforçam-se ao
máximo por ignorá-la. É desnecessário dizer que a situação piora.
Pelo fato de o problema espelhar a vida ficcional de um herói
clássico, facilitando assim sua explanação e compreensão, não
duvidei em optar pela conveniência de intitular esse quadro
Síndrome de Peter Pan — ou, abreviando, SPP.
A SPP tem raízes no início da infância. Entretanto ela só começa a
manifestar-se na puberdade, aproximadamente aos doze anos.
Entre os doze e os dezoito anos, quatro sintomas se desenvolvem
lentamente nos meninos que ainda não renunciaram à busca da
eterna juventude. Cada sintoma é produto das pressões exercidas
pela sociedade moderna sobre a família e, em última análise, sobre a
criança.
Dos dezoito aos vinte e dois anos, dois ou três sintomas emergem,
ambos fomentados pelos quatro sintomas básicos. Estes dois
sintomas intermediários fixam o problema, e preparam o cenário
para o período de crise. Durante essa crise o jovem tem de enfrentar
e de resolver vários anos de pensamento mágico e de um
desenvolvimento falho do ego. Se não é bem-sucedido nesse
processo, provavelmente será presa da SPP por um extenso lapso de
tempo, talvez pelo resto da vida.
Apresento brevemente a seguir os seis sintomas e a pressão social
que age como catalisador no desenvolvimento de cada um deles.
IRRESPONSABILIDADE
Atitudes permissivas vêm permeando nossa literatura, nossos
meios de comunicação e filosofias educacionais há mais de trinta
anos. Estes passam aos pais a noção de que, na criação dos filhos,
devem evitar o uso da autoridade e da punição, e jamais estabelecer
ou forçar os limites no espaço de crescimento da criança.
Os pais que adotam este método promovem o desenvolvimento da
irresponsabilidade. Não falo de preguiça nem de pequenas
negligências, mas de uma completa irresponsabilidade que leva a
criança a acreditar que as regras não se aplicam a ela.
Quando tal irresponsabilidade segue sem ser questionada, as
crianças deixam de aprender hábitos básicos relativos ao cuidado de
si próprias. Um fracasso nas pequenas coisas (limpeza, boas
maneiras, método) pode avolumar-se até dar lugar a uma
indolência que destrói a autoconfiança. A criança pensa: "nunca
conseguirei lidar com as coisas grandes, já que nem sei lidar com as
pequenas".
ANSIEDADE
As vítimas da SPP são cheias de ansiedade. Logo a tensão começa a
dominar a atmosfera do lar. E vai crescendo a cada ano.
Ela cerca a criança, tornando-se finalmente o pano de fundo de
todas as cenas cotidianas. A causa dessa ansiedade flutuante é a
infelicidade dos pais.
Os pais das vítimas de SPP sentem-se insatisfeitos com seu
casamento e consigo mesmos. As razões para esse descontenta-
mento são várias e complexas. Algumas das mais importantes são:
falta de calor humano e de participação, desproporção na relação
trabalho/lazer, autodisciplina deficiente e subversão dos papéis e
dos valores tradicionais.
A infelicidade de cada um dos pais tem efeito diverso sobre a
criança. O pai camufla sua dor adotando a atitude do "cara durão", e
utiliza expressões triviais para demonstrar seu interesse ("Ei,
homem não chora!" Ou "Ah, isso logo passa!"). O resultado é um
retraimento na relação pai/filho, onde o filho vê o pai como um
enigma e uma pessoa de cujo amor e aprovação jamais será
merecedor. A ansiedade é como uma dor persistente.
A mãe tenta sofrer em silêncio, mas fracassa. Ela exibe seu martírio
como uma medalha de guerra, e simula satisfação diante da
perspectiva de sacrificar sua vida pelos filhos ("Eu realmente nunca
quis nada para mim além de sua felicidade"). O filho percebe esse
isolamento e descontentamento. Fica tentando culpar o pai, mas não
o faz porque precisa de seu amor. Então culpa a si próprio,
concluindo que a mãe tem boas razões para rejeitá-lo. Esta idéia
irracional persegue-o constantemente e provoca nele uma ansiedade
semelhante a um troar ensurdecedor.
Na maioria dos casos os pais fingem ser felizes. Temem encarar seus
sentimentos e a verdade. A evitação é facilitada pelo fato de não se
sentirem muito incomodados, mas apenas muito descontentes.
Assim, simulam falsos sorrisos e promovem atividades familiares
nas quais a alegria é forçada; servem-se de palavras bombásticas
que parecem ricas de significado, mas não têm nenhum conteúdo.
Aos olhos de um observador leigo nada há de errado com essas
famílias. Elas parecem bem ajustadas e costumam ser objeto de
inveja dos vizinhos; contudo, essa aparência externa é ilusória. Na
verdade, o espectro da inquietação espalha-se como um câncer
emocional, devorando a segurança e a paz de espírito da criança. Os
pais em gerai não assumem, mas estão juntos por causa dos filhos.
Não deveriam. Os filhos sofrem por isso.
SOLIDÃO
As famílias de vítimas da SPP geralmente são abastadas. Os pais
dão aos filhos dinheiro em vez de tempo. Não ajudam ascrianças a
aprender como ganhar dinheiro, de modo que elas consideram a
comida, casa e segurança coisas "caídas do céu", e concentram suas
energias em encontrar novas maneiras de obter prazeres.
Prodigalidade sem restrições tem um efeito muito prejudicial sobre
as crianças. O valor do trabalho é o primeiro a desaparecer, pois os
filhos consideram o prazer um direito e não um privilégio obtido
pelo trabalho. Então, com tempo demais à disposição e escassez de
segurança em casa, procuram sua identidade num grupo. Querem
desesperadamente achar um lugar ao qual sintam pertencer.
Em estado quase de pânico, os filhos são seduzidos pelos anúncios
dos meios de comunicação de massa, os quais apregoam que a
chave para o "fazer parte" é fazer o que "todo mundo" faz.
Conseqüentemente a pressão dos amigos invade todos os aspectos
de suas vidas, compelindo-os a "fazer parte", não importa a que
preço. A pressão em direção do "ser igual aos outros" esmaga seu
espírito de liberdade e priva-os da pouca autoconfiança que
possuem. Eles despendem tanta energia para evitar a rejeição que
mal têm tempo de apreciar as vantagens do "fazer parte". O
resultado é a solidão. A solidão é hoje um grande problema. Ela
afeta tanto os adultos quanto as crianças, sendo que estas pagam o
maior preço. As vítimas da SPP, ansiosas e irresponsáveis, são
golpeadas pela solidão que emocionalmente as traga como areia
movediça. Elas necessitam desesperadamente de amigos; no
entanto, quanto mais se esforçam, pior se sentem. Muitos apelam
para o abuso de drogas, para a promiscuidade sexual e outros
vícios, na busca infrutífera de salvação.
Solidão e riqueza tendem a caminhar juntas. Crianças que não
avaliam a importância do trabalho não têm muita chance de se
orgulhar de suas realizações. Sem um honesto orgulho, são mais
passíveis de ser dominadas pela pressão grupai do que as crianças
cuja sobrevivência não é tão facilmente garantida.
As crianças pobres das grandes cidades têm uma necessidade
premente de "fazer parte", porém esta necessidade tem de enfrentar
as preocupações relativas à segurança e proteção físicas. Esta
condição retarda o desenvolvimento da Síndrome de Peter Pan.
Os meninos de zonas rurais têm mais oportunidade de aprender
bons hábitos de trabalho, o que frustra o desenvolvimento da SPP.
Se você puder aceitar a premissa de que a riqueza contribui para a
solidão, verá por que afirmo que a SPP é um mal suburbano. Com
raras exceções, a SPP afeta crianças das classes média e alta. Logo
você verá por que essas crianças são exclusivamente do sexo
masculino.
CONFLITO RELATIVO AO PAPEL SEXUAL
Durante os últimos dez ou quinze anos, os acontecimentos políticos
e a estratégia adotada pelos meios de comunicação vêm colocando
nossos meninos num terrível conflito relativo ao papel sexual. Este
conflito resulta do fato de nossas crianças ouvirem mensagens como
estas:
Meninos e meninas, é hora de crescerem, e já! A disposição sexual é
a chave para você conseguir isso. É fácil passar das fraldas para o
namoro rapidamente se você "batalhar" para isso. Se fracassar, é
porque você é "careta".
As meninas já podem assimilar todas as características tradicio-
nalmente tidas como masculinas. Estas incluem, entre outras, a
obstinação, a resistência, a auto-afirmação, a procura de satisfação
sexual e a independência financeira. Estes são os atributos que
garantem a aprovação social e política. Se você não os possui, que
pena!
A fim de merecerem "fazer parte" e ser aceitos pelo grupo, os
meninos devem apegar-se ao papel de machos. Portanto, não aja
como menina. Isto significa que você não deve: expressar
sentimentos, admitir fraquezas, ser sensível, renunciar à
possibilidade de uma conquista sexual e jamais depender de uma
mulher. Se você ousar assumir algum desses traços femininos, será
rejeitado por seus companheiros. Será considerado "bicha", fora de
seu grupo.
Às meninas permite-se vivenciar tanto os aspectos femininos
quanto os masculinos de sua personalidade. Freqüentemente são
pressionadas a fazê-lo, quer queiram quer não. Não se considera
mais "mulher-macho" ou "sapatão" a menina que deseje jogar
basquetebol, por exemplo.
Mas isso não se permite aos meninos. Apesar de toda a retórica em
contrário, a maioria dos meninos ainda não tem o direito de chorar,
ao menos na frente dos amigos. Todavia, se possuem laços
familiares fortes, podem romper com essas expectativas rígidas,
penetrar em território tradicionalmente feminino, e acabar achando
outros homens iguais a eles.
Aos meninos que não contam com o apoio familiar restam duas
opções: ou capitulam diante da chantagem de uma possível rejeição
do grupo e suprimem a ternura, a sensibilidade e quaisquer outros
traços considerados fraquezas, não admitindo nunca se sentirem
alienados e solitários, ou abandonam o campo heterossexual e
atualizam o lado feminino de suas personalidades, unindo-se a
certos segmentos da comunidade homossexual que alimentam essa
atitude. Obviamente não estou dizendo que todos os homossexuais
masculinos o são devido à SPP (embora alguns homossexuais
realmente se ajustem à descrição da vítima da SPP).
É irônico e triste que haja considerável apoio político para os
movimentos feministas e pelos direitos do homossexual, mas nada
se faça para fortalecer o moral do homem que deseja permissão para
chorar nos braços da mulher que ama.
NARCISISMO E CHAUVINISMO
Estes são os dois sintomas intermediários que emergem nos estágios
finais da Síndrome de Peter Pan. O narcisismo geralmente precede o
chauvinismo, proporcionando à vítima um método sistemático de
projeção das próprias inseguranças sobre outrem. O pensamento
mágico atinge o ápice neste período, afastando a vítima da
realidade e fomentando atitudes situadas na fronteira do bizarro. O
narcisismo fecha o jovem no domínio das próprias fantasias e
impede o crescimento pessoal advindo de relacionamentos
significativos com outras pessoas.
O chauvinismo associado à SPP é muito mais sutil que a altamente
visível variedade comumente exibida por tiranos e fanfarrões. Ele
protege a vítima narcisista de decepções e sofrimento sentimentais,
dando-lhe um "papel adulto" promissor de aceitação, conquanto
superficial, dos companheiros. As mulheres que se apaixonam por
vítimas da SPP ficam absolutamente perplexas quando finalmente
se dão conta do chauvinismo. Ele aparece tão sub-repticiamente que
a mulher acha que ela é quem tem algum problema.
O narcisismo e o chauvinismo, juntamente com a irrespon-
sabilidade, a ansiedade, a solidão e o conflito relativo ao papel
sexual, completam a estrutura sobre a qual assentará o período de
crise da Síndrome de Peter Pan.
ESTILO DE VIDA PIRÁTICO
Numa meticulosa leitura dos comentários de Barrie, encontrei o
conceito que procurava para resumir o padrão comportamental da
vítima da SPP. Ao fim do Quinto Ato, Cena I, vemos que Peter Pan
derrotou completamente o Capitão Gancho. O pirata malvado
comete suicídio atirando-se ao mar e projetando-se nas mandíbulas
do crocodilo. O autor então comenta:
Ergue-se a cortina mostrando PETER como um perfeito Napoleão em seu
navio. A cortina não deverá erguer-se novamente para que possamos vê-lo
na popa, com o chapéu e os charutos de GANCHO, e com uma pequena
garra de ferro.
Barrie sugere que o alter ego de Peter Pan é um pirata. Num dado
tempo e num determinado espaço, Peter poderia tornar-se tão
desapiedado e insensível quanto Gancho. Acho isso bem plausível.
É por isso que sumarizo o estilo de vida da vítima da SPP em uma
palavra: pirático.
As vítimas da Síndrome de Peter Pan são uns folgados. Têm
propensão para risadas ruidosas e para uns bons tragos de qualquer
bebida alcoólica, e estão sempre procurando divertir-se com um
grupinho de "adoráveis" meretrizes.São capazes de maldades e de atos inescrupulosos e podem cantar e
dançar enquanto estão roubando os tesouros da vida alheia. Se
sentem que você lhes fez algum mal, são tomados de fúria
instantânea e põem-na(o) a nocaute, ou atravessam seu coração com
uma promessa e uma mentira. Invadem suas águas territoriais e se
ofendem com a sua indignação. Se irritados por uma segunda vez,
farão você caminhar sobre brasas. Então, depois de pilharem
totalmente seu coração, navegarão em direção ao poente fingindo
não sentir nenhum remorso nem preocupação.
Pessoas que já foram maltratadas pelo comportamento pirático de
vítimas da SPP costumam concluir que esse pirata pretensioso não
sente nenhuma preocupação pelo que fez. E é isso que ele quer que
você ache. Mas pare e raciocine: os piratas não têm lar. Eles anseiam
por um lugar que possam dizer que é seu. Consomem-se numa
inquietação que os força a prosseguir na interminável viagem em
busca da paz de espírito.
Assim, apesar de a vítima da SPP "roubar" sua confiança, não pode
usá-la. Confiança nada significa sem amor por si mesmo, e é esse o
item crucial que falta na vida da vítima. Seu comportamento
pirático é apenas um consolo temporário no meio de uma vida
tempestuosa.
O Capitão Gancho, refletindo sobre a dor e o prazer derivados de
sua perfídia, coloca isto melhor que eu:
As crianças deste navio agora vão para a prancha. Esta é a minha
hora de triunfo! E no entanto algum espírito diabólico me compele a
fazer um discurso por minha morte, pois posso não ter tempo para
fazê-lo quando ela chegar. Todos os mortais me invejam; todavia,
quem sabe não teria sido melhor para Gancho se ele tivesse sido
menos ambicioso!
[Após curta interrupção]
Nenhuma criança me ama. Dizem que as crianças brincam de "faz
de conta que eu sou Peter Pan", e que é sempre o mais forte que
quer ser Peter. Elas preferem ser qualquer outro que não o Gancho;
forçam o mais pequenino a ser o Capitão Gancho. O menorzinho! É
aí que aparece o câncer.
É indiscutível a presença do desalento, bem como do arre-
pendimento. Porém não se trata de um arrependimento nascido de
uma compreensão da natureza do mal feito. Trata-se mais de uma
espécie de perplexidade brotando da vaga sensação de que as coisas
não estão se desenrolando conforme os planos. É manifesta a
ausência de uma auto-avaliação. É quase impossível ao pirata e à
vítima da SPP suporem poder ter provocado o próprio infortúnio.
Em vez de se arrependerem de seus erros, simplesmente cedem ao
remorso decorrente da incapacidade de achar alguém a quem
possam culpar.
Se você conhece alguma vítima da SPP, sua primeira reação é
rejeitar esta analogia pirática. Você se agarra à idéia de que ele só é
um pouco imaturo para a sua idade. Incomoda encarar a
possibilidade de que alguém tão importante possa ser tão egoísta. É
preferível ele roubar sua carteira a trair sua confiança. Mas ele não é
nenhum criminoso, nem doente mental. Ele é um pirata moderno
navegando a esmo num mar de solidão.
HÁ CURA PARA A SÍNDROME DE PETER PAN?
A SPP não é um mal fatal (embora algumas de suas vítimas
cometam suicídio). Ela é, contudo, devastadora no que toca ao bem-
estar emocional do indivíduo e de sua família. Quando a SPP se
apresenta completamente desenvolvida, o amadurecimento é
bloqueado por uma procrastinação fatalista, pelo pensamento
mágico e irracional e por uma sistemática negação que atinge o
bizarro.
Aqueles que amam esses homens frustram-se por completo. As
vítimas da SPP querem desesperadamente sair do buraco; estenda-
lhes a mão, porém, e será golpeado no coração. Clamam por
atenção; contudo, quando você tenta ajudá-los, riem-se in-
ternamente de sua insensatez em atendê-los. Os mais idosos têm
consciência da própria condição, mas recusam-se completamente a
procurar ajuda ou dela beneficiar-se. Alguns de vocês reconhecerão
um amigo ou um ser amado como vítima da Síndrome de Peter
Pan. E ser-lhes-á fácil concordar com a frustração descrita. A gente
fica sem saber se lhes dá um abraço ou um tapa.
Trabalhei com esses homens por muitos anos. Vi a Síndrome de
Peter Pan em seus primeiros estágios, e testemunhei a destruição
que é seu ápice na meia-idade.
Como você pode imaginar, é duro conseguir que as vítimas se
entreguem a uma psicoterapia. Internamente elas são tão
desconcertantes que diversas vezes me vi tentado a pôr grades nas
janelas de meu consultório para impedir que saíssem voando. Na
verdade, se tivessem acesso ao pó mágico, com certeza partiriam
para uma Terra do Nunca subjetivamente criada.
Meu primeiro encontro com uma vítima da SPP geralmente ocorre
entre o início de sua adolescência e os vinte e cinco anos de idade.
Tipicamente esse jovem vive na casa dos pais e estuda ou trabalha
meio período, com pouco sucesso. Professa-se um heterossexual
plenamente realizado; na verdade, porém, sente-se muito pouco à
vontade junto às mulheres. Seu desrespeito e sua irresponsabilidade
levam seus pais a se preocuparem seriamente com o seu futuro.
Por uma razão que vocês entenderão mais tarde, é a mãe da vítima
que acaba conseguindo coagir o filho a procurar ajuda. A ameaça é
vaga, mas peremptória: "É melhor você dar um jeito em sua vida, ou
então. . . "
A mãe não costuma explicitar o que "ou então. . . " significa, mas o
filho apreende a mensagem: "ou vai, ou a 'mamata' acaba".
Eu apostaria que a mãe não poria em prática a ameaça, mas o filho
não deseja correr esse risco. Ele também não quer arriscar-se a ferir
o coração materno. Assim, ele vem a meu consultório ao menos
uma vez. Com ares de hostilidade, mas vem.
Nem bem sentou-se e já começa a reclamar da chantagem da mãe.
"Não preciso de psiquiatra. Não sou louco. Mas se eu não viesse, ela
ia continuar me enchendo até eu vir".
Raramente a vítima admite estar explorando os pais numa idade em
que já deveria estar cuidando da própria vida. Nem parece disposta
a falar sobre sua solidão e irresponsabilidade. O prognóstico não é
bom. Os alicerces e os sintomas intermediários acham-se
firmemente fincados.
Quando reajo às queixas sobre sua mãe, ele se contorce numa reação
de culpa. Quase em pânico, escusa-se: "Não foi nada disso que eu
quis dizer. Não me leve a mal. Minha mãe é ótima. É só que. . . bem,
acho que ela se preocupa comigo. Mãe é mãe, né?"
Quando assinalo sua reação defensiva, fica ainda mais nervoso. A
hostilidade começa a emergir. "Ei, eu não percebi o que tinha dito.
Esquece, tá? Vamos falar de outra coisa".
Mudamos o assunto, pois sei que isso não fará a menor diferença.
Qualquer que seja o tema escolhido, o jovem me "gela", dando de
ombros, falando monossilabicamente, e usando outras formas
negativas de resposta a fim de esfriar minha indagação. Ele calcula
que, mostrando-se frio e descompromissado, me forçará a desistir
de questioná-lo, e poderá ir dizer à mãe que sim, que foi, e o médico
não achou nada de errado nele.
Muitas das vítimas mais jovens são participantes involuntárias da
psicoterapia. Sendo assim, o processo termina antes de começar.
Contudo, há casos em que a persistência na reflexão sobre a ligação
irrealística do jovem com sua mãe conduz a um desfecho produtivo.
O progresso é lento e entediante.
Se uma vítima em potencial é atendida antes que o conflito referente
ao papel sexual se manifeste por inteiro, as chances de uma
mudança construtiva são boas. Porém, uma vez que a inadequação
sexual esteja reprimida, o narcisismo e o chauvinismo instalam-se
metodicamente, e a confrontação resulta em aumento da hostilidade
e em fuga.
Se a resistência ao tratamento é definitiva, a maior parte dos jovens
sai de casa e casa-se. O pó mágico da Terra do Nunca torna-se parte
de suas almas. Fingem ser felizes com a esposa e a família. Afirmam
para si mesmos que estão satisfeitos com o trabalho. Negama
dolorosa evidência de que seus corpos estão enfraquecendo. Têm
muitas amizades aparentemente duradouras, mas que na realidade
são superficiais e transitórias. E, como na adolescência, continuam a
divertir-se. Para muitos, o abuso de bebidas alcoólicas é
considerado um ato social. Outros compulsivamente procuram
"casos". Sua negligência é justificada como necessidade de relaxar.
O desalento torna-se um companheiro constante, enquanto a
solidão toma proporções monstruosas.
A prevenção da Síndrome de Peter Pan é relativamente fácil.
Quanto mais cedo a vítima em potencial começar a ser tratada,
melhor. Tenho certeza de que, se você apreender a totalidade do
quadro da Síndrome de Peter Pan, será levado pelo impulso de
ajudar de toda maneira possível. Pois, apesar da raiva, da negação e
da negligência, as vidas das vítimas da SPP são cheias de tristeza.
Não existe outra forma de descrever essas vidas. É realmente triste
que pessoas tão incríveis tenham sido crianças que se evadiam à
realidade e fingiam viver num perpétuo estado de jovial felicidade.
Acontece que essa Terra do Nurca acaba transformando-se numa
terra deserta e estéril. Se permitirmos que permaneçam lá,
transformam-se em adultos cuja Terra do Nunca vira uma prisão de
onde é quase impossível escapar.
Nessa prisão a solidão enfurece-os, mas eles fingem ter amigos; são
presas da dúvida, mas fingem ser confiantes; anseiam pela
felicidade, e fingem contentamento; pior que tudo, consomem-se no
isolamento e fingem ser amados.
Peço-lhes que não acreditem neles. Tal como seu líder ficcional, as
vítimas da Síndrome de Peter Pan são sós, terrivelmente sós.
Quanto à sua afirmação: "Não quero ir para a escola e aprender
nada sério. Ah, minha senhora, ninguém vai me pegar e me
transformar em gente grande. Eu quero ser sempre um menininho e
me divertir" — não acredite nela. Eles mentem para si próprios.
PARTE II
A SÍNDROME DE PETER PAN
Nesta seção explicarei o desenvolvimento da Síndrome de Peter
Pan. Os pais aqui encontrarão implicações para possíveis mudanças
em suas estratégias de educação dos filhos. Esposas e amantes
compreenderão melhor por que o homem a quem amam é
simultaneamente frustrante e gratificante. Os amigos sentirão
empatia e mais prontamente estenderão a mão para ajudar. As
próprias vítimas poderão ganhar consciência e coragem para se
libertarem da armadilha em que se encontram.
O grosso de minha explanação centra-se na segunda década de
vida, aproximadamente. As tentativas de ajudar os jovens a
amadurecer ensinaram-me que este período se inicia na puberdade
— aos onze ou doze anos, digamos — e termina por volta dos vinte
e quatro, época em que a maioria dos jovens entrou na vida adulta.
Denomino esse período de vida a idade de "atingir a maioridade".
Já indiquei antes que seis sintomas básicos compõem a Síndrome de
Peter Pan. Revisarei cada um deles nos próximos seis capítulos.
Apresento os sintomas e os capítulos cronologicamente, conforme
as "idades de pico". Minha hipótese é que o sintoma sob
investigação floresce por um período de dois anos e domina os
demais durante essa idade de pico.
A melhor maneira de se estudar a Síndrome de Peter Pan e
visualizar uma estrutura tridimensional composta por sete blocos.
Primeiramente imagine quatro blocos juntos sobre uma mesa, de
modo a formar um quadrado. Cada um desses blocos representa
um de quatro sintomas fundamentais da SPP — quatro alicerces, se
assim preferir. Esta é a base sobre a qual se constrói a SPP.
A chave aqui é o conflito quanto ao papel sexual. Uma vez
instalado, é certa a continuação do mal.
Agora imagine que dispõe dois blocos sobre os quatro alicerces.
Estes blocos representam mais dois sintomas da SPP e devem ser
considerados "intermediários" entre os alicerces e o período final de
crise. Estes sintomas intermediários fluem
da base e, por seu lado, formam a base para o estágio final no
desenvolvimento da SPP.
Por fim, coloque um bloco sobre os dois intermediários. Este
representa o período de crise da Síndrome de Peter Pan. Trata-se de
uma época em que os seis sintomas convergem para causar a
impotência nas relações sociais, tão prejudicial à felicidade futura.
Esta apresentação pode dar-lhe a impressão de que cada um desses
sintomas se desenvolve de modo previsível; entretanto, não é assim.
Embora em geral os quatro alicerces apareçam entre as idades de
onze e dezoito anos, podem desenvolver-se, em diferentes crianças,
em diferentes idades. Podem, até mesmo, brotar numa seqüência
diversa da delineada aqui.
Você pode também ter a impressão de que os quatro sintomas
devem estar presentes antes de os sintomas intermediários se
poderem desenvolver. Mas não é assim. Minha experiência ensina
que o narcisismo e o chauvinismo podem desenvolver-se na
ausência de um ou dois dos alicerces. Quando isto ocorre, a
devastação manifestada no período de crise é substancialmente
menor, e torna-se mais provável a solução da impotência nas
relações sociais.
O período de crise da Síndrome de Peter Pan reflete diferentes
graus de incapacidade. Alguns rapazes podem simplesmente tentar
um casamento ou uma carreira que prometem anos de chateação,
mas uma manejável frustração. Outras vítimas sofrem de uma
impotência tão avassaladora que uma adaptação satisfatória ao
trabalho e um relacionamento afetivo gratificante ficam além de
suas possibilidades. O grau de incapacidade associa-se diretamente
à quantidade e à qualidade dos seis sintomas contidos na estrutura
de blocos.
No Capítulo 10 personalizarei o estágio de crise da SPP narrando a
história de Randy, um jovem de vinte e três anos, cuja vida
dolorosamente demonstra a convergência dos seis sintomas. Você
verá como a Síndrome de Peter Pan resulta numa impotência social
que em tudo se infiltra, reduzindo drasticamente a qualidade de
vida do jovem.
O último capítulo desta parte analisa homens que nunca
amadureceram. Você verá como o conflito referente ao papel sexual
invadiu todos os aspectos significativos de suas vidas. Verá o que
acontece quando a crise cessa e o desalento passa a constituir-se a
própria textura da vida.
4
Irresponsabilidade
PETER: — Sou a juventude, sou a alegria, sou um passarinho que
acaba de sair da casca do ovo.
WENDY: — Mas fugiu por quê?
PETER: — Porque ouvi meu pai e minha mãe conversando sobre o
que eu ia ser quando fosse adulto. Eu quero ser sempre um
menininho e me divertir.
Será que ser adulto é tão ruim assim? Seja o que for que Peter tenha
ouvido dos pais, o fato é que ele ficou assustadíssimo. Imagino-o
descendo a escada da casa para ir pegar um copo de leite na
cozinha, e acidentalmente ouvindo os pais falarem sobre o seu
futuro.
"Pobre Peter", seu pai estaria dizendo. "Ele terá que trabalhar duro,
agüentar jogo sujo e competição, preocupar-se com a estabilidade
no emprego, conter a raiva ao ver os impostos comendo seu salário,
e submeter-se à ladroeira legal das contas de luz, gás. . . " Eu é que
não o invejo por ter que crescer num mundo como este. . . "
"E eu me preocupo com a família dele", acrescentaria a mãe. "Peter é
o tipo do menino que vai morrer de preocupação pela esposa e
pelas crianças. E, do jeito que vai a situação econômica, acho que a
esposa dele vai ter que trabalhar fora. Aí seus filhos terão que
crescer praticamente sem os pais. Ah, que pena. Pobre filho!"
Ponha-se no lugar de Peter Pan. Se ouvisse essa história de terror
sobre o seu futuro, você também não gostaria de permanecer
exatamente como estava? Tudo o que teria de fazer seria concentrar-
se em ser criança. Não seria tão difícil.
Você teria de brincar o tempo todo, divertir-se independentemente
do que acontecesse,e fingir que a realidade é uma piada. Acima de
tudo, teria de esforçar-se dia após dia, ano após ano para tornar-se
tão irresponsável quanto possível.
Faz sentido, não? A irresponsabilidade é a chave para se
permanecer criança. O roteiro parece bastante simples: ser to-
talmente irresponsável, fazer todo o possível para resistir a hábitos
civilizados, como guardar a roupa, alimentar o cão da família, tirar
boas notas e dar uma mão em casa.
A fim de maximizar sua irresponsabilidade, você teria que
desenvolver hábitos chocantes, como deixar o banheiro na maior
bagunça, criar uma "zona de guerra" em seu quarto, espalhar copos
vazios usados, restos de comida e meias sujas pela sala de visitas e,
mais que isso, ser rude e malcriado quando da visita de adultos à
sua família. E em nenhuma circunstância deveria dizer "por favor"
ou "obrigado" à sua mãe por tê-lo levado a passear com seus
amigos.
Nesta altura, achando que já tinha atingido certo grau de
irresponsabilidade, você iria querer comparar seu desempenho com
os de seus colegas. Quantos centímetros de pó acumulado há sob as
camas deles? Quando foi a última vez que o vizinho escovou os
dentes? Qual o recorde de dias consecutivos em que só comeu doces
e coisas do gênero?
Seu ritmo se estabeleceria conforme as artimanhas de seus colegas.
Com um pouco de aplicação e quase nenhum esforço pessoal, você
poderia ser o melhor. Então teria assegurado o direito de reclamar
cadeira cativa na legião dos meninos que jamais amadurecerão.
Uma vez assentada a irresponsabilidade, seria interessante você
empregar certa dose de preguiça para barrar o desenvolvimento de
qualquer tentativa de maturidade. Pois não é verdade que você não
quereria que sua mãe dissesse às amigas: "Puxa, meu Peter está
ficando tão responsável! Ele faz tudo o que-eu peço e nunca me dá
qualquer problema?" Se isso acontecesse, seus planos iriam por
terra. Você estaria crescendo.
Seus amigos podem ajudá-lo a manter sua irresponsabilidade. Com
eles você aprende a arte e a ciência da protelação.
"Vou indo" e "daqui a pouco" são suas armas. Aprende também a
esquecer. "Puxa, mamãe, esqueci!" Ou "você não vai esperar que eu
me lembre de todas as minhas tarefas, né?" E, quando estas falham,
sempre poderá aprender novas técnicas de argumentação ou de
reclamações. "Não é justo", "você sempre implica comigo" e
"nenhum outro menino tem que fazer isso" — são manobras
excelentes.
Você não precisa ser Peter Pan para resistir à maturidade. A
irresponsabilidade não constitui um sinal automático de
desadaptação futura. É natural que as crianças se rebelem contra o
amadurecimento. Crescer é algo assustador, hoje mais do que em
qualquer outra época passada. Só pensar sobre as realidades da
idade adulta basta para conduzi-lo a um estado de regressão, no
qual você se enrola em seu cobertorzinho e leva o polegar à boca,
suspirando pelo tempo em que a decisão mais difícil de tomar era
qual o brinquedo a escolher.
Todos nós tivemos momentos de irresponsabilidade. Isso é parte do
ser criança. Porém, na maioria, nós ultrapassamos a
irresponsabilidade, e agora a responsabilidade é algo tão habitual
que precisamos até planejar nossos momentos de lazer. Chegamos a
um ponto em que não podemos nos evadir à responsabilidade.
As vítimas da Síndrome de Peter Pan apresentam o problema
contrário. Eles não podem evadir-ss à irresponsabilidade. É uma
armadilha que começa como uma inocente e típica rebelião, mas
acaba transformando-se num estilo de vida do adulto. Uma peça
fundamental do quebra-cabeça da Síndrome de Peter Pan é a
completa irresponsabilidade geradora de inépcia nas capacidades
básicas relativas ao cuidado de si mesmo.
PICO DA IRRESPONSABILIDADE: 11 A 12 ANOS
Se a criança tem três anos de idade e enfia purê de batata no nariz,
isso é normal. Se tem seis e arrumou a cama, ainda que pareça que
continua desarrumada, ela merece aplauso pela tentativa. Se tem
nove e a comida que preparou para o almoço queimou, deve ser
louvada pelo esforço. Porém a uma certa altura algum adulto
responsável deve dizer: "Você já está grande demais para fazer essas
tolices".
As vítimas da SPP nunca dão ouvidos a essa advertência. Ou se o
fazem, não o registram. Entram no final da adolescência cem sólidos
hábitos de irresponsabilidade. Muito embora tenham dez ou quinze
anos a mais, a maioria delas ainda se porta mal à mesa, deixa a
cama por ser arrumada, e acha que preparar um grande jantar é
abrir uma lata de salsichas.
A irresponsabilidade é um dos seis alicerces da Síndrome de Peter
Pan. Ela atinge seu ápice geralmente entre os onze e os doze anos; a
repentina liberação de hormônios no interior do corpo do menino
parece estimular a persistência dessa característica.
Passo a mostrar quatro tipos de irresponsabilidade púbere. Você
compreenderá o contraste entre eles, persuadindo-se ao mesmo
tempo de que cada tipo, se não for cuidado, poderá conduzir à
destruição da responsabilidade no adulto. "Um Anjinho": Esta
criança parece sempre inocente. O papel angelical aparece sempre
que existe grande evidência de ela ter algo de errado. Seus olhos
molham-se instantaneamente, e ela protesta: "Você acha que eu
pensaria em fazer uma coisa dessas?" O silêncio e a tristeza em seu
rosto solene e seus lábios trêmulos conquistam seu coração e você se
esquece de dizer: "Sim". "Ranheta": Esta criança cré que a melhor
defesa é uma boa ofensa. Ela costuma queixar-se para chantagear os
pais. Reclama alto e bom som das injustiças de seu poder. Acaba
por aborrecê-los tanto que eles desistem de mandar e simplesmente
fazem eles próprios o que competiria ao filho.
"Cego, surdo e mudo": Se os pais não soubessem como as crianças
funcionam, achariam que este tipo de irresponsabilidade envolve
algum tipo de lesão cerebral. Mas um grande número de crianças
perfeitamente saudáveis utiliza a estratégia do "cego, surdo e
mudo" para evitar a responsabilidade. Eis como reconhecer essa
estratégia. Surdo: "Não ouvi você me pedir isso". Mudo: "Eu não
falei nada disso". Cego: "Nossa, eu nem vi o bilhete que você deixou
na minha mesa". Cada uma a sua maneira, estas crianças crêem
poder evitar a responsabilidade se nenhum de seus sentidos parecer
funcionar direito.
"O bem intencionado": Como zangar-se com uma criança irres-
ponsável com o jeito de um cachorrinho gentil? Muitos pais
fracassam diante desse fato. O "bem intencionado" faz rapidamente
qualquer coisa que você lhe peça, e sorri independentemente de seu
estado de espírito. O problema é que ele nunca executa suas tarefas,
a menos que você o faça lembrar-se delas uma centena de vezes.
Este tipo de irresponsabilidade é perigosíssimo, porque os pais
tendem a evitar atitudes severas para ensinar a criança a assumir
suas obrigações.
Vejamos brevemente quatro histórias de crianças, todas elas no pico
da idade da irresponsabilidade (onze a doze anos).
Rickey
O clínico da família disse que ele era um menino cheio de energia
que exagerava nos salgadinhos e nos doces. O pediatra insinuou
que Rickey Sharp, de onze anos de idade, talvez fosse hiperativo. A
orientadora escolar dizia que, por estar enfrentando a puberdade,
Rickey precisava de compreensão e paciência. A avó dizia que o
neto, seu orgulho e alegria, estava simplesmente passando por uma
fase e logo mudaria. De um ou de outro modo, todos estavam
certos. Mas Ruth Sharp não podia mais esperar. Ela só queria que o
filho "tomasse jeito".
Rickey era o típico "anjinho". Tinha grandes olhos azuis, cuja clareza
e intensidade não haviam mudado desde seu nascimento. Seu
cabelo loiro e rebelde pareceria mal cuidado em qualquer outra
criança, mas em Rickey agradava. Sua voz era tão miúda quanto seu
corpo; ele como que sussurrava ao falar, e mal alcançava o vaso do
banheiro da igreja.Rickey era um mestre no uso do olhar angelical, e servia-se dessa
arma no momento exato. Quando acusado de irresponsabilidade,
fixava os olhos de bebê no acusador e protestava inocência. Erguia
as sobrancelhas, franzia a testa, e fazia cair o queixo em falsa
surpresa. Persistia assim até a batalha terminar. Se ganhava,
afastava-se alegremente; se perdia, continuava a punir o vencedor
com os lamentos e gemidos de um galante guerreiro
profundamente ferido. E raramente perdia uma batalha.
Acrescentava-se a esse outro aspecto do angelicalismo de Rickey.
Sem querer, ele descobrira os poderes ocultos da inocência.
Utilizava-os para atacar a autoridade, forçar a vida a caminhar
como ele pretendia, e reforçar a disposição de evitar a
responsabilidade. E, passando ao extremo da atuação angelical,
Rickey resvalara para o alter ego de qualquer anjo: o demônio.
Seus atos deixavam todos atônitos. Fazia experiências com as flores
do jardim, jogando sobre elas gordura quente — ouvira dizer que as
plantas gostavam de carboidratos. Querendo saber se os cães caem
de pé, como os gatos, atirara o cachorro de estimação da família do
primeiro andar do prédio. Adorava as reprises do seriado de Tarzan
apresentado na TV aos sábados de manhã e, uma tarde, representou
o papel de seu herói saltando de uma árvore. Infelizmente
aterrissou sobre a octogenária e artrítica Sra. Wilson, uma vizinha.
Quem poderia zangar-se com uma criança que deseja tornar a selva
segura para a humanidade e garantir que as plantas tenham uma
dieta balanceada? A Sra. Sharp, ela mesma! Ela não estava
particularmente incomodada com o cão agora manco, ou com a
irada Sra. Wilson. Estava, contudo, no limite da tolerância da
irresponsabilidade cotodiana de Rickey.
Desvendei o segredo da rotina angelical durante uma breve
consulta com Rickey em meu consultório.
Depois de dez ou quinze minutos de conversa informal, sorri
largamente e inclinei-me para a frente. — Você é um cara e tanto,
hein, Rickey?
A bola de chiclete que ele estava fazendo estourou. — Que que você
quer dizer?
— Bem, você faz umas coisas bem estranhas, né? Saltar sobre a Sra.
Wilson, por exemplo.
— Ah, isso não foi nada — Rickey tinha total controle da situação.
— Ela podia ter se desviado de mim. De qualquer modo, eu mal
toquei nela.
Resolvi questionar essa afirmação. — Mal tocou nela?
— É.
— É mesmo? — Inclinei-me mais para ele. — Sua mãe me contou
que a Sra. Wilson quebrou uma perna. Ela está bem machucada.
— Eu não fiz por querer. — Rickey começou a aborrecer-se. — Que
mais minha mãe te falou?
— Bom, ela me contou que você "apronta" muito, é bastante
preguiçoso e sabe "tirar o corpo fora" quando faz alguma coisa
errada.
— Hein?
— Você sabe muito bem. Quando ela te pega fazendo alguma coisa
errada, você só olha para ela — arregala os olhos e finge total
inocência. — Demonstrei a rotina do bebê angelical.
Rickey foi pego de surpresa ao ver um adulto refletir sua imagem.
Evidentemente deve ter sentido a mesma espécie de ataque que
ocorria quando a mãe ou o pai o questionavam sobre seu mau
comportamento. Passaram-se alguns segundos depois que
completei meu comentário, e dei-me conta de estar cativo do olhar
de Rickey.
Eu era alvo do sofisticado "feitiço" de um garoto de onze anos.
Pareceu passar-se uma eternidade antes de eu notar o que estava
acontecendo. Rickey estava fazendo comigo o que fazia com os
demais adultos que o enfrentavam. Estava abrindo caminho a seus
poderes demoníacos.
Após recuperar-me, fiz a única coisa possível. Continuei a espelhar
seu comportamento. — Puxa, você realmente é bom nisso.
Rickey não se moveu. Continuou a encarar-me. Acho que vi uma
pequena lágrima formar-se em seu olho.
Se tinha de ajudá-lo, não podia permitir que o "feitiço" funcionasse.
Portanto, pressionei-o, ainda que gentilmente. — Comigo não vai
funcionar, Rickey. Sei que você aprendeu que encarar os adultos
assim faz com que eles te deixem em paz. Mas não é bem assim. E
não vai funcionar agora. Não vou te deixar em paz. Você precisa de
minha ajuda. Você precisa aprender outra forma de lidar com esta
situação.
Eu sabia que Rickey precisaria de algum tempo para refazer-se, por
isso disse-lhe: — Estou com sede. Vou tomar um pouco de água.
Quando voltar, falaremos sobre isso.
Saí por um minuto. Quando voltei, Rickey estava sentado com a
cabeça inclinada. Retomei a questão numa direção diversa. Com um
largo sorriso e muita animação na voz, disse-lhe: — Você é
realmente ótimo nisso. Você até conseguiu pegar o velho Dr. Dan
aqui, por alguns segundos. Aposto que você realmente consegue
liquidar com sua mãe, né?
Sua cabeça moveu-se para cima e para baixo, enquanto seus olhos
permaneciam grudados no chão.
É um barato, né? Você realmente os deixa pirados,
— Eu o estava instigando a contar seus segredos.
Seus olhos desviaram-se do chão para encarar-me com fixidez.
Prossegui atentamente. — E isso, não é?
Ele tentou mostrar-se durão. — É o quê?
— Você não deixa seus pais pirados com esse olhar?
— Que olhar?
— Ah, sem essa — respondi. — Você sabe do que estou falando.
Você faz alguma coisa errada, descobrem, seus pais tentam puni-lo
e aí você ataca de bruxo com esses seus olhinhos e, pronto, acabou-
se o problema. E isso pira seus pais. Certo?
Rickey não sabia bem o que fazer comigo. Seu velho truque não
surtira efeito. Assim, como a maioria das crianças que tenta uma
emboscada e fracassa, Rickey fez a única coisa que podia fazer. Ele
me contou a verdade. — É, eles piram mesmo.
— E você se orgulha muito disso, não é? Foi sua vez de rir.
— É.
Era minha vez de ficar sério novamente.
— Mas nem sempre é gostoso, ou é?
— Como é que é?
— Bem, você não fica nem um pouquinho assustado de ter que estar
sempre fazendo besteira?
— É.
— E você às vezes não gostaria que seus pais te fizessem pagar por
teus erros?
— Hum, hum.
— Mas você não vai contar isso a eles, vai?
Rickey recompôs-se.
— Não.
Continuei a conduzi-lo no que eu considerava uma direção positiva.
— Bom, adivinhe quem vai ter que fazer isso.
Encaramo-nos. Balancei a cabeça afirmativamente e lancei-me um
olhar de "sinto muito". — Eu vou ter que fazer isso.
Ele não capitulou de imediato.
— Você não tem que fazer nada.
— Tenho, sim, porque quero ajudá-lo a crescer e a assumir maior
responsabilidade.
Rickey foi sentindo-se mais seguro de si, e seu lado "diabólico"
retornou. Endereçou-me um olhar só parcialmente enfei-tiçante e
disse: — Não preciso gostar, preciso?
De forma alguma Rickey ia gostar de aprender a ser responsável.
Quando me sentei com seus pais para discutir o caso, sabia que,
mais cedo ou mais tarde, ele juntaria sua voz às de outras crianças
que experimentaram a frustração e gritaram: — Por que é que
ninguém mata o Dr. Dan?
Steven
Steven Jolly era tudo, menos alegre.* Era malvado e rude, sarcástico
e de temperamento explosivo. Era um garoto que mergulhara fundo
* Jolly significa "alegre", "jovial", "de bom humor" (N.T.).
na terrível fase dos dois anos de idade e lá permanecera por dez
anos. Certamente existem crianças mais ranhetas que Steven, mas
nenhuma me vem à mente, por mais que tente lembrar-me. Vou
contar a história de Steven para que vocês possam compreender a
história do desenvolvimento da raiva que freqüentemente compõe a
Síndrome de Peter Pan.
Os pais de Steven devem ter levado anos para se acostumarem à
"ruindade" do filho. Não há outra explicação para o fato de eles
haverem tolerado tanto abuso emocional.
Sharon e Joe Jolly trouxeram Steven ao meu consultório por causa
de uma séria decadência em seu desempenho escolar. Sua
adaptação em casa sempre fora insatisfatória, fato que os pais
haviam aprendido a ignorar. Todavia, dada a atual preocupação
dos professores, seus pais julgaram chegadaa hora de fazer mais do
que ignorar os problemas de Steven. Quanto a eles mesmos, a Sra.
Jolly havia já superado a preocupação com o que os vizinhos
diriam, e admitia que o filho era incontrolável.
Steven estava para ser reprovado em todas as matérias, com exceção
da de Educação Física. Era regularmente mandado para fora da
classe por péssimo comportamento, como dirigir-se insolentemente
à professora e bater nas outras crianças. Quando a professora
tentava punir Steven, ele a desafiava:
"Não tenho que te obedecer, você não é minha mãe". Confrontações
com o diretor seguiam a mesma linha: "Meu pai não vai gostar de
saber dessas ameaças".
Demorei um pouco para entender por que os educadores não
tinham tomado providências antes. Eles tinham medo. A atitude de
Steven colocava-os contra a parede. O raciocínio deles era mais ou
menos assim: "Se Steven é este terror na escola, seus pais devem
saber. Mas eles não estão fazendo nada para corrigi-lo. Se abrirmos
o jogo, eles podem virar-se contra nós".
Dado o receio dos burocratas em relação ao enfoque rígido em
matéria de educação, fazia sentido que o diretor e a professora não
se dispusessem a arriscar seus empregos em nome de uma luta por
um menino de quem, aliás, não gostavam.
Quando os educadores finalmente se manifestaram, a Sra. Jolly
armou-se de coragem para imitá-los. Ela tinha dificuldades em
relatar tópicos específicos do desrespeito e da irresponsabilidade de
Steven. Parecia ter lapsos de memória quando eu lhe pedia que
narrasse detalhes precisos. Descobri que as "ruindades" de Steven
magoavam-na tanto que ela havia erigido uma barreira protetora de
seus sentimentos. A barreira poupava-lhe experimentar a sensação
do fracasso, mas tornou-a também mais insensível à necessidade de
mudança.
Enquanto a Sra. Jolly se esforçava por relembrar dados dolorosos, o
Sr. Jolly mantinha-se reservado. Se por um lado a esposa lutava
para enfrentar a verdade, o pai de Steven persistia na negação. Num
discurso tão bem talhado quanto seu terno, o Sr. Jolly disse: — Só de
uns meses para cá Steven tem se portado mal.
A Sra. Jolly tentou mascarar sua hostilidade e decepção. Joe
querido, acho que você não notou como as coisas têm ido mal. Há
muitos anos que Steven vem piorando cada vez mais. Lembra-se de
como a professora da segunda série se preocupava com ele?
Joe levantou as sobrancelhas, apertou os lábios e suspirou: — Ah!
Meu sexto sentido captou o comentário não dito: "Você é quem
sabe, querida".
Resisti à tentação de propor uma terapia de casal, pois sabia que
seria inútil. O Sr. Jolly continuaria a negar quaisquer problemas
sérios, ao passo que a esposa estava absorvida demais na tentativa
de ajudar o filho. No entanto a tensa comunicação entre os dois
produziu resultado. A Sra. Jolly recordou um exemplo típico do
mau comportamento de Steven.
No domingo anterior os três haviam almoçado num restaurante
próximo à igreja de onde tinham vindo. Depois de Steven tê-la
importunado bastante, a Sra. Jolly prometera que ele ganharia uma
sobremesa ao passarem pelo mercado na volta a casa.
Ao entrarem no mercado, Steven anunciou alto: — Vou pegar um
pacote de bombons e encontro vocês no caixa.
A mãe protestou delicadamente dizendo: — Acho que você deve
comprar uma maçã, Steven.
A rudeza de Steven dominou-a: — Você disse sobremesa e eu quero
bombom. Não quero maçã. Isso é ridículo. Vou pegar os bombons.
A Sra. Jolly tentou exercer sua autoridade. — Steven, disse a Sra.
Jolly: bombons hoje, não. Escolha uma maçã bem grande e bonita.
Como sempre, a reação brutal de Steven: — Isso é burrice. Eu já
tenho idade pra escolher o que quero, e eu disse que quero
bombom. — Ele berrava, e os demais fregueses haviam-se voltado
para assistir à briga entre a mãe indefesa e o filho agressivo. Sharon
Jolly estava prestes a chorar por causa da atitude desrespeitosa do
filho e do constrangimento que sentia perante os olhares de todos.
Steven não a poupava. — Se você vai continuar com essa besteira,
então eu vou pra casa. — Começou a caminhar para a saída.
A Sra. Jolly sucumbiu à pressão. — Você não pode ir para casa a pé,
está nevando e faz muito frio. Você vai se resfriar e não poderá ir à
escola amanhã.
A última tacada de Steven é provavelmente a mais maldosa que já
ouvi de uma criança com tão pouca idade. — Não finja ser
baozinha, mamãe. Você não me dá bombom, e se eu me resfriar a
culpa é sua.
A Sra. Jolly saiu atrás do filho e alcançou-o logo à saída. Ela estava
em pânico. Implorou-lhe que fosse bonzinho e voltasse para dentro.
Antes de concordar, ele exigiu que ela capitulasse Ela o fez, e o
incidente encerrou-se tão abruptamente quanto se iniciara.
Para que você não pense que uma criança seja capaz de ser cruel até
o extremo, permita-me observar que, no íntimo, Steven estava
sofrendo terrivelmente. Duas ou três vezes por semana ele acordava
gritando por causa de terríveis pesadelos. Quanto se podia lembrar,
monstros feios perseguiam-no sem descanso, querendo devorá-lo.
Não é preciso ter grandes conhecimentos sobre análise de sonhos
para se concluir que Steven estava sendo vítima de sua própria
maldade. Ele evitava a responsabilidade atacando figuras de
autoridade com um comportamento monstruoso. Crescia a
irresponsabilidade, crescia o monstro. Por não se sentir responsável,
Steven tinha pouca auto-estima e pouca confiança em si mesmo. Isto
o tornava vulnerável perante os ataques do monstro por ele criado.
E agora o monstro estava virando-se contra seu amo.
A maldade de Steven Jolly promovia sua irresponsabilidade. Ele
estava rapidamente se especializando em chantagem emocional,
encarando o dever como um veículo de hostilidade. Estava
desenvolvendo um traço que freqüentemente ocorre em vítimas da
Síndrome de Peter Pan; isto é, estava se tornando o tipo de pessoa a
quem é difícil amar e fácil detestar.
Note o lado irônico da história de Steven. Aos sete anos, ele fora
levado pela mãe a um psiquiatra infantil porque ela estava
preocupada com suas atitudes. O psiquiatra dissera: "Não discipline
Steven, do contrário a raiva e a hostilidade irão se exacerbar". A Sra.
Jolly seguiu o conselho do psiquiatra. Cinco anos mais tarde ela se
viu diante de uma criança cuja raiva e hostilidade se haviam
exacerbado intoleravelmente.
Billy
Poucos pais têm de se defrontar com a insuportável maldade de
Steven Jolly. Na maioria dos casos a hostilidade assume as formas
de respostas malcriadas ou de discussões intermináveis. Sempre se
espera de um menino um certo grau de agressividade à medida que
ele luta para tornar-se um homem. Rickey expressava sua
agressividade numa atitude angelical, e Steven era simplesmente
agressivo.
Billy Winters usava uma técnica maravilhosa e tão antiga quanto a
rebelião infantil. Ele não fazia nada. Ficava parado, limitando-se a
usar uma das três respostas estereotipadas com que reagia ao ser
questionado sobre seu pobre desempenho. "Não ouvi. . . " "Esqueci.
. . " "Não vi. . . " Eram as chaves de sua fuga da responsabilidade.
Na época em que conheci a família Winters, Billy, então com onze
anos, acostumara-se a tal ponto a suas justificativas que estava
quase tornando-se deficiente. Freqüentemente deixava de escutar as
instruções dadas na aula, arremessava-se no meio do trânsito para
pegar uma bola, e perdia inúmeros pertences pessoais (cachecol,
luvas, uma raquete de tênis e outros) por puro esquecimento.
O casal Winters fora levado ao desespero pela tática do filho.
Haviam tentado todos os modos imagináveis de modificar os
hábitos de Billy. Inclusive tinham chegado a extremos perigosos
com esse propósito. Mas nada funcionava. A meu ver, a razão de
haverem fracassado foi que tentaram convencer Billy a tornar-se
responsável.
Peg e John Winters eram pessoas instruídas e sensatas,e amavam
muito seu filho único. Peg era fanática por livros sobre educação de
filhos. Sempre trocava idéias a respeito com o marido, a quem não
agradava a importância dada à permissividade e à aceitação
incondicional, preferindo seguir a "linha dura" aprendida do pai e
do avô. Era assim (com o "vamos conversar sobre isso" da mãe e o
"obedeça, ou. . . " do pai) que o casal Winters tentava lidar com a
estóica indiferença de Billy.
Billy recebia três espécies de mensagem em reação à sua estratégia.
Se a mãe estava presente, ele ouvia: "Eu faço a mamãe ficar triste".
Se era o pai que o enfrentava: "Eu faço o papai ficar bravo". Quando
ambos estavam envolvidos na situação, a idéia era: "Eu faço a
mamãe e o papai brigarem".
Eis três breves exemplos de confrontações típicas na residência dos
Winters:
A Sra. Winters sentava Billy à mesa da cozinha e dava início à
"sessão pedagógica" dizendo: — Você sabe que tem tarefas em casa
depois de chegar da escola, né, Billy?
— Hum, hum — era a resposta.
— E você sabe muito bem que eu sempre deixo bilhetes sobre as
coisas que eu quero que você faça, certo?
— Hum, hum.
— Então, Billy, por que você não as faz? — Peg sentia-se culpada
por zangar-se com o filho. — Você sabe como eu fico triste quando
você não tenta me ajudar em casa.
Billy era pressuroso em apresentar sua melhor desculpa:
— Eu nem sempre vejo os bilhetes.
Peg cerrava os punhos para não explodir: — Você sempre diz isso.
Mas isso não me deixa menos aborrecida. Por favor, conte-me o que
está acontecendo com você. Por favor!
A resposta de Billy completava a circularidade da "discussão": —
Não sei.
Como você provavelmente percebeu, esse tipo de conversa não
levava a nada, apesar de ocorrer diariamente. E a "linha-dura" do
pai também não produzia resultado.
O hábito de Billy de perder as coisas irritava seu pai. — Você deve
pensar que o dinheiro cai do céu! Ou vai ver que você simplesmente
não pensa. Droga, qual é o problema, hein, Billy?
Assustado, Billy murmurava: — Não sei. Eu esqueci.
— Esqueci! Esqueci! Você perde tudo o que eu compro com tanto
esforço pra você!
Nesse ponto Billy geralmente abaixava a cabeça e nada dizia.
— Me diga uma coisa, meu filho. Eu quero saber por que é que você
gosta de me irritar.
— Não sei.
A rigidez e a hostilidade do pai eram tão ineficazes quanto a
excessiva tolerância da mãe. Em ambos os casos Billy sentia-se
encostado na parede, e produzia a resposta-padrão: "Não sei .
Quando ambos os pais estavam envolvidos na confrontação,
surgiam faíscas em todas as direções.
A briga costumava iniciar pelo pai. — Droga, Billy, é a terceira vez
neste mês que você perde o caderno! Não vou mais aceitar essa'
desculpa. Ou você endireita ou eu vou ter que começar a te bater
como se você íosse um garotinho.
Billy permanecia imóvel e silencioso, enquanto a mãe tentava
suavizar a "bronca'' do pai. — Billy, explique pra gente por que você
não está conseguindo lembrar-se das coisas. Conta pra gente o que é
que está te perturbando.
Billy não respondia; o pai fazia-o por ele. — Ah, qual é, Peg? Não há
nada de errado com o Billy que uma boa surra não resolva.
— John — replicava Peg exasperada —, Billy jamais nos contará o
que o incomoda se você continuar a menosprezá-lo.
Com esse comentário a atenção inevitavelmente desviava-se de
Billy, e Peg e John iniciavam longas discussões. Tudo sempre muito
igual. O pai advogava severidade, ao passo que Peg defendia a idéia
de que Billy era irresponsável por sofrer de algum tipo de angústia
mental. Entrementes, Billy era relegado a segundo plano, o que o
levava a julgar-se a causa da briga dos pais.
Em suma, tudo indicava que enquanto Billy estava aprendendo
como evitar a responsabilidade, ia percebendo que era a figura-
chave da infelicidade familiar. Não apenas era surdo, mudo e cego,
como também se via como um menino mau, por incomodar tanto os
pais. As medidas extremistas da mãe e do pai eram facas de dois
gumes.
Sam
Todos amavam Sam, graças à boa índole de que era dotado. Os
vizinhos podiam contar com ele para ajudar a procurar o
animalzinho de estimação. As beatas da igreja afirmavam que ele
era o menino mais educado da congregação. O chefe dos escoteiros
elogiava Sam pela liderança, gentileza e paciência para com os
companheiros mais novos. Até o diretor da escola admirava a
personalidade tão agradável desse garoto de doze anos, apesar de
queixar-se de que Sam às vezes era um tanto turbulento.
Havia, porém, um problema sério. A mãe de Sam, senhora que
trabalhava muito, tanto em casa como fora, desconhecia por
completo o menino descrito por todos. "Não pode ser meu Sam",
pensava. "Claro, ele é amável, de boa índole, mas não consigo que
ele faça nada a menos que suplique de joelhos!"
A história do menino de boa índole, Sam, é típica de muitas vítimas
da SPP. Não são malvados, nem estóicos, nem angelicais Não são
particularmente desagradáveis nem maleáveis. Na verdade,
revelam-se excelentes relações públicas, avançados demais para a
idade. São os primeiros a oferecer auxílio a qualquer pessoa
necessitada. Chegam inclusive a arriscar a segurança pessoal para
ajudar alguém. Todavia, a menos que extremamente exigidos, não
movem um só dedo para ajudar em casa.
Como pode uma criança tão disposta a ajudar os outros ser tão
irresponsável em casa? Para mim, a melhor maneira de desvendar o
sentido dessa inconsistência é sumanzar o estudo que fiz do
paciente Sam Koler, de doze anos de idade. A espécie de
irresponsabilidade apresentada por Sam é a mais perigosa de todas,
pois é um estilo de vida fácil de se desenvolver e, se a criança não
for tratada, esse traço se cristaliza e se torna um permanente alicerce
da Síndrome de Peter Pan.
Sam era o mais velho de três irmãos com as idades respectivas de
12, 9 e 7 anos. Estava na sexta série de uma escola pública, onde
mantinha a média 8, sem precisar estudai muito. A professora
relatara que Sam era muito querido, mas ocasionalmente mostrava-
se a ovelha negra da classe. Um dia, ao mandá-lo para a diretoria
por ele ter perturbado a ordem da classe com gracinhas, ouviu-o
xingá-la com um palavrão ao sair da sala. Ficou chocada ao ouvir tal
linguagem, por tratar-se de Sam. Parecia estar fora do contexto de
sua conduta. Na realidade não estava, Sam era um garoto cheio de
raiva.
A raiva de Sam provinha de várias fontes. Seu corpo estava se
modificando, com novas exigências internas. Ele estava descobrindo
a independência, mas vivendo numa situação plena de
dependência. Desejava furtar-se à superproteção materna, atitude
bastante natural mas que, de qualquer forma, fomentava
consciência de culpa. Estes sentimentos são típicos do início da
adolescência, e passariam. Porém existia uma fonte de raiva não
inócua e passível de provocar problemas duradouros em Sam. Ele
sentia-se desamado pelo pai.
O pai de Sam era dedicado ao trabalho. Mas pouco se dedicava à
esposa e menos ainda a Sam. Tentando ganhar o amor do pai, Sam
assumiu o papel de adulto com o ardor de um homem feito e com a
eficiência de um bebê. Ele necessitava desesperadamente do amor
do pai, mas nunca o obtinha. Mergulhou como podia no mundo
adulto, onde esperava que suas ações repercutissem de tal modo
que as pessoas pudessem contar a seu papai como era maravilhoso
seu primogênito.
Sam calculava que, quando os adultos dissessem a seu pai como ele
era adorável (coisa que eles faziam), o pai se abriria para ele e o
abraçaria (coisa que ele não fazia). Diante do fracasso, Sam concluía
que tinha de esforçar-se mais. Assim, quanto mais o pai o ignorava,
mais ele tentava ganhar seu amor, agradando as outras pessoas.
Ele sentia-se internamente compelido a mostrar bons desempenhos.
Isto provocava-lhe tensão. Preocupava-se constantemente com a
possibilidadede o pai considerá-lo ruim. Isto o fazia nervoso e
receoso. Consumia-se com os conceitos de "deveria", "devo" e "tenho
que". E isto o enraivecia.
Ele só achava alívio, preso neste círculo vicioso, rebelando-se em
casa. Por sentir-se seguro do amor da mãe, esta se tornou o alvo
lógico de sua rebelião. Se ele soubesse verbalizar essa idéia
inconsciente, diria: "Mamãe vai continuar me amando, mesmo que
eu a trate mal".
Outro componente de sua justificativa pela persistência na
irresponsabilidade em casa era estar imitando o pai. "Se eu for como
ele, ele vai gostar de mim", pensava. Infelizmente o pai era
inabalável em sua noção chauvinista de que cabia à mulher o
trabalho doméstico. Sam jamais disse isto, mas agia como se
acreditasse nisso.
Não percamos de vista outro componente da irresponsabilidade de
Sam: ele era uma criança. Contava doze anos, e como qualquer pré-
adolescente normal, estava fazendo o máximo para não crescer.
Entretanto, esta parte do curso normal dos acontecimentos estava
pesando demais na balança. Foi ela, para mim, o primeiro indício de
que algo estava errado.
Sam era bom demais. Exagerava na tentativa de agradar. Esse fato
levou-me a investigar além de sua máscara de perfeição. Descobri
que seu comportamento era enganoso. Contrariando as aparências,
ele não estava aprendendo a ser responsável. Profundos
sentimentos de insegurança motivavam sua conduta "responsável".
Apenas conseguia um alívio temporário do sofrimento provocado
por esses sentimentos, quando se via aclamado aos olhos dos
outros.
Desnecessário dizer que sua tensão emocional ia avolumando-se.
Ele sentia-se distanciado do pai e compelido a esforçar-se a fim de
obter a aprovação social, a qual, como esperava, resolveria seu
problema. O problema, porém, aumentava e ele se esforçava ainda
mais, aprofundando sempre sua aversão à responsabilidade. Estava
desenvolvendo a idéia de que a responsabilidade era um ardil —
algo feito pelas pessoas com o fim único de conseguirem aprovação.
Conseqüentemente nunca assimilara o sentido da responsabilidade.
Quando conheci Sam e sua família, um dos alicerces da Síndrome
de Peter Pan estava firmemente assentado. A reversão dessa
tendência era um problema familiar. Discutirei minha postura em
relação ao problema de Sam, bem como ao dos outros três meninos,
no Capítulo 12.
5
Ansiedade
JOHN: — (Peter) na verdade não é nosso pai. Ele nem sabia ser pai
até que eu ensinei.
PETER: — Wendy, você está enganada quanto às mães. Eu pensava
como você sobre a janela (que permaneceria aberta), por isso fiquei
luas e luas longe, e depois voltei, mas aí havia grades na janela,
porque a minha mãe tinha se esquecido de mim, e havia outro
menino dormindo em minha cama.
Peter Pan era como uma bomba-relógio, pronta para explodir a
qualquer instante. Sua ansiedade ricocheteava por toda a Terra do
Nunca, contaminando todos a seu redor. Vocês todos conhecem
esse tipo de pessoa. Suas emoções estão tão à flor da pele que o ar à
sua volta fica carregado de eletricidade psíquica. Quando você lhe
pergunta se está bem, ele encerra c assunto com algo assim: "Eu?
Bem? Eu estou ótimo! Numa boa! Comigo não há nada de errado!
Por quê? Algo de errado com você?"
Pare um instante e olhe o que há por trás de tanta jovialidade, e verá
que as comportas da ansiedade de Peter estão para romper-se. E não
precisa ser psicólogo para notá-lo. Esqueça as manchas de tinta e
todo o resto da bateria de testes projeti-vos. Simplesmente observe
seu comportamento diário.
A mais palpável evidência da ansiedade de Peter Pan é o fato de ele
julgar erroneamente situações vitais. Por exemplo: sua calma
enquanto o Capitão Gancho acendia o pavio da bomba. Excitava-o a
perspectiva de afogar-se, pois morrer parecia um ótimo programa
para aquela tarde. Não é necessário ser histérico para preocupar-se
com essas duas calamidades. Peter Pan, contudo, não se
impressionava.
Mas como se inquietou pela perda de sua sombra! Mais: teve um
ataque quando seus fiéis seguidores não se propuseram brincar do
jeito que ele queria. E ficava nervosíssimo frente à possibilidade de
ser tocado por alguém. Em resumo, as prioridades de Peter
seguramente divergiam das da maioria das pessoas.
Se, como eu, você acredita que Peter Pan não era mentalmente
enfermo, será forçado a concluir que alguma coisa o estava
perturbando. Apesar de não saber do que se tratava, ele percebia
seus efeitos negativos. Sentia-os, mas não podia falar deles.
Como todas as pessoas ansiosas, Peter tentava mascarar sua
inquietação, o que na verdade denunciava sua causa. Isto é,
defendendo-se do nervosismo, ele exibia os indícios da causa de sua
ansiedade. As duas citações no início deste capítulo representam
esses indícios: Peter Pan sentia-se alienado do pai e profundamente
magoado pelo que interpretava como a rejeição de sua mãe. Essa
combinação originara nele uma ansiedade incomensurável. Não
contava com nenhuma figura em quem pudesse confiar. Ele
precisava de ajuda.
Se me houvesse sido dado ajudar Peter no tocante à sua ansiedade,
eu teria enfocado minha atenção sobre seus pais, tratando o
nervosismo de Peter como indicador de um problema familiar. Algo
não ia bem no casamento de seus pais. Será que o Sr. Pan era um
escravo do trabalho e cheio de autocomiseração? Ele seria o produto
de uma geração a cujos meninos era vedado chorar? A Sra. Pan
estava satisfeita com o tradicional papel de dona-de-casa e mãe? Os
Pans tentavam adaptar-se às expectativas sociais quanto à criação
dos filhos? O Sr. Pan era chauvinista? Se o era, a Sra. Pan
desempenhava o papel de chauvinete"? Os Pans dedicavam-se um
ao outro, ou seu casamento se mantinha por mera questão de
hábito?
As respostas a estas e a outras perguntas desvelariam a atmosfera
em que Peter estava sendo criado — uma atmosfera de tensão e
ansiedade. De algum modo o Sr. e a Sra. Pan estavam passando ao
filho a impressão de que ele devia evitar aproximar-se demais do
pai, e de que talvez sua mãe não o amasse.
* * *
A ansiedade, que é o fundamento da Síndrome de Peter Pan,
origina-se de problemas conjugais e deles se alimenta. Os pais
acham-se de alguma forma distanciados um do outro. Em geral não
há profunda desarmonia aparente; conseqüentemente não vêem
razão de procurar um conselheiro ou terapeuta de casais. Pode
parecer banal, mas seu problema concentra-se numa falha de
comunicação.
Os pais das vítimas da SPP crêem possuir valores em comum. Na
verdade, o tempo e a experiência levam-nos a perceber que, em
alguns aspectos, seus valores são conflitantes. Entretanto,
acostumaram-se um com o outro e deduzem que, desde que ainda
estão casados, o casamento é realmente produtivo. Esta crença
mágica impede-os de se comunicarem efetivamente. Ocorre-lhes
uma persistente sensação de saturação, porém dão de ombros,
encarando-a como um mal necessário da vida em família.
Isto não faz com que tal sensação seja esquecida. Quando os pais
não conseguem comunicar-se e resolver seus conflitos, eles também
experimentam ansiedade. A frustração de viver com alguém de
quem não nos sentimos próximos acaba por envolver outros
membros da família, inclusive os filhos.
As vítimas da SPP são crianças muito sensíveis. Escutam os pais e
tentam agir segundo o que lhes é dito. Nem sempre o demonstram
(ver Capítulo 4, "Irresponsabilidade"), porém têm um forte sentido
do certo e do errado. Muitas vezes, em sessões de orientação com
jovens e adultos, vítimas da SPP, desejei que eles fossem menos
influenciáveis no relacionamento com os pais. Se tivessem resistido
mais à influência deles talvez não tivessem caído em tão profundos
abismos. É irônico que crianças, inicialmente tão receptivas às
mensagens dos pais, se tornem tão desagradáveis justamente para
com aspessoas de quem mais gostam.
Descobri oito mensagens que fomentam o aparecimento da
Síndrome de Peter Pan. Chamo-as mensagens ocultas, pois são idéias
perturbadoras transmitidas pelos pais inconscientemente. A fim de
mascarar a própria ansiedade os pais falam aos filhos, sem perceber,
em vez de dialogar com eles.
Classifiquei quatro dessas mensagens ocultas como mensagens
mãe-filho, porque são dadas ao filho pela mãe. São:
Não incomode seu pai.
Você está agindo como seu pai.
Seu pai não entende nada de sentimentos.
É uma pena que para seu pai o trabalho seja mais importante que a
família. _
As outras quatro mensagens são mensagens pai-lilho, porque são
dadas ao filho pelo pai. São as seguintes:
Faça sua mãe parar de me encher.
Não magoe sua mãe.
Sua mãe não entende os homens.
Tenha calma, você sabe como são as mulheres.
Antes de analisar estas mensagens, explicarei por que são tão
prejudiciais durante os primeiros anos da adolescência.
PICO DA ANSIEDADE: 13 A 14 ANOS
Escolher uma idade-pico para esta ansiedade é algo um pouco
artificial. A discórdia conjugai exerce efeito negativo a partir do
momento em que as crianças são capazes de sentir a atmosfera do
lar. Os especialistas em desenvolvimento afirmam que essa
sensibilidade emocional age já antes do nascimento da criança.
Portanto, uma vítima em potencial da SPP é afetada pela falta de
comunicação dos pais, e sua tensão resultante tem início logo que
ela começa a desenvolver-se. Apesar deste fato, tenho em que
fundamentar-me para designar os 13-14 anos como a idade-pico da
ansiedade.
Com o início da adolescência vem o do interesse pelo re-
lacionamento menino-menina. Não constitui surpresa o fato de que
o primeiro relacionamento enfocado pelos púberes seja o dos pais.
Se até então não se tinham dado conta dos problemas conjugais dos
pais, certamente isso ocorrerá aproximadamente à idade de treze
anos. E, uma vez conscientes desses problemas, tornar-se-ão
altamente receptivos a quaisquer mensagens provenientes dos pais.
m O jovem de treze a quatorze anos está também na fase do
cavaleiro romântico". Intrigado pela natureza oculta das mensagens,
arvora-se em detetive investigador do seu significado oculto. Ele
não precisa usar de muita dedução para concluir que os pais estão
com problemas. Por ser um cavaleiro audaz, subirá em seu cavalo
branco e se apressará em salvá-los. Por ser uma criança
inexperiente, concluirá erroneamente que ele é o problema. Isso o
assusta, mas ele sabe que deve salvar os pais de sua própria
maldade.
MENSAGENS OCULTAS
Mensagens ocultas são aquelas perigosíssimas coisas que se dizem
sem querer ("escapou!") e elevam a ansiedade a níveis intoleráveis.
São transmitidas sem que tenha havido intenção: os pais ficam
horrorizados ao saber que o filho as ouviu de suas bocas. São
metafóricas: os pais ficam constrangidos ao reconhecer seu
significado oculto. São imensamente danosas: os pais ficam
profundamente arrependidos ao perceber, com o passar do tempo,
que os filhos tentaram agir conforme eles próprios mandaram.
As mensagens ocultas de que trato agora são aquelas através das
quais o pai ou a mãe despeja sua frustração conjugal sobre a criança.
Em lugar de aclararem a situação com conversas em particular
sobre suas decepções mútuas, os pais mantêm suas frustrações
"atravessadas na garganta". Um dia o nível da frustração atinge um
ponto incontrolável. Eis o momento em que a criança é colocada no
meio da discórdia conjugal e, como resultado, uma ansiedade
debilitante começa a crescer.
Na análise da estrutura familiar das vítimas da SPP, descobri que as
mensagens ocultas agrupam-se em volta de duas temáticas centrais:
uma transmitida pela mãe ao filho, e a outra proveniente do pai. A
temática mãe-filho é: Não se aproxime de seu pai. A temática pai-filho
é: Sua mãe é uma fraca e você a está magoando.
Para vermos o funcionamento destas temáticas, vamos visitar uma
família na qual um jovem, vítima da SPP, vai em breve receber uma
poderosa dose de ansiedade.
A mãe chega do serviço a tempo de atender a um telefonema de um
amigo do filho. Não, não sabe onde ele está, ele nunca se dá ao
trabalho de dizer nada a ela. Aí ela descobre que ele se esqueceu de
descongelar a carne, segundo ela mandara em um bilhete deixado
sobre a mesa. Em trinta minutos ela tem de servir o jantar, e o prato
principal ainda está congelado. O que mais deseja nesse momento é
tomar um banho, descansar alguns minutos e torcer o pescoço do
filho, não necessariamente nessa ordem. A dobradiça do armário da
"ozinha geme, ao tornar-se mais uma vez o bode expiatório.
O pai chega do trabalho ávido de carinho, de compaixão e do jornal
vespertino. Tenta ser simpático, porém jamais obteve muito sucesso
nisso. Há vários meses, quando a esposa voltou a trabalhar fora, ela
lhe pediu que ajudasse nas tarefas de casa. Na noite seguinte ele foi
buscar o jornal e pôs o lixo para fora. Foi o começo e o fim de sua
participação nas lides domésticas. A esposa devia ter reclamado
abertamente; em vez disso, ela o criva de tiradas sarcásticas que,
aparentemente ionoradas por ele, só serviram para reforçar sua
decisão de freqüentar mais o golfe.
A mãe reprime constantemente sua raiva e seu ressentimento. O
marido praticamente desconhece a tensão em que ela se encontra.
Nem mesmo a abraça, a menos que ela lhe peça expressamente.
Sente-se presa de um filho de treze anos irresponsável, de um
horário de trabalho extenuante e um marido insensível.
Ironicamente o marido sente o mesmo, com o detalhe de que, rindo,
rotula a esposa de "chata" e afoga a raiva no uísque.
Enquanto a mãe e o pai fingem que a tensão não existe, seu filho
único entra na cozinha como um furacão, querendo saber quanto
tempo o jantar vai demorar. Sem aguardar a resposta, segue para a
sala de estar e pede ao pai dinheiro para o fliperama. O pai
resmunga algo sobre o filho achar que o dinheiro cai do céu, e
entrega-lhe cinco dólares. As comportas do dique se abrem. As
mensagens ocultas portadoras do germe da ansiedade começam.
— Deixe seu pai em paz — a mãe grita da cozinha. — Ele teve um
dia duro e precisa descansar. De qualquer modo, você não merece
dinheiro nenhum, depois de desaparecer o dia inteiro e esquecer
suas tarefas aqui.
Que tarefas? — vem a resposta atrevida. Não sei quantas vezes
tenho que te relembrar. — A voz da mãe trai seu estado de espírito.
— Estou por aqui com você! Seu pai e eu nos matamos de trabalhar
por você, e você nem tem coragem de fazer uma ou duas coisinhas
para ajudar.
O menino tenta rebater. — Não lembro de você me pedir nada. Não
sei por que tanta bronca.
A provocação do filho estimula a primeira mensagem oculta do pai.
— Nao seja malcriado com sua mãe, filho. Ela está tentando
preparar o jantar e você só a magoa. Pare com isso já!
A mãe amaldiçoa uma recalcitrante lata de ervilhas. Atira a lata
semi-aberta sobre a pia da cozinha e sobe para trocar de roupa. Fita
o filho com um ódio do qual se arrependerá antes de chegar no topo
da escada. Na realidade não é a irresponsabilidade dele que a irrita
tanto, e ela sabe disso. Ela sofre por viver com um homem mais
atencioso para com os estranhos do que para com ela.
O pai chama o filho à sala. Com suavidade, tentando reduzir a
tensão, diz: — Filho, você precisa aprender a entender as mulheres.
Sua mãe não agüenta trabalhar o dia inteiro, e depois ainda vem
você maltratá-la.
É impossível a esse garoto de treze anos apreender o significado
escondido nas palavras do pai. Ele as toma literalmente. — Mas eu
não maltratei a mamãe, papai.
O pai não está interessado em maiores explicações. Enfia
novamente o nariz no jornal e encerra o assunto: — Você precisa ter
em mente que sua mãe não entende os homens. Cuidado, hein?
Silenciado desta maneira tão peremptória,o filho sobe para seu
quarto. Mal percebe que está sendo sufocado pela carga
contraditória das mensagens ocultas.
A mãe ouve o filho no banheiro lavando o rosto e as mãos. Tomada
pelo remorso por causa de seu acesso de ira, bate timidamente à
porta do banheiro. Ela sabe que ele dirá que entre, porém as batidas
significam para ela o início de seu pedido de desculpas.
A suavidade de sua voz seduziria qualquer criança. — Posso falar
com você um minutinho? — Sem esperar pela resposta, a mãe
explica seu comportamento, usando palavras tão meigas que
ninguém poderia acusá-la de nada.
— Eu sei que fui severa demais com você. Demais. É que quando
vejo você agir como seu pai, fico realmente assustada. Seu pai anda
muito ocupado no serviço e não tem tempo de ajudar. Não quero
que você seja assim. Você não é como seu pai; você tem bons
sentimentos. Quero que você os expresse e não seja tão cruel.
Atualmente o trabalho de seu pai é mais importante para ele do que
a família. Você vai ter que aceitar isso. Algum dia ele voltará a ligar
para nós. Mas, até lá, preciso que você me ajude.
O filho olha fixamente para a parede da frente, balançando a cabeça
para cima e para baixo. A mãe está tão envolvida em sua raiva
contra o marido que nem nota as lágrimas assomando nos olhos de
seu filho. Acaricia-lhe a cabeça e desce para terminar o jantar.
O interesse do pai pelas notícias é interrompido pelo barulho da
esposa movendo-se na cozinha. Ele faz uma frágil tentativa de
atenuar as coisas oferecendo-se para ajudar. Isto só o expõe ao
ataque. A esposa ainda não está bem certa de seus sentimentos, mas
o tom rude de sua voz é revelador.
— Por que você dá tanto dinheiro a ele? Você sabe que ele já passa
tempo demais nesse maldito fliperama. — Sem dar-lhe chance de
responder, ela prossegue: — Se você passasse um pouco mais de
tempo com seu filho, talvez soubesse o que é que ele está sentindo.
Talvez soubesse de que ele precisa. Ele não precisa de um pai que o
encha de dinheiro. Ele precisa de um pai que o ame e compreenda a
fase difícil por que está passando. Talvez você devesse parar de
jogar tanto golfe e dedicar algum tempo a seu filho.
As explicações do pai não são ouvidas. Mas ele sabe que a esposa
não espera dele respostas. Seu objetivo é fazê-lo sentir-se culpado.
Esta tática funcionou até certo ponto: até o ponto em que, por estar
se acostumando à tensão conjugal, ele já não dá muita atenção às
queixas da esposa. Ele está sofisticando seu manejo da inércia
emocional.
Essa atmosfera rancorosa subsiste à mesa do jantar. O filho é tratado
como uma peteca, jogado de um lado para outro, entre dois ferozes
competidores que violam flagrantemente as regras básicas que
governam a decência e a disciplina.
As maneiras do filho à mesa são detestáveis. Em vez de repreendê-
lo com severidade, a mãe o espicaça. Ele reclama da comida. Em
lugar de envolvê-lo numa conversa agradável, c pai faz um ridículo
esforço de aplacar a esposa sugerindo que talvez haja algum
problema com as papilas gustativas do filho. O filho fica amuado,
dando aos pais a oportunidade de, em uníssono, lembrar-lhe que
ninguém quer por amigo uma pessoa mal-humorada. Não
demorará muito para o filho tentar desesperadamente provar que
estão errados.
Como esta cena ocorre mais ou menos freqüentemente, o filho está
se acostumando. A coisa toda não o atinge tanto quanto você possa
imaginar. Por isso não me surpreende vê-lo tirar a mesa
calmamente, cantarolando. Ele ainda não está totalmente apático,
mas começa a perceber as vantagens de anestesiar seus sentimentos.
Após uma hora e meia de surra emocionai, o filho está em excelente
estado. Resta-lhe suportar o último golpe verbal, o "golpe de
misericórdia", proveniente do pai. Em certo sentido, este fere mais
que os outros.
O golpe vem numa hora em que pai e filho poderiam estar
compartilhando um momento de trégua e paz. Embora o tom de
voz do pai seja caloroso e sincero, o filho treme por dentro à
aproximação do pai. A vida ensinou-lhe que momentos de quietude
com o pai acabam tornando-se dolorosos. — Tente tomar jeito, filho,
e faça sua mãe parar de me encher — diz o pai. — Não agüento
mais suas reclamações contra você.
Ao ouvir essa tirada, você provavelmente teria ímpetos de agarrar
esse pai pelo colarinho. Não adiantaria nada. Ele não só negaria
qualquer significado oculto em suas palavras, como sentir-se-ia
insultado à mínima sugestão de que, com elas, poderia ter magoado
o filho. Afinal de contas, protestaria ele, nenhum pai que tenha a
cabeça no lugar jamais diria ou faria qualquer coisa para magoar o
filho.
Se você ouviu a conversa com atenção, percebeu que prescrição
nenhuma de qualquer anestésico emocional poderia evitar que este
garoto se sentisse uma porcaria. Nada lhe adiantaria queixar-se. Tal
como a mãe, o pai não percebe o que está fazendo. A única coisa
boa a esperar, depois disso tudo, é que por essa noite a dose tenha
terminado.
Saindo da casa desta família, olhe para o quarto aceso do filho, e
ouça as vozes que lhe azucrinam a cabeça.
Eu magoo minha mãe porque sou como meu pai, que não tolera que
eu magoe a mamãe. Papai não gosta da gente como gosta do
trabalho porque não tem sentimentos. Mamãe não me entende, e eu
a faço encher o papai. Eu devo protegê-la, mas isso quer dizer que
preciso usar meus sentimentos para fazer o que papai não faz. Pra
proteger meu pai, preciso tomar jeito e não ser como ele.
As mensagens ocultas atingem sua plena capacidade maléfica,
quando o menino tenta enxergar algum sentido no absurdo.
Imagine a dor e a confusão que assaltam a mente deste menino. O
nó em sua garganta condena-o; o grito contido aponta um dedo
acusador para ele. Será tão ilógico que ele pense ser o causador do
sofrimento das pessoas a quem mais ama? Quando consegue
adormecer, o pouco de auto-estima que tenha conseguido reunir
nesse dia com certeza foi destruído.
Vê agora o que este menino faria se Peter Pan voasse até sua janela e
o convidasse para juntar-se a ele na Terra do Nunca? Ele agarraria o
pó mágico com tanta ansiedade que seus olhos mal registrariam o
ato. Cobriria o corpo com fagulhas de alegria eterna, convencido de
que na Terra do Nunca seria livre de tudo o que se relacionasse com
o amadurecer.
Cena horrível, não? É verdade que em geral as crianças não são
expostas a todas estas mensagens em uma só noite; todavia, a
vítima da SPP costuma ouvi-las todas no curso de uma ou duas
semanas. Mas ser o receptor de mensagens ocultas é na verdade o
menor de dois males. Muito pior é o fato de não ouvir qualquer
refutação. Nem a mãe, nem o pai vão a ele mais tarde para dizer:
"Desculpe por toda essa pressão, filho. Eu errei. O problema não é
seu. Cuide de comportar-se e mamãe (ou papai) e eu resolveremos
nosso problema".
Excetuando-se a magia, nada pode aliviar o temor da condenação
eterna. O filho tem consciência da existência de algo muito grave.
Seu bom senso talvez sugira que os pais são os errados, porém sua
lealdade e sua atitude naturalmente auto-concentrada combinam-se
para apontá-lo como réu. Ele é forçado a concluir que é o errado.
Neste estado de não estou OK, vários desenvolvimentos têm lugar na
mente do menino. Com o aumento da culpa vem a diminuição da
autoconfiança. Uma inquietante sensação de tristeza acompanha os
silêncios, e ele passa a evitar estar só. Tira conclusões ilógicas sobre
sua capacidade de ferir e de proteger os pais. Isto torna-se parte de
um irracional senso de poder que leva o menino a acreditar que tem
a faculdade de salvar os pais da dor emocional. E condena-se,
quando fracassa.
Estes estados mentais assumem proporções alarmantes. Ele faz
generalizações muito prejudiciais sobre a natureza de sua alma.
Enquanto reconhece que os pais o amam, julga-se incapaz de
retribuir-lhes.Em algum lugar de seu interior ele vê um demônio
que faz dele uma pessoa indigna de ser amada.
Esta auto-imagem negativa transforma-se numa profecia auto-
realizadora. Convencido de que é indigno de ser amado, não vê
motivos para ser polido e atencioso. A voz interior diz: "Não vai
adiantar nada tentar me comportar, porque não sou legal".
Levará anos para a vítima da SPP conseguir perceber o círculo
vicioso criado por essa auto-imagem negativa. Neste estágio do mal,
no início da adolescência, o garoto só tem consciência da
necessidade de escapar à dor emocional. É no contexto da evitação
que os conflitos com as figuras materna e paterna tomam forma.
O relacionamento da vítima com os pais nunca amadurece além
deste ponto. Sua fuga para a Terra do Nunca resulta na estagnação
da maturidade emocional. Muitos passam o resto de suas vidas
tentando se aproximar do pai sem pânico, e se distanciar da mãe
sem culpa. Em todas as encruzilhadas são assaltados pela crença de
terem o poder de salvar os pais da dor. Tal poder simplesmente não
existe.
A vítima da SPP acaba apresentando problemas com pessoas
(masculinas) de autoridade. Alimenta expectativas impossíveis de
serem atingidas em relação a professores, empregadores,
orientadores e treinadores, entre outros. Ultrapassa todos os limites
do razoável para agradar a essas pessoas. Em troca, espera delas a
atribuição de um status especial, que interpreta como uma ligação
simbólica com seu pai. No processo todo, tem a esperança de obter
o perdão de seu fracasso em agradar o pai. Este conflito com a
figura paterna contamina os relacionamentos da vítima com figuras
masculinas representativas de autoridade e, na maioria dos casos,
provoca o desenvolvimento de um maior distanciamento.
Seu conflito em relação à figura materna acaba se revelando quando
ele se aproxima de uma mulher. Sua forma de amar uma mulher é
fazer dela uma substituta de sua mãe. Exigirá que a mulher se
comporte segundo um certo padrão. Se ela se desviar da linha de
suas exigências (a principal delas é a de que ela aprove sempre o
que ele faz e diz), ele terá um ataque de mau humor ou, pior, uma
crise em que haverá sempre algum excesso. Se for capaz de agradar
totalmente a esta substituta
de sua mãe, ele espera conseguir finalmente aprender a ser uma
pessoa digna de amor.
Graças à aparência de alegria e à própria natureza instável dos anos
da adolescência, boa parte desta confusão interna não vem à tona
por alguns anos. A deterioração e a estagnação se desenvolvem sem
que o jovem se dê conta. Há, contudo, dois indicadores
fundamentais desta avassaladora ansiedade e desta auto-imagem
negativa.
Freqüentemente vê-se um adolescente vítima da SPP "pegar no pé"
de alguém muito chegado. Se houver uma irmã mais nova que ele
na família, é ela a escolhida para objeto de sua "maldade
emocional". Houve época em que ele a idolatrava. Dava-lhe de
comer quando ela era bebê e desejava estar a seu lado todo o tempo.
Agora ele a atormenta sem dó. Caçoa dela. A inveja e o ciúme
provocam por parte dele maus comentários. Não se trata de uma
rivalidade normal entre irmão e irmã. Não, as críticas são
incessantes e freqüentemente fazem a irmã chorar. Ela então vai à
mãe e diz: "Faça alguma coisa, me ajude. Não quero odiar meu
irmão".
Esta ansiedade nos anos de adolescência pode também manifestar-
se numa súbita queda nas notas escolares. Entre o fim do primeiro
grau e o início do segundo, o desempenho escolar do menino cai. Os
professores dizem que ele é inteligente, mas não executa as tarefas.
Classificam-no de preguiçoso. Seu rendimento é abaixo da média
esperada. Onde está sua concentração? Às vezes faz o papel de
palhaço da classe. Estudo, medidas disciplinares, ameaças, nada
parece fazer diferença. Ele verdadeiramente não liga para nada.
IRRESPONSABILIDADE + ANSIEDADE
A atitude de "não estou nem aí" é um subproduto da auto-imagem
negativa. Quando combinada com a enorme irresponsabilidade
examinada no último capítulo, emerge um dos traços básicos do
perfil psicológico da vítima da SPP: a procrastinação.
A procrastinação da vítima da SPP é muito mais danosa do que
aquela a que você e eu ocasionalmente nos entregamos. Adiamos as
coisas por um ou dois dias porque estamos cansados, esgotou-se
nossa energia mental, ou simplesmente porque não temos tempo.
Mas a coisa acabará sendo feita.
No que toca à vítima da SPP, a coisa provavelmente não será feita.
Ele adia as coisas porque tem pouca ou nenhuma razão para
investir no amanhã. Imagina que qualquer energia gasta só
resultará em mais fracassos. Este fatalismo transforma uma
procrastinação comum num desastre. As coisas são sempre deixadas
para amanhã. Obviamente nunca são realizadas.
O efeito cumulativo de irresponsabilidade mais ansiedade é uma
procrastinação fatalística. Isto atrapalha muito a capacidade do
adolescente de superar sua estagnação emocional. O hábito de adiar
não somente está muito assentado, como também ele não tem mais
esperança em mudar. Está perdido. Sua rebeldia alia-se à depressão
para erguer um intransponível obstáculo ao crescimento. Suas
energias dissipam-se num exasperado desejo de "fazer parte". No
próximo capítulo veremos como a pressão grupai se torna o
elemento de união da legião dos meninos perdidos, capitaneada por
Peter Pan.
OS DARLING DA ERA MODERNA
No início e no final da historia de Peter Pan, o autor nos apresenta a
dinâmica familiar de um lar, o dos Darling, George e Mary. Eles
tinham três filhos: Wendy, Miguel e João. No desenrolar da história
Peter recruta Wendy para ser sua mãe-subs-tituta, e Miguel e João
para serem membros de sua legião de meninos perdidos.
Existe ampla evidência de que a Síndrome de Peter Pan já estava
florescendo na residência dos Darling. O Sr. Darling era chauvinista
e cheio de autocomiseração: um menino em corpo de homem. A
Sra. Darling era uma sofredora: fazia o papel de mãe para com o
marido e sacrificava-se pelos filhos. Não nos é dado acesso aos
problemas pessoais do casal Darling, mas podemos ouvir muitas
mensagens ocultas trocadas em casa. George e Mary tinham
dificuldades conjugais, e os filhos sofriam com a tensão resultante.
Leia as primeiras páginas da história, e compreenderá por que Peter
foi atraído à janela do quarto das crianças Darling.
Há inúmeras famílias Darling atualmente, que, sem querer, se
constituem em fortes convites a Peter e sua legião. Eis as histórias
de duas delas.
Os Pilsen
Desde pequena, Mary tinha vergonha e raiva da pobreza. A estrada
de ferro que dividia ao meio a minúscula cidadela onde nascera
formava em sua mente uma divisa ambígua. O trilho do lado sul era
o limite externo de um acampamento primitivo, onde brincavam as
crianças que tinham o privilégio da aceitação e da aprovação. O
trilho do lado norte parecia feito de arame farpado, a julgar pela
forma como ela se sentia arranhada e ferida cada vez que tentava
ultrapassá-lo. Embora o lado norte nunca a tivesse deixado passar
fome, ela jamais perdoou o pai por gostar de trabalhar para aquela
estrada de ferro que a mantinha cativa.
À medida que crescia transformando-se numa linda moça, Mary
passou a perseguir sem descanso dois objetivos: comprar roupas
que mostrassem a todos que ela era realmente uma moça de classe,
e continuar a ser sempre a primeira da classe, a fim de garantir uma
bolsa de estudos em alguma universidade que lhe abrisse o
caminho para um bom casamento, afastando definitivamente as
sombras do passado.
Entrementes, Barry Pilsen consumia-se na seguinte idéia:
compensar a mãe pela vida dura que tivera. O pai de Barry morrera
quando ele tinha quatro anos de idade. Deixara dinheiro bastante
para os estudos do filho, não porém o suficiente para as despesas
diárias. Praticamente todos os diasa mãe relembrava ao menino os
sacrifícios que ela fazia por ele. Em mais de uma ocasião ela lhe
dissera que toda a sua dor seria esquecida se ele desposasse a
mulher certa e a protegesse. A implicação deste contrato emocional
causou a maior parte dos problemas de Barry.
Mary e Barry sentiram-se instantaneamente atraídos um pelo outro,
durante o primeiro baile daquele ano na universidade. Mary
imediatamente depositou suas esperanças e sonhos na seriedade de
Barry. Barry viu em Mary a mulher capaz de tornar-se o veículo
para a realização do contrato com a mãe.
O assunto casamento surgiu antes do final de seu primeiro ano da
faculdade. Mary e Barry sonhavam tanto que jamais se eram ao
trabalho de realmente se conhecerem com profundidade. Na
verdade, Barry nunca chegou a fazer um pedido formal
de casamento. É óbvio que ela o aceitou. Casaram-se no dia seguinte
ao de sua formatura.
A prontidão de Barry em sacrificar-se passivamente pelos outros fez
dele um perfeito homem de corporação. Sua meteórica ascensão nos
negócios era acompanhada passo a passo pela ascensão social de
Mary. Além de ser membro de vários clubes sociais, ela se
orgulhava do convite feito ao marido para associar-se a um
prestigioso clube de campo. À promoção de Barry para gerente de
vendas equiparou-se a escolha de sua esposa para residente do
corpo de voluntárias do hospital local e para conselheira de um
grupo de bandeirantes. Em algumas festas Barry era ironicamente
chamado de Sr. Mary Pilsen.
A sombra do passado de Mary estava quase desvanecida. Ela
mentia com tal freqüência sobre sua infância que quase acreditava
ter sido uma órfã criada por um casal de tios idosos em Dakota do
Norte. Ela escolhera aquele Estado porque, aparentemente, em seu
círculo social Dakota do Norte mal existia. A probabilidade de
alguém descobrir o engodo era praticamente nula.
A mãe de Barry estava encantada com Mary. Nunca deixou de
expressar sua satisfação pela escolha do filho. Nem de pedir-lhe
para fazer inúmeras coisinhas para ela. Por morarem em cidades
que distavam 200 km, Barry passava horas ao telefone falando com
advogados, banqueiros, contadores e até encanadores, tudo com a
finalidade de manter a mãe feliz. Desagradava-lhe essa
superdependência da mãe, mas a mínima queixa dela paralisava-o
de remorso.
Barry e Mary cumpriram o roteiro da história familiar tendo três
filhos, dois meninos e uma menina. Com os filhos sobreveio uma
gradual quebra na frágil estrutura montada pelos Pilsen. As
necessidades emocionais das crianças forçaram Mary a auto-
examinar-se. Externamente ela detinha credenciais maravilhosas,
mas por dentro sentia-se vazia. Por motivo de trabalho, Barry
viajava durante a maior parte da semana. A solidão levou então
Mary a buscar uma vida melhor. Resolveu mudar as regras do
casamento.
Barry não entendeu a maior parte das coisas que a esposa começou
a lhe dizer sobre compartilhar, crescimento emocional e aumento de
comunicação. Para ele a inquietação da esposa denotava apenas
uma crise precoce relativa à meia-idade. Aconselhou-a a procurar
um emprego e jogar mais tênis. A idéia de duas mulheres fazendo
exigências absurdas apavorava-o. Bastava sua própria ansiedade,
que ele tentava aplacar aumentando a freqüência nos jogos de
squash e o consumo de álcool. Desejava ter um caso mas estava
amedrontado demais para procurá-lo.
Colin Pilsen iniciou a adolescência num lar cheio de ressentimentos
silenciosos. Não possuía maturidade suficiente para desmascarar a
discórdia conjugal dos pais. Aliás, ele era muito pouco atento à
maioria das coisas à sua volta, incluindo suas responsabilidades.
Mary irritava-se por ver o filho outrora tão sensível e atencioso,
agora insolente, preguiçoso e mal-educado. Em vez de estabelecer
medidas disciplinares racionais, Mary gritava e reclamava da
irresponsabilidade desse filho de quatorze anos. Essa sua atitude
apenas servia para tornar o menino ainda mais insensível à sua
orientação.
Uma psicoterapia teria possibilitado a Mary Pilsen perceber que
muito de sua frustração com relação a Colin na verdade era um
deslocamento da raiva que sentia por seu marido. Ela teria também
descoberto que, no íntimo, condenava-se por negar seu passado, o
qual fora infinitamente melhor que a vida que ela e seu marido
ofereciam aos filhos. Marcou hora com um terapeuta, mas desistiu
no último momento. A possível mancha na imagem social que
cultivava era um risco grande demais.
Até onde sei, esta história tem um final infeliz. Mary e Barry ainda
estão casados, e gastam a maior parte de suas energias evitando-se
mutuamente. Mary preside vários comitês sociofilantrópicos —
alguns deles com a finalidade específica de auxiliar crianças com
problemas de conduta. Barry está próximo da presidência da
corporação onde trabalha, e agora tem uma jovem namorada a
quem ama profundamente. Graças à importância de uma imagem
social positiva e ao espectro do desastre financeiro, o divórcio está
fora da questão.
Colin conta vinte e quatro anos e ainda está na faculdade. E um
alcoólatra incipiente, nunca trabalhou mais que um ou dois meses, e
começa a sofrer períodos de depressão, quando acalenta a idéia de
suicídio.
O irmão e a irmã de Colin parecem haver escapado à sina familiar.
Como freqüentemente ocorre, também neste caso as mensagens
ocultas atingiram mais intensamente o filho mais
velho. É ele quem sai em busca de uma resposta à confusão e a
encontra na Terra do Nunca.
Os Tolson
O pai de Jim Tolson nunca fora verdadeiramente pai. Foi um
enigma até o dia de sua morte, jim o temia, mas não o respeitava,
combinação que freqüentemente origina rebeldia. Assim foi neste
caso. Jim era um "criador de casos". "Um machão", diria ele mais
tarde. Na realidade, sua rebeldia quase o levou à prisão em diversas
ocasiões.
Jim foi criado numa fazenda, e começou a trabalhar tão logo
começou a andar. Trabalhar duramente foi para ele uma bênção e
sua perdição. Foi o que o impediu de tornar-se um delinqüente
juvenil, conforme pensava, porém acabou por escravizá-lo. O jovem
Jim não podia permitir-se relaxar antes de, suado, haver exaurido
suas energias em tarefas laboriosas. Esperava com isso receber a
aprovação do pai; tudo o que conseguiu foi transformar-se num
escravo do trabalho. Jim iniciou a vida adulta com uma inabalável
resolução de subir na vida e um intenso desejo de aprender como
ser um pai capaz de dar amor ao filho.
Edna, esposa de Jim, era adorada por seu pai e tinha uma mãe que
sofria de distúrbios mentais. Ela acreditava que o pai permanecera
casado com sua mãe apenas por compaixão. Este sentimento, aliado
ao sentimento de culpa por beber excessivamente, o mantivera
ligado a uma mulher que já sofrera quatro crises nervosas, das quais
ela culpava o marido.
A atmosfera na casa de Edna era explosiva. Sua mãe acusava o
marido de tudo: desde ter queimado as torradas até ter dormido
com a mulher do vizinho. O pai geralmente falava pouco até
embebedar-se. Então tornava-se abusivo tanto em suas palavras
quanto em suas ações. Edna o perdoava, a mãe não.
Edna passou a ter fobia das brigas dos pais. Faria qualquer coisa
para evitá-las. Trocou as próprias aspirações pelo papel de
mediadora. Deixava de sair para que os pais não tivessem chance de
discordar sobre sua roupa. Abandonou os planos de fazer faculdade
para não provocar reclamações de caráter financeiro. Sem perceber
isso, começava a culpar todas as mulheres pelo fato de ela não
conseguir tornar-se uma pessoa. Guardava profundo ressentimento
da mãe, venerava o pai, e detestava ter nascido menina.
Depois de completar um curso de secretariado, saiu de casa. Foi
trabalhar numa bem-sucedida companhia construtora com um
brilhante mestre-de-obras de nome Jim Tolson. A timidez de Edna
camuflava a falta de pendoressociais. Jim sentiu-se atraído por sua
modéstia. Em breve faziam planos para o casamento.
Seu primeiro filho foi concebido durante a lua-de-mel, sexualmente
calamitosa. Nenhum dos dois confiou ao outro sua decepção, que
aliás não os incomodava muito, pois Jim estava mais interessado
numa boa mãe para seus filhos do que numa esposa, e Edna
procurava um pai-substituto que a protegesse da dor emocional de
viver. Muito típico da família da vítima da SPP, Jim e Edna
combinavam perfeitamente — por razões erradas.
Aos trinta e três anos, Jim tinha parte na sociedade da firma
construtora e era pai de dois meninos que adorava. Das oitenta
horas semanais de trabalho e de todos os minutos livres devotados
aos filhos, pouco tempo sobrava para Edna. Teria ficado atônito se
soubesse o que ia pelo coração da esposa.
Edna tinha ódio de ser deixada de lado. Reprimia sua desilusão
desfiando para si mesma o rosário de bênçãos que significava um
lar livre de conflitos emocionais. Conseguira o ambiente asséptico
que sempre almejara. Mas por que pagar um preço tão alto por seu
Jardim do Éden?
Ela entrou em crise quando, pelo desejo de Jim de abrir sua própria
firma, foi forçada a voltar a trabalhar fora. Detestava-se por detestar
o marido. Com a emergência de suas emoções, as imagens de sua
infância passaram a persegui-la. O filho mais velho, um adolescente
mimado e preguiçoso, foi o alvo de sua intranqüilidade.
"Deixe seu pai em paz", era a mensagem oculta através da qual
Edna expressava seu ressentimento. Variações persistentes deste
tema levaram finalmente Jim a dizer ao filho: "Vá com calma com
sua mãe, ela não entende os homens". Jim Jr. era o "joão-bobo" entre
um pai insensível a quaisquer desejos que não os próprios e uma
mãe cansada de viver e intimidada pelo mais leve sinal de mal-estar
emocional.
Por fim os empregos de ambos levaram ao ponto critico seu
casamento.
O novo chefe de Edna era gentil e lhe dava muitas atenções — um
excelente tônico para seu ego enfraquecido. Almoçavam juntos,
davam longos passeios a pé, e compartilhavam sua insatisfação
quanto a seus casamentos. A amizade transformou-se em paixão.
Edna agora podia aceitar-se, o que lhe proporcionava grande
prazer. Mas também a machucava. Sentia-se dividida entre a
excitação de estar apaixonada por um homem e o conforto de ainda
amar seu marido.
Numa noite em que estava para sair ao encontro do amante, Edna
recebeu um telefonema da firma construtora do marido. Jim sofrera
uma queda e estava em estado grave. Voou para o hospital sem se
lembrar de cancelar o encontro. Embora bombardeada por diversas
emoções, ela deu-se conta de uma verdade simples:
independentemente do que acontecesse, sua vida jamais seria a
mesma.
Deixou o emprego para dedicar-se à convalescença de Jim. Era
tolerante, paciente e amorosa, mesmo reconhecendo que Jim era
extremamente exigente e insensível. No passado ela se teria
culpado. Mas não desta vez. A experiência de amar um homem
como a si mesma deu-lhe a coragem de enfrentar seu casamento
improdutivo.
O clímax deu-se numa noite em que Jim mancava levemente pela
casa, sentindo-se bastante bem para retornar ao trabalho, mas ainda
sem alta médica. Ele estava sendo particularmente detestável. Edna
fez algo até então inimaginável. Começou a brigar com o marido.
Ela se livrou de anos de frustrações reprimidas. Boa parte de sua
catarse assumiu o caráter de acusações exageradas. Estava furiosa e
não se importava de estar ferindo os sentimentos de Jim. O que,
aliás, foi ótimo. Se ela houvesse sido menos intensa, Jim teria
permanecido indiferente. Em vez disso, ficou chocado. Só conseguiu
dizer: "Nossa, nunca pensei que você se sentisse assim". Edna
também estava chocada. Em vez de ter medo, estava
experimentando alívio. Pusera tudo "em pratos limpos" e nada de
terrível ocorrera. Curara sua fobia.
Jim e Edna Tolson começaram a fazer terapia de casal na semana
seguinte. Tinham que modificar muitos maus hábitos. Mas
atacaram seus problemas de frente. Passaram a conversar
constantemente, descobrindo um no outro coisas realmente esti-
mulantes. Esse despertar chegou ao quarto de dormir, onde
descobriram que eram excelentes amantes. Em alguns meses
perceberam não somente que se amavam, mas também que estavam
apaixonados.
Prosseguindo com o trabalho de reformulação de seu casamento,
Jim e Edna reformularam também seu procedimento no tocante à
educação dos filhos. Jim Jr., bem como o irmão mais novo,
reuniram-se a eles para uma terapia familiar. Juntos lutaram para
modificar a forma pela qual cada um contribuía para a unidade
familiar. Jim tornou-se um homem capaz de enxergar além das
próprias necessidades. Edna tornou-se uma mulher disposta a
batalhar por amor. E, acima de tudo, Jim Jr. desertou da legião dos
meninos perdidos e deixou para trás a Síndrome de Peter Pan.
Jim e Edna Toisón propiciaram aos filhos a coragem e as
experiências necessárias para crescerem. Para fazê-lo, contudo, mãe
e pai tinham que amadurecer. E o conseguiram. Tarde, mas não
tarde demais.
"DEVO SER EU"
Os Pilsen e os Tolson fomentaram nos filhos a intranqüilidade. Não
o fizeram de propósito. Aliás, eles jamais perceberam estar fazendo
isso. Como em toda comunicação oculta, suas mensagens exigiam
um poder de adivinhação e de interpretação do pensamento.
Pais de diferentes meios ambientes utilizam diversos conjuntos de
vocábulos, em épocas várias e em situações diversas, para enviar
mensagens ocultas a seus filhos. Dentro dessa heterogeneidade,
uma coisa se mantém constante para as vítimas da SPP. Todas
concluem a mesma coisa: "Há algo de errado aqui e devo ser eu".
Culpar-se torna-se a reação imediata nas vítimas jovens: a
camuflagem representada pela negação vem em seguida. Ao ten-
tarem decifrar as mensagens ocultas dos pais, ficam presos num
circulo vicioso. Concluem erroneamente que sua existência é a causa
do sofrimento dos outros. Evadem-se ao desespero conseqüente
negando qualquer responsabilidade por seus atos, e substituindo-a
pela crença de que nunca fazem nada de errado.
Vão de um extremo a outro. Aqueles com quem mantêm ligações
enxergam apenas a negação, interpretando-a como insensibilidade.
É surpreendente que justamente as crianças de início mais
suscetíveis aos sentimentos dos outros acabem comportando-se de
modo tão impassível.
Como o passar do tempo lhe proporciona um relacionamento mais
amplo com os adultos, a vítima é atacada pelo condicionamento
infantil que a estimula a culpar-se toda vez que com maior
probabilidade concentrará as expectativas mais seguidas. Diante do
remorso e da vergonha irracionais, a vítima se absolve fingindo
nunca cometer erros. "Desculpe" é palavra que não faz parte de seu
vocabulário, pois não consegue pronunciá-la sem sentir-se indigna.
As duas histórias também nos revelam que os pais da vítima da SPP
têm, eles próprios, problemas. Vestígios de insegurança da infância
infiltram-se em suas vidas cotidianas, forçando-os a viver com um
pé no presente e outro no passado. Casam-se sem se conhecer
profundamente, e são incapazes de se comunicar efetivamente. Na
maioria dos casos, a vida familiar desempenha papel secundário em
relação à excessiva preocupação com o dinheiro e posição social.
Evitam uma confrontação racional pelo temor de magoar a outra
parte. Em vez de serem sinceros, refugiam-se no "faz de conta" da
felicidade matrimonial. A presença de mensagens ocultas é sintoma
do fato de que em geral estes pais também não amadureceram.
O PRIMOGÊNITO
No perfil psicológico da vítima da SPP (ver Capítulo 1), afirmei que
ela provavelmente é a criança mais velha da família. Embora
obviamente haja exceções, é importante notar que, nos casos que
registrei, 82% das vítimas eram as crianças mais velhas.
Faz sentido. O mais velhoé tipicamente o "filho-cobaia" e, em geral,
o centro das preocupações e discordâncias. É este que com maior
probabilidade concentrará as expectativas mais altas e inacessíveis.
Seu mau comportamento provoca uma desaprovação exagerada
tanto por parte dele como dos pais; por isso ele se torna o alvo
principal das mensagens ocultas.
Os manuais de psicologia tratando da ansiedade dizem que uma
pessoa fica ansiosa quando encara uma situação em que deve fazer
algo, mas as alternativas parecem inúteis. As vítimas da Síndrome
de Peter Pan são atormentadas por este tipo de ansiedade;
Decodificam as mensagens ocultas que fluem dos conflitos
conjugais dos pais, e o fazem de tal modo que concluem haver algo
de errado e "devo ser eu". A fim de resolver o problema precisam
encontrar uma forma de salvar os pais de si mesmos.
Se desejam continuar vivos (o que ocorre na maioria dos casos), não
há uma saída lógica. Os efeitos colaterais da ansiedade prolongada
são enormes. A aguda sensação de rejeição torna-se companheira
constante, além da raiva e do sentimento de culpa com relação à
mãe e do distanciamento do pai. Um poder irracional e o
pensamento mágico tomam forma. Os pensamentos dominam as
emoções à medida que a criança dá-se conta de poder usar a cabeça
para anestesiar a dor do coração. Sobrevêm a paralisia emocional
como refúgio contra a angústia. Seu autoconceito e sua auto-estima
ficam bastante abalados, mas a sobrevivência está garantida.
Eis como a mãe de um rapaz de vinte e dois anos, vítima da SPP,
resumiu sua explicação dos motivos pelos quais o filho desenvolveu
esse mal. Seus olhos farão a leitura, mas atente para a mensagem
oculta que ela transmite.
Sua reação à autoridade dos pais era mitigada por uma extrema
bondade disfarçada como necessidade. A situação era exacerbada
por uma aparente pressão parental (o que era um mito, não reali-
dade). Isto tudo se deu no contexto de um menino que idolatrava os
pais, ao mesmo tempo que tinha consciência de estar de alguma
forma empenhado em dificultar-lhes muito a vida.
Deve ter havido alguma distorção de sua psique na primeira série
escolar, quando ele teve uma professora muito severa e repressora.
Ele era tão turbulento que as férias dos pais, infreqüentes mas
merecidas, tinham que ser interrompidas.
Durante os anos da adolescência ele apresentava maneiras simul-
taneamente esnobes e autocentradas. A mãe não tinha nem cabeça
nem saúde para tolerar suas insinuações. Ela é uma pessoa fácil de
se amar, mãe de jovens realmente adoráveis, e merecia ter sido pou-
pada de tal desgraça. Seus comentários sobre garotas devem ser
compreendidos como observações indiscretas e desleais no campo
do relacionamento social, não como referências a quaisquer contatos
físicos.
Esta descrição fria e cheia de menosprezo foi feita por uma mulher
com bom nível cultural, cujo filho apresentava graves problemas
emocionais. Sua falta de empatia era estonteante. A referência à
professora da primeira série corresponde perfeitamente a seu estilo
de tratamento. Não é de espantar que este jovem fosse tão
atormentado pela ansiedade e pelo sentimento de rejeição. Você
pode avaliar a solidão que ele devia sentir. Alistou-se na legião de
Peter Pan sem pensar duas vezes. Enquanto escrevo isto, o rapaz
está retornando da Terra do Nunca, mas certamente sem contar com
a ajuda da mãe.
6
Solidão
WENDY: — Onde você mora agora?
PETER: — Com os meninos perdidos.
WENDY: — Quem são eles?
PETER: — São crianças que caem dos carrinhos de bebê, quando a
babá não está olhando. Se ninguém reclama por eles em sete dias,
são enviados para a Terra do Nunca. Eu sou o capitão.
WENDY: — Deve ser muito divertido.
PETER: — É, mas a gente é um pouco só.
TOOTLES (um dos meninos perdidos): — Já que não posso ser nada de
importante, algum de vocês gostaria de me ver fazer uma mágica?
Falar sobre rejeição? A própria palavra dá um nó na garganta. Dá
para imaginar algo pior? Você é um bebezinho e cai do carrinho.
Aliando humilhação à dor, passam-se sete dias e sua babá não sente
sua falta. Uma vez que seu espírito foi destroçado os ventos da
solidão levam os pedaços para longe e os espalham na Terra do
Nunca. Não fossem os atrativos da juventude, você enlouqueceria.
Peter Pan resistiu à provação. Quando despertou na Terra do
Nunca, assaltado pela solidão, não entrou em pânico. Olhou à sua
volta, viu outros padecendo de uma sina idêntica, e transformou a
possível tragédia em vitória. Unificou todos os meninos perdidos
numa legião cujo vínculo era representado pela situação comum:
todos tinham sido rejeitados da pior forma possível. Selou a união
declarando-se capitão. E realmente o era.
Somente um verdadeiro líder seria capaz da façanha de converter
sentimentos de rejeição numa raison d'être.
Apesar da camaradagem e da identidade grupai, Peter Pan e sua
legião de meninos perdidos eram atormentados pela solidão. Para
suportá-la, tinham de encontrar formas de transformar o pesadelo
num jogo. Dado o jogo ser a palavra de ordem das crianças, não nos
surpreende que eles conseguissem mascarar sua solidão com
jovialidade e alegria. Tootles reflete essa "trucagem" com sua atitude
compensatória. Quase todos vocês reconhecerão essa atitude, se
recordarem seus tempos de estudantes. É ela a força motriz que está
por trás do "engraçadinho" da classe.
Através dos comentários feitos na narração, Barrie informa sua
audiência do alto preço pago por Peter Pan pela manipulação da
solidão. Vemos que Pan é muito superficial. Várias vezes troca de
aliados, e alimenta visões mágicas de si mesmo. É chocante ver
como este jovem advogado da felicidade reage às atenções e
gentilezas dos outros, usando a compaixão para manipular e a
indiferença para intimidar. Por mais que se debatesse para escapar,
Peter era cativo da solidão .
Todos nós experimentamos solidão. Ela se manifesta de modos
diversos em cada um de nós. Ela pode ser sentida como um dia
cinzento e enevoado que não acaba nunca. Algumas pessoas
experimentam um imenso vazio na região do estômago. Outros
saem dos respectivos corpos e se vêem como minúsculos grãos de
pó soprados pela tempestade da insignificância. Outros, ainda,
almejam tanto o contato humano que se sujeitam a qualquer coisa
para poder estar perto de alguém.
Este último é o tipo de solidão que afeta os adolescentes. A maioria
deles não possui inspiração para ser poetas de sua solidão. Só se
dão conta de sua necessidade de contato humano. Quando não o
têm, perseguem-no a qualquer custo.
A solidão torna-se um dos alicerces da Síndrome de Peter Pan,
quando uma criança sente-se indesejada em sua própria casa.
Conforme foi visto nos dois capítulos anteriores, você pode
perceber como uma criança irresponsável e ansiosa pode sentir-se
solitária em sua própria casa. Vítima do distanciamento do pai, do
sentimento de culpa e da raiva em relação à mãe, e da auto-imagem
negativa, o jovem não tarda em ser assaltado pela dilacerante
sensação de não pertencer à sua família.
A solidão para estas crianças é agravada pela tentativa de seus pais
de compensar a falta de amor dando-lhes dinheiro e presentes.
Quando isto ocorre, a riqueza age como catalizador, acelerando o
movimento da criança em direção à crise da SPP. O mito "o dinheiro
compra o amor" dá à criança uma falsa sensação de segurança, e
acaba por confundi-la ainda mais. A criança é levada a pensar: "Se
eu tiver dinheiro e as coisas de que gosto, não vou precisar das
pessoas". Este engano apresenta-se como solução do problema da
solidão, mas na realidade somente o agrava.
Aos jovens, vítimas da SPP, é dificílimo romper o binômio solidão-
riqueza. Acreditam que os pertences são um bem material, algo
passível de ser comprado ou trocado. Assim, tentam obter
admiraçãodos outros exibindo habilidades "extraordinárias" (como
Tootles), ou tentam chamar a atenção comprando as roupas certas;
muitos saltam o passo intermediário e simplesmente tentam
comprar amigos.
Os pertences de um grupo resultam da dedicação; as crianças qua
abraçam o estilo de vida da SPP não compreendem isso.
Preocupam-se tanto em comprar amor que jamais chegam a co-
nhecer as alegrias proporcionadas pela dedicação. E como seus pais
se acham presos no círculo vicioso "o dinheiro compra a felicidade",
não existe quem lhes ensine a encontrar os pertences na dedicação
aos outros.
Lentamente essa busca de alívio da solidão vai se tornando mais
desesperadora. Quanto pior se sente a vítima da SPP, tanto mais se
rodeia de um número crescente de outros jovens. A medida que o
grupo cresce em tamanho, crescem o frenesi das aventuras, a busca
de excentricidades e a pressão para conformar-se. O resultado é a
histeria da pressão grupai que sufoca a dedicação e exacerba a
solidão.
A pressão grupai encontra força na ameaça da rejeição: "Faça o que
todo mundo está fazendo, ou será rejeitado e ninguém se importará
com você". Para a criança que se sente rejeitada em casa isto se torna
um constante lembrete de que sua única chance de ter contato
humano é pertencer ao grupo. Ela arriscará toda e qualquer coisa
para não perder essa chance.
Quando a pressão grupai assume estas proporções, a vítima da SPP
entra em sérias dificuldades. Seus amigos tornam-se infinitamente
mais importantes do que sua família. O código do grupo facilmente
suplanta os valores de seus pais. A autoridade destes se desvanece
diante da conformidade com o grupo. Seus padrões
comportamentais tornam-se um exemplo clássico do cego
conduzindo o cego.
IDADE PICO: 15 A 16 ANOS
A solidão atinge a todos nós; no início da adolescência, contudo, ela
é avassaladora. Localizei nos 15-16 anos o pico da solidão porque é
durante esse período que se começa a incorporar padrões sociais de
conduta. Se o garoto de quinze anos aprende a manejar a solidão
acompanhando cegamente o grupo mais próximo, sua força para
resistir aos três próximos estágios da SPP fica seriamente reduzida.
IRRESPONSABILIDADE + ANSIEDADE + SOLIDÃO
Você pode ver todos os dias, à saída das aulas, um grupo de cinco
ou seis garotos que passa diante de sua casa, perambulando sem
direção. Pode ouvi-lo na sala de cinema, na abertura da sessão. Pode
escutar, tarde da noite, a algazarra desse grupo em que todos falam
ao mesmo tempo, e ninguém ouve. São vozes possantes, atrevidas e
cheias de menosprezo. Você se irrita com esses adolescentes tão
malcriados. Mas não é a rudeza deles que faz você estremecer.
É algo mais primitivo, mais assustador. Eles parecem animados e
satisfeitos. No entanto exibem uma alegria artificial, risadas
histéricas. Revelam uma felicidade lúgubre, agourenta.
Talvez lhe seja difícil reconhecê-lo, mas o que você sente é pânico.
Um pânico abrangente. Nem mesmo os garotos percebem que estão
assustados. O pânico cria a necessidade de estarem sempre um
passo à frente dos competidores. Na corrida pelo reconhecimento,
farão praticamente tudo para obter as graças do grupo. O objetivo é
pertencer a ele — ou melhor, fugir da solidão.
Conseguir a aprovação dos companheiros é parte da vida de cada
um, mas especialmente da vida do adolescente. Todavia, quando
uma criança se dispõe a renunciar à sua moral a fim de obter a
aprovação, já perdeu o equilíbrio que conseguira desenvolver em
sua pessoa. Suas ações são ditadas por impulsos comandados pelo
pânico.
A vítima da SPP experimenta esta espécie de pânico. Os anos de
irresponsabilidade roubaram-lhe a estima de si própria. A
incessante ansiedade que paira em sua casa origina sentimentos de
rejeição que lhe negam a esperança de um futuro melhor. A
necessidade insatisfeita de filiação força o jovem a procurar os
pertences fora do âmbito familiar; passa a vagar pelas ruas, onde
acaba encontrando outros garotos iguais a ele. São os errantes
solitários.
A SPP NA VIDA SUBURBANA
A ironia do desesperado esforço feito pelo jovem, vítima da SPP,
para conseguir o reconhecimento grupai é que, por mais que se
esforce, ele nunca obtém por completo esse reconhecimento. Pode
participar de várias atividades grupais, mas raramente é
considerado membro de algum grupo.
Os desordeiros o abandonam porque é atencioso demais para
combinar com suas tendências destrutivas. Os "machões" rejeitam-
no por sua relativa meiguice: chamam-no "bicha" ou fazem
referências a uma possível homossexualidade. Há quem não o
aceite por suas maneiras serem pouco sofisticadas. Não existe lugar
para ele entre os vencedores, pois nada tem em comum com eles. Os
maconheiros o convidam para as suas reuniões, mas não confiam
nele.
O pânico do jovem priva-o de qualquer amizade verdadeira.
Preocupa-se tanto com rejeição que está sempre dizendo ou fazendo
alguma coisa errada na hora errada. Sua risada é prolongada e tola.
Sua vulgaridade é forçada. Ele chega a extremos em palavras e
ações, tudo em busca de aprovação. E isso é uma faca de dois
gumes. O pânico, combinado com maneiras sociais inadequadas,
resulta em rejeição e em aumento de solidão.
Este garoto finge ter amigos. Entretanto estes "amigos" raramente o
procuram (é ele quem tem que telefonar) e propositadamente
deixam de lhe falar sobre alguma atividade especial, pois não
desejam sua presença. O pior é que ele não entende o que acontece.
Os únicos contatos permanentes são com dois ou três garotos como
ele — párias formando um grupo cuja entidade baseia-se no fato de
ninguém querer nada com eles.
É espantoso que esta triste cadeia de fatos tenha lugar nos subúrbios
de classe média e alta, centros de socialização e de solidariedade
comunitária. Contudo, o que tenho observado é que em muitas
áreas suburbanas as pessoas vêm se dedicando de tal forma à
conquista de uma "vida melhor" que se esquecem daquilo que faz a
vida boa. Possuem dinheiro nos bolsos, e solidão nos corações. Este
estado de coisas é que, por fim, transmite a mensagem: compre isto
e será parte do grupo!
Os pais aceitam a mensagem; os filhos imitam-nos. Os pertences
tornam-se o primeiro item na lista de compras da família. Na
miséria emocional em que se encontram, os membros da família
transformam-se nos marionetes do "faz-de-conta" que o dinheiro
pode ser convertido em sentimento de pertences. O objeto dessa
ilusão pode ser uma casa, um carro, férias bem desfrutadas, um
casaco de pele, um vídeo-cassete ou qualquer outro brinquedo de
adulto. Para os filhos o objeto será um estéreo novo, um espetáculo
de rock, uma calça jeans de etiqueta famosa ou uma festa.
O objeto se deteriora rapidamente. Um só instante de solidão e o
comprador percebe que não comprou a coisa certa. Pois não
percebeu que é impossível comprar pertences. Aliás, basta que se
coloque uma etiqueta de preço nos pertences para se ter a certeza de
não consegui-los. A tentativa de se comprar pertences só aumenta a
solidão.
O psicólogo Abraham Maslow já advertira desta inevitabilidade há
muitos anos. Ele ensinava que uma forma simples de se conhecer o
comportamento humano é focalizar nossas necessidades e a
maneira como atuamos para satisfazê-las. Ele sugeria a seguinte
hierarquia de necessidades: abrigo, segurança, pertences, auto-
estima e auto-realização. Segundo a teoria de Maslow, uma vez
sentindo-nos seguros de que uma necessidade será satisfeita,
voltamos nossa atenção para a necessidade imediatamente acima na
hierarquia.
Tendo trabalhado com famílias de todos os níveis socioeconómicos
de nossa sociedade, estou convencido de que a teoria de Maslow
explica por que a Síndrome de Peter Pan é um mal que afeta
basicamente as classes média e alta. O habitante da zona suburbana
(nos Estados Unidos) possuirecursos e status social suficientes para
não precisar preocupar-se muito com abrigo e segurança. Ele, a
esposa e os filhos concentram suas atenções em satisfazer as
necessidades de pertences. Como o dinheiro lhes proporcionou a
satisfação das duas primeiras necessidades, admitem erroneamente
que ele possa ser usado também para obter a terceira na hierarquia
das necessidades humanas. Impossível. O pior é que não se
conscientizam de estar envolvidos numa busca infrutífera.
Nas famílias em que a permissividade e a discórdia conjugal
acompanham passo a passo o aumento da renda, os filhos,
especialmente o primogênito, são tomados por sentimentos de
rejeição e perdem a autoconfiança. A dose de solidão que expe-
rimentam é dupla. Buscam amigos loucamente: daí o pânico
descrito acima. Os pais muitas vezes percebem esse pânico e fazem
a única coisa que jamais deveriam fazer: dão aos filhos mais
dinheiro e bens materiais, em lugar de atenção e amor. Não demora
muito para o espírito de Peter Pan penetrar sorrateiramente em seus
quartos e roubar seus corações.
"POR FORA"
É extremamente dificultoso identificar a vítima da SPP quando se
tem um encontro casual com um grupo de adolescentes que estão
tentando se encontrar. A irresponsabilidade do adolescente é uma
ocorrência comum e, em si mesma, não diz muito. A ansiedade e a
solidão são visitantes ocasionais na vida de todos e,
moderadamente, não representam uma séria ameaça. Porém
quando a combinação de irresponsabilidade, ansiedade e solidão
consome a vida de um jovem, ele pode sentir-se "por fora" do
mundo.
Vez por outra, todas as crianças se acham na periferia da atividade
de um grupo significativo — parte normal da montanha-russa
chamada adolescência. Contudo, eis as histórias de dois jovens que
nunca acharam lugar algum a que pudessem pertencer. Se você
acha que talvez seu filho esteja "por fora", compare sua situação às
destes adolescentes. Se encontrar um padrão comum, é possível que
seu filho esteja alimentando a idéia de fugir para a Terra do Nunca.
Entretanto, tenha em mente que ele poderá ultrapassar essa fase, se
pertencer realmente ao grupo capaz de proporcionar-lhe segurança:
sua família.
Tom
Aos dezesseis anos de idade, Tom andava com rapazes de cerca de
vinte anos. Dizia que eles eram mais maduros, imunes às tolices das
crianças. Como parte desse grupo, ele tinha regularmente acesso à
cerveja e à maconha, e a garotas cuja forma infantil de se
relacionarem faziam-no sentir-se homem; tinha também de assumir
atitudes contrárias à educação, ao trabalho e à autoridade de
pessoas adultas.
O resultado imediato dessa associação foi uma queda dramática em
seu desempenho escolar. Se não estava "matando" as aulas, em geral
dormia nelas. Reclamava incessantemente dos professores, segundo
ele, chatos e incompetentes. Dizia aos pais para ficarem "fora de sua
vida", quando reclamavam de sua negligência. A única razão para
Tom não abandonar a escola foi o fato de haver desenvolvido
excelentes atitudes educacionais nos anos anteriores. Sua média de
notas no primário e no ginásio fora 9, e ele planejava estudar
matemática e ciências na faculdade. No entanto, em um ano aqueles
valores tinham-se transformado em "besteiras de criança".
Os pais de Tom culpavam os amigos do filho por essas atitudes. O
pai dizia que eram vagabundos e perdedores. A mãe implorava a
Tom que procurasse amigos de sua idade. Tom nem mesmo dava
ouvidos às queixas dos pais. O que seus pais nunca notaram era que
Tom sabia que os rapazes eram vagabundos e perdedores; era por
isso que gostava deles. Ele achava ter muito em comum com eles.
Tom estava sendo usado pelos mais velhos. Ele provavelmente
conhecia e aceitava esse fato. Recebia vinte e cinco dólares por
semana de mesada, a maior parte dos quais destinava-se a comprar
cerveja e maconha para os amigos. Tom era para eles uma garantia
de divertimento. Além disso, achavam interessante calcular quanto
poderiam extrair desse garoto ingênuo. Ele se rebaixara a essa
humilhação em troca da oportunidade de sentir-se um pouco parte
de um grupo.
Ele bem poderia relacionar-se com rapazes bons e de sua idade. A
igreja e a vizinhança convidavam-no para reuniões de adolescentes.
Ele rejeitava esses convites sem pestanejar. Chamava esses garotos
de tolos, "cabeças-de-vento" e de outros nomes e recusava envolver-
se. Sem dúvida esses garotos tinham suas falhas; afinal de contas,
eram ainda crianças. Mas Tom se fixava em seus mínimos defeitos e
os maximizava a tal ponto que até seus pais tinham de concordar
em parte com suas críticas. Então ele jurava fidelidade eterna a
outros rapazes cujos defeitos eram tão graves que seus pais ficavam
atônitos.
O modo de vida pessimista e destruidor desses rapazes mais velhos
sugeria a Tom que ele tinha algo de comum com aqueles. Ele
pertencia a eles; eram todos perdedores. Ele tivera uma excelente
educação e sabia que os amigos seguiam um caminho errado; por
isso os escolhera. A ansiedade e a rejeição experimentadas em casa
haviam-no convencido de que também ele estava no caminho
errado.
Foram necessárias várias sessões de confrontação direta para que os
pais de Tom percebessem o que o filho estava fazendo. Eles haviam
procurado ajuda para Tom, sem saber que teriam de encarar os
próprios problemas conjugais. Reagiram prontamente a meus
questionamentos, pois não pretendiam continuar assistindo à
dissolução da família. Em poucas semanas estavam preparados
para admitir seus erros perante o filho e pedir que ele mudasse seu
comportamento.
Tom rebelou-se. Reclamou, fez ameaças, forçou os pais até o
extremo da tolerância. Ao ver que eles não se submetiam à
chantagem, começou a capitular. Nunca admitiu seus erros, porém
o comportamento melhorado sugeria esperanças para o futuro.
Porque Tom gozava de uma péssima reputação na escola e
apresentava padrões de sociabilidade muito insatisfatórios, a
família decidiu mandá-lo para um colégio interno. Discutimos
longamente sobre o modo de se encontrar uma nova dinâmica
familiar nessa nova situação em que Tom estaria ausente a maior
parte do tempo. Os pais achavam que a única maneira de Tom
recomeçar vida nova era romper totalmente com o passado.
Provavelmente ser-lhe-ia impossível modificar os maus hábitos
continuando a morar em casa. Relutando, concordei.
Tom foi matriculado numa escola particular a centenas de
quilômetros de sua cidade. Isso representava um sacrifício fi-
nanceiro para seus pais e um enorme sofrimento para Tom,
socialmente bem menos equipado que os novos colegas. Na nova
escola ele recebeu treinamento extra em áreas acadêmicas e
socializantes. Pelo que sei, atualmente Tom é um excelente aluno e
um dos melhores jogadores do time de hóquei de sua escola. Os
pais reformularam completamente seu relacionamento conjugal e
estão felicíssimos pela descoberta de que a vida em família pode ser
linda e serena. Nas férias escolares, Tom vem-se revelando um
esplêndido exemplo para a irmã e os irmãos menores.
A família já está pensando na possibilidade de Tom voltar para
terminar o colegial em sua cidade. Está considerando todos os
fatores envolvidos na questão. Acima de tudo, porém, querem saber
o que Tom deseja. E estão certos: ele não é mais um perdedor.
Toby
A julgar pelas aparências, Toby, um garoto de quinze anos, não se
ajustava à descrição da vítima da SPP. Ele era o segundo filho do
casal; o pai e ele passavam bastante tempo juntos, e ele era o líder
de um grupo de meninos da vizinhança. Na maioria dos casos,
essas características se aplicam a um desertor da legião de meninos
perdidos. Entretanto, no caso de Toby, a primeira impressão era
enganosa.
Toby não era o primogênito, porém era objeto de uma excessiva
permissividade. Seus pais haviam sido severos comseu irmão,
cinco anos mais velho. O irmão se saíra tão bem que os pais tinham
relaxado a disciplina que haviam empregado em sua educação.
Acreditavam que, por terem tido êxito com um filho, não
precisavam esforçar-se com o outro. Assim, enquanto o irrnão fizera
por merecer o que desejasse — garantindo desse modo uma fonte
de orgulho honesto —, Toby obtinha tudo o que quisesse sem
mover um só dedo. Sua irresponsabilidade fê-lo vulnerável às
dificuldades pessoais do pai.
O pai de Toby era um homem frustrado. Não conseguira instrução e
a posição social almejadas, e sentia-se traído por ter sido pobre na
infância e na juventude. Tinha um temperamento explosivo e
costumava culpar os outros por seus problemas. Em resumo, era
um homem colérico. Por sentir-se inseguro e desejoso da aprovação
paterna, Toby esforçava-se ao máximo por imitar o pai. Dada sua
fixação em um modelo agressivo, Toby tornou-se briguento.
Nem mesmo sua identidade em relação ao grupo era o que parecia
ser. Toby era realmente tido como líder. Mas os garotos da
vizinhança assim o tratavam apenas por questão de segurança
física, não porque o respeitavam. Ninguém ousava desafiá-lo,
porque de um momento para o outro ele podia tornar-se agressivo.
Em outras palavras, Toby era um valentão.
Ele tinha ordem específica do pai para jamais iniciar uma briga; ao
mesmo tempo era ensinado a nunca fugir dela. Em vez de canalizar
sua inteligência para a atividade escolar, Toby dedicava-se à
invenção de formas sutis de provocar brigas. Tinha especial
habilidade em usar palavras irritantes para atingir os outros
garotos. Descobriu que alusões à homossexualidade em geral
terminavam em sopapos. Andava desarrumado, vestia camisetas
estampadas com dizeres vulgares, tudo com a finalidade de
transformar uma confrontação verbal em ataque físico. Arvorava-se
em defensor dos fracos, não por questão de justiça, mas porque isso
lhe proporcionava amplas oportunidades de surrar outros rapazes.
Toby não perdia muitas lutas. Era alto, forte e musculoso. Sempre
que telefonavam reclamando da agressividade de Toby, seu pai
pedia detalhes da briga, aparentemente com o propósito de julgar a
conduta do filho e puni-lo, se necessário. Na verdade, secretamente
deliciava-se vendo o filho extravasar a raiva que ele próprio
reprimia.
A mãe percebia a situação, e fazia tudo para dar-lhe um fim. Mas,
em vez de enfrentar o marido, inadvertidamente transmitia ao filho
a mensagem oculta de que ele estava decepcionando o pai. A reação
de Toby era dedicar-se com mais afinco a agradar àquele, tornando-
se mais agressivo.
Quando conheci Toby, ele já estava emaranhado em sua própria
reputação, e descrente de si mesmo por causa da ansiedade, da
irresponsabilidade e da solidão. Ele sabia que, se modificasse seu
comportamento, perderia vários amigos; pior ainda, sabia que
muitos garotos aguardavam a chance de se desforrarem. Ele temia
que, para parar de brigar, tivesse de enfrentar mais brigas.
Necessitava da ajuda do pai.
Para minha surpresa, seu pai deu-lhe essa ajuda. O pai de Toby
conseguiu abrir-se com relação a suas próprias frustrações, e ficou
verdadeiramente chocado ao perceber quanto elas afetavam o filho.
Atuei como intermediário em diversas discussões entre pai e filho,
durante as quais Toby se aliviava da carga de ter que substituir as
frustrações paternas. Ao compreender que a fraqueza do pai não era
problema seu, Toby viu-se livre para modificar seus métodos de
sociabilidade.
Ele nem mesmo se queixou (muito) quando os pais instituíram
medidas disciplinares mais rígidas. Passou a ter hora para chegar a
casa e seu desempenho escolar era acompanhado de perto. Foi
obrigado a comportar-se em casa e a apresentar-se sempre limpo e
bem vestido. Essas regras o forçaram a abandonar o papel de brigão
e o recompensaram por se tornar um adolescente gentil e atencioso.
Confessou que elas também o ajudaram a fazer novos amigos e a
sentir-se confiante como aluno. O mais sintomático, porém, foi seu
comentário espontâneo: "Acho que agora meus pais ligam pra mim
como ligavam pra meu irmão".
RESULTADO: INFLEXIBILIDADE QUANTO A PAPÉIS
Toby e Tom tinham muitas coisas em comum. Uma delas foi o
resultado de sua luta contra a solidão. Denomino-a inflexibilidade
quanto a papéis. Especializaram-se em justificar seus fracassos e na
recusa em tentar qualquer coisa de novo. Acharam um meio de
lidar com a solidão, e não desejavam — e por fim não conseguiam
— arriscar-se a serem rejeitados por uma tentativa de
comportamento novo e mais adequado. Seu padrão de sociabilidade
solidificara-se como uma rocha. Sua falta de flexibilidade
transformou-os em alvos fáceis do conflito relativo ao papel sexual,
que é o quarto e mais destacado alicerce da Síndrome de Peter Pan.
E a inflexibilidade quanto a papéis que encerra a vítima da SPP
numa estreitíssima visão de si mesmo como homem. No próximo
capítulo veremos como esta inflexibilidade se combina com a
irresponsabilidade, a ansiedade e a solidão, para produzir o traço
"sexista" da SPP.
7
Conflito Relativo ao Papel Sexual
WENDY: — Quais são seus sentimentos por mim, Peter?
PETER: — Os de um filho devotado, Wendy.
WENDY (dando-lhe as costas): — Foi o que eu pensei.
PETER: — Você é bem estranha. Igual à Lily; eu sei
que ela quer ser alguma coisa minha, mas ela diz
que mãe é que não é.
WENDY (enfaticamente): — Não, não é mesmo.
PETER: — Então o que é?
WENDY: — Não fica bem para uma moça falar dessas coisas.
PETER (vexado): — Acho que ela quer dizer que quer
ser minha mãe.
SININHO (disparando centelhas de luz em código): — Seu grande idiota.
Para um líder, Peter Pan era muito ingênuo. Ele não entendia que
tinha uma fixação na mãe; em sua obsessão, não podia compreender
a frustração de Wendy. Estava cego aos sinais de caráter sexual
provenientes de Lily, uma co-habitante da Terra do Nunca, e jamais
dava valor às "dicas" cheias de bom senso oferecidas pela fadinha
amiga, Sininho.
Peter desejava que as meninas agissem como se fossem mães dele.
Ele se preocupava com a aceitação e a aprovação maternas. Suas
primeiras necessidades de dependência, datadas da primeira
infância, inibiram o desenvolvimento de relacionamentos maduros.
Peter Pan tinha uma só coisa em mente: se as meninas não
correspondessem, não queria nada com elas.
Wendy esforça-se ao máximo para satisfazer às exigências de Peter
Pan. Embora seu desapontamento seja evidente, ela continua
tentando fazer com que Peter se sinta um filho querido. Mas isso
não a gratifica. Em certa ocasião ela força Peter a fazer o papel de
pai e de marido. Isto o perturba e ele retoma rapidamente o papel
de filho, deixando o de amante. Wendy satisfaz a todos os seus
caprichos.
Sininho também quer ser namorada de Peter Pan. Contudo, por sua
sarcástica reação diante da ingenuidade de Peter, fica claro que ela
não tolerará infantilidades naquele a quem ama. Apesar de não ser
humana, Sininho experimenta inúmeras emoções humanas,
inclusive o amor e o ciúme. Mas Peter a rejeita sistematicamente.
Desagrada-lhe que ela se comporte como mulher, em vez de mãe-
substituta.
A relação de Wendy com Peter Pan é distante e convenientemente
controlada. Ela age de acordo com o que Peter deseja, e não hesita
em alterar o curso de seus pensamentos e ações a fim de satisfazer
às exigências dele conquanto estas sejam pueris. Ela gosta de Peter,
mas expressa isso mediante uma excessiva tolerância e mimos. Isto
a confunde; mesmo assim, se submete à exigência de Peter de não
ser tocado por ela.
Sininho, por sua vez, se constitui de uma matéria viva e vibrante.
Suas reações assemelham-se mais às que se esperariam de Wendy.
Todavia Sininho é mais humana que Wendy, muito embora não seja
mais que um quantum de energia em formade luz. Com Peter ela
almeja ter um relacionamento mutuamente envolvente, onde haja
espaço para a espontaneidade e o crescimento. Ele, porém, rejeita
essa idéia sem compreendê-la. A ironia de um espírito carregado
eletricamente ser capaz de penetrar as emoções humanas,
intensifica-se ao descobrirmos que a Sininho é permitido tocar
Peter.
A história de Wendy e de Sininho disputando o afeto de Peter Pan
apóia-se na recusa de Peter em crescer. E o destino determina que
uma das meninas deverá vencer. No final da história ficamos
sabendo que carne e osso triunfam sobre a realidade elétrica. Peter
mantém com Wendy uma relação altamente estruturada, fria e
distante. Ela garantiu uma ligação com Peter, porém a esperança de
que esta ligação se torne um relacionamento produtivo esvai-se à
medida que sua maturidade a distancia da Terra do Nunca. Quanto
a Sininho, temos seu destino revelado neste curto mas instrutivo
diálogo:
WENDY: — Não vi Sininho desta vez.
PETER: — Quem?
WENDY: — Ah, claro. Acho que é porque você tem tantas aventuras.
O que havia em Peter Pan para fazer com que duas mulheres tão
diferentes o quisessem tanto? Aparentemente ele não se
considerava um sedutor. Não tinha um bom emprego (poder-se-ia
dizer que era um militar cumprindo missão além-mar). Ninguém
poderia acusar Peter de ter sangue azul, dado o fato de ele haver
caído do carrinho e a mãe simplesmente ter encomendado outro
filho. E quaisquer que fossem seus recursos financeiros, viver num
toco de árvore certamente não sugere grandes perspectivas de boa
vida.
O devotamento de Peter Pan à eterna juventude foi sua bênção e
sua perdição. Ele produziu reações divergentes em Wendy e em
Sininho. Wendy amava Peter pelo que ele era: uma criancinha
necessitada de proteção. Sininho amava-o pelo que ela acreditava
que ele poderia tornar-se: um homem de espírito jovial e cheio de
energia. O fato de Peter haver preferido ficar com Wendy esclarece
o último dos quatro alicerces da Síndrome de Peter Pan: o conflito
relativo ao papel sexual.
CONFLITO RELATIVO AO PAPEL SEXUAL
Se fosse possível ouvir a "voz" do conflito relativo ao papel sexual
existente dentro da cabeça da vítima da SPP, ela diria mais ou
menos isto:
Há um vazio dentro de mim, um buraco em minha alma. Persegue-
me e me assusta, mas não sei seu nome. Às vezes, quando estou
com meus amigos, acho que a coisa foi embora. Mas ela sempre
volta, gritando em meu ouvido: "Cuidado! Tome cuidado! Uma
coisa horrível vai acontecer". Mas nada jamais acontece, eu só me
sinto só.
Sempre que me sinto assim, minha única vontade é falar com
mamãe. Quando ouço a sua voz, não tenho medo. Sinto-me um
idiota sempre precisando da mamãe, mas assusta-me pensar em não
falar com ela.
O vazio é pior ainda quando estou com uma garota. Quero tocá-la,
porém não quero cometer erros quando o fizer. Não gosto de ter
medo das meninas. Quase que eu gostaria de não ter sensações
sexuais. Mas tenho.
Por que é tão difícil falar com as garotas de quem eu gosto? Por que
fico tão nervoso quando uma delas me excita? E principalmente, por
que tenho raiva das meninas que me excitam?
É, eu tenho raiva das meninas que me excitam. Invejo-as. Para elas é
tão fácil. Elas são livres para ser duronas ou sexi, passivas ou
calorosas, femininas ou masculinas. Não é justo que a gente queira
as meninas mais do que as meninas querem a gente.
Não possso falar sobre nada disso. Meus amigos acham que sou um
perfeito "garanhão". Eles cairiam de costas se soubessem o que
estou pensando. Eu gostaria de ser terno, falar de meus
sentimentos, até de chorar. Mas não posso. E se eu tentasse abrir o
jogo com meus amigos, eles ririam de mim e me chamariam de
"bicha". E aí como ficaria eu? Com certeza pior do que agora!
Esta voz interna do conflito fala de impotência. É uma impotência
resultante do fato de a vítima estar sendo puxada em direções
opostas ao mesmo tempo. O impulso sexual do menino empurra-o
em direção à exploração de novas formas de relacionamento com as
garotas. Sua insegurança impele-o a refugiar-se sob a saia da mãe. O
conflito relativo ao papel sexual prende os meninos num padrão
comportamental de inatividade. Eles não lidam com a sexualidade
de um modo particularmente positivo ou negativo. Simplesmente
não conseguem lidar com ela.
O conflito relativo ao papel sexual indica um declínio fundamental
no processo de amadurecimento da vítima da SPP. Ao aproximar-se
da idade adulta, podemos compará-lo a um corredor de obstáculos
que cai de cara no chão. Enquanto a realidade acena para que ele se
junte aos outros na arriscada empresa da exploração sexual, o pó
mágico da Terra do Nunca narcotiza seus impulsos biológicos. Seu
amadurecimento sexual é cerceado, e sua impotência é camuflada
pela intensificação de uma falsa alegria.
Todos os jovens encontram dificuldades em compreender o que
significa ser uma criatura sexual. É uma aventura assustadora,
conquanto excitante. Todavia, a freqüência e a intensidade do
conflito vêm aumentando terrivelmente nos últimos vinte ou vinte e
cinco anos. Se bem que as meninas experimentem grande confusão
nessa área, são os meninos quem se vêem imobilizados pelo dilema
"culpado se faço", "culpado se não faço".
No final da década de 50 e no início da de 60, existiam linhas claras
de demarcação que serviam para poupar os jovens da imobilização
quando eles experimentavam sua identificação com o papel sexual.
Dispunham de um caminho bem definido a seguir na descoberta de
sua sexualidade.
Relembro os anos 60 e visualizo o espírito de Peter Pan circulando
nos autocines procurando recrutas para a sua legião. Mas mesmo os
rapazes que sofriam de rejeição em casa e de solidão fora dela
tinham em mãos um tônico poderoso. Minimizavam a influência de
Peter seguindo as regras tradicionais que ditam o relacionamento
com as garotas: os rapazes eram machos, as meninas conheciam seu
lugar.
Os acontecimentos sociopolíticos das duas últimas décadas
modificaram as regras tradicionais. Às meninas ofereceu-se um
novo roteiro; para os rapazes, infelizmente, restou o antigo. Para
aqueles que se sentem bastante seguros para assumir o risco, a
situação atualmente é comparável a uma viagem numa montanha-
russa: nunca se sabe quando virá a próxima queda. Mas para os
jovens perseguidos pela ansiedade e pela solidão, as novas regras só
implicam maiores ameaças de rejeição.
Para mostrar a maior gravidade, em termos sexuais, da Síndrome
de Peter Pan nos dias de hoje, vamos comparar a vítima de agora
com a de vinte e cinco anos atrás.
Ambas as vítimas podem ser cruéis, embora intimamente sejam
bastante sensíveis. Ambas são inflexíveis quanto a seus papéis e
pouco propensas a assumirem riscos. Ambas temem a rejeição,
particularmente a das mulheres. Mas a vítima de nossos dias tem
menos autoconfiança por desfrutar de maior permissividade e bem-
estar e, portanto, ter de lutar menos.
Os roteiros podem ter mudado, porém o cenário é o mesmo — as
reuniões de adolescentes. Nos anos 50 elas tinham lugar nos
bailinhos. Segundo a garotada, seu propósito lá era ouvir música e
dançar. Contudo, não era segredo para ninguém que o verdadeiro
objetivo era aprender a se relacionar com o sexo oposto. Sempre
estavam presentes alguns adultos, em geral professores, para
acompanhar a grande descoberta e garantir a manutenção das
regras tradicionais.
Colocavam-se em lados opostos do salão: de um lado os rapazes, do
outro as meninas. Os rapazes, em grupinhos, gabavam-se de ser
grandes amantes, um pouco incertos do significado desse termo.
Tinham as mãos nos bolsos, os corações nas mangas e os estômagos
na boca. Agiam de modo muito displicente, fingindo não notar as
garotas. Peter Pan vagava entre eles, o que era evidenciado pelas
piadas com que escondiamseu medo, e pelas gargalhadas
provocadas pela última diabrura do "engraçadinho" da classe.
Enquanto isso, as meninas ficavam dando risadinhas. Todas se
ocupavam em aparentar total desprezo pelos imaturos garotos do
outro lado do salão. Entretanto, elas não deixavam de sussurrar
seus comentários sobre qual deles era o mais bonito e de fazer
perguntas sobre quem tinha telefonado para quem. As mais
audaciosas ousavam apostar sobre quais rapazes iriam tirá-las para
dançar primeiro.
À medida que os dois grupos se iam misturando, mostravam-se
muito cuidadosos em não se aproximar demais. O ritual atingia o
clímax quando o adulto estimulava os rapazes a dançar com as
meninas. Pelo modo como eles protestavam, pensar-se-ia que lhes
pediam que cometessem suicídio. Finalmente o mais corajoso
atravessava a linha imaginária no meio do salão. O silêncio era
completo. Logo dois ou três outros cruzavam a linha e a tensão se
reduzia. O pó mágico do mascaramento era dispensado em
benefício da aprendizagem sobre os estranhos poderes que faziam
os rapazes e as meninas corar de excitação. Percebendo que ali não
encontraria novos recrutas, Peter voava para longe.
Nesse cenário tradicional, cabia aos rapazes serem agressivos, e às
meninas serem dependentes e passivas. O rapaz devia tomar a
iniciativa com sofreguidão, e a menina tinha de proteger a si e a ele
para evitar que fossem longe demais. Ao se depararem no meio do
salão, ambos desempenhavam seus respectivos papéis com êxito.
A vítima da SPP, sofrendo de solidão e de medo de rejeição, ali
podia recuperar um pouco de autoconfiança. Seu sucesso
propiciava-lhe a oportunidade de sobrepujar sua irresponsabilidade
e inflexibilidade.
O aspecto triste dessa cena é que muitos desses rapazes e meninas
jamais ultrapassaram as limitações desses estereótipos sexuais. Os
rapazes se satisfaziam com o papel chauvinista, e as meninas se
ajustavam ao de personagens secundárias. As meninas sentiam-se
fracas e indefesas, mas tinham que ser fortes o bastante para
suportar as imaturidades de um namorado centrado em si mesmo.
Alguns se casavam e caíam na extenuante rotina imposta pelos
limitados papéis de "provedor" e de "dona-de-casa". O
relacionamento como que murchava; o fascínio todo se resumia ao
experimentado no baile da escola, nos tempos de ginásio. Vários
dos participantes daqueles bailes são hoje pais de vítimas da SPP.
O movimento de liberação, liderado pelos rebeldes dos "bailinhos",
veio reescrever o roteiro. E já era hora disso. A linha dura e fria que
demarcava o salão da escola pode ter ajudado os adolescentes de
então a explorar sua sexualidade com segurança, porém
aprisionava-os num padrão comportamental que os privava da
chance de um crescimento autêntico como seres humanos.
Entretanto, comparado com o cenário dos bailinhos da escola, o
novo roteiro contém tantas falhas quanto o antigo. Analisemos o
baile moderno, agora simplesmente denominado "festa" pelos
adolescentes, e vejamos como operam as novas regras.
Realmente trata-se de uma festa. O visual provavelmente é outro. O
salão do colégio é despojado demais para os adolescentes de hoje; a
espaçosa sala de estar de suas casas oferece uma atmosfera mais
aconchegante. Os adultos — se presentes — pisam sobre ovos, pois
receiam ser tidos como "caretas" se pretenderem impor limites à
"curtição".
Não existem linhas imaginárias na sala de estar. Aliás, há pouca
organização na festa (se é que há alguma). Para os jovens que já têm
um pouco de experiência social, o pandemônio é tolerável. Esses
estabelecem suas próprias normas de conduta. Mas para a maioria
dos adolescentes, não há regras que limitem a exploração sexual.
Muitos deles acalmam sua ansiedade bebendo uma ou duas
cervejas antes da festa, ou fumando um cigarro de maconha no
começo da noite. A altura do som abafa qualquer resíduo de medo
que não haja sucumbido às drogas.
A maioria dos rapazes posta-se de mãos nos bolsos. Os mesmos
velhos assuntos são discutidos por aqueles que ainda estão
suficientemente sóbrios para raciocinar. Os que têm mais traquejo
social juntam-se a uma garota assim que for possível. Outros
apóiam-se no velho papel do machão para mascarar seu temor à
rejeição. As vítimas da SPP, mais cedo ou mais tarde (em geral mais
cedo), acabam no quintal "puxando" mais fumo ou afogando-se em
cerveja. Os solitários, desconsolados, voltam logo para casa.
As meninas, por outro lado, desempenham seu novo papel sendo
agressivas e "atiradas". Algumas tentam competir entre si trocando
piadas sujas, identificando o "cara" mais "gostoso" do grupo, e
declarando o que pretendem fazer com ele quando o "pegarem" a
sós. Muitas sentem-se impelidas a ser supermu-lheres, sempre com
o controle de todos os seus pensamentos e sentimentos. Por dentro
estão aterrorizadas, sem saber o que fazer.
O novo roteiro ensina as meninas a jamais serem submissas a um
homem, ainda que o desejem. Elas devem ser ousadas a ponto de
serem agressivas, indiferentes a ponto de serem sarcásticas, e
exigentes até a insensibilidade. As que forem incapazes de seguir o
roteiro sentem-se alienadas. As que não querem seguir o roteiro
provavelmente ficarão em casa achando que elas são as erradas.
Uma menina de quinze anos confessou-me que, após ter tomado
duas cervejas, dirigiu-se a um rapaz, pôs a mão sobre o zíper de sua
calça e disse: "Se você é homem mesmo, vamos ver isso lá fora!" Ela
admitiu que estava tentando agir segundo o novo modelo de papel
que, achava, lhe proporcionaria aceitação.
Poucos rapazes possuem a maturidade ou o autocontrole
necessários para manejar esse tipo de aproximação. Certamente não
há nenhum adulto por perto para dizer-lhes que é perfeitamente
natural darem uma risadinha, ficarem vermelhos e correrem para o
banheiro. Enquanto as garotas cruzam a linha em busca de atitudes
de afirmação tradicionalmente consideradas masculinas (a menina
mencionada acima é uma exceção, não a norma), a maior parte dos
rapazes tentam afirmar-se agarrándose ao papel de "machão" e
fracassam.
É compreensível que a vítima da SPP, temendo a rejeição e sendo
sensível demais para desempenhar bem o papel de "machão", saia
da festa e se agrupe com outros rapazes como ele. Saem de carro e
se embebedam, queixando-se das mulheres arrogantes e dos
homens afeminados. Longe deles admitir que sentem vontade de
compartilhar seus temores. Em vez disso, se enraivecem e acariciam
o ego ferido contando vantagem com suas supostas aventuras.
Por que ocorre isso? O que se passa pelas cabeças desses
adolescentes para tornar o conflito referente ao papel sexual tão
arrasador? Minha experiência clínica ensina que, enquanto se dá às
meninas um roteiro que lhes permite penetrar num território
tradicionalmente masculino, nega-se aos rapazes uma linha de
conduta para a travessia em direção ao território tradicionalmente
considerado feminino. Por conseguinte, é perfeitamente normal que
as meninas se tornem ousadas e independentes, mas não se vê como
normal que rapazes sejam passivos e dependentes. Este contraste
cria em certos meninos o conflito referente ao papel sexual, e faz
deles excelentes candidatos à legião dos meninos perdidos de Peter
Pan.
Onde eles estão aprendendo este roteiro de autofrustra-ção? Minha
experiência mostra que eles não o aprendem dos pais. Na realidade
seus pais não lhes estão oferecendo nenhuma orientação no tocante
à exploração sexual. Tentando suprir a ignorância nesse campo, eles
se voltam para o grande mestre da era moderna: a televisão.
Vejamos o que a televisão está dizendo a nossos adolescentes nesse
sentido.
O Roteiro Feminino
A maioria de vocês se lembrará de um comercial de televisão que
diz tudo.
Uma mulher linda e sedutora surge na tela vibrando de
autoconfiança e fascínio sexual. É impossívela qualquer rapaz ou
moça deixar de notá-la. A mulher está cantando uma canção com
uma mensagem tão explícita quanto a captada pelos professores
presentes aos bailes de vinte e cinco anos atrás:
Posso levar para a casa o filé que vou preparar para o jantar. E
nunca, nunca deixarei você se esquecer de que é um homem. . .
Pronto! As meninas têm que comprar o produto imediatamente.
Então elas também poderão enviar essa mensagem aos homens.
Com efeito, dizem: "Posso trabalhar e ganhar tanto quanto você. E
ainda posso assumir o papel tradicional de dona-de-casa
preparando o jantar. Mais ainda, tomarei a iniciativa de seduzir
você e satisfarei todas as suas necessidades sexuais. Sou uma
mulher completa e sou capaz de fazer tudo bem".
O Roteiro Masculino
Enquanto as meninas planejam como desempenhar esse papel de
supermulher, os rapazes tremem no sofá, procurando uma fórmula
para contrabalançar tanta competência. Logo, logo, o grande meio
de comunicação lhes dará a resposta.
Lá está um homem gentil, sem temor de expressar abertamente seus
sentimentos. Nada mal, hein? Porém apenas os rapazes começam a
personalizar este roteiro, acrescenta-se uma nova dimensão. O
sujeito é um tonto. Tropeça nas coisas, troca os pés pelas mãos e é
tratado como criança. Como se isto não bastasse, o tipo é mentiroso.
Ele supostamente vive com duas garotas e aprecia o sexo oposto.
Mas para assumir esse modernismo, finge ser homossexual. A
mensagem: "Se você pretende ser sensível e gentil, estará agindo
como um palhaço e será tido pelos outros como um indivíduo que
não chega a ser um homem 'de verdade' ". Qualquer garoto que
deseje ser heterossexual rejeitará este papel imediatamente.
Mas nem todas as esperanças estão perdidas. Dali a uma hora outro
filme mostra um detetive particular, homem bonito e sempre hábil
nas questões sociais. Nunca faz nada de errado; seus amigos o
consideram o "cara mais legal do mundo". Quando este herói quer
uma mulher, não precisa dizer nada. Ele deixa seus músculos, seus
cabelos e sua força falarem por ele.
Este homem nunca perde. Seja qual for a situação, sai sempre por
cima. Além disso, não deixa ninguém perceber seus problemas.
Jamais precisa admitir que não sabe o que fazer da solidão ou do
medo.
Alguns garotos ficam confusos. Dão-se conta de seus sentimentos e
da vontade de compartilhá-los. Mas se o fizerem, correm o risco de
ser considerados fracos e bobos. Contudo, se imitarem o grande
herói, não haverá lugar para o fraco.
Enquanto eles ainda estão se esforçando por esclarecer a confusão,
aparece um filme de relativo sucesso. Eles vêem um homem de
meia-idade, o tipo de pai. É gentil, comunicativo, adora cozinhar,
cuida dos filhos e admite abertamente suas fraquezas. Chora, tem
medo e não esconde seus sentimentos. Ah! talvez esta seja a
resposta. Nem bem os garotos começaram a avaliar os benefícios
deste roteiro, descobrem tratar-se de um homossexual. Ficam
aterrorizados. "Podia ser eu", dizem consigo mesmos.
Se este seleto grupo de garotos, muitos dos quais são vítimas da
SPP, adotar o último roteiro, há boa probabilidade de virem a entrar
em contato com a comunidade gay. A homossexualidade parece
oferecer-lhes uma solução para o conflito. No entanto, a maioria dos
homossexuais sofre tanto (ou talvez mais) com o conflito referente
ao papel sexual quanto os heterossexuais. Eles podem ter
desenvolvido o lado feminino de sua personalidade, mas restam-
lhes profundas dúvidas quanto à sua identidade masculina. Na
tentativa de lidarem com a solidão, simplesmente mudaram o tipo
de mascaramento, porém ainda vivem na Terra do Nunca. (Um
aspecto interessante deste conflito é o fato de que geralmente o
papel de Peter Pan é feito por uma mulher nas versões teatrais da
história).
O conflito referente ao papel sexual inibe as vítimas da SPP.
Tornam-se incapazes de apreciar a natureza fluente e dinâmica de
um relacionamento maduro. Sua inflexibilidade impede-lhes a
experimentação e aprisiona-os em papéis rígidos. Seu temor do
fracasso e da rejeição reduz sua capacidade de assumir riscos,
impedindo-os de investirem coração e alma num relacionamento.
Na verdade eles se tornam incapazes de amar. Se admitirem esta
falsa situação, ela pode transformar-se em realidade conduzindo-os
a um narcisismo ofuscante. Para combatê-la restam-lhes três
alternativas: encontrar uma mulher que assuma o papel de mãe e os
proteja contra o crescimento, evadir-se ao conflito sexual fingindo
que a vida de gay não é solitária, ou buscar ajuda na confrontação
de sua solidão e na obtenção do controle de suas vidas.
IDADE PICO: 17 A 18 ANOS
Tenho três razões para escolher o período dos 17-18 anos como pico
do conflito referente ao papel sexual:
Em primeiro lugar, é durante esses dois anos que a sexualidade do
jovem amadurece a ponto de as atitudes e as preferências sexuais
começarem a se fixar. Quaisquer atitudes já desenvolvidas tendem a
mostrar-se resistentes à mudança.
Em segundo lugar, a emergência do conflito referente ao papel
sexual depende da inflexibilidade resultante da luta contra a solidão
nessa idade. A rigidez cria uma unilateralidade de visão no jovem,
incapacitando-o para a experimentação com diferentes formas de
relacionamento com o sexo oposto. Segue-se daí que as atitudes
sexuais desenvolvidas freqüentemente são frias, limitando-se à
obtenção de satisfação física.
Em terceiro lugar, é nessa idade que a emergência do conflito
referente ao papel sexual dá lugar a um labirinto de outros conflitos.
Estes possivelmente não virão à tona por vários anos, porém uma
vez que o indivíduo atinja o estágio onde se cristaliza a confusão
relativa a seu papel sexual, outros conflitos tomam forma. As
restrições em torno de um comportamento socialmente aceitável
dão lugar a um estilo de vida em que um ato extremista segue-se a
outro. Seja este indivíduo seu filho de dezoito anos ou seu marido
de quarenta, os extremos entre os quais ele oscila deixam-na
atordoada. Quem é este homem? Em que ele está pensando?
EM QUE ELE ESTÁ PENSANDO?
Peter Pan optou por ficar com Wendy porque ela o protegia de seus
conflitos íntimos. Ela satisfazia a todos os seus caprichos e sentia dó
dele por sua fraqueza emocional. Embora ela experimentasse um
pouco de decepção diante de sua imaturidade, evitava questioná-lo
sobre seu senso de lealdade tão instável. Como resposta ele exibia
uma personalidade dupla. Oscilava entre um mundo real onde
experimentara a rejeição e o desespero e um mundo de fantasia
onde fingia poder ser uma criança feliz para sempre.
Wendy, Sininho ou qualquer outra mulher que tente amar ou
compreender um dos meninos perdidos reconhecerá a dualidade
Jekyll/Hyde na vítima da SPP. Há momentos em que ela se
aconchega a uma pessoa carinhosa e atenciosa para, uma hora
depois, ser recepcionada com uma fria indiferença. Sob vários
aspectos a vítima da SPP sente-se de um modo, mas age de outro.
Seus enormes contrastes entre pensamento, palavra e ação apontam
para uma personalidade dividida. Contudo você sabe que ele não é
louco. E você está certo. Ele não perdeu o contato com a realidade;
ele sabe que está péssimo. Apenas não tem força necessária para
mudar a situação.
Os contraditórios padrões comportamentais originados do conflito
referente ao papel sexual podem vir à superfície em diversas
seqüências. Podem inclusive manter-se adormecidos até a vítima
entrar na rotina de trabalho, de casamento e filhos. É raro
verificarem-se todos os conflitos possíveis num curto espaço de
tempo. Independentemente da freqüência ou seqüência, os conflitos
são reveladores. Aparentemente confundem, impedindo-nos de ver
a ligação entre os extremos de comportamento ou de estados de
espírito. Mas se você se conceder um momento de reflexão sobre oque os dois extremos têm em comum, terá a resposta à pergunta:
em que ele está pensando?
Eufórico x Deprimido
A postura da vítima da SPP diante da vida tem um caráter cíclico.
Ele oscila entre uma animação maníaca pela chegada da primavera
e um desalento depressivo com a aproximação das festas natalinas.
Por vezes este ciclo é tão pronunciado que você começa a
preocupar-se com um potencial suicida.
Você diz para si mesma ou comenta com alguma amiga chegada:
"Estou preocupada com ele. Num dia ele ama a vida e no outro, não
vê sentido nenhum nela".
Você acaba de descrever o germe da dúvida que habita bem no
fundo desse homem inteligente e sensível. Em suma, é a questão
existencial que atormenta a todos nós: "Por que estou aqui?"
Quando a vítima da SPP vê razão para existir, sua animação é
contagiante. Quando a vida não lhe oferece objetivos, a depressão é
fúnebre. Por amá-la, você sente-se como um iô-iô. Num dia está
bem, no outro está mal. E você anseia por estabilidade.
A falta de tranqüilidade do jovem relaciona-se com a tempestade
em sua alma. O fato de estar vivo não lhe basta para poder sentir-se
autêntico. Ele sente que deve provar diariamente que é uma boa
pessoa, e digno de estar vivo. Quando lhe mostram amor
(especialmente a mãe), sente-se bem consigo mesmo e invade-o a
esperança. Diante de um fracasso ou desaprovação, conclui que não
é bom e não é digno de estar vivo. É então que ele se deixa consumir
pela depressão.
É por não se sentir autêntico que ele se cerca de amigos, chega a
extremos ridículos para ser apreciado, torna a mulher de sua vida
como coisa certa, rejeita sentimentos negativos a respeito de outrem,
e fica furioso quando é criticado. O pior de tudo é que nunca é livre
para ser simplesmente ele mesmo. O mascaramento e a falsa alegria
da Terra do Nunca constituem seu único alívio.
Dedicação x Desprezo
Em seus primeiros anos os jovens, vítimas da SPP, têm imenso
respeito pelas mulheres de suas vidas. Seguem-se desse respeito
muita gentileza, maneiras encantadoras e grande disposição para
ajudar. Assim tornam-se benquistos pelos vizinhos, pelos
professores, pelos membros da igreja e pelos pais. Re-
trospectivamente poder-se-ia argumentar que esse respeito é in-
sincero e forjado. Incorreto. Ele é sentido com intensidade e
expresso com honestidade.
À medida que os conflitos começam a exaurir o ego da vítima, o
medo de ser rejeitado aumenta, e este respeito se degrada por uma
dedicação excessiva. A idolatria resultante gera servilismo. A raiva
é inevitável; também o é a rebelião. Para se defender dessa
subserviência às mulheres, a vítima adota uma atitude de desprezo
para com elas, imputando-lhes a culpa de sensação de impotência.
O desprezo é tão irracional e ilógico quanto o era a dedicação.
Esses homens demonstram exagerado respeito diante das mulheres,
mas acumulam-nas de críticas e menosprezo em conversas com os
amigos. Ficam então gabando-se de sua incrível habilidade em pôr
as mulheres em seus devidos lugares. Quando o medo e a raiva
falam juntos, essa auto-exaltação colore-se de fortes tons de
dominação sexual pela força física.
Você pode suspeitar que seu homem vacile entre a devoção e o
desprezo. Provavelmente jamais virá a escutar aquelas gabolices,
pois em geral são só ditas diante de outros homens. Poderá, porém,
detectar a natureza paradoxal do respeito que esse homem exibe
para com as mulheres. Meu exemplo favorito é o sujeito de "boca
suja" que, contudo, ofende-se profundamente se alguma
vulgaridade é expressa na presença de uma mulher. Ele põe a
mulher num pedestal apenas para, às suas costas, rir dela.
Gregário x Solitário
A vítima da SPP ama as pessoas; pelo menos dá essa impressão.
Vive cercando-se de inúmeros "amigos" e zanga-se só em pensar ter
perdido algum programa. É dos últimos a sair das festas a fim de
aproveitar tudo. Você, no lado oposto da sala, pensa: "O pessoal já
está com cara de cansado. Como é que ele não nota? E por que ele
está rindo tanto? Não vejo nada de engraçado".
A resposta é que, pelas gargalhadas, ele está tentando extinguir os
ecos da solidão. Pois, apesar de seu espírito gregário, de seus
amigos e de sua obsessão por festas, a vítima da SPP sente-se muito
só, mesmo em meio à multidão.
Há uma enorme distância psicológica entre a vítima e as outras
pessoas. Ainda que esteja ao lado de um amigo ele sente-se a um
milhão de quilômetros de distância. Em geral ele se acostuma a isso,
e o aceita como normal.
O "solitário no meio da multidão" provoca pena na esposa ou na
amante. Uma mulher perguntou-me um dia: "Por que tanta
dedicação? Por que ele não relaxa um pouco? Será que ele não sabe
que é amado do jeito que ele é?" A resposta a esta última pergunta é
não.
Sensibilidade x Indiferença
As vítimas da SPP são, em princípio, crianças excepcionalmente
empáticas e sensíveis. Suas mães lhes propiciam a sensação de
validade emocional que lhes permite a segurança de expressar
abertamente seus sentimentos. Todavia, dada a falta de
autodisciplina que acompanha a preguiça e a irresponsabilidade,
essas crianças não conseguem aprender a controlar suas emoções.
Desconhecem formas de lidar com as inevitáveis decepções da vida.
Por isso seus sentimentos são feridos com facilidade.
Logo após a puberdade, tendo de enfrentar a rejeição dos
companheiros, e sentindo-se incapazes disso, começam a se mostrar
reservadas. Como não sabem como se proteger da mágoa, apelam
para a fuga do sentimento. Assim, sempre que se sentem mais
vulneráveis, procuram apresentar indiferença. Isto ajuda a explicar
por que a vítima da SPP adota típica atitude de "não estou nem aí",
toda vez que é tomada por tristeza ou pelo remorso. Anos depois
essa indiferença apresenta-se na afirmação de que ela está acima de
qualquer emocionalidade "barata".
Delicadeza x Crueldade
Provavelmente este é o mais doloroso conflito que tem de enfrentar
um homem que é amado. Ele pode despedir-se de manhã com um
beijo ou um abraço caloroso para, à noite, atacar com uma série de
comentários cruéis e irracionais. Ele espera que a amante, a esposa
ou talvez a mãe suportem suas imaturidades e maldades por ser
essa a sua função! Suas sinas são tolerar-lhe a crueldade, perdoar-lhe
os insultos e amá-lo independentemente do que ele faça. Ele não
entende sua raiva nem se dispõe a desculpar-se. Ele está convencido
de que: "Você me amará sempre, não importa o que eu faça".
A vítima da SPP na verdade não leva em consideração a esposa ou
amante. Equaciona esse tipo de amor com o de uma mãe. O amor
adulto é distorcido a ponto de o homem pensar que a esposa ou
amante não pode esperar dele mais do que ele decide dar-lhe, e no
momento por ele escolhido. Ele não compreende que o amor adulto
é condicional — que envolve dar e receber. Em vez disto, ele é o
recebedor e a esposa ou amante é a doadora. Se uma mulher
questiona essa ineqüidade, é vista como uma ingrata que não
enxerga o valor do que tem.
Desnecessário dizer que, se esse conflito permanece sem resolução,
desaparece esperança de desenvolvimento de um relacionamento
afetivo maduro.
Vítima x Salvação
A vítima da SPP conhece mil formas de autocomiseração.
Resmunga quando acusado de crueldade, gela diante da raiva da
esposa e fica amuado quando sua supermãe tenta controlar-lhe a
vida. Tivesse ele vivido na época do Velho Testamento, bem
poderia ter sido o primeiro da fila a oferecer o sacrifício de sua auto-
estima para apaziguar a fúria dos deuses.
Este mesmo mártir, entretanto, toma para si a tarefa de proteger a
esposa e salvá-la do mundo. Tem suas próprias idéias de como ela
deve comportar-se, e de repente sai correndo para fazer uma boa
ação para outrem, sem nem sequer avisá-la onde está ou o que está
fazendo. Ele parece estar perenementepronto a salvar todo mundo,
mas fica imóvel quando a esposa precisa de ajuda.
Para compreender este conflito ela deve lembrar-se de que Peter
Pan se recusava a ver as mulheres como outra coisa que não figuras
maternas (releia o diálogo no início deste capítulo). Tendo
percebido que a vítima da SPP a olha como projeção de uma mãe
idealizada, será fácil para a esposa imaginar como ele reage ao ouvir
que a mãe precisa de ajuda.
Primeiramente, ele não entende como uma mãe perfeita possa ser
melhorada. Ele a faz tão perfeita quanto seu desejo, e fica aturdido
quando a esposa não se ajusta ao papel.
Em segundo lugar, ele teme oferecer-lhe auxílio porque, dada sua
baixa auto-estima, ele está certo de que cometerá algum erro. Seu
maior erro é não tentar ajudar. A saída mais fácil para ele é retirar-
se da situação ou negar (às vezes veementemente) que a esposa
tenha quaisquer limitações.
Se ela entendeu estas duas reações, imagino-a agora protestando:
"Mas eu não quero ser mãe dele!" Muito bem. Mas consulte o
Capítulo 13 para assegurar-se de que não está agindo como mãe
dele.
Fiel x Flertador
Você pensa que o conhece, porém desconhece-o totalmente. Esta
afirmação é válida para você? No que tange à fidelidade de seu
homem, deve ser válida. Você acredita nele quando diz que é fiel a
você, mas em festas e reuniões ele pouco faz para disfarçar seus
flertes. Ele se entrega tanto à tentativa de impressionar outras
mulheres que acaba se tornando ridículo.
O homem, vítima da SPP, afirma à namorada, amante ou esposa
que ela é o centro de seu mundo. À maneira dele, é mesmo. Porém
aquele olhar sedutor para as outras mulheres é mais que uma coisa
passageira. Ele parece compelido a dar "cantadas" freqüentemente
pueris em mulheres que não passam de meras conhecidas. E não é
muito discreto em seus flertes. Não é raro esse homem querer falar-
lhe sobre seus desejos sexuais em relação a outras mulheres, como
se não tivesse consciência de seu ciúme. Ele deseja abrir-se com
você, como se você fosse sua irmã mais velha (ou, o que não é de
espantar, sua mãe).
Para compreender essa atitude, você precisa entender seu
narcisismo. Sua necessidade de aceitação é tal que ele distorce a
realidade, imaginando que vence todos os outros homens em
erotismo, e que privar as outras mulheres do homem mais sexi do
mundo é correr o risco de magoá-las. Sei que isto parece
inacreditável, mas costuma ser bem real. O próximo capítulo analisa
a complexidade dessa fantasia narcisista.
8
Narcisismo
PETER: — Wendy, não se zangue. Eu sempre fico assim exultante
quando estou satisfeito comigo mesmo.
WENDY (para Peter): — Estranho que as histórias de de que você
mais gosta são justamente as que falam sobre você mesmo.
Imagine-se entrando numa sala cheia de espelhos. Em todas as
direções em que olha, você vê seu reflexo. Inicialmente você sorri,
satisfeita com as intermináveis visões de si própria. Começa a fazer
algumas caretas engraçadas, no mínimo para avaliar quanto você é
versátil.
Por estar só, não há constrangimentos. Você se pergunta: "Sou
bonita?" "Meu nariz é grande demais?" "Não estou engordando nos
lugares errados?" Esta autocrítica serena parece natural e inócua.
Impossível resistir à tentação de descobrir como os outros a vêem.
Você deseja que os outros gostem de você; claro, isso facilita e colore
mais a vida.
Após alguns minutos nessa sala, você começa a sentir-sé pouco à
vontade. Os espelhos voltam-se contra você. Eles a irritam. Não,
você não é bonita. Sim, seu nariz é grande demais. Engordando nos
lugares errados? Em todos os lugares! Em breve a mínima ruga em
seu rosto assume proporções de maqui-lagem especial para filmes
de terror. Que criatura é essa que está na sala pronta para atacá-la?
Os espelhos parecem adquirir personalidade própria — uma
personalidade hostil. Você se surpreende respondendo a
ela, defendendo sua inteireza. Está ocupada demais, reagindo às
críticas, para notar que essa personalidade é apenas uma outra
dimensão de si mesma. Os espelhos tornam-se o ponto concêntrico
de suas inseguranças. Quanto mais habituada estiver a mentir para
si própria em relação a suas fraquezas, mais hostis e incansáveis
serão os espelhos.
Depois de lutar bastante com suas inseguranças, as falhas de seu
caráter ficam tão evidentes quanto as de seu corpo. Sua baixa
capacidade de afirmação é tão perceptível quanto os culotes extras
em seus quadris. Seus conflitos sexuais são tão pronunciados
quanto os pés-de-galinha ao redor de seus olhos. Você rememora a
última atividade social de que participou, convencida de que os
outros viram o que você vê agora. E fica preocupadíssima por ser
tão transparente.
Pode imaginar o que aconteceria se ficasse presa nessa sala de
espelhos por dias, semanas ou até anos? Primeiro, você fecharia os
olhos, cortando a visão de seus defeitos, já agora grotescos. Você
tentaria bloquear a ligação com esse mundo onde cada falha sua é
multiplicada por mil. Olhos bem cerrados, começaria a cantar com a
finalidade de abafar as vozes de desaprovação e reafirmar sua
presença.
A negação acaba por não funcionar. Você está machucada, magoada
e precisa achar um modo de lidar com essa personalidade hostil.
Você anseia por um amigo, alguém que lhe diga que, apesar de
todos os seus defeitos, você é legal. Mas não há ninguém ali. Só
resta uma coisa a fazer: defender-se.
Você abre os olhos. Mas, desta feita, em vez de esperar a
personalidade hostil atacar, você ataca primeiro. Você utiliza seus
registros de memória para construir fantasias opostas às acusações
ouvidas. Você domina a situação projetando essas fantasias sobre o
espelho. É como estar num cinema, forçada a assistir a um filme
ruim. Com seu cérebro você modifica o filme a seu bel-prazer, e
projeta sobre a tela a versão aceitável.
Suas inseguranças cedem lugar às maravilhas. Agora você tem o
nariz mais perfeito do mundo. Sua beleza é perturbadora. Nenhuma
Miss Universo pode competir com suas medidas. Você se sente
renovada por não sentir necessidade de ninguém que a faça sentir-
se melhor. Tudo o de que precisa para orientar suas projeções
fantasiosas e, portanto, para garantir-se contra quaisquer ataques
futuros, é a perfeição. Tudo o que saia de você para ser projetado
nos espelhos deve ser perfeito. Só há um problema. Quando as
portas se abrem, você não consegue sair da sala de espelhos. É
prisioneira da perfeição.
A BUSCA DA PERFEIÇÃO
Peter Pan queria ouvir histórias sobre si mesmo para reforçar suas
projeções de perfeição. Ele ignorava o fato de que Wendy, sem
querer, aumentava seu problema. Peter perseguia a perfeição com
zelo exagerado. Mas tinha de fazê-lo. A única alternativa seria
enfrentar suas imensas inseguranças. Seu narcisismo protegia-o da
solidão e do medo. Ele não podia abandoná-lo.
O homem vítima da Síndrome de Peter Pan vive obcecado na busca
da perfeição. Quanto mais intensa sua insegurança, mais vívidas
suas reflexões críticas e maior sua necessidade de projetar perfeição.
O ataque das inseguranças projetadas é exacerbado pela ausência de
amigos íntimos e confidentes. Anos de ansiedade e solidão
impedem-no de procurar amparo em pessoas que realmente gostem
dele. Ele sacrifica o amor pela segurança oferecida pela perfeição.
Ele persegue a perfeição com fervor compulsivo. Porém, dada sua
insegurança básica, é incapaz de atingir a perfeição em qualquer
forma socialmente aceitável. Compensa as grandes imperfeições
permanecendo na sala de espelhos, enxergando o que deseja. Brota
então um conjunto de traços narcisistas. Esses traços formam
corredores de interligação dentro da sala de espelhos; cada um
deles inicia-se como uma defesa contra a imperfeição, e distancia a
vítima da realidade, trazendo-a de voltaao lugar onde se sente mais
à vontade — cercada de imagens de perfeição.
Eis os traços de narcisismo predominantes, tais como se manifestam
na vítima da Síndrome de Peter Pan:
Exploração. A vítima da SPP explora os amigos e conhecidos a fim
de promover sua perfeição. Pode inclusive mudar seus valores com
o propósito de se salientar. Faz, por exemplo, um convincente
discurso sobre o valor da virgindade diante da mãe de uma garota
que deseje conquistar. Uma hora depois enfeitiça a menina com sua
teoria de que os jovens devem rebelar-se contra os opressivos
preconceitos sexuais dos pais. A vítima da SPP tem pouco senso de
lealdade, se é que tem algum.
Fúria. Quando lhe é impossível fazer a realidade desaparecer, a
supremacia de sua perfeição fica ameaçada. É aí que toda a sua
doçura pode instantaneamente transformar-se em fúria. Se a
exploração falha, ele se utiliza da fúria para intimidar quem quer
que pretenda impor-lhe o domínio da realidade. O ataque de fúria é
tão agudo e súbito que o outro fica paralisado. É como se alguém
atingisse você com balas de material emocional. A maioria das
pessoas recua, deixando-o dominar a situação. As únicas exceções
são os valentões e outros indivíduos narcisistas. É por isso que as
vítimas da SPP às vezes se metem em brigas. Em geral perdem, mas
jamais admitirão isso.
Sua fúria isola as pessoas de sua frágil auto-estima. Infelizmente,
isola também o amor e o calor humano. A fúria é a barreira que
mantém a vítima da SPP isolada de um contato íntimo com os
outros.
Ausência de culpa. O jovem vítima da SPP nunca se culpa de nada.
Por mais insensato que seja seu comportamento ou malévolas suas
intenções, ele joga sempre a responsabilidade sobre pessoas ou
coisas das quais não teve controle. Se chega em casa tarde, é porque
precisou levar vários amigos para casa. Se foi pego com maconha, é
porque a estava guardando para um amigo. Se deixou a casa em
desordem, é porque saiu para procurar emprego (que não achou).
Se a namorada lhe deu o fora, é porque lhe contaram uma mentira
sobre ele. Admitir culpa seria admitir imperfeição — coisa que
simplesmente não pode fazer.
Imprudência. Como não assume a responsabilidade de seus atos, a
vítima da SPP tem uma incrível capacidade de se associar a
pequenos acidentes. Objetos quebrados, livros perdidos, carros
enguiçados e compromissos esquecidos perseguem-no como uma
nuvem escura pairando-lhe sobre a cabeça.
O mais frustrante é que a vítima não aprende com seus erros.
Repete-os incessantemente. Visto que não tolera encarar os erros
como falhas suas, nunca lhe ocorre fazer algo para evitar sua
imprudência.
Abuso de drogas. Vício muito comum nas vítimas da SPP. Apesar
de sua busca de perfeição, ela não consegue atribuir-se nenhum
valor. Isto a estimula a procurar algum alívio. Já que muitos de seus
amigos se acham envolvidos com drogas, é fácil para a vítima
entregar-se à "expansão da consciência" tipicamente associada ao
abuso de drogas. O consumo excessivo de bebida alcoólica e de
maconha torna-se um hábito. Em casos mais graves, a cocaína
torna-se o veículo para alcançar a sensação de perfeição.
Promiscuidade sexual. Nada alimenta mais o frágil ego da vítima
da SPP do que os suspiros e gemidos das moças a quem seduziu
sexualmente. Quanto maior o número de garotas em sua lista de
conquistas sexuais, mais perfeito se julga. Tal como em relação aos
demais, a vítima sente-se melhor se a garota se mantém
emocionalmente distante. Ele não se desaponta se ela apenas finge
excitamento e satisfação; aliás, sua atitude exploradora em geral
impede-o de perceber o fingimento.
AS RACHADURAS NOS ESPELHOS
Tentei apresentar uma definição didática do narcisismo. Os pro-
fissionais da saúde mental raramente vêem este caso clássico. Ele
não é muito comum. Uma pessoa com o grau de narcisismo descrito
está muito mal; para ela o prognóstico é ruim.
As vítimas da SPP experimentam um narcisismo muito menos
grave. Os traços dos narcisistas não se combinam num todo tão
destrutivo. Eles podem ser imprudentes, mas secretamente culpam-
se por vários de seus fracassos. Podem ter um ataque de fúria,
porém seu senso de adequação leva-os a se desculparem. Podem ser
exploradores, mas na realidade têm um ou dois amigos de verdade.
Ocasionalmente ocorre-lhes que seu pensamento é mágico e que
não são tão perfeitos quanto fingem ser. E os que são sexualmente
ativos geralmente encontram uma mulher que os ama
verdadeiramente. A ternura toca-lhes o coração, e pode constituir-se
o estímulo necessário para enfrentarem suas imperfeições e saírem
da sala de espelhos.
Portanto, a fim de melhor compreender como o narcisismo se
enquadra no arcabouço desenvolvimental da Síndrome de Peter
Pan, imagine que os espelhos da sala onde se encontra a vítima da
SPP estão rachados. A realidade escoa-se para dentro da sala,
oferecendo-lhe uma oportunidade de fuga.
IDADE PICO: 19 A 20 ANOS
Você já deve ter notado que os sintomas componentes da SPP não
surgem em períodos de idade pré-selecionados, como se
determinados por algum relógio biológico ou psicológico. Eles se
acham mesclados, realimentando-se uns aos outros. O narcisismo é
um dos dois sintomas intermediários (o outro é o chauvinismo)
resultantes da interação de problemas mais fundamentais (ver o
diagrama na pág. 51). Embora o germe do narcisismo apareça no
início da vida, demora para se desenvolver. Considerando-se que o
narcisismo depende tanto de outros fatores, há esperança de poder-
se frustrar seu crescimento.
O germe do narcisismo ganha vida quando a exigente criança de
dois anos de idade obtém tudo o que quer, como quer. Se os pais se
submetem, sua atitude indulgente tira à criança a oportunidade de
aprender a lidar com suas imperfeições num meio seguro. Se a
criança atinge a puberdade com a mesma atitude dos pais e os
quatro alicerces da SPP — irresponsabilidade, ansiedade, solidão e
conflito referente ao papel sexual — continuam operando, o
narcisismo pode acabar florescendo.
Se essas condições mantêm-se intocadas ou inalteradas, o
narcisismo alcança seu pico aos dezenove ou vinte anos de idade do
jovem. É a época em que a transição da adolescência para a idade
adulta leva o jovem a uma aguda conscientização de suas
imperfeições. Se ele assumir o controle de sua vida, aceitar suas
limitações e aprender com seus erros, poderá "curar-se" da
Síndrome de Peter Pan e amadurecer. Se negar suas limitações e
continuar perseguindo a perfeição, estará dando um gigantesco
passo em direção a uma "prisão em vida" cujas grades são suas
próprias inseguranças.
DOIS NARCISISTAS
O narcisismo não é um flerte inócuo com o pó mágico da Terra do
Nunca. Na Síndrome de Peter Pan ele representa um perigoso
desvio da realidade. O pensamento racional e a sensatez cedem
lugar a processos de pensamentos ilógicos e até bizarros.
A vítima da SPP utiliza sua inteligência para criar um sistema de
idéias e opiniões impermeáveis à crítica. Indepencientemente da
instrução, da experiência ou dos diplomas, é impossível ganhar
uma discussão com esse narcisista. Ele funciona a partir de
premissas errôneas que jamais você entenderá. E se você apreende e
questiona sua primeira premissa, ele simplesmente a modifica. Se
você lhe apontar essa manobra, ele o dominará com a ameaça de um
iminente ataque de fúria.
Seguem-se relatos de três jovens, vítimas da SPP, engajados na
busca da perfeição. O pânico emocional e a inflexibilidade quanto a
papéis descritos em capítulos anteriores ocultavam-se sob um
narcisismo caracterizado por uma concepção (errônea) básica. Casos
aparentemente perdidos — mas felizmente havia rachaduras em
seus espelhos. Se assim não fosse, esses jovens jamais teriam vindo a
meu consultório.
Denny
— O Senhor é meu pastor.
Mesmo quevocê seja uma pessoa profundamente religiosa, haverá
de convir que o trecho inicial do Salmo 23 é uma resposta bizarra à
minha pergunta: — O que o trouxe aqui?
Esta resposta, vinda deste jovem especificamente, pegou-me de
surpresa. Eu conhecia seus pais: eram boas pessoas e haviam feito o
melhor possível para criar seus três filhos. Aquele rapaz sentado à
minha frente, recusando-se a relaxar, apesar de estar semi-enterrado
numa enorme poltrona, era o primogênito. Seu nome era Denny.
Denny era um jovem alto e bonito, com cabelos crespos escuros,
boas maneiras e um sorriso que significava: "Gosto de você".
Contava dezenove anos e ia passar para o segundo ano numa
grande universidade estadual, onde era aplaudido por seu talento
dramático. Seus pais haviam contado que ele tivera dificuldade em
se adaptar à faculdade, porém conseguira médias boas e estava
ansioso por voltar à universidade.
Então por que a citação bíblica em resposta a uma pergunta
estereotipada? Tratava-se de uma reação simultaneamente
defensiva e hostil; a menos que ele estivesse louco, e eu sabia que
não estava. Concluí que ele estava assustado e zangado e, por vias
indiretas, avisando-me de que não iria se comunicar comigo.
Ignorei sua resposta inicial, inclusive porque, de qualquer maneira,
não me levaria a nada. Prossegui tentando obter dados.
Denny viera procurar-me porque sua mãe achava que eu poderia
ajudá-lo.
— Ajudar em quê? — Ele não sabia. Provavelmente essa ajuda tinha
a ver com as mudanças pelas quais ele havia passado no último ano.
— Que mudanças? — Ele encontrara Deus e a graça divina de Jesus
Cristo, mas seus país nunca o entenderiam.
O que queria dizer com "encontrar"? Esta pergunta provocou nele
um instante de ódio, mas ele usou seu sorriso gélido e dirigiu-me
um olhar de "pobre alma desgarrada", enquanto reprimia
rapidamente suas emoções. Não resistia ao esclarecimento de sua
recém-descoberta consciência transcendental. Reuniu retalhos de
teologia e remotos conceitos de metafísica e de epistemologia num
aglomerado rotulado de tranqüilidade espiritual — uma salada
mista cerebral sem qualquer sentido.
Eu o interrompi após uns cinco minutos de dissertação desconexa
para recomeçar algo parecido com um diálogo construtivo.
Quando encontrou Jesus? Mais ou menos ao meio do primeiro ano
da faculdade. Retomou a dissertação. Eu o interrompi
imediatamente.
Em sua opinião, por que Deus escolhera essa época em particular
para ungi-lo com o Espírito Santo? Não sabia, porém chegara a
várias hipóteses relativas ao modo pelo qual Deus o conscientizará
de que o que consideramos realidade não é verdadeiramente real. A
verdadeira realidade é representada por uma vida posterior no Céu
ou no Inferno.
— Um momento — disse eu. — Este não é o mundo real? — De
modo algum — replicou. — O que nós humanos somos neste
momento do tempo é uma miragem. Este é um campo de testes
para Deus e o demônio nos avaliarem e decidirem quem fica com
quem na próxima vida.
—Parece que Deus está jogando na loteria — respondi. Desta vez
ele não ocultou sua raiva. — Você é como todos
os outros. Destruidores da fé. Vocês tentam confundir os crentes,
afogando-nos em sua decadência e pecados carnais. Bem, em minha
alma você não vai tocar. É difícil discriminar Deus de Satã; mas eu
sei, no meu íntimo, eu sei quem é quem.
Continuou a misturar confusas idéias teológicas. Suas verbalizações
careciam de sentido. Porém sua comunicação não-verbal fazia
muito sentido. Enquanto despejava tolices cognitivas, esfregava o
rosto com movimentos circulares, rodando, rodando, sem jamais
cobrir os olhos nem o nariz. Apenas o resto do rosto.
— Por que você está esfregando o rosto?
— É só um costume — foi a resposta. Não a aceitei.
— De que você está se escondendo? Parece que não gosta do rosto
que Deus lhe deu neste mundo irreal, não?
Acertei na mosca.
— Você gostaria? Hein? Espinhas por todo lado! É feio! Vi lágrimas
em seus olhos.
— As pessoas talvez não percebam como é feio. Mas eu sei. Eu bem
sei como meu rosto é feio.
— Que pessoas?
— Ah, pessoas. Gente, pessoas.
— Pessoas. Acho que sei quem são essas pessoas. Você quer dizer
garotas, não é?
Corou momentaneamente.
— É, talvez.
Ele gostava de garotas? Ficou mais vermelho.
— É, gosto.
Vendo as rachaduras em suas defesas, avancei no interrogatório
focalizando as garotas. Não demorou muito em confiar-me sua dor.
Ele gostava de garotas e desejava satisfação sexual, mas temia a
rejeição. Suas ricas fantasias e o medo de inadequação social
levavam-no ao que ele considerava um excesso de masturbações
(média de duas por dia). Tentara uma relação sexual com uma
garota, porém tivera ejaculação precoce, sem conseguir a
penetração. Condenava-se por haver tentado, mas condenava-se
também por haver falhado. Aliás, ele se condenava por quase tudo
o que fazia.
Ele se condenava por estar na faculdade sem saber por que, pois
não estudava, desperdiçava o dinheiro dos pais, fumava maconha e
era virgem. Para suportar o sentimento de culpa, escondia-se no
interior da sala de espelhos (narcisismo). Porém, quanto mais se
olhava nos espelhos, mais feio se via. Seus traços faciais refletiam a
feiúra de sua alma. As declarações religiosas eram o sortilégio a que
recorria para salvar-se da incessante autocondenação.
Denny e eu analisamos essa complexa mistura de explicações
psicológicas, recolocando os fatos em sua perspectiva real. Quando
ele voltou à cidade onde estudava, já estava persuadido de que seu
medo à rejeição lhe impedia a autocompreensão e um futuro
crescimento. Seus objetivos incluíam aceitar o fato de que a
masturbação e a virgindade não são anormais, melhorar seus
hábitos de estudo e convidar as garotas para sair sem se obrigar a
ter relações sexuais. À medida que íamos discutindo essas coisas,
sua preocupação com o pecado diminuiu, bem como suas confusões
metafísicas.
Na última vez em que tive notícias de Denny, ele estava muito
contente com a vida. Estava para formar-se e começar um curso de
pós-graduação. Parece que conseguira escapar ao opressivo
narcisismo e achara afinal seu lugar no mundo real.
Jerry
— Como é que um cara como você tem antecedentes como estes?
Furto, roubo, invasão de propriedade e outras demonstrações de
conduta desordeira. E essas são apenas algumas das "façanhas" que
deram motivo à prisão de Jerry. Só Deus sabe o que mais ele havia
feito.
Como é que este esforçado ladrão de dezenove anos podia ser um
narcisista e uma vítima da SPP? Demorou um pouco para eu
descobrir. Por que estava ele dando-se ao trabalho de falar com um
psicólogo? A resposta era simples: a mãe o mandara. Ele ainda fazia
o que a mãe mandava; com relutância, mas fazia. Afinal de contas,
era ela quem resolvia seus problemas. Ela o tirara da prisão mais
vezes do que ele podia lembrar-se. O mínimo que podia fazer por
ela era atender a seu pedido e procurar-me. Isso não o preocupava.
Não ia mesmo dizer nada. . .
Jerry já fora a vários colegas meus. Psiquiatras, psicólogos,
assistentes sociais, orientadores pedagógicos e até ministros
religiosos. Ele conhecia todo o jargão desses especialistas e ma-
nipulava-o melhor que muita gente com o dobro de sua idade.
Mas acho que não estava preparado para me enfrentar. Porque
assim que notei seu narcisismo, levantei a hipótese de ele ser vítima
da Síndrome de Peter Pan. Com este diagnóstico eu estava um
passo à sua frente.
Para compreender o narcisismo de Jerry você precisa rememorar a
última vez em que viu uma criança de dois anos brincando de
esconde-esconde. Alguém conta até dez e o garotinho corre para
trás do sofá. Um momento depois ouve-se uma risadinha, e uma
olhadela a seus pés mal escondidos revela seu esconderijo.
A criança fica perplexa por ter sido descoberta tão rapidamente.
Talvez atéproteste: "Não vale, você olhou!"
O aborrecimento dessa criança esclarece a natureza do narcisismo
de Jerry. Por não ver você a criança crê que você não a vê. O que os seus
olhos viam — as costas do sofá — é o que ela acredita que você viu
— somente o sofá. Nunca passou por sua cabecinha existir algo
mais do que aquilo que seus olhos percebiam. E em sua excitação
passou-lhe despercebida sua própria risada, de modo que não tinha
razão nenhuma para imaginar que lhe dera a "dica" de sua
localização. Assim, só podia concluir que fora enganada.
Esta interpretação me ocorreu pelo exame da história das prisões de
Jerry; ele fora apanhado mais vezes do que se poderia esperar.
Concorreu também para essa minha conclusão o fato de que a única
emoção real expressa por Jerry era a raiva por ter sido apanhado. —
Acho que os tiras gostam de me encher — foi sua explicação para o
grande número de prisões.
Jerry fez o máximo para me deslumbrar com seu suposto
autoconhecimento e, assim, tentar enrolar-me. Não conseguiu.
Quando me disse: — Preciso arrumar um emprego para retribuir à
minha mãe tudo o que ela fez por mim — simplesmente concordei.
Ao jurar que eu era o melhor conselheiro com quem já conversara
(depois de quinze minutos), calmamente mostrei duvidar disso.
Vendo que eu não reagia do modo como ele esperava, ficou nervoso
e eu fiz-lhe notar que ele estava descontrolado. Isso só o enervou
ainda mais. Irritado, disse-me que eu não o estava ajudando.
Retruquei:
— É claro que não. Você não quer ajuda; você só está aqui porque
não quer que sua mãe fique zangada.
Então ele se enfureceu. E através da raiva surgiu a verdade.
— Você me acha um preguiçoso, não é? Não reagi.
— Você acha que eu gosto de enganar as pessoas, né? Silêncio.
— Você acha que eu estou procurando a saída mais fácil, certo?
Permaneci calado.
— Ei, você não vai dizer nada? Você não está parecendo médico.
Finalmente enfrentei-o.
— Para você eu não sou médico. Você só está tentando me
enrolar, como faz com todo mundo. E eu simplesmente não vou
permitir isso. Você acabou de me dizer que está procurando a saída
mais fácil. Aqui isso não vai funcionar.
Ele jogou a cabeça para trás, respirou profundamente e, acreditem
ou não, relaxou.
— Como é que você ficou tão esperto em tão pouco tempo?
— Você não desiste facilmente, não é? Agora me vem com o jogo
"vamos dizer ao doutor como ele é ótimo". É só isso que você sabe
fazer: joguinhos e manipulações?
— É tudo que eu sempre fiz. Devo ser bom nisso. Sua franqueza era
também pueril, mas reanimadora.
— Você realmente gosta disso? — perguntei. — De enganar todo
mundo com esses truquezinhos e brincadeiras?
— Ajuda a ir levando até "pintar" coisa melhor.
— E quando vai ser isso?
— Quando eu achar alguma coisa que eu goste mais do que o que
eu já tenho.
Não pude resistir à tentação. Como calculei que Jerry não marcaria
outra consulta, arrisquei dizer-lhe do que eu achava que ele estava
se escondendo e o que poderia fazer para que algo melhor
"pintasse". Falei-lhe sobre a vida que, em minha opinião, ele estava
tendo como vítima da Síndrome de Peter Pan.
Fui bem direto. Ele saíra detrás do sofá; antes que corresse a se
esconder em outro lugar, despejei tudo.
— Você é o filho mais velho e seus pais ainda estão casados. Seus
testes de QI indicaram que você tem uma inteligência acima da
média, mas para você a escola é uma chatice. Você gosta muito de
garotas mas ainda é virgem, coisa que o envergonha muito. Não
consegue ficar empregado em lugar nenhum, e preferiria divertir-se
e tomar cerveja a respirar, se tivesse que escolher. Nunca teve
intimidade com seu pai e não suporta sua mãe, mas morre de medo
de dizer isso a ela. Você acha que tem um monte de amigos, mas
sabe muito bem que isso é mentira. Você não tem um só amigo de
verdade, e passa horas e horas evitando sentir-se só. A única coisa
de que ainda pode se orgulhar é sua capacidade de roubar; mas
nem nisso você é bom. Você se esconde de toda essa confusão
fingindo não ligar para nada. Bem que você gostaria de ser frio e
calculista, mas não é. Você é um menininho perdido querendo que
alguém te ame.
Ele ficou imóvel. Pensei que talvez tivesse sido duro demais com
ele. Antes de começar a me apiedar dele, soltou um suspiro de
alívio.
— Puxa, é bom ver que alguém me "saca" como eu sou. Como é que
você adivinhou tudo isso?
Evitei alguma possível armadilha contornando a pergunta.
— Isso não importa. Só a verdade importa. Com ela você pode
começar a construir algo melhor para si mesmo.
— Você vai me ajudar? Essa pergunta soou autêntica.
— Vou, mas só se você demonstrar que está firme no propósito de
achar algo melhor.
— Por onde começo?
— Voltando aqui na próxima semana.
Jerry voltou na semana seguinte, e na outra. Discutimos suas falhas
em comunicar seus sentimentos e necessidades, assim como a
necessidade de ser ajudado com relação à escola, ao trabalho e ao
uso do dinheiro. Durante nossas conversas eu repetia que ele teria
de provar seu desejo de mudar, mudando realmente. Ele concordou.
Jerry parou de vir após a quarta sessão. Conseguira um emprego e
usou isso como desculpa para interromper o tratamento. Não tenho
notícias dele há algum tempo. Seus pais não telefonaram mais, pelo
que suponho que ao menos não se meteu em confusões
recentemente.
Gostaria de poder afirmar que ele escapou definitivamente da Terra
do Nunca. Porém, depois de árdua batalha contra a Síndrome de
Peter Pan, preciso ver para crer.
9
Chauvinismo
PETER: — Wendy, uma menina vale mais que vinte meninos.
PETER: — Não, você não deve tocar (Wendy); não seria muito
respeitoso.
MÃE DE WENDY: — Mas Peter, eu vou deixar (Wendy) ir passar com
você uma vez por ano, durante uma semana, para fazer a faxina da
primavera.
Ponha-a sobre um pedestal. Venere-a: é uma deusa. Mas garanta
que ela limpe a casa e prepare as refeições. Ela vale mais que vinte
homens e não é possível, ao mesmo tempo, tocá-la e respeitá-la.
Todavia, a vida para ela começa e termina com um vaso sanitário
limpo e um prato de arroz soltinho.
Esta espécie de incoerência acabou com o movimento feminista,
certo? Errado! O chauvinismo está vivo e passa bem. As evidências
disso são freqüentes em nossa vida diária. Os meios de
comunicação de massa refletem papéis sociais sexistas. O
pagamento desigual por um trabalho igual persiste. A voz do
chauvinismo é claramente audível nos bares, clubes ou em qualquer
lugar onde três ou quatro homens se reúnam para fingir não terem
sentimentos, fraquezas nem dúvidas em relação a si próprios.
Sou testemunha de comportamentos e atitudes chauvinistas em
meu consultório o tempo todo. Elas minam a interação familiar.
Impedem o crescimento no casamento. Acima de tudo, sao um
péssimo exemplo para as crianças. E as crianças seguem o exemplo,
especialmente os meninos; mais ainda os meninos que buscam uma
maneira de evitar o amadurecimento.
A vítima da SPP exibe um chauvinismo um pouco modificado,
geralmente mais sutil e camuflado. Muitas vezes não se nota sua
presença até que sejam percebidos seus efeitos negativos. Recordo-
me de um jovem que dizia ter um relacionamento terno, caloroso e
pleno de respeito com sua namorada. Tentou convencer-me de que
era o grande defensor da igualdade entre os sexos. Em meu
ceticismo pedi que explicasse o que entendia por igualdade. Falou-
me sobre os momentos maravilhosos passados com ela. Ela gostava
dele, compreendia-o e lhe dava apoio. Era manifesta a ausência de
reciprocidade por parte dele. Obviamente se deixava embalar pelo
nascisismo ao afirmar: "Ela não precisa dizer-me o que deseja, eu
sempre sei. E lhe dou".
O chauvinismo da SPP é, sob vários aspectos, mais perigoso que o
outro de tipo comum. Neste, o sujeito não esconde o fatode crer na
existência de dois conjuntos de regras — um para os homens, outro
para as mulheres. Não tenho pena da mulher que se envolve com
esta espécie de chauvinista. A culpa é dela. Ele é sincero em suas
idéias sexistas, dando-lhe todos os indícios de que deve manter-se
afastada. Qualquer mulher que "ame" este homem obviamente
carece de orgulho próprio suficiente para exigir um relacionamento
no qual ela não seja tratada apenas como uma pessoa de segunda
classe.
A vítima da SPP, por seu turno, é mestra no logro. Ela pode até
dizer que acredita num relacionamento igualitário entre os homens
e as mulheres. Mais ainda, ela pode até acreditar nisso por algum
tempo. No início do relacionamento é mesmo possível que a ponha
em prática preparando o jantar, ajudando a esposa a limpar a casa e
fazendo o supermercado. No encantamento de um novo amor,
muitas mulheres interpretam esses atos de gentileza como
demonstrações de uma postura não-sexista. O verdadeiro teste vem
quando a mulher tem algum problema ou enfrenta uma situação
emocionalmente difícil. É aí que o chauvinista da SPP se revela.
Se você tem um relacionamento íntimo com um homem vítima da
SPP, atente para estes sinais de chauvinismo (é claro que sua
ocorrência se dá em graus variáveis). Se você tem um problema, ele
imediatamente o assume como problema dele e lhe diz o que fazer,
ou simplesmente o faz por você. Por exemplo, digamos que numa
festa um homem a paquere. Seu homem resolverá o problema para
você, providenciando para que o outro não a importune mais. Em
resumo, à vítima da SPP é praticamente impossível deixar a
namorada ou a esposa tentar, ela mesma, resolver o próprio
problema.
Outro indicador do chauvinismo da SPP tem lugar quando você não
está bem emocionalmente. Isso provoca reações imprevisíveis, e até
absurdas, em seu companheiro. Ele se irrita com você por ser
"emocional demais" e, rotulando seu mal-estar de tolice, exige que o
afaste de imediato. Muitas mulheres reprimem suas emoções
perante os companheiros apenas para garantir a "paz" com eles.
O chauvinismo é ponto-chave na questão da "maturidade" da
vítima da SPP, por uma série de razões.
Reduz o abismo entre o jovem e seu pai. Ele segue o exemplo do
pai, supondo que assim o pai o amará. Considera-se um "homem de
verdade", e acredita que um dia o pai o admirará por isso.
Serve como justificativa de sua raiva e de seu sentimento de culpa
em relação à mãe. Seu chauvinismo permite-lhe encarar as
reclamações da mãe apenas como parte desagradável, mas normal,
da natureza feminina.
Silencia a constante dúvida associada à sua sexualidade. O jovem
conclui que suas inadequações sexuais na realidade são culpa da
garota. É ela quem tem conflitos sexuais, não ele. E acredita que as
mulheres tiram proveito de sua generosidade e solicitude. Isto
aumenta ainda mais sua insensibilidade.
Fortalece sua relação com outros homens porque isso define sua
masculinidade. Também lhe oferece a possibilidade de encontrar
trabalho no "mundo masculino", onde seus problemas com as
mulheres são igualmente vivenciados pelo chefe e colegas.
Por fim, e talvez seja este o ponto fundamental, o chauvinismo é o
meio empregado pela vítima da SPP para fingir-se adulto. É o fator
que gera uma aparente consistência em sua vida de fingimento e
negação. Juntos, o narcisismo e o chauvinismo proporcionam-lhe
uma atitude de serviço, fundada na auto-ilusão. Então seus
preconceitos se transformam em sabedoria, sua rigidez em
compreensão, sua frieza em empatia.
É incrível como um menino meigo e sensível pode transformar-se
numa criatura tão desprezível, em termos sociais. Aliás, quanto
mais sensível tenha sido a criança, tanto mais firmemente enraizado
se forma o chauvinismo na idade adulta. Isto não deve surpreender
ninguém. Quando se chega ao conhecimento da insegurança
emocional associada à solidão e ao conflito sexual, e se compreende
como o narcisismo permite à vítima justificar suas limitações,
conclui-se que a emergência do chauvinismo como sintoma final da
SPP faz sentido. É o resultado lógico, conquanto irracional, de uma
luta empreendida durante a maior parte da vida.
Quero esclarecer um ponto relacionado a esse chauvinismo: essa
atitude sexista não consiste tanto num ataque às mulheres como
numa defesa contra a rejeição. É uma mentira a mais na longa lista
de mentiras engendradas pela vítima com o fim de sentir-se
aprovado em seu modo de viver. O que se pode esperar é que, em
algum ponto subjacente à negação e às projeções, exista uma pessoa
cônscia de que, embora seu corpo haja chegado à cabeceira da mesa,
sua mente ainda permanece no jardim de infância.
IDADE PICO: 21 A 22 ANOS
Demora para o chauvinismo tornar-se parte da vida cotidiana da
vítima. O aspecto positivo deste fato é que seus entes queridos
dispõem de anos para identificar o sexismo e confrontá-lo. Ele não
surge de súbito para ficar.
Apesar da dificuldade para definir um período de pico para os
sintomas da irresponsabilidade, ansiedade e solidão, é relati-
vamente seguro afirmar-se que o chauvinismo geralmente aparece
logo após os vinte anos de idade. Escolhi 21-22 anos como o período
de pico, por diversas razões.
Em primeiro lugar, a sociedade designou a idade de 21 anos como a
"maioridade" oficial. Tendo alcançado essa idade, espera-se do
jovem um comportamento adulto. Se ele é vítima da SPP, faltam-lhe
as habilidades de adulto e necessita de um sistema de camuflagem
de suas deficiências. O chauvinismo lhe propicia essa máscara.
Em segundo lugar, a vítima deseja livrar-se do grande sofrimento
há tanto tempo experimentado. O chauvinismo permite-lhe
apaziguar sua dor, imputando a outros, especialmente às mulheres,
a culpa.
Finalmente, o bem-sucedido desabrochar do narcisismo, um ou dois
anos antes, leva-o ao chauvinismo. Os dois costumam caminhar
juntos. Dada a projeção de suas inseguranças sobre outras pessoas,
segue-se como conseqüência um culto irracional de sua
masculinidade.
NÃO FOI COM ESTE HOMEM QUE EU CASEI
O ar de Jennifer sugeria extremo sentimento de culpa — olhos no
chão, cabeça baixa, voz também.
— Eu não devia ter vindo — disse. — Estou com raiva de mim por
não conseguir resolver isso. Não devia precisar falar com alguém
sobre isso.
— Que tal você me contar o que há de errado? — respondi.
— Sou eu.
Seus olhos cravaram-se no nada.
— Não estou conseguindo adaptar-me à vida de casada. Permaneci
em silêncio, e ela continuou.
— Estou triste e decepcionada. Estou me tornando uma chata.
— Como assim?
— Pareço estar sempre chorando ou reclamando. Acuso Mark —
meu marido — de não me amar, de ficar trabalhando para estar
longe de mim, de gostar mais dos amigos do que de mim. . . Não é
terrível?
— Por que terrível?
— Estou arruinando meu casamento. Só estamos casados há dez
meses, e já estou destruindo todos os meus sonhos. Não quero me
divorciar.
— O que a faz pensar em divórcio?
— Mark não quer mais ficar comigo, e não posso dizer que esteja
errado. Ele trabalha muito e precisa de tempo para relaxar. Mas eu
quase não o vejo. Quando lhe digo como me sinto, ele fala que sou
ciumenta. Peço-lhe para passar mais tempo comigo, e ele responde
que tem de trabalhar para que possamos ter nossa família.
Mas eu ainda não quero filhos. Quero terminar meu último
semestre de faculdade, arranjar um emprego melhor e me adaptar à
vida de casada antes de ter filhos. Mark afirma que serei mais feliz
quando tiver filhos e ficar em casa. Eu digo que não quero ser dona-
de-casa, mas ele responde que esposa dele não vai trabalhar até os
filhos terminarem o primário. Digo-lhe que não quero ficar presa
em casa pelos próximos quinze anos, e ele me acusa de estar
faltando com minha palavra de instituir uma família.
— Pelo jeito, ele já planejou toda a sua vidapor você — disse.
— O que você quer dizer com isso? — perguntou ela.
— Bem, ele determina o que você vai fazer, como vai fazer e
promete que será feliz fazendo isso. E não dá ouvidos ao que você
quer.
— Ele só está tentando ajudar. Novamente silenciei.
— Mark diz que eu jamais conseguiria viver do meu salário. Afirma
que meu dinheiro não faz muita diferença. E é bem verdade que eu
não ganho tanto quanto ele. Acho que eu só gostaria que ele
colocasse isso de outra maneira.
— Isso é uma opinião sua ou dele?
— Bem, Mark diz. . .
Não dava para eu continuar em silêncio.
— Você nunca se cansa desse "Mark diz"?
— Mas "pera" aí, ele é um cara maravilhoso. E inteligente.
— Tudo bem, acredito. Mas isso não significa que tudo que dá
errado em seu casamento seja por falha sua. Mark está sempre certo
e você sempre errada?
— Bom, é o que parece. Ele mudou e eu reclamo o tempo todo. Aí
ele se afasta de mim, e isso me deixa mais infeliz, e aí eu reclamo
mais.
— Quer dizer que você provocou essa mudança? Você está dizendo
que Mark não pensa por si próprio; é totalmente dependente do seu
comportamento e você precisa protegê-lo como se ele fosse seu
filho, e não seu marido.
— Essa afirmação é muito dura, não é? — comentou Jennifer.
— Talvez, mas você precisa ouvir a verdade. Não é verdade que
você está tentando proteger o Mark de si mesma?
— Acho que se pode dizer isso.
— Isso o faz um fraco. Ele é tão fraco assim?
— De jeito nenhum. Quando o conheci ele era expansivo e
independente. Ele nunca se preocupava com o trabalho; nós nos
divertíamos o tempo todo. Minha família até achava que ele jamais
teria sucesso por ser tão preguiçoso. Mas nós nos divertíamos. Ele
podia ser um pouco imaturo, mas não fraco.
— Ou. . . — Fiz uma pausa para chamar-lhe mais a atenção para o
seguinte: — Ou você na época não enxergou os problemas dele
porque era tão imatura quanto ele?
— Pode ser — admitiu.
— E agora você está crescendo e ele não. Jennifer pareceu assustar-
se com as implicações.
— Não me entenda mal. Ele é um homem maravilhoso. Ele trabalha
muito e me dá tudo o que quero.
— Tudo?
Estendeu a mão para a caixa de lenços de papel que estava sobre a
mesinha, e usou um deles para enxugar as lágrimas que lhe
assomaram aos olhos. — Bem, não exatamente. Mas ele é tão bom
para mim.
— É mesmo?
Ela ficou em silêncio. Seu choro intensificou-se.
— Parece que você tem medo de criticar Mark. Por acaso ele é
alguma espécie de deus da perfeição?
— De jeito nenhum! Às vezes ele é um pé no saco.
— Fale-me sobre esse lado do Mark.
— Bem, ele mudou muito. Trabalha feito um idiota — umas oitenta
a noventa horas por semana — e queixa-se dos que não trabalham
tanto. E essa é a mesma pessoa que largou a faculdade porque não
gostava de levantar cedo para as aulas da manhã. Passa a maior
parte do tempo livre bebendo cerveja com os amigos. Antes, ele
nunca teve amigos de verdade, e agora parece que não consegue
viver sem eles. Ele sempre me dizia que eu era sua única amiga de
verdade. E agora, quando saímos, temos de ir sempre àquele
barzinho asqueroso, aonde vão seus velhos amigos, barulhentos e
mal-educados. Ele fica rindo e bebendo com eles e me ignora.
E ele é cruel. As coisas que diz sobre as pessoas são horríveis. Na
firma onde Mark trabalha há duas senhoras consideradas como
chefonas — são responsáveis pela contabilidade, serviços de
secretaria, seleção do pessoal, esse tipo de coisas. E são muito
conservadoras. Bem, outro dia Mark e os amigos estavam no bar
falando coisas terríveis sobre elas, e Mark gritou: "Porra, o que
aquelas vacas precisam é de um bom cacete". Fiquei estarrecida.
Mark não falava desse jeito antes. Silêncio. Deixei que ela
assimilasse suas próprias palavras.
— É, ele mudou.
— Mas você assumiu a culpa disso.
— Bom, eu realmente fiz algumas coisas erradas, como ficar
reclamando, por exemplo.
— Está bem. Você cometeu alguns erros. Quer dizer que é humana.
Mas parece-me que seu maior erro é assumir a responsabilidade
pelos problemas de Mark.
— Você pode nos ajudar? — suplicou. — Não quero que meu
casamento acabe. Eu o amo. De verdade.
— Posso ajudar você, mas não dá para ajudar Mark nem a seu
casamento, se Mark não vier aqui.
— Ele disse que vir aqui é perda de tempo e dinheiro.
— E o que você acha?
— Não será desperdício nenhum se ajudar nosso casamento.
— Será que ele virá?
— Acho que se eu o pressionar, ele virá. Vai ficar cheio, e então virá.
— E assim que você consegue que ele faça as coisas para você?
— É, mas nem sempre dá certo. Por exemplo, há muito eu lhe vinha
pedindo para viajarmos em algum fim-de-semana prolongado, só
nós dois, e estávamos planejando sair no último fim-de-semana. E o
que ele fez? Convidou dois dos amigos para irem junto. E só me
contou na última hora. Acabei passando o fim-de-semana
conversando com as duas esposas, enquanto Mark e os amigos
jogavam e bebiam. Odiei-o por isso. O ódio me assustou. Foi por
isso que me decidi a vir aqui. Não quero odiar meu marido.
— Você acha que ele virá falar comigo?
— Virá, sim. Pelo menos uma vez. Ele provavelmente lhe dirá que
não teríamos nenhum problema se eu parasse de reclamar.
— Você conseguiria parar?
— Talvez. Mas aí não obteria nada do que quero.
— Você gosta realmente de obter o que deseja dessa forma?
— Eu não estaria aqui se gostasse.
Ela mesma conseguira chegar à conclusão óbvia.
— Então não há nada a perder, a não ser conflitos desnecessários —
disse. — Se você parar de reclamar, Mark terá de encarar seus
próprios problemas.
— Então que devo fazer?
— Bem, pare de agir como mãe dele, pare de culpar-se pelos
problemas dele, e pare de reforçar aquele seu chauvinismo
machista.
— O quê? — Jennifer ficou perplexa. — Nunca achei Mark
chauvinista.
— Talvez antes ele não o demonstrasse. Mas como é que se pode
rotular isso senão como chauvinismo? Ele estabelece duplos
padrões de conduta, mostra-se insensível, e faz comentários sexistas
e cruéis. Define o papel de você em seu relacionamento, torna-se
escravo do trabalho para provar sua superioridade, e praticamente
confina você à casa enquanto fica jurando fidelidade eterna aos
companheiros de bebedeira.
— Puxa, isso tudo soa terrivelmente!
— Não deixo de perceber os aspectos positivos de Mark, embora
ainda não o conheça pessoalmente. Porém não gosto de
chauvinismo, e tenho uma forma agressiva de lidar com ele. Se
Mark for capaz de me ouvir por um momento, enxergará seu
chauvinismo e o abandonará antes que piore. E você pode ajudar.
— Eu?
— Sim. Pare de se comportar como mãe de Mark, ou como mártir,
ou como uma menininha má e cheia de culpas. Apegue-se às suas
esperanças e sonhos, e recuse-se a participar do chauvinismo dele.
Se ama Mark, não o deixe antes de ter tentado tudo em seu
casamento.
Ela acenou com a cabeça: — Mas, e se ele não continuar o
tratamento?
— E então?
— Aí simplesmente continuarei a dar-lhe mais e mais amor. Foram
só alguns meses; há tempo de sobra para reconquistarmos o que
éramos.
— Duvido que vocês algum dia voltem a ser o que eram. O que
espero é que você vá se transformando mais e mais no que deseja
ser.
Enquanto saía de meu consultório Jennifer parou e disse: — Por
favor, não o magoe.
Sorrindo, dei-lhe uma piscada e repliquei: — Sim, mamãe.
Ela caiu na risada. — Droga, de novo!
Dei-lhe um tapinha leve no ombro. — Não se recrimine, Jennifer.
Firme-se em seu amor e vá em frente. O amor pode dar cabo do
chauvinismo, sempre.
10
A Crise: Impotência Social
WENDY: — O que foi, Peter?
PETER (amedrontado): — É só de mentirinha, né, que eu sou pai deles?
WENDY (desanimada): — Ah, sim.
Aproximadamente entre os vinte e os vinte e cinco anos, a vítima da
SPP começa a notar que tem algum problema. Tenta convencer-sede que se trata apenas de um probleminha comum a todos. Porém,
como ainda está em contato com a realidade, sabe que não é assim.
Sabe que está pagando um preço alto pelo mascaramento de seus
conflitos. Seu desejo de mudar choca-se com a excessiva negação.
Ele adentra o estágio de crise da Síndrome de Peter Pan.
Uma incômoda sensação de surrealismo empurra o jovem para uma
autoconfrontação. As forças naturais do calor humano, da lógica e
da decência forçam o caminho em direção a seu consciente. Os
conflitos demandam uma solução.
Ele é levado a ver a fragilidade de sua paralisia emocional. Sua cega
busca de uma identidade grupai e a solidão resultante têm um
preço. Sua crença na magia do pensamento e seu descaso pela lei
cognitiva e pela ordem são desafiados pelo senso comum. Sua
ambivalência em relação aos pais e a incapacidade de amar
verdadeiramente uma mulher embotam sua mente. Tal combinação
arrasta-o para um estado de total imobilidade. Vinte anos de
"crescimento" deixaram-no socialmente impotente.
Durante a crise, a vítima da SPP quer ajuda. Todavia, a ilusão de
competência e a falta de coragem constituem imensos obstáculos.
Vou apresentar-lhes o lado íntimo da vida de uma vítima da SPP
que reuniu a necessária coragem para ultrapassar os obstáculos e
desafiar sua impotência.
"Minha mãe estava certa o tempo todo, mas eu fui burro demais
para ver a realidade. E agora é tarde demais para voltar atrás e
corrigir tudo. Tenho certeza de que ela jamais me deixará esquecer
isso."
Desesperança. Remorso. Sentimento de culpa. Aos vinte e três anos
de idade, Randy estava no fundo do poço. A julgar por suas
palavras, estava com raiva da mãe, porém, por trás da fachada,
estava totalmente enojado de si mesmo. Havia finalmente
despertado dos sonhos dourados da adolescência e dado uma
olhada em sua vida. Detestou o que viu. É espantoso ver como um
jovem tão inteligente e agradável conseguira arruinar a sua vida em
todos os seus aspectos significativos.
Estivera em três faculdades durante quatro anos, e ainda devia
créditos somando mais um ano. Eterno desconhecedor de seu saldo
bancário ou do que significava uma refeição balanceada, incapaz de
manter-se num emprego por mais de duas semanas, vivia numa
quitinete miserável com cinco rapazes medíocres e mal-sucedidos,
sempre fugindo do senhorio, furioso pelo atraso nos pagamentos do
aluguel. Randy pertencia ao grupo de rapazes tão entediados com a
vida que nem mesmo fumar maconha lhe dava prazer. Abandonara
o fumo e retornara à velha muleta, o álcool. O mais grave era seu
hábito de procrastinar. Não era daqueles que costumam adiar as
coisas para o dia seguinte; procrastinava indefinidamente e
afirmava: "Que se dane o amanhã; vou adiar, e ponto final!"
Uma espessa camada cinzenta de desesperança enevoava os
amanhãs de Randy. Ele se havia persuadido de que cada novo dia
só traria mais fracassos e decepções. Com efeito, para ele a
esperança de um amanhã era nada mais que um trote cruel
ridicularizando o ontem cheio de fracassos.
Preocupou-me principalmente a intensidade da depressão e da
raiva de Randy. Ele tinha todos os motivos para estar deprimido, e
mal disfarçava sua raiva. Se estas duas poderosas emoções
convergissem, tendo como alvo a energia vital de
Randy, não tardaria que seu desejo de manter-se vivo se enfra-
quecesse. Dado o nível de seu desespero, Randy podia vir a
suicidar-se.
Contudo, durante nossas entrevistas iniciais, evidenciou-se que ele
não estava correndo o risco de matar-se. Num período de diversas
semanas vim a descobrir que Randy dispunha de um sistema de
negação muito eficaz.
Eu conhecia as respostas às primeiras perguntas, mas era
importante que Randy se ouvisse, dando-as. — O que o traz aqui?
Com um sorriso inocente falou: — Minha mãe disse que eu tinha de
vir.
Ele ouviu. E continuaria nessa linha se eu esperasse. A agitação de
Randy aumentou enormemente.
— Ela disse que se eu não viesse consultá-lo, ela cortaria minha
mesada.
Começou a enrubescer. — Chantagem — disse eu com seriedade.
— Você está absolutamente certo. Chantagem. Ela não tem direito
de me forçar a nada. Ela me trata como um garotinho. "Faça isto,
não faça aquilo. Cuidado. É melhor você ir a esse psicólogo". Sua
voz era suave, mas com um tom definidamente irônico.
Questionei-o de imediato.
— Então por que você veio? Você sempre capitula diante de
chantagens?
Seus olhos dardejaram raiva.
— O que é que você acha?
Pausa. Então deu-se conta da perda de autocontrole e rapidamente
desculpou-se. Passou a relatar seu problema financeiro.
Randy saíra de uma universidade e se entendiara com o ambiente
"infantil" da faculdade local. Quando a deixou e começou a procurar
emprego, a mãe decidiu que, para continuar morando em casa, ele
teria de lhe pagar aluguel. Como não conseguiu um emprego
satisfatório, foi para outra universidade. Não era o que queria, mas
isso o livrava da mãe.
A mãe pagava suas mensalidades e lhe dava duzentos e cinqüenta
dólares mensais para aluguel e alimentação. Tudo o que tinha a
fazer era passar nos cursos. À época de nossas primeiras entrevistas
havia o perigo de ele ser reprovado em todas as matérias. Então ele
e a mãe teriam outra briga.
Eu pretendi envolvê-lo quando disse: — Pelo jeito você ainda não
conseguiu deixar de ser o filhinho da mamãe.
— Como é que é? — Ele pareceu genuinamente surpreso. Lembrei-
lhe o comentário inicial, em que ele parecia culpar
a mãe por seus problemas. Em seguida fiz um paralelo entre essa
atitude e sua dependência financeira da mãe, e contrastei ambas
com sua falta de vontade ou incapacidade de sair "da barra de sua
saia". Pensei que ele fosse ficar confuso. Enganei-me novamente.
— Acho que isso é um mau hábito. Eu sempre tendi a culpar minha
mãe por meus problemas. Eu achava que tinha razões de sobra. Ela
me enchia constantemente, lembrando-me todos os meus erros. Isso
me irritava. Era mais fácil atribuir a culpa de meus problemas ao
fato de ela me aborrecer tanto do que fazer alguma coisa para
resolvê-los. Acho que ainda estou agindo assim.
Agora eu é que estava confuso.
— Se você percebe tudo tão claramente, por que não muda?
A resposta veio com facilidade e rapidez. — Não sei. Levei um
minuto para retomar o diálogo.
— Você não muda porque não acha que isso é possível. Você sente
que não adiantaria nada tentar.
— Não entendo. Por que eu pensaria isso?
— Não sei. Vamos descobrir.
Expliquei-lhe que não o considerava mentalmente doente. Portanto,
seu padrão comportamental, embora complexo e misterioso, fazia
sentido. Podia ser irracional, mas era lógico. O único problema era
descobrir essa lógica.
Falamos de como sua vida estava caindo cada vez mais. Narrou
com detalhes como empregava mal o dinheiro. Contou-me dos
empregos que abandonava por causa das mais insignificantes
reprimendas dos patrões, e daqueles de que fora despedido por
causa de brigas com os colegas. Ficava atônito ao conscientizar-se
de sua raiva, e confuso diante de tanta impulsividade. Com o
aumento de sua confiança em mim, crescia a freqüência de palavras
como "fracasso", "desprezível" e "burro", em sua auto-análise.
Ficou mais fácil explicar a Randy o que parecia estar acontecendo
com ele. Estava suportando um grande tormento psicológico.
Estava retomando os antigos métodos de lidar com dificuldades.
Convinha-lhe acusar a mãe por seus problemas. Queria acreditar
que culpar a mãe faria de algum modo seus problemas
desaparecerem, como acontecia em sua adolescência.
Isto revelou outra característica de Randy: ele acreditava num
caráter mágico de seu pensamento. Começara bem cedo em sua
vida, quando lhe era permitido sobrepor seu pensamento mágico à
realidade. "Se eu achar que é assim, assim será." Para as crianças,
isto é apenas uma frivolidade inócua;para os adultos é desastroso.
Este traço há muito devia ter desaparecido da vida de Randy, mas
não desaparecera.
Diante da terrível ameaça da depressão e da autodestruição, não é
de espantar que ele houvesse retornado a seus velhos mecanismos
de defesa. Era como a criança de sete anos que, na ansiedade
provocada pelo primeiro dia na escola, volta ao calor e à segurança
de chupar o dedo. Só que neste caso Randy ainda sentia pena de si
mesmo por sua mãe causar-lhe problemas. Isto lhe aliviava o
sentimento de culpa. Se aceitasse essa sua reação à ansiedade,
poderíamos examinar mais a fundo sua personalidade.
Existia, porém, um grande problema impossível de ser atribuído a
sua mãe e que, além de enchê-lo de constante tristeza e aflição, deu
origem a seus primeiros pesadelos. Ele se via incessantemente
rejeitado. Quando o questionei sobre a utilização da mãe como bode
expiatório, ele confessou ter problemas com as mulheres em geral.
Estas foram suas palavras:
"Eu desejo muito um relacionamento duradouro com uma mulher.
Mas como em tudo o que faço, em amor sou também um fracasso.
Tenho a impressão de que, sempre que começo a ficar legal com
uma garota, faço alguma coisa para estragar o relacionamento. Toda
vez que percebo que estou me apaixonando, começo a procurar
outras garotas e a pensar em conquistá-las. Sexualmente, quero
dizer. É claro que nenhuma garota decente agüenta isso,
especialmente quando deixo tão evidente o que estou fazendo."
Que colocação complexa! Nela se expressavam suas esperanças,
seus sonhos, temores, frustração sexual, insegurança, desconfiança e
consciência de si mesmo. Com alguma percepção psicológica
também abria caminho para um problema em maior ou menor grau
comum a muitos de seus contemporâneos. A história que se
esconde atrás desta colocação é a chave para a lógica peculiar de
Randy.
Nas sessões seguintes Randy discorreu sobre suas experiências
sexuais. Falou do primeiro encontro, do primeiro beijo, da primeira
namorada firme e, muito embaraçado, da primeira relação sexual.
Em cada história transparecia a atitude do tudo ou nada. Ele
encarava cada encontro sexual bem-sucedido como uma vitória.
Randy queria possuir garotas fisicamente, porém rejeitava o contato
emocional. Em três ocasiões diferentes dera o fora numa garota por
ela haver tentado estreitar os laços entre eles. Como ele mesmo
dissera, seu método era "óbvio". E extremamente nocivo também.
Eu o vi como que executando emocionalmente as mulheres que
ousassem amá-lo.
Insinuei que sua atitude em relação às mulheres era anormal, que
ele parecia nutrir grande raiva e ressentimento contra o sexo oposto.
Ele pareceu verdadeiramente chocado.
— Não posso imaginar-me odiando as garotas. Eu quero amá-las.
Não consigo acreditar que tenha tais sentimentos dentro de mim.
Mas alguma coisa existe, né?
— Certamente. — Avancei mais um passo nessa linha. — E se
quiser saber, é vingança. Essa é a grande mensagem que eu percebo
no que você diz. Você está querendo ficar quites com elas.
Ele ficou verdadeiramente perplexo.
— O quê? Isso não faz nenhum sentido. Vingança? Por que eu
quereria me vingar delas?
— É por isso que você está aqui. Para descobrir por quê. Portanto,
faça-o por Randy, não por mamãe. Juntos descobriremos por quê.
Por quê? Ótima pergunta. Por que Randy era tão maldoso com as
garotas? Por que a execução emocional? Ele teria sido traído por
alguma namorada? Pelo que vimos juntos, não. Ou sua mãe seria
uma mulher insana, uma esquizofrênica sádica? De forma alguma.
Talvez seu pai lhe tivesse feito uma lavagem cerebral, induzindo-o a
odiar as mulheres; ou então Randy tinha tendências homossexuais
latentes. . . Também não.
Para atingir a raiz do problema, pedi a Randy que relatasse uma
experiência sexual recente. Eu queria* uma narração completa de
tudo o que acontecera. Falou-me de encontros físicos altamente
simbólicos. Envolviam uma complexa trama de fantasias infantis,
exploração ilícita e às vezes ilegal de meninas pequenas, e um
pandemônio de comprimidos e bebidas. Em resumo, a essência de
sua história era sexo e drogas.
Randy vivia numa cidade onde 70% dos habitantes dependiam,
para seu sustento, da universidade local. Muitas casas antigas
haviam sido convertidas em repúblicas de estudantes. Os locadores
se limitavam a cobrar o aluguel, pouco se importando de manter as
propriedades em boas condições. Randy conhecera cinco estudantes
que moravam numa casa velha e em péssimo estado. Eles estavam
procurando um sexto elemento para a divisão das despesas. Randy
pagava oitenta dólares mensais, e tinha de arcar com os custos de
sua alimentação. Coube-lhe um quartinho no segundo andar, que
fora outrora um espaçoso banheiro.
Para viver necessitava de festas tanto quanto de ar e de água.
Supunha que lá teria um grande suprimento de festas promovidas
pela turma da faculdade. E não se decepcionou.
Foi recepcionado pelos cinco companheiros com uma festinha.
Nada de especial, apenas algumas caixas de cerveja, umas garrafas
de gim, haxixe, maconha e uma preciosa dose de cocaína. Pelas 9 h
da noite havia uns quinze ou vinte jovens "loucos" espalhando-se
pelas escadas da velha casa. As vibrações do estéreo faziam tremer
as paredes. Todos falavam, contando os últimos casos pessoais e
comentando os mais recentes boatos sobre outros elementos da
faculdade. Como sempre, ninguém ouvia.
Em dado momento entraram na festa três participantes inesperadas
(para Randy). Sua aparência jovem indicava que não deveriam estar
lá, porém era claro que estavam familiarizadas com a casa e seus
cinco ocupantes. Eram estudantes do segundo ano do curso colegial
que moravam naquela área e faziam dessa casa seu segundo lar.
As três meninas eram muito amigas. Haviam conhecido o pessoal
da casa por acaso. Estavam passeando, começaram a conversar com
três dos rapazes, e logo começaram a passar suas tardes tomando
cerveja e pondo em prática seu desejo de
serem vistas como moças sofisticadas e modernas. Os rapazes lhes
ofereciam toda a atenção que desejavam, toda a cerveja que
conseguiam beber e, ocasionalmente, uma pitada de cocaína. A
retribuição era simples: sexo.
Randy foi imediatamente apresentado às três garotas. Sabiam o
roteiro de cor. Tinham exclamações de admiração para as histórias
de Randy e morriam de rir com suas piadas. Estavam realmente
bem treinadas; já nem faziam caretas pelo gosto amargo da bebida.
Randy foi instantaneamente aceito como um "amigo especial",
rótulo de crucial importância para as meninas, como se com ele
pudessem justificar suas ações.
Em uma hora Randy estava na cama com uma delas. Ela seguia bem
o roteiro. Os elogios que lhe fazia como amante eram perfeitas
reproduções das falas da heroína de um romance barato. Ela até
fumou um cigarro após a sessão amorosa de quatro minutos de
duração. Estava estupefata por tanta masculinidade e que
maravilha sentir-se tão à vontade com um homem em tão pouco
tempo!
Randy sentiu-se ótimo. A gratificação de seu ego equiparava-se à
satisfação do corpo. Ele era o máximo como amante. Era o máximo
dos máximos como pessoa. Enquanto a menina prosseguia nos
elogios, Randy experimentava ondas de paixão, alternando paz de
espírito e desejo sexual. Estava contente consigo mesmo. Isso o
excitava ainda mais.
Retirou o cigarro dos lábios da garota, resmungou algo sobre amá-la
e agressivamente expressou sua paixão renovada. Um pouco depois
Randy estava deitado ao lado dessa estranha, tentando pensar em
algo para dizer. Ele sempre detestara os momentos pós-sexo,
quando teoricamente se deve falar alguma coisa.
Quebrou o silêncio com palavras de elogio aos dotes físicos da
companheira. Ela respondeu friccionando-lhe o peito e
massageando-lhe o ego com falsos afagos. O significado de
"especial" tornou-se mais claro.A garota tinha somente dezesseis
anos, mas era uma mulher especial para ele. Uma mulher com a
capacidade de fazê-lo sentir-se vivo. Uma pena não lembrar seu
nome.
A garota retornou à festa apesar dos protestos de Randy. Ele se
consolou com um cigarro de maconha. Fumou por puro hábito, sem
necessidade; já estava "louquíssimo". Não demorou um instante
para que Randy percebesse que estava contente por ela ter saído.
Passados alguns minutos sua "viagem" foi interrompida. Outras das
três meninas estava à porta. Após um segundo de hesitação, sem
qualquer palavra, desnudou o lindo corpo de quinze anos e caíram
na cama. Tirou o cigarro da boca de Randy, tragou profundamente
e soltou a fumaça com ar sensual.
Imediatamente passaram a fazer amor. Embora excitado, Randy
começou a perder a capacidade de ereção. Porém sua auto-exaltação
iria por terra se tivesse de explicar sua impotência. Tal como fizera
antes, fingiu ter orgasmo, no que foi imitado pela companheira. Era
tudo parte do jogo.
A menina gemia de prazer. Randy desgostou-se da simulação, mas
não estava fazendo o mesmo? Ela não o atraía; mesmo assim,
regalou-a com sua própria simulação de satisfação. Concordou até
1
em ser um "amigo especial". Tinha de fazê-lo. Ela pedira isso como
se a resposta não pudesse ter sido impensável.
Esta amiga especial saiu depois de o cigarro de maconha terminar.
Randy ficou um pouco confuso. Seu estômago doía. Não lhe parecia
correto ter relações sexuais com duas menores desconhecidas.
Muito menos ficar impotente. Pôs de lado a preocupação, repetindo
para si mesmo que tivera sorte. Realizara sem querer o sonho de
qualquer jovem "garanhão". Mal podia parar de se perguntar
quando traria a terceira adolescente para a cama.
Só depois de muitos dias que Randy cometeu a mais desastrosa gafe
emocional. Ele combinara com a namorada de vir visitá-lo em sua
nova casa, prometendo-lhe um fim-de-semana inesquecível. Pelo
menos nisto ele não mentiu.
Eram 3 h da tarde, e a namorada chegaria às 4 h. Às 3 h e 15 min, a
terceira componente do trio irrompeu pela casa e tirou uma cerveja
da geladeira. Randy estava sozinho na sala, ouvindo música.
A menina deixou-se cair no sofá ao lado de Randy, fazendo seus
longos cabelos loiros se espalharem sobre ele. Contou que matara a
última aula para comemorar o início do fim-de-semana. Riu-se ao
pensar nas outras duas penando com o professor e, portanto,
impossibilitadas de chegarem a casa dentro de uma hora.
A menina não aguardou pelo que teria sido um tímido avanço de
Randy. Contou que as duas amigas se haviam maravilhado com o
entusiasmo e a ternura dele. Ela falava das relações sexuais que
haviam tido, porém suas palavras sugeriam algo bem mais
profundo. Eram 3 h e 50 min quando Randy e sua nova "amiga
especial" se enfiaram na cama.
A namorada de Randy estacionou na frente de sua casa exatamente
às 4 h. Um dos moradores da casa ia chegando quando ela estava
para tocar a campainha. Ele se apresentou e convidou-a a entrar. A
música estava altíssima. O rapaz disse que Randy devia estar no
quarto se vestindo, e sugeriu que ela subisse e lhe fizesse uma
surpresa. Ela subiu.
Randy tivera dificuldade em atingir o orgasmo. Estava totalmente
concentrado nisso. Aconteceu exatamente no momento em que a
namorada entrou em seu minúsculo quarto. Por um instante ele
confundiu os gritos de desagrado da namorada com os de prazer da
amiga especial. "Esta aqui é excelente", foi seu primeiro
pensamento.
A namorada virou-se e saiu antes que ele conseguisse entender o
que estava acontecendo. A exclamação de surpresa da loirinha
deixou-o atordoado. Pulou da cama sobressaltado. Não demorou
em dar-se conta do que ocorrera. Voou escada abaixo e alcançou a
janela quando a namorada partia pisando fundo no acelerador.
Randy tentou repetidas vezes telefonar para a garota. Ele queria
muito explicar-se. Ela recusou-se a ouvi-lo. As semanas seguintes
foram um inferno para ele. O incidente não lhe saía da mente. Cada
vez que tentava ter relações sexuais com uma das outras garotas,
visões daquela situação o assaltavam. Ele não conseguia chegar à
ereção.
Rapidamente a notícia espalhou-se entre as três meninas; Randy
não era mais um amigo especial. Uma a uma, as três expressavam
abertamente sua decepção e seu ressentimento pela insensibilidade
dele. Queixavam-se amargamente de que ele as tinha usado.
Pareciam particularmente ofendidas pelo que ele fizera com a
namorada. Em breve foi marginalizado pelos companheiros da
república. Tiveram de escolher entre ele e as três meninas. Ele
perdeu. Confuso e aflito mudou-se de lá.
Quando Randy terminou o relato, ficou claro que ele ainda estava
perdido. As recentes conquistas sexuais, inicialmente vistas como
algo muito divertido, lhe haviam causado intenso sofrimento. Podia
ter conseguido várias "vitórias", mas saíra perdendo. O pior era que
não compreendia o que acontecera.
1
Ele perdera o contato consigo mesmo. A maior parte de sua vida
compunha-se de auto-enganos. Até sua aparência era ilusória. O
sorriso cativante escondia a dúvida; os olhos, de um azul
esfumaçado, estavam vitrificados pelas inúmeras lágrimas de
sentimento de culpa não-derramadas; o firme aperto de mão traía
um profundo constrangimento e vergonha. Ele era um jovem
inteligente a quem o mundo deveria aplaudir. Em vez disso, agia
como um abutre, preguiçosamente circulando à volta do mundo, e
que mantinha a própria existência alimentando-se de menininhas
mais imaturas que ele. Não é de espantar que se sentisse tão mal.
Tive que me aproveitar do sofrimento de Randy para ajudá-lo. Meu
próximo passo seria assinalar as contradições em seu modo de vida:
ele dizia que era especial para as pessoas, porém não tinha amigos;
suas palavras calorosas ocultavam atos cheios de fria indiferença;
manipulava os outros, fingindo estar experimentando sensações de
proximidade e intimidade. Desejava amar as mulheres, mas se
alguma se aproximava demais, ele a punia severamente.
Iniciei a viagem de Randy em direção à autocompreensão tocando
no ponto crítico da questão. — Você realmente está muito só, não é?
Seus olhos encheram-se de lágrimas. Embora não proferisse
palavra, dizia tudo.
— Como você sente isso? Pareceu engasgar-se. — É horrível.
— Não dá para fazer isso sumir agora, dá?
— Não.
— Bom, dá para você conviver com esse sentimento e aprender com
ele?
A testa franzida provava que ele estava falando sério. — Não estou
entendendo o que você quer dizer.
Ensinar alguém a confiar nos próprios sentimentos e sensações e
aprender com eles é tão simples que se torna quase impossível.
Randy não era exceção.
— Você sempre evitou a solidão, não é?
— Acho que sim.
— Bem, desta vez não a evite. Não lute contra ela. Aceite-a. Deixe
esses sentimentos aflorarem. Não tema sentir-se solitário. Pode ser o
único sentimento real que você vem tendo há muito tempo. Você
pode aprender com ele.
— Mas, em que isso vai ajudar?
Comecei o processo de ajudá-lo a atentar para seus sentimentos e
recuperar o contato firme com a realidade.
— Eu vou mostrar a você. Vamos acompanhar esse seu sentimento
de solidão e ver aonde ele nos leva, tá?
Ele ainda estava incerto, sem saber aonde íamos chegar.
— Tudo bem, você é quem sabe. O médico é você. De onde começo?
— Exatamente de onde está.
— O quê?
— Você está se sentindo solitário agora, correto?
— Sim.
— Muito bem. Sinta isso. Experimente isso. Você está só. Fiz uma
pausa para dar-lhe tempo de assimilar as instruções e segui-las.
— Agora, o que acontece quando pensa em sua solidão?
— Quero calar esse sentimento. Quero acabar com ele.
— Você está assustado, não está? Acenou com a
cabeça e eu continuei.
— Agora são duas emoções, você está se sentindo só e assustado.
Qual a sua reação?
— Quero sair daqui, já.
— Então,quando você se sente só, fica assustado e quer fugir, certo?
— Você é quem sabe.
— Não! Não sou eu!
Esta resposta o pegou de surpresa. Ficou tenso e olhou-me
atentamente.
— Você acaba de expressar seus sentimentos. Esses sentimentos são
seus, não meus.
— Tá bem. É, fico meio em pânico. Como se estivesse no meio de
um incêndio. Só quero correr.
1
— Está bem. Está vendo o que está acontecendo? Você partiu de um
sentimento real, o de estar só. Aí sentiu-se assustado e
experimentou pânico. Você está caminhando.
Randy pareceu perplexo. — Claro. Em círculos.
Continuei apegando-me a minhas armas. — Certo. Esse é seu
próximo sentimento. Andando em círculos. Voltas e voltas. Agora
está confuso. O que a confusão provoca em você?
— Uma reação estranha.
Corou e riu. — Você não vai acreditar no que eu pensei.
— Vamos ver.
— Pensei naquela primeira noite com a primeira garota. Puxa, que
menina!
Ergui as sobrancelhas e sorri, como que a dizer que também sou
humano. Então prossegui o trabalho, só que desta vez deixando a
maior parte da tarefa em suas mãos.
— Agora, conte-me o que está passando por sua cabeça.
— Comecei me sentindo só e acabei ficando excitado. Eu te disse
que era estranho.
— Na realidade você partiu da solidão, passou ao medo, ao pânico,
à confusão e aí lembrou-se de um encontro sexual específico. O que
significou aquela experiência sexual? O que te proporcionou?
Randy interrompeu temporariamente suas associações.
— Ei, mas é muito estranho. Que loucura! Eu não devia pensar
assim.
Era importante confrontar a idéia irracional implícita.
— Não, todas as experiências são válidas. O que quer que tenha
passado por sua cabeça enquanto fazia amor com a menina, tudo
bem.
— O quê? Todas as experiências são boas? A solidão é boa? Corta
essa. Como é que a solidão pode ser boa?
— Porque você a sente, e você é bom.
— Isso não faz nenhum sentido.
— Não faz sentido porque você acredita que se tiver um sentimento
ruim, você é ruim. E isso não faz nenhum sentido.
Randy me olhou. Acho que descobri em seus olhos uma luzinha de
compreensão. Nunca imaginara que ele e seus sentimentos
pudessem ser vistos como duas coisas diferentes. Usei minha
descoberta para retomar as associações.
— Parece que quando você se sente confuso, vê-se negativamente.
Relembra uma experiência sexual, e isso de algum modo faz você
sentir-se bem. Por alguns momentos, ao menos.
— Acredite ou não, estou te entendendo. Quer dizer, me
entendendo. Quer dizer, estou entendendo você e você está me
entendendo. Puxa, agora eu estou confuso mesmo.
— Não, não está. Você está indo bem. Começou sentindo-se só e,
depois de alguns outros sentimentos, foi dar numa experiência
sexual específica. E sente essa transição estranha. Sem problemas.
Fique aí. Vamos ver aonde ela nos leva.
— Tá legal. Acho mesmo que não pode doer mais.
— Vamos retomar sua lembrança do encontro sexual com a
primeira menina. O que isso te proporcionou?
Randy caiu na risada. Eu também, ao me dar conta do duplo
sentido de minhas palavras nessa situação.
— Eu sei o que proporcionou a seu corpo. O que eu quis dizer foi: o
que proporcionou à sua cabeça?
Randy pensou por um momento. — A primeira palavra que me
vem à cabeça é idiota. Mas tá lá.
— Qual é?
— Vitória.
Repeti-a para que ele se desse conta de seu peso. — Vitória.
— É, vitória. Eu venci.
— Soa como se você estivesse num jogo. Ou numa batalha. A
menina estava tentando ganhar de você alguma coisa — ou você
achou isso. Mas você a derrotou. O que esse vitória te proporcionou?
1
— Não sei.
— Bem, como você se sentiu em relação a essa vitória?
— Bem e mal. Uma parte de mim achou ótimo, outra achou
péssimo.
— Como é esse "péssimo"?
— Eu usei a menina. Eu a magoei.
Era hora de mais uma pequena dose de realidade. Isto me ocorrera
quando ele falara sobre a festa. — Talvez sim. Mas talvez você esteja
superestimando seu poder.
— Como assim?
— Sei que você é um cara bonito e ótimo amante. Mas essa tal
amiga especial estava só representando. Você só era mais um
personagem na cena de sempre. O que você acha que ela fez com o
novo inquilino de seu quarto? O que ela e as amigas sempre fazem
depois de beber e de fumar? Elas "dão", é só. É o pagamento. "Dar"
para você era parte do pagamento. Sinto te desapontar.
Randy ficou sério. Estava magoado. Espantei-me por notar que ele
jamais pensara nisso. Ele realmente se achara especial para o trio
adolescente. Assim, alimentando seu orgulho irracional, ficara cego
à realidade. Acontece que quando se trinca o espelho do narcisismo,
a imagem nunca é bonita.
Concedi-lhe alguns momentos para ordenar seus pensamentos e
recomecei.
— Você sente que a conquistou. E venceu. E isso alivia sua solidão.
— Talvez. Por alguns minutos. E aí eu fico com raiva. Raiva de
mim, da situação. Fico com ódio de ter estado lá. Fico me odiando e
não sei por quê.
Randy estava ficando aflito novamente. Era evidente a raiva que
sentia de suas próprias ações. Estava frustrado. E tentando
novamente fugir.
— Calma! Você não precisa fugir da raiva e da frustração. Você
conquistou a garota, mas se sente mal, certo?
— É.
— Quer dizer que, na verdade, você não ganhou nada. Perdeu.
Perdeu o jogo. Você acha que ganhou, mas na verdade perdeu.
— Hã?
— Pense nisso. Você evita a solidão porque ela te causa pânico. Aí
se joga nos braços de uma garotinha imatura a fim de garantir uma
vitória. Mas ela não é uma competidora de seu nível. Aliás, ela nem
está no mesmo jogo. Ela é simplesmente um corpo que você usa
para fazer uma masturbação a dois. A briga é com você mesmo,
Randy. Você se sente péssimo e furioso porque está brigando
consigo mesmo. Assim não há jeito de ganhar.
— Por que eu faço isso?
— Não sei bem. Mas você usa as garotas para suas próprias
necessidades, para combater a solidão. E não estou falando em
termos sexuais. Não quero te ofender mas, pelo que você descreveu,
você não é exatamente um Don Juan como amante.
O sorrisinho tímido demonstrou que tinha compreendido.
— Você usa as meninas emocionalmente. E com a memória, com as
lembranças, continua usando-as. Você as seduz — o que não é tão
difícil — e aí, nos elogios convencionais que elas te fazem, você
encontra material para reforçar seu ego, criando uma imagem
interior de sua própria grandeza. Você precisa tanto de
reconhecimento e aclamação que, mesmo quando falsos, você os
engole avidamente.
— Isso é um horror.
— Lá vem você de novo. Chegamos a um ponto em que se torna
possível para eu ajudá-lo a enxergar a realidade, e você se condena.
Se continuar assim, nunca aprenderá com seus erros.
— Mas é uma coisa errada.
— Bem, digamos que é ineficaz. Você fica todo inchado seduzindo
emocionalmente as menininhas. Orgulho é uma coisa que deveria
nascer de dentro de você mesmo, e não roubado de outrem. Mas
você não sabe como conseguir isso. Aí fica se engajando em batalhas
1
que não pode vencer. Acho até que, mentalmente, você anota cada
uma delas.
— Mentalmente não.
Foi minha vez de ficar confuso. — Como?
— Não é mentalmente, é por escrito mesmo. Fiz uma lista num
caderno, com o nome de cada menina com quem fui pra cama.
Anoto o nome dela, onde estávamos e qualquer outro detalhe fora
do habitual.
Não resisti. — Aposto que a lista cresceu muito depois do trio.
Nossas risadas suavizaram sua tensão e abriram caminho para a
emergência de outro de seus segredos.
— Acontece que um de meus objetivos — nossa, parece tão ridículo
—, eu sei, eu sei, não devo ser tão duro comigo mesmo. . . Bem, um
de meus objetivos é comer um certo número de garotas, até
conseguir uma lista com pelo menos um nome que comece com
cada letra do alfabeto. Sabe como é, Amy, Bárbara, Cindy, Dolores,
e assim por diante, até chegar no Z. Eu não falei que era ridículo?
—Não é ridículo quando se trata de um pensamento apenas, é?
— Não. É excitante.
— Mas, a longo prazo, a que te leva uma lista de nomes? Randy
refletiu por um momento, depois seus olhos se
iluminaram.
— Solidão de novo!
Fitei-o como a dizer: "Como você sente isso?". Ficamos em silêncio
por um ou dois minutos. Randy usou o silêncio de modo bastante
produtivo.
— Agora me vem outra sensação estranha. Mas boa. Cheia de paz,
como se tudo se ajustasse. Meus atos finalmente fazem sentido.
— Explique isso, por favor.
— Bem, começo sentindo-me só a maior parte do tempo. Fico muito
assustado e me refugio na lista. Aí, para me sentir melhor, fico
procurando garotas pra poder botar nomes novos na lista. Ajuda
por algum tempo, mas no fim acabo no mesmo ponto, sentindo-me
só. Aí essa merda recomeça igualzinha.
— Como você. . . ?
Rendy interrompeu-me com um sorriso bem-humorado.
— Já sei. Como sinto isso? Bom, é triste. Isso é triste. É triste eu ter
que ser assim.
— Você tem que ser assim?
— Pelo jeito. . . Não consigo amar nenhuma mulher. Quer dizer,
amar mesmo. Então, como posso ser de outro modo?
Era minha vez de interrompê-lo.
— Espera aí. Não consegue amar nenhuma mulher? Essa é uma
conclusão incorreta. Na verdade, é uma mentira. Você bem poderia
amar alguma mulher. O problema é que você não deixa nenhuma
mulher te amar. Você se acha não-amável, não-desejável. E sabe muito
bem como impedir uma garota de se aproximar. Você é um
prisioneiro de uma solidão que você mesmo constrói. E certamente
não conseguirá escapar dessa prisão se continuar a permitir que as
adulações de menininhas pseudomoderninhas acariciem seu ego
ferido.
Randy pareceu apreciar minha franqueza. A verdade é um
maravilhoso instrumento terapêutico. Houve um último silêncio,
antes do final de uma sessão particularmente frutífera.
Randy preparou o terreno para o trabalho futuro perguntando: —
Como é que eu fiquei assim?
Como? Nas semanas seguintes discutimos os porquês de sua
problemática. Analisamos sua preguiça, sua procrastinação, sua
baixa auto-estima e sua falta de autodisciplina. Mergulhamos no
seu relacionamento distante com o pai e no seu sentimento de culpa
e de raiva em relação à mãe. E sua irresponsabilidade! Se metade do
tempo que gastou tentando evitar seus problemas tivesse sido
aplicado em resolvê-los, Randy teria saído dessa há muito tempo.
Randy estava no período de crise da Síndrome de Peter Pan. Essa é
uma época composta simultaneamente de dificuldades e
1
esperanças. Dificuldades, porque é o estágio em que os espelhos do
narcisismo começam a rachar, e a crueza do chauvinismo
freqüentemente acarreta uma dura rejeição. Esperanças, porque
nessa crise o jovem tem a oportunidade de modificar a própria vida.
Com ajuda profissional e/ou de amigos, a vítima em crise pode dar
os primeiros importantes passos em direção oposta à Terra do
Nunca.
11
Após os 3 0 anos: Desalento
PETER: — Morrer será uma aventura e tanto!
Adentrando a quarta década da vida, o homem, vítima da SPP,
começa a experimentar a desintegração de sua vida. As promessas
de interminável alegria e divertimentos ainda se acham irrealizadas.
Ele tem dificuldade em compreender isso. Afinal de contas, fez o
possível para imitar Peter Pan. Evitou a responsabilidade, capitulou
diante da pressão grupai, ignorou suas inseguranças, culpou os
outros por suas inadequações sexuais e negou-se bravamente a
comportar-se como adulto. Teoricamente a negação era a chave para
a juventude eterna. Em vez disso, ela o conduziu ao desalento e à
desesperança. Desencorajado e aflito, vê na morte a única
alternativa promissora de algo diferente em sua vida.
O desânimo da vítima junta-se à confusão gerada por seu modo de
vida. Cercou-se de todas as armadilhas da vida adulta: esposa,
filhos, casa, carro, emprego fixo, férias anuais e amigos. Estas coisas
proporcionaram-lhe pouco alívio. Só as adquiriu porque se
esperava isso dele. Representou de acordo com o roteiro
socialmente apropriado com o intuito de obter aprovação, mas
nunca encarnou plenamente o papel. O fato de outros se
comprazerem com essas coisas deixam-no atônito.
Embora inútil, o mascaramento se mantém. A realidade de outros,
satisfeitos com a vida adulta, desafia suas crenças. Ele se volta para
dentro, chupa o dedo emocional e lamenta;
"Mas é só isso? Quando é que chega toda aquela curtição que me foi
prometida?"
A autocomiseração pouco faz para reparar as rachaduras nos
espelhos narcisísticos. As rachaduras se aprofundam à medida que
a dura realidade força lugar entre as fantasias enganosas. Era para
ele permanecer jovem para sempre; em vez disso, adormece diante
da TV, para logo despertar com o corpo dolorido. Era para os
campos de sua vida serem permanentemente povoados de
companheiros de folguedos; em vez disso, ele se vê engajado numa
luta solitária contra as ervas de seu jardim. Era para ele ser
investido do status de um reverenciado líder; em vez disso sente-se
avassalado por intermináveis obrigações financeiras, uma esposa
revel a seu chauvinismo e filhos que almejam uma família que não
existe. Nessas circunstâncias a depressão é inevitável.
A vítima da SPP geralmente encara seu desalento como um efeito
normal da transição para a meia-idade. E talvez em parte seja. Mas
há também uma grande porção de conflitos emocionais resultantes
de vários anos de evitação e negação. Seu êxito na projeção de uma
imagem de competência foi tão completo que lhe impede até
mesmo de levar a própria dor a sério.
Esse homem, vítima da SPP, acha-se só em sua luta. Ele bem
gostaria de procurar ajuda, porém há tantos obstáculos! A solidão e
o medo da rejeição o impedem de correr riscos. O chauvinismo o faz
orgulhoso demais para admitir suas fraquezas, o hábito de fingir
alegria está fundamente enraizado. Ele esconde tanto suas facetas
1
negativas de si mesmo, que nem mesmo as pessoas mais íntimas
suspeitam de algo errado — exceto a esposa ou amante.
A mulher da vítima sabe que há algo errado. Ela o sabe mais ou
menos desde o tempo em que o conheceu. E sabe que o problema
não é apenas dele. É um problema de relacionamento, o que
significa que ela tem a ver com isso. Pode não alcançar a extensão
de seu próprio envolvimento, mas torna-se-lhe impossível negar a
presença do desalento em sua própria vida.
Talvez o problema jamais tenha sido discutido — ao menos de
forma racional. Os rancores são silenciados e reprimidos, as
confrontações são distorcidas e descambam em acusações inúteis, a
confiança mútua e a cooperação ruem sob a avalanche da falta de
comunicação. Os que ainda não se casaram adiam o casamento; os
que já se casaram lamentam, muitas vezes, tê-lo feito. Duas pessoas
que um dia se amaram agora acham que nem mesmo se gostam.
Ah, mas que bela fachada! "Não há nada de errado conosco. Somos
simplesmente duas pessoas felizes, vivendo a vida como ela é. Claro
que temos nossos problemas, mas quem não os tem?"
No meio de toda essa repressão e negação, existe uma coisa
inocultável. Alguns consideram-na o mais forte elo de ligação entre
as pessoas; outros acham que não é o rnais forte, porém o mais
perceptível. Seja como for, este elo é fundamental em nossa
natureza; se tentarmos suprimir sua necessidade ou se nos
recusarmos a satisfazer-lhe as exigências, ele se voltará contra nós.
Este fortíssimo elo na cadeia de relações interpessoais é o sexo.
As vítimas da SPP têm problemas sexuais. Esses problemas atingem
seu relacionamento com as mulheres. É raro que uma vítima da SPP
tenha um relacionamento sexual normal com a esposa ou com a
amante. Se isso acontece, trata-se de um caso leve da Síndrome de
Peter Pan.
Comumente a profunda insatisfação quanto ao sexo é sentida por
ambos os parceiros, porém jamais falam sobre issoabertamente.
Pedidos constrangidos de desculpas, indiretas mordazes e mentiras
— tudo sussurrado num quarto escuro — são as formas pelas quais
as duas pessoas rodeiam o problema. Apesar de tentarem esquecer
o assunto, o impulso sexual exige satisfação. A decepção na área
sexual torna-se a única característica de um relacionamento
tumultuado, impossível de ser silenciado.
Não se pode analisar o desalento que se instala na vítima da SPP,
sem levar em consideração o conflito sexual. As queixas sobre o
relacionamento sexual geralmente são a única coisa que rompe o
pacto de silêncio. Na hora do descobrimento, "sexo insatisfatório" é
encarado como o problema. Na verdade, é apenas um sintoma.
Somente se o casal se dispuser a enxergar além do sintoma é que o
relacionamento tem chance de melhorar.
APRENDENDO A SENTIR
Glenn tinha quarenta e dois anos, era prematuramente grisalho e
sua voz vibrava com autoconfiança. Ele não só era muito bem-
sucedido, como também tinha uma esposa vivaz e agradável, dois
filhos lindos e uma espaçosa casa no subúrbio. Muitos achariam que
ele tirara a sorte grande na loteria da vida.
Pouco depois de seu quadragésimo aniversário, a sorte grande de
Glenn começou a mudar. A mulher passara a questionar o restrito
papel de esposa e mãe, os filhos entravam em plena adolescência, o
trabalho começava a parecer-lhe cada vez mais tedioso e pouco
gratificante, e seu corpo ia mostrando os efeitos do abuso do álcool.
Pior que tudo isso era o incessante desânimo que ia corroendo a
vida de Glenn, tornando-o cada dia mais deprimido.
Ele, todavia, negava qualquer deterioração em sua vida, até que a
esposa insinuou a possibilidade de uma separação legal. Há meses
Dana vinha se tratando com um psicoterapeuta e repetidamente
pedia a Glenn que procurasse ajuda para os próprios problemas. Ele
foi ao médico para um exame completo, e ficou meio decepcionado
1
ao ouvir que estava em boas condições físicas. Tinha esperanças de
que seus problemas não fossem emocionais. No fundo, ele sabia
qual era a verdade; simplesmente não queria admiti-la.
Chegou em meu consultório com uma advertência clara:
— Não confio em nenhum de vocês. Vocês parecem mais fodidos
que nós leigos. E vocês nunca dizem o que têm em mente. Não
pretendo sentar-me aqui, despejar toda a minha merda e depois sair
imaginando o que você achou de alguma coisa que eu tenha falado.
Ah, se ele não viera ao lugar certo!
— Minha esposa acha que eu preciso de uma psicoterapia — disse, e
aguardou minha resposta.
— Precisa?
— Não sei, o médico é você.
Não seria com sutilezas que sua rudeza podia ser enfrentada.
— Nem eu sei, por isso acho que temos aqui um problema.
— Quem sabe se você pode me dizer sua opinião sobre uma coisa.
O que é que um homem pode fazer quando a esposa se volta contra
ele e lhe tira tudo o que ele almejou?
— Isso não parece uma pergunta. Parece que você está tentando me
dizer alguma coisa. Por que não abre o jogo?
— Todas as coisas que eu sempre quis estão sendo tiradas de mim.
E não posso fazer porra nenhuma a respeito. Minha esposa precisa
se encontrar — é isso que ela diz. Só que enquanto procura sei lá o
quê, estou perdendo minha família.
O desalento de Glenn se escondia por trás da raiva. Fui mais
devagar.
— Como assim?
— Dana decide que tem de terminar a faculdade; então eu tenho de
dar uma busca em suas apostilas para achar o Guia de TV. Depois ela
resolve trabalhar meio período; assim, quando chego do serviço,
encontro a casa toda bagunçada. A seguir, ela acha que deve fazer
mais um curso, à noite, e eu tenho de voar pra casa pra liberar a
tonta da baby sitter sentada em minha poltrona, bebendo minha
cerveja, comendo minhas azeitonas e papeando no meu telefone,
enquanto meus filhos, que provavelmente não precisam mais de
baby sitters, estão tentando destruir-se mutuamente.
Trabalho muito, ganho bastante, sou respeitado em nosso meio — e
fiz por merecer tudo isso. E agora, qual é a paga que recebo? Minha
esposa vai a um terapeuta maluco, de repente resolve que não está
se realizando e começa a falar em carreiras e em separação. E daí eu
é que estou precisando de ajuda! Que besteira!
— Parece que você está bem chateado.
— Chateado? E como! Um homem que trabalha duro para dar o
melhor à família, e o que recebe? Sabe o quê? Um pé na bunda!
— Você conversou com sua esposa sobre essa situação?
— O que é que você acha?
Ele fitou-me como se tivesse sido eu quem houvesse posto por terra
seus sonhos.
— Porra, claro! Mas toda vez que tento falar, ela diz que eu não lhe
estou dando ouvidos. Aí eu digo que o faria se ela tivesse algo
interessante para dizer. Mas não, só aquela velha história: "Preciso
me encontrar e você não entende isso". — A voz em falsete traía
cinismo.
— Você goza sua esposa na cara dela? — perguntei.
Não estou gozando. Só estou tentando descobrir por que ela quer
me ver sofrer. Depois de tudo o que fiz por ela, não mereço ver meu
mundo ruir bem diante de meus olhos. Puxa, tive centenas de
oportunidades de trair Dana, mas nunca o fiz. Fui sempre fiel, e
agora me dou conta do que isso me valeu.
Permaneci em silêncio, deixando de lado propositalmente a questão
sexual, por saber que ela emergiria novamente.
Com orgulhosa presunção, Glenn desafiou-me a envolvê-lo numa
ginástica mental.
— E então, o que é que você acha, hein, doutor?
1
— O que é que eu acho? Bem, já que você está querendo
objetividade, aí vai: você deve sair dessa autocomiseração e me
contar o que está sentindo, porque é óbvio que está doendo muito.
Ele se recostou melhor na cadeira, inspirou profundamente e soltou
o laço da gravata. Um ar de garotinho estampou-se-lhe no rosto.
— Não tenha medo de me dizer o que está pensando, eu agüento —
brincou.
— Você me pediu jogo aberto. Será que eu fui aberto demais?
Sua resposta me surpreendeu. — Não. Agradeço a Deus por você
não se ter deixado enrolar. Talvez você não tenha percebido, mas
consigo enganar os outros. Engano até a mim mesmo, achando que
eu sei o que está acontecendo. Mas não sei. Meu mundo está ruindo,
e não tenho a mínima idéia do que fazer. Claro que preciso de
ajuda, mas na posição em que estou, nenhum homem admite isso.
Não favorece a própria imagem, sabe como é?
— Você está com medo, não está?
— Certíssimo. Você não estaria?
— Claro.
— Tenho quarenta e dois anos, estou prestes a assumir uma
gerência nacional de vendas, tenho uma esposa maravilhosa a quem
amo muito, dois filhos que são a melhor coisa do mundo, e minha
vida está se desintegrando. E não sei como parar isso. Sim, estou
muito assustado. Em pânico, se quer saber.
Glenn falou sobre diversas áreas importantes de sua vida, numa
sessão especial que durou mais de três horas. Manifestou seu
remorso por jamais se ter dado com o pai. Enojava-se de sua
tendência para agradar os outros, e detestava o fato de não ter
amigos. Ficava desapontado com seu egoísmo, pois surpreendia-se
dizendo "meu" com exagerada freqüência. Era extremamente
ambivalente no tocante à forma como ainda se sentia preso à saia da
mãe.
Ao abordarmos o assunto sexo, Glenn mostrou-se cheio de
sentimento de culpa e embaraçado. Começou a falar de si mesmo
como se fosse o maior amante do mundo. Com um empurrãozinho,
contudo, abandonou o discurso de "machão" e confessou sua
dificuldade em aceitar a própria sexualidade aberta e honestamente.
Narrou um acontecimento recente que, em sua opinião, provava
quanto ele estava se "abrindo" e aceitando sua sexualidade.
— Na semana passada, cheguei cedo a casa um dia. Dana estava
tirando o pó dos móveis. Ela estava muito sexi, de short jeans. Fui
até ela e agarrei-a pelo busto.
Ele abriu os braços e flexionou os dedos, imitando a maneira como
iniciara o "jogo introdutório".
— Empurrei-a para a mesa da sala dejantar e comecei a abrir o
zíper de seu short. Ela afastou minhas mãos, dizendo que não
queria ali. As crianças não voltariam logo, e eu sabia que tínhamos
tempo. Continuei a tirar sua roupa. Ela me disse que parasse, mas
eu tinha certeza de que ela acabaria gostando.
Enquanto prosseguia, seu orgulho aumentava constantemente.
— Sentíamos emoções opostas. Ela ia se excitando e eu, me
entristecendo. Eu a encostei na mesa e penetrei-a. E ela acabou
parando de reclamar.
Ele riu.
— Não durou muito. Acho que não durou nem trinta segundos,
mas foi bom.
Fiquei calado, refletindo sobre o que Glenn acabara de me contar.
Era evidente que ele não tinha consciência da natureza de seus atos.
No tom mais suave e confortador possível naquele momento, dei-
lhe uma injeção de realidade. — Você estuprou sua esposa, Glenn.
Talvez não legalmente, mas física e emocionalmente você estuprou
Dana.
Seu rosto endureceu, a boca se entreabriu e os olhos, arregalados,
fixavam o nada. Ele não se movia nem acho que o conseguiria.
Gotículas de lágrimas formaram uma nuvem em seus olhos e ele
murmurou: "Ah, meu Deus!"
1
Milhares de refletores se tinham acendido em sua mente.
Repentinamente, centenas de coisas que ele nunca imaginara saber
tornaram-se claras para ele. Estava em estado de choque. A
intervalos murmurava: "Ah, meu Deus!" De vez em quando me
fitava, e seus olhos enchiam-se de mais lágrimas. Sua incredulidade
durou mais de cinco minutos, uma eternidade em psicoterapia.
Ele tropeçava nas palavras.
— Claro, foi isso mesmo que eu fiz. Estuprei minha esposa. A única
pessoa de quem realmente gosto. Que sujeira!
Sua autocrítica estava carregada de sentimento de culpa. Novo
silêncio.
O choque provocado pela conscientização empurrou-o para o fundo
do poço: — Impossível cair mais fundo. Tudo o que Dana me vem
dizendo é verdade. Tenho sido estúpido demais para enxergar isso.
Ela diz que eu não sei amar, que não a respeito. Que não sei
expressar meus sentimentos. Ela diz que eu preciso crescer. Eu a
ouvia dizer todas essas coisas, mas nunca lhe prestava atenção.
Fez uma pausa, com a mente a mil quilômetros.
— Como posso mudar? Como posso reparar o que fiz? Por onde
começo?
Estava desesperadamente buscando alívio para o remorso.
— Há diversas coisas que você precisa fazer. Primeiro, acabe com
esse sentimento de culpa. Ele é inútil. Segundo, entregue-se
realmente ao processo de crescimento. A psicoterapia pode ajudá-lo
imensamente nesse trabalho. Terceiro, vá para casa, abrace sua
esposa, diga-lhe que a ama e faça-a compreender que as coisas vão
mudar.
Glenn estava em dúvida.
— Nós não devíamos conversar sobre o que eu fiz?
— Para quê? Que bem vai fazer concentrar-se num ato
desrespeitoso que deve ser esquecido? Se Dana for parecida com a
descrição que você fez, seguramente ela não quererá tocar de novo
nessa ferida. Ela pode querer conversar sobre as próprias
necessidades sexuais, mas penso que ela não quer ruminar a dois
algo que foi apenas um erro. De qualquer modo, se você começar a
mostrar-lhe amor em vez de ficar provando que é um filho da puta,
ela estará mais que disposta a esquecer o passado.
— Mas preciso pedir-lhe desculpas.
— Tudo bem. Peça. Só não a sobrecarregue com lamentações e
súplicas de perdão.
— E se ela não me perdoar?
— Então ela tem algum problema.
Uma semana depois, atendi Glenn e Dana juntos. Dana não era
incapaz de perdoar, porém realmente tinha problemas. Ela
desenvolvera uma estratégia para proteger-se da insensibilidade de
Glenn. E ela teria que mudar se desejava que surgisse "novo Glenn"
no casamento.
Expliquei-lhe isso desta forma: — Por não conseguir vingar-se
fisicamente, você o vem fazendo emocionalmente. Você está em
contato com seus sentimentos; Glenn, na maior parte das vezes, não.
Isto faz você mais forte que ele, ao menos nessa área. E
compreensível, então, sua tentativa de igualar-se a ele atingindo-o
onde ele é mais fraco. Percebo que você desenvolveu o hábito de
acusá-lo de não sentir nada, ridicularizando sua cegueira emocional
e ironizando suas tentativas de aproximação. E agora, com a
perspectiva de mudança, você poderá tender inconscientemente a
usar essa tática quando as coisas se tornarem difíceis. Mas não
precisa preocupar-se com isso. Com o crescimento mútuo, isso
acabará desaparecendo.
Dana também ansiava pela mudança. Perguntou-me: — Então que
faço com essa "tática" quando ela voltar?
— Aceite-a. Você não precisa gostar dela; simplesmente não fuja de
uma característica que é sua. Você tem que aceitar o fato de que
vocês dois adquiriram alguns maus hábitos. Mas juntos podem
modificar o funcionamento de seu casamento.
1
Com uma ternura tocante, Glenn inclinou-se para a esposa e disse:
— Quero melhorar nosso casamento e vou fazer qualquer coisa para
conseguir isso. Hesitou, depois prosseguiu com a pergunta que
temia formular. — Você ainda me quer?
Dana sorriu entre lágrimas. — Claro que quero.
Glenn virou-se para mim, também com lágrimas nos olhos, e disse:
— Ah, eu quero abraçá-la.
Com a franqueza que Glenn esperava de mim, respondi: — Não
diga isso, idiota, faça-o!
Glenn quase arremessou-se e agarrou Dana como se ela fosse fugir.
Pedi licença para sair. Quando voltei, estavam de mãos dadas,
sentados no sofá, como dois adolescentes no primeiro encontro.
Fui direto mais uma vez. — Vocês certamente terão problemas. Os
velhos fantasmas podem ressurgir quando menos esperarem. Mas
será fácil lidar com eles. Para isso recomendo um programa
chamado "toque e abrace". Quando as coisas estiverem difíceis,
afastem-se. Cada um num canto da casa, se necessário. Depois de
uma meia hora, procurem-se e, sem falar nada, toquem-se e abracem-
se. Aí vocês podem discutir o que aconteceu.
Seus sorrisos denotavam um compromisso com minha sugestão.
Glenn estava tão animado que mal podia conter-se. — Há tanto a
dizer. Há tantos sentimentos dentro de mim. Temo perder contato
com eles se não os traduzir em palavras agora.
Tentei acalmá-lo. — Compreendo seu temor. Mas você não perderá
esse contato. Nossos sentimentos estão sempre conosco; você
simplesmente desconhecia isso.
— Mas e se eles me abandonarem e eu não os reencontrar?
— Não tenha medo. O programa toque e abrace os trará de volta.
— Mas como fazer para me sair bem nesse programa?
— Como em tudo mais. Pratique, pratique muito.
— Mas. . .
— Ei — interrompi-o —, tenho uma ótima sugestão para vocês. Por
que você não pára de se preocupar com seus sentimentos agora,
leva sua esposa daqui e continua a praticar o programa toque e
abrace?
Glenn e Dana irradiavam felicidade ao saírem de mãos dadas.
PARTE III
A MUDANÇA
Os quatro próximos capítulos contêm recomendações específicas —
coisas para pensar, para fazer e dizer no processo de ajuda à vítima
da SPP.
Os pais aprenderão como evitar que os filhos caiam na armadilha
da SPP, ou como ajudá-los a retomar um crescimento e
desenvolvimento normais, caso seu comportamento reflita uma
excessiva influência do pó mágico.
O Capítulo 13 induz as leitoras a encarar suas próprias fraquezas, e
mostra que as mudanças em seu modo de vida podem ter um
impacto positivo sobre a vítima da SPP a quem amam. Elas devem
também prestar atenção à primeira parte do Capítulo 12 (Para os
Pais), ainda que não haja filhos na relação. Se você está apaixonada
por uma vítima da SPP, sabe que certas facetas de seu
relacionamento se assemelham ao de uma mãe com seu filho. Isto
pode ser corrigido, reestabelecendo-se um comportamento maduro
de comunicação.
Os amigos e parentes descobrirão que, no relacionamento com a
vítima da SPP, suas primeiras intuições estavam certas. Isto
provavelmente os animará a segui-las.
As vítimas da Síndrome de Peter Pan se emocionarão com a história
de Larry(Capítulo 15). Na verdade, todos os leitores aprenderão
que nunca é tarde para se engajar numa mudança.
12
Para os Pais
O sofrimento ensinou ao Sr. Darling que ele é o tipo de homem que, o que
quer que faça como penitência, deverá fazê-lo em excesso; do contrário,
logo deixaria de fazê-lo.
A Sra. Darling não costuma sair para jantar fora; prefere, ao pôr as
crianças na cama, sentar-se ao lado delas pondo ordem em suas mentes,
como se se tratasse de gavetas.
O Sr. e a Sra. Darling (pais de Wendy) eram o tipo de pais que
contribuem para o desenvolvimento da Síndrome de Peter Pan.
Barrie pinta um retrato do Sr. Darling com os traços de um
indivíduo superficial e narcisista. Sua autocomiseração e seu
sarcasmo mal se escondem por trás da jovialidade. Quanto à Sra.
Darling, ela é apresentada como superprotetora dos filhos e
condescendente para com o marido. É freqüente vermos a atitude
de mártir da Sra. Darling. Tolera em silêncio as brincadeiras pueris
do marido, e só encontra significado na vida protegendo
obsessivamente os filhos daquilo que ela chama um mundo frio e
cruel.
A tensão no lar dos Darling é palpável. No início da peça, o Sr.
Darling tem dificuldade em dar o nó na gravata. Queixa-se
amargamente da injustiça de ser atormentado por um recalcitrante
pedaço de pano. A esposa reage com uma recriminação um tanto
arrogante. O Sr. Darling demonstra o exagero de seu narcisismo
com esta resposta:
Estou te avisando, Mary, que a menos que esta gravata fique direito, não
sairemos para jantar hoje, e se eu não sair para jantar hoje, nunca mais irei
trabalhar, e se eu não for trabalhar, você e eu morreremos de fome, e
nossos filhos serão abandonados nas ruas.
A Sra. Darling cede ao capricho do marido e dá o nó na sua gravata.
As crianças assistem a tudo horrorizadas, acreditando que se a mãe
não for bem-sucedida na tarefa, restar-lhes-á vagarem pelas ruas até
morrer de fome.
Tais implicâncias e cruezas são típicas do pai da vítima da SPP.
Significativa é também a reação condescendente da Sra. Darling.
Embora exageradas neste exemplo, as duas reações combinam-se
para criar uma atmosfera familiar, na qual os filhos têm de suportar
uma incessante ansiedade. Conforme se viu na primeira parte deste
livro, essa ansiedade é mais prejudicial aos filhos do sexo
masculino.
Se você acha que seu filho pode ser uma vítima da Síndrome de
Peter Pan, há duas decisões a tomar:
Primeiramente deve decidir se concentrará seus esforços em
prevenir ou em remediar. Posso ajudá-lo nessa tarefa com a
seguinte sugestão: se seu filho conta menos de dezesseis anos, você
deveria trabalhar preferentemente numa linha preventiva. Se ele
está com mais de dezesseis anos e você já notou evidências de
inflexibilidade quanto a papéis de narcisismo ou de chauvinismo,
sugiro que adote uma conduta mais remediativa.
A segunda decisão é mais dura. Esta crua realidade pode orientar
seus pensamentos: ser-lhe-á impossível ajudar seu filho se você não
se dispuser a modificar pelo menos parte de sua personalidade e a
enfrentar quaisquer discórdias conjugais existentes. Se a criança
vive ou tem um relacionamento significativo com você, você
contribuiu para o aparecimento do problema. Você cometeu alguns
erros. Eu o ajudarei a localizá-los, porém cabe a você corrigi-los. Se
você não se dispuser a tomar esta segunda decisão, não se dê ao
trabalho de pensar na primeira.
Se você está determinado a ajudar seu filho, use os exemplos
fornecidos por Barrie para iniciar um auto-exame.
Se você é pai, analise sua vida emocional. Você se entrega à
autocomiseração? Teme seus sentimentos? Você sabe mesmo o que
sente? Você finge sentir coisas que não sente, enquanto esconde
outros sentimentos? Você se sente confuso com relação às suas
emoções? Você compensa sua decepção com seu casamento
passando a seu filho mensagens ocultas sobre as fraquezas de sua
esposa? (Ver Capítulo 4).
Se você é mãe, avalie sua superproteção e sua atitude con-
descendente. Você tolera o chauvinismo de seu marido por temer
ficar sozinha? Você sente pena dele? Você evita enfrentar suas
infantilidades? Sua falta de coragem faz você eximir-se de uma
disciplina .responsável e consistente? Você compensa suas
decepções matrimoniais dizendo a seu filho que não seja como o
pai?
Estas perguntas são duras de se fazer, e duras também de se
responder. Se você tiver a coragem de encarar suas limitações, já
estará a meio caminho de uma mudança construtiva. É necessário
que dê continuidade a esse auto-exame fazendo algo de que
provavelmente se esqueceu nos últimos anos. Independentemente
da idade de seu filho, passe a conversar com seu cônjuge e a ouvi-lo.
Vocês precisam comunicar-se verdadeiramente. Pode ser que isto
exija vários meses de esforço, mas há um problema que pode ser
resolvido tão logo você feche este livro.
ACABE COM AS MENSAGENS OCULTAS
Você pode adotar medidas imediatas para impedir o desenvol-
vimento ou um maior avanço do processo da SPP. Acabe já com todas
as mensagens ocultas. Sem entrar em detalhes desnecessários, diga a
seus filhos que você errou em despejar suas frustrações sobre eles.
Diga-lhes que eles não são culpados de suas desavenças conjugais.
Em seguida adote medidas disciplinares racionais contra o mau
comportamento deles e faça com que se responsabilizem por seus
atos.
Parece simplista dizer que se pode parar imediatamente com todas
as mensagens ocultas. No entanto, isso é verdade. Se você estiver
realmente decidido a poupar seus filhos de uma ansiedade
desnecessária, prestará atenção e localizará as mensagens ocultas
em suas comunicações. Tendo-as localizado, haverá de evitá-las,
mesmo que tenha de interromper-se no meio de uma frase. Caso se
surpreenda transmitindo uma mensagem oculta, confesse seu erro
abertamente logo que for possível, peça desculpas e use seu erro
para demonstrar seu problema. Se tiver coragem, peça às crianças
ajuda na identificação dessas mensagens. Pode ter certeza de que
elas as descobrirão.
Alivie seus filhos do sentimento de culpa, explicando-lhes que sua
frustração se recai sobre eles. Diga-lhes que usará medidas
disciplinares racionais para fazê-los responsáveis por seu
comportamento, em vez de atazaná-los. Não ligue para suas re-
clamações: concentre-se em seu comportamento. Este enfoque
comportamental elimina qualquer atitude prejudicial de sua parte.
Se seu cônjuge cooperar nesse processo, em tempo relativamente
curto vocês conseguirão erradicar a maior parte da tensão em sua
casa. Se não cooperar, você terá de prosseguir por si só. Se, por
exemplo, seu marido se recusar a admitir sua parte no processo de
ocultação, você deverá adverti-lo de que será forçada a falar dele às
suas costas. Esta é uma situação indesejável, porém libertar as
crianças do sentimento de culpa a torna imprescindível. Se tiver a
coragem de atacar o problema sozinha, talvez seu marido acabe
imitando-a. Só empregue esta desagradável estratégia depois de ter
tentado de todos os modos sensatos melhorar a comunicação com
seu marido.
COMUNICAÇÃO
Uma vez cessada a transmissão de mensagens ocultas, você e seu
cônjuge devem eliminar a causa dessas mensagens. Isto se faz
reestabelecendo os canais de comunicação eficazes. Se você tiver a
coragem de encarar as partes negativas de seu relacionamento,
poderá alterar drasticamente a atmosfera da casa. Quanto mais cedo
ultrapassarem as barreiras da comunicação, tanto mais rapidamente
reduzirão a frustração acumulada, e acabarão com a ansiedade que
impele tantos jovens em direção à Terra do Nunca.
O primeiro obstáculo que você encontrará é sua justificativa para
evitar a verdade. Identifiquei dois pontos de vista igualmente
errôneos. Um deles é próprio das mães, o outro dos pais. Pelo
resumoabaixo você recordará as mensagens ocultas descritas no
Capítulo 4, e verá como esses pontos de vista fomentam as
mensagens. Também ofereço minhas respostas-pa-drão a cada um
desses pontos de vista. Se você aceitar minha lógica, sentir-se-á
apoiado no confronto da verdade.
Primeiramente encaremos o pai da vítima da SPP e compreendamos
seu raciocínio. Então veremos como a mãe faz papel complementar
ao do marido.
Mensagens ocultas pai/filho:
"Poupe-me as chateações de sua mãe."
"Não magoe sua mãe."
"Sua mãe não compreende os homens."
"Vá com calma, você sabe como são as mulheres."
Justificativas do pai:
"Minha esposa é fraca e preciso protegê-la. Sua impulsividade lhe
acarreta problemas, de modo especial com as crianças e
principalmente com meu filho. Odeio os momentos em que ela está
chateada, porque então fica pegando no meu pé. Por ser mulher, ela
não entende que meninos são meninos. Se eu conseguir fazer com
que meu filho a compreenda, talvez consiga poupar-nos muito
sofrimento. De qualquer modo, mais cedo ou mais tarde ele terá que
saber a verdade sobre as mulheres."
Ponto de vista alternativo:
Se você protege sua esposa quando ela não necessita disso, está
encoraj ando-a a ser dependente demais — e isso lhe causará
aborrecimentos. Com certeza ela não é nenhuma retardada, e estou
certo de que você conhece muitos exemplos de sua força. Se você
evita confrontá-la, trata-a como criança, ela então se rebelará.
Meninos podem ser simplesmente meninos, mas isso desculpa o
mau comportamento deles e elimina sua responsabilidade? Se você
mantiver seu ponto de vista, estará passando suas fraquezas para
seu filho, e ele muito provavelmente terá os mesmo problemas e
preconceitos com a esposa dele.
Mensagens ocultas mãe/filho:
"Não aborreça seu pai." "Você está agindo como seu pai." "Seu pai
não entende nada de sentimentos." "É uma pena que para seu pai o
trabalho seja mais importante que a família."
Justificativa da mãe:
"Meu marido às vezes age como criança. Quer as coisas do jeito dele
e se irrita quando não as tem assim. Ele costuma tratar-me como um
ser inferior, preferindo o trabalho e os amigos a ficar comigo.
Quando meu filho age de maneira insensível, está apenas seguindo
o exemplo do pai. Se eu não conseguir que ele mude, coitada da
mulher com quem ele se casar."
Ponto de vista alternativo:
Já lhe ocorreu que seu marido a trata como um ser inferior porque
você aceita isso? Você é realmente firme em suas convicções? Se é
assim, então não deve aceitar os preconceitos dele. Aceitando a
maneira como seu marido a trata, você está demonstrando a seu
filho que as mulheres são de fato inferiores. É bem possível que, em
vez de mudar seu filho, você deva mudar a si mesma.
Estes pontos de vista, prejudiciais como são, distanciam os pais e
põem os filhos na roda. Conduzem a tentativas de adivinhar o
pensamento e o desejo do outro, o que é uma calamidade no
casamento. Se você e seu cônjuge tiverem a coragem de se auto-
analisarem e se conseguirem aceitar a lógica dos pontos de vista
alternativos, estarão prontos para um confronto de pessoa a pessoa.
Abrir o jogo amedronta. Contudo, isso não somente impedirá o
futuro desenvolvimento da SPP, como também dará vitalidade ao
casamento.
Se abordarem o tema das queixas implícitas e planos ocultos, você e
seu cônjuge provavelmente brigarão. Um despejará as próprias
frustrações sobre o outro, criando tensões momentâneas,
aparentemente insuportáveis. A fim de tornar essas brigas
produtivas, será necessária uma orientação que reduza as
possibilidades de piorar a situação. Sugiro a aquisição de um livro
escrito por um médico que já ensinou a milhares de casais a arte e a
técnica da "briga honesta".
Como todos os livros que tratam da auto-ajuda, The ln-titnate Enemy
pode ser mal utilizado. Se você brigar com seu parceiro sem estar
motivada para uma reconstrução conjugal, nada feito. Todavia, se
seu intuito é uma mudança construtiva, encontrará nesse livro uma
galinha de ovos de ouro. Os autores chamam a atenção do leitor
para o efeito das desavenças conjugais sobre as crianças ao
afirmarem: "Os filhos são o alvo favorito quando um casal desloca
os próprios problemas para outra pessoa. A maioria das brigas
conjugais sobre os filhos, por exemplo, não têm nada a ver com os
filhos. A discordância é entre os pais; a criança é apenas o pretexto
para tal discordância".
Se você resolver servir-se deste livro para ajudar-se a brigar
racionalmente, eis alguns conselhos retirados do trabalho do Dr.
Bach:
• Você deve declarar suas preocupações e desagrados de acordo
com suas crenças e sentimentos pessoais. Coloque sua posição com
toda a clareza possível.
• Uma "briga honesta" tem o sentido de uma discussão séria e
conduzida de maneira adulta.
• Não tenha medo de expressar seu desagrado e sentimentos de
raiva e de insatisfação. Amar é fácil: difícil é aprender como brigar
racionalmente.
• Evocar fatos passados pela única razão de ferir o parceiro é
injusto e desastroso.
• Cuidado ao colocar suas reclamações relativas a questões sexuais.
Elas geralmente são colocadas de modo inadequado.
• Ouvir é um fator crítico na briga honesta. "O que você está
tentando me dizer?" "O que você quis dizer com isso?" "Deixa ver se
eu entendi. Você disse que. . ." são boas técnicas que favorecem o
bom ouvir.
• Se suas brigas não produzem resultados ou se vocês só se
magoam mutuamente, procurem um terapeuta de casal que os
assista nessas brigas.
No aconselhamento de casais, elaborei outras sugestões que se
podem adicionar às sugeridas pelo Dr. Bach.
• Não force uma solução de assuntos que envolvam sentimentos.
Algumas emoções não se prestam a mudanças; apenas devem ser
compreendidas e aceitas.
• Muito cuidado com a expressão "Sinto que. . ." Ela serve mais
para ocultar que para esclarecer as emoções. Isto é, é impossível
sentir "que"; o que você sente é raiva, tristeza, decepção, alegria,
confusão etc. Quando seu parceiro introduz os próprios sentimentos
dizendo "Sinto que. . .", fala de algo que não é sentido. Não entre
nessa. Responda-lhe dizendo: "Fale-me o que você sente, não o que
você pensa".
• Ouvir seu parceiro é fundamental. Igualmente o é ouvir-se. Uma
forma de verificar sua capacidade de ouvir-se é perguntar ao
parceiro: "O que você me ouviu dizer-lhe?" Outra forma é praticar o
ouvir-se, quando em companhia de gente amiga disposta a ajudar.
• Se você "engasga" quando tenta enfrentar seu parceiro, escreva
lembretes que ajudem você a colocar sua posição clara e
inequivocamente.
• Evite tentar adivinhar os pensamentos do outro. Atenha-se aos
pronomes "eu", "me" e "mim", em vez de "você". Não diga a seu
parceiro o que ele está pensando ou sentindo: isso é da
responsabilidade dele.
• Eis algumas palavras introdutórias úteis:
Ao introduzir um problema, diga: "Quero discutir com você ".
"Quando você faz isso, sinto...
". "Peço que você "....
Para responder, diga: "Quando você diz isso, sinto ....
... ". "Minha intenção é ". "Farei (ou não) o que você está
pedindo".
• Não force uma discussão geral dentro de um curto espaço de
tempo. Deixe seus sentimentos e pensamentos emergirem
espontaneamente, em vez de tentar colocá-los como eles "deveriam"
ou "teriam que" aparecer.
Outra coisa que aprendi relacionada aos pais das vítimas da SPP
não é muito agradável, mas verdadeira: Em geral é a esposa quem
precisa iniciar a discussão relativa à discórdia conjugal.
As mulheres costumam estar em maior contato com (não
necessariamente com maior controle sobre) suas emoções. Como
mulher, você provavelmente foi ensinada a aceitar suas emoções e a
dispor-se a compartilhá-las. Pode até ter chegado ao extremo de
pensar com o coração. Se você é do sexo masculino,provavelmente
aprendeu a reprimir suas emoções a ponto de converter
instantaneamente seus sentimentos em idéias. Você sente com o
cérebro.
O desnível entre pensamento e sentimento nunca é tão aparente
como no momento em que os pais se defrontam com a presença da
Síndrome de Peter Pan. O pai crê que o problema só pode ser
solucionado com uma lógica fria e eficaz. A mãe, por outro lado, vê-
se inundada pela dor emocional, e sente-se tão avassalada que se
perde num sentimentalismo excessivo. A mãe critica o pai por não
ter sentimentos; o pai acusa a mãe de histeria. Ambos vêem-se
impotentes para resolver o problema.
Infelizmente as pessoas em geral precisam chegar a um ponto de
grande sofrimento emocional para se arriscar a mudar a situação.
Instintivamente sabem que, para haver mudança, as coisas terão de
piorar antes de melhorar. Visto que a mulher é mais apta para
perceber o sofrimento da dinâmica familiar, provavelmente será ela
quem começará a denunciar a situação.
Esta realidade muitas vezes faz com que as mulheres expressem
ressentimento em relação aos maridos por serem "frios e
insensíveis". Elas não só se magoam pelo acúmulo de sentimentos
negativos, como também se irritam por sentir que a pessoa que
supostamente as ama lhes mentiu. Se você se sente traída pela falta
de envolvimento de seu marido, leve em conta esta possibilidade:
existem muitos homens que adoram a esposa e os filhos, mas
perderam o contato com suas emoções. Embora possa parecer
estranho, esses homens verdadeiramente não sabem o que sentem.
Muitos pais de vítimas da SPP padecem da mesma espécie de
impotência emocional apresentada por seus filhos. Esses homens
ficaram circulando pela periferia da legião de Peter Pan por muitos
anos. A única coisa que os impede de se engajarem completamente
nessa legião é sua capacidade de trabalho. Se, por um lado, a
dedicação ao trabalho pode levá-los a excessos, por outro, ela lhes
proporciona um motivo de orgulho; infelizmente, em geral, é a
única coisa de que se podem orgulhar.
Se essa descrição se aplica a seu marido, você desejará mais detalhes
sobre o que fazer para modificar o relacionamento. Dado que este
capítulo tem como objetivo as relações entre pais e filhos, sugiro que
você estude meticulosamente o próximo capítulo, onde volto minha
atenção para as esposas e amantes das vítimas da SPP, pois se você
é esposa e mãe, é possível que, ao menos na área emocional, você
esteja ligada a duas vítimas da Síndrome de Peter Pan.
COMO AJUDAR A VÍTIMA DA SPP
Tendo confrontado o problema da comunicação em seu casamento,
concentre-se nas crianças. Apesar de este livro dedicar-se à ajuda às
vítimas da SPP, muitos dos conselhos que se seguem aplicam-se a
todos os jovens. Tendo isso em mente, preste atenção a seu filho
mais velho ou a outro que exiba os comportamentos descritos nos
Capítulos 3 a 8. Se o menino contar menos de dezesseis anos,
concentre seus esforços na área preventiva; se ele estiver com mais
de dezesseis, insista nas medidas "curativas".
Por que dezesseis anos? Atingindo essa idade, a vítima da SPP já
desenvolveu grande irresponsabilidade e passou por muitos anos
de uma ansiedade crescente. Encontrou refúgio nos pertences de
um grupo de amigos que provavelmente têm mais influência sobre
ele do que você. A inflexibilidade associada ao conflito referente ao
papel sexual isola-o. Ainda que você promova uma guinada de 180°
em seu relacionamento, e elimine toda a tensão no lar, pode ser
tarde demais. É possível que ele tenha aprendido a ignorá-la.
Entretanto, se ele ainda não tiver desenvolvido todos os sintomas
(por exemplo, tenha um bom emprego regular), talvez você ainda
possa impedir o aparecimento do narcisismo e do chauvinismo.
Você só descobrirá isso, tentando. Assim, se uma vítima da SPP está
perto dos dezesseis anos, são grandes as chances de ela se engajar
na legião dos meninos perdidos. Utilize tanto as medidas
preventivas como as "curativas". Procure seguir todos os meus
conselhos para encontrar a combinação mais eficaz para seu filho.
RETOMANDO OS PRINCÍPIOS BÁSICOS
Independentemente da idade e do sexo de seus filhos, é reco-
mendável que você se familiarize com meus princípios funda-
mentais de educação. Estas dez normas dão aos pais a base para a
prevenção de problemas ou para seu tratamento. Emprestam
consistência e respeito à autoridade parental, funcionam no sentido
de corrigir a irresponsabilidade e promovem segurança no lar. Você
perceberá também que elas oferecem um conveniente meio termo
estimulador da concordância entre pais que discordam sobre o
modo de educar os filhos.
Apresentarei cada princípio e depois darei um exemplo de como a
norma pode ser usada para impedir o desenvolvimento da
Síndrome de Peter Pan.
1 . A comunicação pode evitar problemas; a ação soluciona-os.
Nos últimos vinte ou trinta anos, especialistas em educação levaram
os pais a acreditar que conversar é a melhor estratégia a ser
utilizada quando se encara um problema. Não é. A troca de idéias e
a partilha de sentimentos, ou as explicações sobre as causas e os
motivos podem auxiliar a criança a aprender a partir de erros, mas
só depois de a turbulência emocional da situação ter decrescido. As
tentativas de comunicação racional no meio de um problema
tendem a piorar as coisas. Quando os pais enfrentam um problema,
falar dele pouco adianta. A ação resolverá o conflito, dará uma lição
relevante e abrirá caminho para uma comunicação efetiva.
Sempre que penso neste princípio, ocorre-me a cena de uma jovem
mãe com um filho de quatro anos, que berrava no mercado porque
ela não queria comprar-lhe um bombom.
O menino se põe no meio do corredor com os lábios trêmulos e o
rosto cheio de lágrimas. A mãe se agacha e tenta fazê-lo raciocinar.
Ela explica o efeito negativo do açúcar ou diz que os outros garotos
rirão dele por comportar-se desse jeito (o que é um perigosíssimo
uso da pressão grupai). Em vez de escutá-la, ele grita mais alto. Não
há como comunicar-se com uma criança zangada. A melhor
alternativa para a mãe é agir.
Muitas mães batem na criança nessa situação. Essa opção não me
agrada muito. Sugiro que a mãe simplesmente deixe de ouvir a
criança, encaminhando-se para outro corredor. O que quer que faça,
a mãe deve suspender a comunicação com a criança até que ela se
acalme o bastante para poder ouvir qualquer coisa.
2. Algumas regras são negociáveis, outras não.
Todo lar deve ser regido por algumas regras que garantam a
manutenção de princípios morais racionais e razoáveis. Costumo
encorajar os pais a discriminar entre regras negociáveis e não-
negociáveis. As últimas são absolutas e inflexíveis. Por exemplo: o
desrespeito é inaceitável, a mentira e a trapaça são inadmissíveis.
Não há lugar para exceções quando se trata de uma norma não-
negociável. Sua violação sempre resulta em alguma ação disciplinar.
As normas negociáveis são abertas às discussões, mudanças e
exceções. O horário de chegar a casa em geral depende do tipo de
atividade; o horário de ir para a cama pode ser flexível se a criança
mostrar que sabe cuidar-se; privilégios extras podem ser concedidos
se seu desempenho escolar for melhor. Os pais detêm o poder de
veto no tocante a todas as regras, mas são levados a transigir de
acordo com o grau de responsabilidade da criança ou do jovem.
Uma das coisas que impedem o desenvolvimento da SPP é o traço
de submissão positiva. Todos temos de aprender a nos submeter a
certas realidades da vida de maneira positiva; quer dizer, aceitar a
limitação, mas fazer por ver seu lado positivo. A distinção entre
regras negociáveis e não-negociáveis ajuda a criança a aprender a
submissão positiva.
Se seu filho aprender a se submeter à imperiosa natureza de certas
regras e for recompensado com um grau crescentede liberdade
quando apresentar uma negociação positiva, estará preparado para
lidar com assuntos escolares entediantes, com empregadores
injustos ou desonestos, e com qualquer pensamento mágico que se
imiscua em sua alma adolescente. A tolerância à frustração e o
controle de impulsos são duas resultantes realísticas da distinção
entre regras negociáveis e não-negociáveis.
3. Se os filhos são responsáveis (cumprimento de horários,
maneiras, tarefas, boas notas e uso adequado do dinheiro),
os pais não devem interferir.
Este princípio é uma ramificação do princípio 2. Se seu filho mostra
comportamento responsável em áreas críticas da vida (a experiência
me ensina que as cinco áreas enunciadas acima são as mais críticas),
você deve mostrar-se mais transigente e propiciar-lhe a
oportunidade de gozar de maior liberdade.
Este princípio permite a você confrontar um filho irresponsável em
seu comportamento, lembrando-lhe que a razão de você interferir
em sua vida é que ele não sabe cuidar bem dela. Do mesmo modo,
possibilita a você dizer-lhe que, se ele melhorar seu desempenho,
você se sentirá feliz em deixar de imiscuir-se em suas coisas.
Esta postura reduz o conflito, as discussões e a hostilidade que
freqüentemente surgem quando se tenta disciplinar um filho mais
velho. A experiência me ensina que este princípio exerce maior
impacto sobre a irresponsabilidade do que qualquer outra
estratégia.
4. Uma boa punição tem pouca duração e não se repete com freqüência.
Essa é a recompensa da punição.
Se você impõe uma punição após outra, ou se pune a criança por
um extenso espaço de tempo, corre o risco de punir-se mais que à
criança e de reduzir o efeito e o significado das punições. E também
estimula desnecessários sentimentos de vingança e de rebelião.
Um bom exemplo de como esse princípio pode ser implementado é
o seguinte: digamos que seu filho chega a casa tarde e mente ao
dizer-lhe onde esteve. Em vez de proibi-lo de sair por duas
semanas, imponha-lhe um castigo de maior intensidade e menor
duração. Supervisione pessoalmente uma hora do trabalho
doméstico que você lhe impôs (limpar os armários da cozinha, por
exemplo). Além disso, faça-o saber que nessa noite não haverá para
ele nem televisão, nem som, nem telefone. Terá também de ir para a
cama uma hora mais cedo. O castigo pela violação do horário
estabelecido e pela falta de respeito (mentir) termina num ou dois
dias. Depois a criança pode voltar à sua liberdade.
Se esse castigo precisa ser repetido freqüentemente, quer dizer que
não está funcionando. Talvez alguma outra coisa esteja acontecendo
(ansiedade, por exemplo), e você deverá avaliar o ambiente da casa
para remediar as causas da perturbação do garoto.
5.Em geral as queixas infantis são verdadeiras ("Isso não
é justo. Todo mundo pode fazer isso, só eu não.")
Respeite, mas não capitule.
Quando você tiver de tomar uma atitude antipática em determinada
circunstância, não espere uma submissão sem queixas por parte de
uma criança ou de um jovem inteligente. Injustiça, conformismo e
falta de compreensão são alguns dos tópicos que se prestam a
protestos verbais. Ao ouvir uma reclamação, lembre-se de que
provavelmente há um ponto de verdade no que diz seu filho.
Permaneça calma e procure utilizar a reclamação para iniciar uma
troca positiva de idéias.
Este princípio é especialmente útil quando se lida com crianças no
início da adolescência. Por exemplo: "Isso é injusto" é uma queixa
que forçosamente você ouvirá sempre que tomar uma decisão
antipática para elas. Em vez de censurar o garoto por lhe responder,
escute-o e aceite o núcleo de verdade que há na reclamação. Do
ponto de vista dele, provavelmente você está sendo injusta. Admita isso, e
então, se ele a estiver ouvindo, poderá mostrar-lhe que uma mãe
que ama seu filho precisa tomar decisões para o bem-estar dele.
Tentará explicar que essas decisões, difíceis de compreender na
idade dele, provocam uma compreensível impressão de injustiça.
Isto, contudo, não modifica sua decisão.
6.A criança adquire confiança e auto-estima mediante
limitações razoáveis e disciplina racional.
Com o objetivo de fomentar nos filhos um autoconceito positivo,
muitos pais acreditam que devem ser os melhores amigos da
criança, não impondo limites e garantindo que ela esteja sempre
feliz. Isso é falta de realismo.
A criança precisa de pais; amigos, ela os achará em outra parte. As
limitações induzem a criança ao autocontrole, indispensável para
seu desenvolvimento sadio. O fracasso é parte da vida, bem como a
tristeza. Nossos filhos precisam aprender a fracassar e a se sentir
tristes, sem cair na autocomiseração nem na depressão.
Se existe um meio de prevenir a Síndrome de Peter Pan, ele se
encontra neste princípio. Faça a criança entender que você será legal
com ela, contanto que ela se mantenha dentro dos limites
estabelecidos. A criança em idade escolar pode aprender a controlar
suas frustrações, tendo que preparar toda a lição de casa antes que
lhe seja permitido ir brincar. E durante toda a vida ela poderá ser
ajudada a tolerar o fracasso e a tristeza recebendo calor humano e
ternura, sem manifestações de compaixão nem qualquer tratamento
especial que se traduzem em expressões como: "Coitadinho. Sinto
tanto por você!"
7. Os pais reduzem a influência da pressão grupai tomando
resoluções conforme sua consciência, não pelo conformismo.
Se você se lembra da mensagem fundamental do Capítulo 5, está
ciente de que a redução da influência da pressão grupai é
absolutamente essencial para prevenir a Síndrome de Peter Pan.
Nunca é cedo demais para exercitar a própria consciência no que
tange à tomada de decisões. Infelizmente é habitual que isso ocorra
tarde demais, isto é, depois de o filho adolescente ter optado pelas
fórmulas impulsivas do grupo de amigos que se sobrepõem à
sensatez dos pais; então a possibilidade de instilar nele o senso de
individualidade restringe-se seriamente.
Reduzir a pressão grupai na vida de seu filho é controlá-la na sua.
Você se refere a outras crianças ou jovens ao julgar o
comportamento de seu filho? Você critica seu marido por seu não-
conformismo diante dos filhos? Você baseia suas decisões em
fatores externos influentes (televisão, jornais, revistas) ou naquilo
que lhe parece ser certo ou errado? As opiniões de outros adultos
impedem-na de disciplinar seus filhos em público?
Estas questões devem induzir a um auto-exame. Se você baseou
suas decisões no conformismo e não em sua consciência,
seguramente ensinou seus filhos a fazerem o mesmo. Na próxima
vez em que ouvir: "Mas mamãe (papai), todo mundo faz isso",
responda: "Pode ser, mas isso não é razão para você fazê-lo".
8. As crianças são fortes e criativas. Os pais podem
se deliciar com suas manipulações.
As crianças são muito mais ardilosas do que imaginamos. A atual
geração é mais nutrida e criada que as anteriores.
Nossas crianças são mais inteligentes e criativas. Conseqüente-
mente, em geral, testarão os limites da autoridade à procura de uma
moralidade sólida que as conduza através de uma vida difícil e
muitas vezes perigosa.
Pode acontecer que os pais se deliciem com as manipulações
infantis. Elas indicam que seus filhos são sadios e experimentam as
fronteiras do poder de seus egos. Este princípio também lhe lembra
a importância de prosseguir com suas normas morais, assegurando
que sua palavra seja seu compromisso.
Não importa qual a idade de seus filhos; deixe claro que você
acredita na força deles e que eles devem fazer o mesmo. Mostre um
pouco de compreensão e de ternura diante da "audácia" deles. Não
grite, não condene. Eles podem estar apenas procurando alguém
que lhes ensine o autocontrole. Você pode ser esse alguém.
9. As famílias que trabalham e se divertem juntaspermanecem juntas.
Em toda família onde a SPP floresce, existe uma atmosfera tensa. A
tensão tem raízes na discórdia conjugal e se ramifica pelas explosões
diárias de negativismo. Se há tensão em sua casa, você sabe que sua
família raramente consegue estar junta sem que haja alguém
provocando alguém e todos acabem nervosos.
Para reverter esta atitude negativa, a família deve envolver-se em
alguma atividade de que todos gostem. Ir ao cinema, jantar fora,
visitar museus, assistir a eventos esportivos podem ser o estímulo
para uma experiência familiar positiva.
Mesmo que seu cônjuge não ajude, ainda há esperanças de
mudança. Comece pelo almoço de domingo, onde todos deverão
estar presentes, e não tolere nenhuma atuação negativa. Se algum
dos filhos não se comportar, mande-o deixar a mesa e proiba-o de
sair nesse dia. Talvez demore, mas esforce-se por envolver a família
em trinta ou quarenta minutos de conversa agradável. Durante este
processo de reversão, talvez você nem sempre tenha êxito
(especialmente se não puder contar com ajuda); porém, pelo menos,
controle qualquer,negativismo a fim de evitar que a situação, já
ruim, piore ainda mais.
10. Não doutrine, dê o exemplo; são suas ações, não suas palavras que
ensinarão.
Muitos pais substituem as ações pelas palavras, acreditando poder,
por meio delas, "converter" os filhos. São eles, os pais, que carecem
de autodisciplina em suas atividades pessoais. Se bem que a maioria
não se enquadre no perfil da SPP, também eles não amadureceram.
Alguns deles foram criados em lares sem limitações. Seus filhos
representam uma segunda geração de permissividade. As crianças
não gostam de impor restrições a seus impulsos; o pior é que seus
pais também não sabem como fazê-lo. Os pais dão o exemplo,
falando de uma forma e comportando-se de outra. Em geral os
filhos seguem-lhes o exemplo. Resultado: cegos conduzindo cegos.
Se você tiver a coragem de admitir que desconhece os rudimentos
da autodisciplina, terá de empenhar-se para consegui-lo. Em vez de
culpar seus próprios pais, dirija sua atenção para a tarefa de
amadurecer. Não demorará muito, necessariamente. Se se esforçar,
talvez em alguns meses consiga recuperar os anos perdidos. Caso
esteja incerta quanto ao modo de pôr isto em prática, tenho uma
sugestão: os mesmos princípios básicos utilizados na educação de
seus filhos podem servir para promover seu próprio crescimento.
ABAIXO DE DEZESSEIS ANOS
Vimos como seis sintomas — cronologicamente: irresponsabilidade,
ansiedade, solidão, conflito referente ao papel sexual, narcisismo e
chauvinismo — combinados resultam no gradual desenvolvimento
de sete traços psicológicos observáveis. Ao oferecer estratégias
específicas de prevenção, apresentarei conselhos que visam à
eliminação desses traços. Dado que esta parte se relaciona com a
vítima de menor idade, minhas recomendações se concentrarão no
combate à influência dos quatro alicerces da SPP: a
irresponsabilidade, a ansiedade, a solidão e o conflito referente ao
papel sexual.
A menos que haja outra indicação, cada uma de minhas
recomendações deve ser seguida pela mãe e pelo pai de forma
idêntica. Algumas das sugestões requerem diferentes posturas por
parte deles (mãe e pai).
Impotência Emocional
Corte imediatamente todas as mensagens ocultas. Explique à
criança que as mensagens passadas estavam erradas e que ela não
deve preocupar-se em proteger a mãe e o pai.
Elimine o negativismo que paira nas reuniões familiares, ainda que
para isso tenha de suspender qualquer atividade em família.
Não se aborreça quando seu filho exprimir descontentamento
diante de uma decisão sua. Contanto que ele mostre um certo
controle, ignore suas exibições de desagrado.
Pai: Não responda com frases triviais à manifestação de sentimentos
de seu filho. Encoraje-o a expressar suas emoções honesta e
abertamente. Ajude-o, expressando seus próprios sentimentos de
modo maduro. Mostre-lhe que é normal experimentar uma
variedade de emoções.
Mãe: Pare de sentir pena de seu filho. Também não lhe passe a
noção de que ele deve usar seus sentimentos para obter favores
especiais.
Procrastinação
Designe tarefas a serem desempenhadas por seu filho e reforce as
regras com uma disciplina que o faça responsável pelo desempenho
do serviço (ver pág. 192).
Não se permita uma segunda advertência. Uma vez dada uma
ordem, após a primeira advertência ponha em prática o "ou então..."
Não tente forçar a criança já crescida, ou adolescente a estudar.
Determine um horário para o estudo e responsabilize-a pelas notas
obtidas.
Pare de fazer as coisas por seu filho pelo motivo de ser trabalhoso
demais; obrigue-o a fazê-las. Não o poupe da responsabilidade.
Reduza a mesada dele a um mínimo (preferivelmente a zero) à
medida que ele se aproxima da adolescência. Ensine-o a ser
responsável, ajudando-o a substituir a mesada por algum emprego
ou atividade remunerada.
Uma vez que seu filho tenha resolvido dar início a algum projeto
(aulas de música, de tênis etc), não lhe permita desistir até haver
começado com êxito outro projeto equivalente; se de qualquer
modo ele desistir, deve ter sua liberdade e privilégios reduzidos até
retomar os compromissos que assumiu.
Pai: Ensine seu filho a estabelecer objetivos e a planejar e avaliar o
resultado. Mostre-lhe seu método de solução dos problemas. Isso,
além de propiciar-lhe uma lição valiosa, diminui a distância entre
vocês.
Mãe: Abandone o uso não-intencional de mensagens geradoras de
sentimento de culpa. "Você gosta de me ver sofrer", "Você nunca me
ajuda" e "Você não imagina como isso me machuca" são desabafos
causadores de sentimento de culpa, de desespero ou de atitudes do
tipo "Pouco estou ligando. .."
Pressão Grupal
Não rebaixe os amigos de seu filho, nem o compare a meninos
"bonzinhos".
Se ele escolhe "más companhias", tente entender por que faz isso. Se
você descobrir por que seu filho necessita de um certo tipo de
amigos, talvez possa ajudá-lo a ultrapassar qualquer fraqueza que o
leve a essa escolha.
Siga sua consciência ao explicar a razão da tomada de determinadas
decisões. Cuide de não se deixar influenciar pelas opiniões de
outros pais (ver Retomando os princípios básicos 7, pág. 195).
No que concerne à individualidade, adote a seguinte regra: todos os
filhos em idade escolar devem exercer alguma atividade
extracurricular que favoreça o desempenho pessoal (tênis, corrida,
natação, ginástica, dança, teatro etc). Deixe que cada um escolha a
atividade que lhe convier.
Use a seguinte norma para evitar brigas entre os irmãos: se algum
não se comportar bem com os outros irmãos ou com as irmãs,
deverá ser-lhe vedado o contato com os amigos. Assim, ser-lhe-á
proibido sair ou falar com eles pelo telefone, até que faça alguma
coisa agradável para compensar seu mau comportamento. Partilhe
com seus filhos suas opiniões referentes a assuntos sociais e
políticos. Encoraje-os a dar suas opiniões a respeito dos assuntos
que lhes interessam. Procure que se envolvam nas atividades da
comunidade. Se não tiver tempo para mais, o mínimo que você
pode fazer é votar em todas as eleições. Se possível, leve seus filhos
aos locais de votação e deixe-os observar (em silêncio) como você
exerce seus deveres cívicos.
Reduza o consumo de bebidas alcoólicas. Destaque os aspectos
sociais da amizade. Seus filhos devem perceber uma clara distinção
entre o "social" e a bebida. O mínimo que você pode fazer a esse
respeito é conversar com seus convidados por alguns instantes
antes de perguntar: "O que você vai beber?"
Conflito Sexual
Providencie para que seu filho receba informações acuradas sobre o
sexo. Para ajudar a esclarecê-lo em suas conversas, seria bom você
familiarizar-se com a leitura de livros sobre educação sexual.Ensine a seu filho que conversar com pessoas do sexo oposto é mais
importante (e mais difícil) que tocá-las.
Descubra o que seu filho está aprendendo nas aulas de Educação
Sexual, na escola. Verificar a lição de casa proporciona a você uma
situação favorável para fazer perguntas e avaliar o nível de
informação adequada que ele adquiriu.
Proíba o namoro antes dos quatorze ou quinze anos.
Fique de olho na espécie de filmes e programas de televisão a que
ele assiste. Quando você notar que atitudes irrealísti-cas são
apresentadas como normais, questione-as. Por exemplo, em muitos
desses programas transmite-se ao rapaz a noção de que um busto
grande é absolutamente imprescindível para um bom
relacionamento.
Pai: Não tente reviver sua juventude mediante uma atitude
saudosista, fazendo perguntas a seu filho sobre possíveis
namoradas. Abrace e beije sua esposa diante dele. Fique de mãos
dadas com ela em situações sociais em família.
Pensamento Mágico
Ensine a seus filhos a diferença entre explicações e desculpas. As
crianças explicam as circunstâncias; os pais desculpam o mau
comportamento. Quando as crianças forjam uma explicação e
automaticamente pensam ter aí uma desculpa, começam a acreditar
na magia do pensamento.
Ajude seus filhos a aprenderem a conviver com o fracasso. Quando
eles enfrentarem alguma decepção, mostre paciência, não pena; e
não os isente das regras de conduta moral. Tenha isto em mente: "É
triste sofrer, mas não se esqueça das regras".
No exercício de sua autoridade, não fale demais. Se você discursar,
discutir ou argumentar, estará ensinando a seus filhos que eles
podem fazer as regras desaparecerem magicamente, manipulando
as palavras.
Cuidado com as queixas deste tipo: "Se não fosse por. . ." Esta é uma
fórmula mágica que implica a transferência da culpa de um fracasso
para outra pessoa. O melhor que você pode fazer é ajudar a criança
a encarar bem o problema, e ver como ela deve agir paia superar
qualquer adversidade que tenha de enfrentar.
Conflito com o Pai
Pai: Informe-se bem sobre as normas que governam a casa e use de
autoridade sempre que necessário. Não tente ganhar concursos de
simpatia, tentando sempre ser visto como o cara legal da família.
No trato com seu filho, faça coisas que agradem a você e a ele. Não é
preciso gastar grandes somas de dinheiro para ter um bom
relacionamento. O segredo é ambos se apreciarem mutuamente.
Conte-lhe algumas passagens constrangedoras de seu passado.
Deixe-o ver o lado humano de seu pai.
Poupe seu filho de qualquer atitude chauvinista porventura ainda
presente em você.
Mãe: Nunca diga: "Espere até seu pai chegar!"
Além de suprimir todas as mensagens ocultas, não faça seu filho
partilhar de seus problemas conjugais.
Conflito com a Mãe
Mãe: Poupe seu filho do papel estereotipado de mulher do lar.
Ensine-o a cozinhar, a costurar e lavar roupa; ele poderá necessitar
desses conhecimentos de sobrevivência.
Dedique a si mesma parte de sua vida, independentemente dos
filhos. Do contrário poderá cair numa atitude de mártir e de
superprotetora.
Esteja particularmente atenta para não implantar nem encorajar
normas absurdas.
Poupe seu filho das atitudes femininas chauvinistas. Elas
complementam o ponto de vista do chauvinista. "Quem manda é
seu pai" e "Os homens não têm nada a ver com serviço de casa", são
exemplos dessas atitudes.
Pai: Além de suprimir todas as mensagens ocultas, não faça seu
filho partilhar de seus problemas conjugais.
Ajude seu filho a lidar com os próprios sentimentos e atitudes, no
processo de experimentação de autonomia em relação à mãe.
É bom que seu filho aprecie sua masculinidade; porém não tema
buscar apoio, compreensão e ajuda em sua esposa.
Se você tiver casos extraconjugais, poupe a seu filho o conhecimento
deles (embora provavelmente ele sinta que há algo errado).
Mãe: Jamais transmita a seus filhos informações, boas ou más, sobre
sua vida sexual.
Vista-se com relativa discrição.
ÀS MÃES QUE BATALHAM SOZINHAS
Minha experiência ensina que a primeira pessoa a captar a situação
problemática da vítima da SPP é sua mãe. Todavia, como o marido
geralmente ignora suas preocupações e mantém distância em
relação ao filho, seu diagnóstico é desprezado por ele, e tido como
exagero. Se a mãe não consegue convencer o pai da necessidade de
mudanças, ela está batalhando sozinha.
Caso tenha sido impossível atrair a atenção de seu marido para os
problemas familiares, não desista. Apesar de algumas coisas não
poderem ser feitas por você sozinha, outras são factíveis e
impedirão o desenvolvimento da SPP. As sugestões que se seguem
destinam-se às mães que batalham sozinhas, seja por causa do
divórcio, da morte do marido, seja no caso das mães solteiras, por
nunca terem contado em casa com a presença de um pai.
Procure um grupo de apoio. Tanto pode ser um grupo de pais
patrocinado pela APM, a igreja ou algum posto de saúde mental
local, como um grupo informal constituído por vizinhos e amigos.
Não tenha vergonha de expressar suas preocupações; várias outras
mães estão na mesma situação que você.
E essa é a principal finalidade dos grupos de apoio: fomentar a
esperança e a coragem pela partilha de experiências similares.
Retome os princípios básicos. Revise meticulosamente meus dez
princípios. Discuta a implementação deles no caso específico com
seu grupo de apoio. Atente particularmente para os princípios que
ajudam você a estabelecer normas sem discutir, nem argumentar,
nem discursar. Se seu marido não cooperar com você, talvez ele
possa no mínimo não atrapalhar.
Faça algo por si mesma. Nada é mais eficaz contra a atitude de
mártir do que fazer algo de que se gosta. Se você está vivendo com
um homem que lhe parece estranho, precisa de uma atividade fora
de casa para agüentar a solidão. Se não sabe por onde começar,
garanto-lhe que muitas mães, em sua situação, têm tirado grande
proveito de aulas de dança aeró-bica, de tênis e de expressão
corporal, bem como da retomada de seus estudos.
Procure ajuda especializada. Não é preciso ser desequilibrado ou
louco para se procurar um terapeuta. Nem é necessário ser rico.
Onde quer que você more, sempre haverá um profissional
especializado em aconselhamento, e disposto a ouvi-la e a oferecer-
lhe auxílio. Muitas agências empregadoras desses terapeutas
cobram uma taxa correspondente à sua renda. Não lhe faria mal
nenhum experimentar. Talvez até consiga levar seu marido.
ACIMA DOS DEZESSEIS ANOS
Chegando à fase dos dezesseis anos aproximadamente, a vítima da
SPP começa a desdenhar a autoridade dos pais. Se você não se
mantiver firme, as estratégias preventivas provavelmente serão
infrutíferas. O garoto ficará na expectativa de que você lhe dê o que
ele deseja e não se meta na sua vida. Você não pode esmorecer, do
contrário estará perdida.
Admita seus erros. Sem esperar agradecimento nem aplauso. Eis
uma forma apropriada: "Erramos em te dar tanto dinheiro e tão
pouca atenção. Deixamos você nos dominar sem reagir. Por estas e
outras coisas, sentimos muito. Desculpe".
Depois de admitir seus erros, diga ao garoto que o ama e tentará
ajudá-lo de todas as maneiras possíveis. Mas lembre-lhe que os
problemas dele são dele só, e que você não assumirá a
responsabilidade deles. Use estas colocações para introduzir as
ações que você pretende executar a fim de ajudá-lo a sair da
armadilha em que se meteu.
Procure ajuda especializada. A partir dessa idade, a vítima da SPP
precisa de aconselhamento ou de terapia. É certo que ele resistirá
bastante e é possível que o tratamento não dê resultado (ver
Capítulo 2). A fim de maximizar os efeitos positivos, leve em
consideração estas sugestões:
Procure o orientador da escola onde ele estuda.
Este orientador deve ser de preferência do sexo masculino,dada a
necessidade do rapaz de se aproximar de uma figura paterna, e
tendo em vista sua ambivalência para com as mulheres.
Dependendo da forma como trabalha o orientador, tente conversar
com ele antes da entrevista com seu filho (mesmo que você tenha de
ir sozinha).
Explique a seu filho que ele vai conversar com o terapeuta sobre um
problema familiar; isto é, sobre um assunto que interessa a todos.
Prepare-se para ter que "forçar a barra" para que seu filho
compareça às sessões. Clientes desmotivados não prometem bons
prognósticos, mas ao menos o orientador terá uma chance de
ajudar. (Falarei mais sobre esse "forçar a barra", logo a seguir).
Estudo/Trabalho. Sinceramente creio que a melhor terapia do
mundo é a combinação de estudo com trabalho. Se o garoto está nos
estágios avançados da SPP, seu desempenho nessas áreas
provavelmente é modesto. Pouca coisa lhe pode proporcionar um
justo orgulho de si mesmo. Esforce-se ao máximo para reverter esse
processo com estas sugestões:
Ponha o rapaz num programa integral de estudo/trabalho. Se for
um estudante de tempo integral, terá de obter o dinheiro para seu
desfrute mediante um emprego de meio período. Se ele não estiver
na escola, ser-lhe-á imposta uma taxa razoável para as despesas da
casa.
Não lhe adiante nenhuma soma a menos que ele tenha provado
clara e consistentemente que paga seus compromissos em dia.
Se ele está realmente se esforçando para encontrar um emprego,
mas não consegue, você pode concordar em pagar-lhe uma
determinada quantia em troca da prestação de serviços em casa.
Não discuta com ele sobre dinheiro. Isto só inflamará sua raiva, e nada
resolverá.
Se ele está com problemas de estudo ou disciplinares na escola,
fique na retaguarda, deixando-o arcar com a maior parte da
responsabilidade. Nessa altura, contente-se com conceitos C. No
semestre seguinte talvez você possa esperar um resultado melhor.
COMPORTAMENTOS DESCONTROLADOS EM CASA
Não o acorde de manhã, mesmo que isso implique a possibilidade
de ele perder o emprego.
Exija um relativo grau de limpeza e ordem em seu quarto.
Determine um horário para ele chegar a casa (mesmo que ele tenha
vinte e um anos e esteja pagando aluguel). Você poderá ser bem
flexível na aplicação desse horário, se ele estiver se saindo bem nas
áreas de estudos e de trabalho.
Não tolere de forma alguma o abuso de drogas. Nem discuta o
assunto. Diga apenas: "Sei que às vezes você bebe e fuma maconha.
Mas se eu vir qualquer sinal disso aqui, serei forçada a tomar
providências. Só porque você já tem alguma idade não quer dizer
que vou deixar de ser sua mãe quando você resolve agir de modo
irresponsável".
Exija dele respeito e consideração pelos outros. Portanto, se ele não
atender o pedido de abaixar o volume do estéreo e gritar "esse som
é meu", desligue-o.
Não lhe conceda uso ilimitado do carro. Enquanto ele morar em sua
casa, você deve mostrar-lhe que tem algum controle sobre suas
atividades.
TOMA JEITO OU CAI FORA
Sinto dizer que a maioria das recomendações transmitidas acima
provavelmente não funcionará, especialmente se o rapaz tiver
dezoito anos ou mais. Portanto você terá de pôr em prática um
programa do tipo "toma jeito ou cai fora", concretizando sua decisão
de não mais tolerar que ele continue se autodes-truindo dentro de
sua casa. É aqui que entra o "forçar a barra" de que falei.
Continue gradualmente com esse programa. Lembre-se de que você
contribuiu para que ele chegasse à situação em que se encontra, e
por isso dê-lhe tempo para tomar jeito. É muito conveniente jogar
toda a culpa sobre o rapaz. Cômodo, mas não resolve.
Fique atenta ao seu comportamento. Se você se preocupar em
demasia com os sentimentos e motivações dele, ficará imobilizada.
Embora você saiba que ele se sinta mal, isso não o exime da
necessidade de corrigir-se.
Informe-se com seu advogado sobre seus direitos e sobre as
responsabilidades de seu filho.
Se seu filho transgride repetidamente as normas estabelecidas para
o trabalho, estudos, horários, tarefas, dinheiro e uso do carro, você
será forçada a adotar medidas mais severas.
Aplique a "resistência passiva". Não lhe faça a comida, nem lhe lave
a roupa. Recuse-se a anotar recados telefônicos e dar-lhe dinheiro
sob qualquer pretexto. Diga-lhe: "Não farei nada por você, se você
não tomar jeito".
Se isso não surtir efeito, transforme o quarto dele em quarto de
costura ou de TV. Faça-o dormir na sala.
Se tudo isso não for suficiente, proiba-o de entrar na casa. Se ele
entrar à força, mande prendê-lo.
Chegando a este ponto, configura-se a situação do "ou vai ou racha".
Fique firme. Não volte atrás em sua decisão.
Você poderá (se o orientador concordar) ser mais branda em
algumas destas atitudes extremas, caso o rapaz decida com
seriedade procurar aconselhamento.
Muitos de vocês poderão achar estas recomendações duras demais.
Talvez sejam. Mas peço-lhes que reflitam sobre o seguinte: se seu
filho, a quem amam tanto, está lentamente (ou nem tanto)
destruindo a própria vida, e essa destruição parece absolutamente
inexorável, não vale a pena tentar tudo, até mesmo a prepotência,
para salvá-lo? É claro que vale. O amor exige isso.
APOIO DO SISTEMA
Uma vítima da SPP não adota um estilo de vida prático apenas
porque seus pais cometeram alguns erros. Outras pessoas respei-
táveis à sua volta contribuíram para sua desgraça. Tias, tios, primos,
avós, professores, empregadores, ministros da igreja e vizinhos bem
intencionados compõem um sistema cujos membros sem dúvida
também cometeram erros. Eles provavelmente sentiram pena do
menino, deram-lhe tratamento especial e uma infinidade de chances
que só serviram para ensinar-lhe como manipular com mais
eficácia. Esses componentes do sistema ao redor da vítima devem
também ajudá-lo a recuperar-se.
O sistema pode exercer um impacto positivo sobre a vítima da SPP
apoiando o que vocês, pais, tentam fazer. Assim, o primo não deve
convidar seu filho para ir ao bar. Os avós não devem arranjar-lhe
dinheiro emprestado. A tia não deve brindá-lo com um "coitadinho"
quando ele telefona lamurian-do-se. O chefe deve despedi-lo, se ele
o merecer. O terapeuta deve enfrentá-lo se seu comportamento
derrotista o exigir. Seu vizinho não deve alojá-lo na própria casa
sem aprovação dos pais. Se apenas uma destas coisas acontecer,
todo o programa de ajuda será sabotado.
Como pais, a maior tarefa de vocês é implementar as reco-
mendações expressas acima. Entretanto, devem também procurar
outras pessoas chegadas ao rapaz e explicar-lhes como podem
ajudar. Peça-lhes que não atrapalhem o que você está tentando
realizar. Convença-os de que está fazendo algo que não pode, de
modo algum, deixar de ser feito. Induza-os a apoiar seus esforços e
faça com que se conscientizem da importância deles.
Tendo feito isso, você fez tudo o que era possível fazer. Apegue-se à
esperança de que o jovem tirará proveito das duras lições impostas.
Como já afirmei anteriormente, o melhor — e talvez o único —
remédio contra o pó mágico é a realidade.
Se você acha que seu filho pode estar se tornando uma vítima da
SPP, insisto — tanto para seu bem como para o bem dele — em que
tome medidas definitivas já, para interromper essa destruição sem
sentido. Se seu marido é indiferente a suas preocupações, persuada-
o a ler este livro, especialmente os Capítulos 10 e 11. Será impossível
que ele não tema o que aguarda seu filho no futuro.
Um último conselho: não perca tempo afligindo-se com o
sentimento de culpa. Isto só piora as coisas. Se seu filho foi
capturado pela legião dos meninos perdidos, seja qual for a idade
dele, aja de maneira a fazê-lo desertar. Seu filho não precisa de seu
remorso. Ele precisa de sua ajuda.
13
Para Esposas e Amantes
Wendy pula dacama com a intenção de abraçar Peter, porém ele recua;
ele não sabe por que, mas sabe que tem que recuar. Durante toda a peça
Peter não é tocado por ninguém.
A narrativa de Barrie insinua que Peter é escravo de uma com-
pulsão. Inexplicavelmente ele se afasta de Wendy e de seu gesto
afetuoso. Ela desejava consolá-lo; ele não podia permitir isso. Se
você está apaixonada por uma vítima da Síndrome de Peter Pan,
conhece a frustração experimentada por Wendy. Refiro-me às
"regras de amor" da vítima.
Mantenha distância. Não venha partilhar seus sentimentos até que
eu lhe dê permissão. Não espere que eu partilhe meus sentimentos
com você. Não desafie minhas idéias e crenças. Toque-me conforme
minha disposição.
Estas regras não-expressas matam a espontaneidade, ingrediente
essencial num relacionamento afetivo maduro. O fato de serem não-
expressas dificulta a sobrevivência do amor; o fato de serem
contraditórias inviabiliza-o. Como dar amor quando seu parceiro
mantém em relação a você atitudes tão rígidas? Ou você se
comporta de determinado modo, ou será rejeitada. Não fosse o fato
de você se dar conta da pessoa que ele é em potencial, jamais
toleraria suas manipulações infantis.
Mas você as tolera, e como! E por isso contribui para seu próprio
sofrimento. Essa é a má notícia. A boa é que você pode modificar as
coisas. A vítima da SPP pode aprender a retornar da Terra do
Nunca, porém necessita de um ponto de partida.
Esse ponto de partida é a mulher que o ama. E você começará pelo
plano de mudança delineado no Capítulo 2.
O amor lhe dá a motivação para ajudá-lo. O plano lhe oferece a
direção a seguir. Outro ingrediente necessário é a esperança. Dará
certo? Valerá a pena? Algo no íntimo lhe diz que sim. Essa voz por
vezes silencia, mas sempre torna a fazer-se ouvir. A mensagem
completa é: junte-se a mim e tudo certamente melhorará. Você não
precisa passar o resto da vida fazendo sempre a mesma coisa. A
vida pode ser muito mais excitante e gratificante se você tiver
coragem de mudá-la. A vozinha tem até um nome: Sininho.
COMO TORNAR-SE "SININHO"
Dois tipos de mulheres são atraídos pela vítima da Síndrome de
Peter Pan. Na primeira categoria incluem-se aquelas submissas aos
homens e propensas a assumir o papel de mãe protetora. Ela mesma
é insegura; a dependência da vítima a faz sentir-se indispensável.
Isso até lhe dá uma sensação (distorcida) de força. Suas relações
sexuais com a vítima da SPP são ritualísticas e previsíveis; também
terminam rápido. Ela não reconhece que a vítima é imatura, e
convence-se de que seus problemas são normais. Ela se agarra a esse
parceiro na crença de que sua vida amorosa melhorará. Mas não
melhora. Chamo a esse tipo de mulher "Wendy".
O outro tipo de mulher deseja espontaneidade, crescimento e
adaptação mútua no relacionamento com um homem. Ela reconhece
a imaturidade da vítima da SPP, porém sente-se atraída por sua
atitude descompromissada. Ela também crê que o companheiro
abandonará parte do comportamento pueril. Contudo, quando isso
não acontece, ela não se agarra a ele. Rompe o relacionamento,
desiludida e decepcionada. Nunca chega a entender bem por que o
amor azedou tanto. "Sininho" é a denominação que dou a essa
mulher.
Se a vítima da SPP é um prisioneiro da Terra do Nunca, o mais
freqüente é "apaixonar-se" por uma Wendy. Acostuma-se a ser
mimado e amparado. Sua Wendy o protegerá de suas próprias
inseguranças. Quando ele tiver um acesso de fúria ou se tornar um
alcoólatra, ela compreenderá e aceitará. Ela o suportará porque ele
precisa muito dela. Existem muitas Wendy nas reuniões dos
Alcoólatras Anônimos.
Se a vítima da SPP retorna da Terra do Nunca, procurará uma
Sininho. Necessitará de seu amor maduro e de seu apoio, enquanto
vai flexionando músculos emocionais até então desconhecidos.
Quanto a Wendy, se ela passar a utilizar a carga elétrica adormecida
em seu interior, poderá tornar-se uma Sininho. Se cansar de ser uma
perpétua figura materna, desafiará o parceiro a mudar. Se ele não a
atender, ela abandonará seu Peter Pan e procurará um homem que
não tema ser uma pessoa inteira. É por isso que vários Peters Pans e
Wendys acabam se divorciando, ao passo que ex-vítimas e Sininhos
estão tão ocupadas em descobrir a vida que nem se ouve falar deles.
Isto pode desagradar-lhe, mas se seu marido ou seu amante é vítima
da SPP, com toda a probabilidade você é uma Wendy. Talvez nem
sempre tenha sido Wendy; e pode existir em sua alma uma
poderosa fagulha do espírito de Sininho. No entanto, se investiu
tempo e energia num relacionamento com uma vítima da SPP, parte
de seu subconsciente funciona segundo os padrões de Wendy.
Em meu trabalho com esposas e amantes de vítimas da SPP,
primeiramente focalizo os maus hábitos que elas possuem e que
complementam os do parceiro e reforçam as coisas que ele faz.
Encorajo-as a pôr em ordem sua própria vida antes de tentarem
ajudar o companheiro.
Há boas chances de você tornar-se uma Sininho, sem ter de terminar
seu relacionamento. Como mencionei acima, assim como as
Wendys, as Sininhos se sentem atraídas pela vítima da SPP por
causa dos diversos aspectos positivos de sua personalidade. Não é
preciso ignorar os aspectos positivos para poder lidar com os
negativos. Todavia, aviso com antecedência: sua transformação em
Sininho implicará uma sobrecarga em seu relacionamento atual. Se
a vítima da SPP obteve um índice alto (digamos, acima de 25) no
teste no Capítulo 2 e rejeitar sua ajuda, é possível que, por fim, você
resolva romper o relacionamento. E então você compreenderá
minha afirmativa de que não se pode mudar a vítima da SPP, pode-
se apenas ajudá-la.
Seu próximo passo no processo de mudança, portanto, é discriminar
as características de Wendy presentes em você. Isto para seu próprio
crescimento e amadurecimento. O que, em si, é extremamente
benéfico e trará inúmeras vantagens a longo prazo. Outra razão
para você mudar é a necessidade de atrair seu marido ou amante
para longe da Terra do Nunca, e levá-lo à realidade de que ele é um
ser humano frágil e amoroso como todos nós. Isto o assustará; ele
pode resistir. Será difícil e requererá muito esforço por parte de
ambos.
Se você resolver parar de ser a mãe de seu parceiro e se tornar uma
Sininho, a mudança lhe fará bem, ainda que você perca o
companheiro durante esse processo. Porém, se você pretende
mudar com o propósito principal de ajudar seu parceiro, então
continua fazendo o que faz há muito tempo, isto é, continua
sacrificando-se por ele, e é isso exatamente o que ele espera de uma
figura materna. Você simplesmente pula da frigideira para o fogo.
AUTO-EXAME
Eis um teste sobre si mesma. Para fazê-lo é preciso que você olhe
com honestidade para dentro de si, procurando as características de
Wendy.
Quantas das seguintes afirmações se assemelham a coisas que você
já pensou ou disse a alguma pessoa?
1. Seu parceiro foi particularmente cruel, levando-a a dar-se conta
de que a maltrata regularmente. Você pensa: "Só espero conseguir
agüentar até que ele mude".
2. Diante da idéia de ele abandoná-la, você pensa: "Não vou
agüentar ficar sem ele de jeito nenhum".
3. Ao considerar a idéia de um divórcio ou de uma separação, você
pensa: "Se eu o deixar, será demais para ele".
4. Alguém lhe pergunta se você trabalha e você responde: "Não, sou
apenas dona-de-casa".
5. Depois de relembrar a falta de consideração dele, sua recusa em
partilhar seus sentimentos com você e suas frias exigências sexuais,
você diz: "Ah, mas ele me ama tanto".
6. Seu parceiro grita com você por ver a casa desarrumada — a qual
ele nunca ajudou arrumar — ou porque não gostou da comida, e
você diz: "Sei que a culpa é minha".
7. Seu parceiro convida os amigos para ocasiões em que afirma
desejar passar com você, e vocêdiz: "Que egoísta eu sou por ficar
chateada!"
8. Seu parceiro tem sempre dinheiro à mão para pagar drinques aos
amigos, mas irrita-se quando você quer gastar dinheiro consigo
mesma, e você diz: "Estou errada por sair do meu orçamento".
9. Quando alguém lhe pergunta qual é a coisa de que mais gosta em
seu marido, sua primeira resposta é: "Ah, ele luta muito por nós; ele
trabalha quatorze horas por dia".
10. Você se sente mortificada pela insensibilidade de seu parceiro, e
diz: "Se eu me esforçasse por ser como ele, isso não me machucaria
tanto".
Quantas dessas afirmações lhe passaram pela mente e/ou saíram de
sua boca? Usando a velha técnica "Numa escala de 1 a 10. . .",
verifique o índice de sua semelhança com Wendy. Não precisa de
categorias para avaliar esse índice. Basta dizer que, se o índice vai
além de 3 ou 4 e se aproxima de 9 ou 10, é sinal de que você se acha
aprisionada com seu parceiro na Terra do Nunca. Quanto mais
baixo o índice, maior a probabilidade de você conseguir
transformar-se numa Sininho e atrair seu companheiro para longe
da legião dos meninos perdidos.
Conclua seu auto-exame colocando-se três perguntas semelhantes
às que propus ao final do Capítulo 2:
Como fiquei assim?
Em que estou pensando?
O que posso fazer para mudar?
Vamos considerar antes, rapidamente, a última pergunta. O que
você pode fazer é aliar à motivação a esperança, e utilizar o plano
de mudança para conduzir seus melhores esforços na direção certa.
Depois de responder às duas primeiras perguntas, apresentarei
sugestões específicas no sentido de ajudá-la a tornar-se uma
Sininho.
As duas primeiras questões devem ser encaradas como variações de
outra questão mais fundamental: o que me leva a reforçar
inconscientemente um padrão de comportamento que acaba por me
magoar e destruir minhas esperanças de um relacionamento
amoroso?
Essa questão já foi respondida de forma prática e bem documentada
por uma mulher sensível e inteligente, que deve ter lidado com uma
vítima da SPP durante uma época de sua vida. Seu nome é Colette
Dowling, e seu livro, realmente, brilhante, é The Cinderella Complex
(Complexo de Cinderela*). Qualquer Cinderela que deseje tornar-se
* Edições Melhoramentos (N. da Editora).
uma Sininho, deve antes confrontar seu complexo de Cinderela e
decidir superá-lo.
O COMPLEXO DE CINDERELA
Embora nada possa substituir uma cuidadosa leitura do livro da
Sra. Dowling, seja-me permitido resumir os pontos essenciais
apresentados na obra e que têm relação com o problema de que
estamos tratando.
O complexo de Cinderela é definido como:
Uma rede de atitudes e temores profundamente reprimidos que
retém as mulheres numa espécie de penumbra, e impede-as de utili-
zar em plenitude suas mentes e sua criatividade. Como Cinderela,
as mulheres de hoje ainda esperam por algo externo que venha
transformar suas vidas.
Dowling acredita que as mulheres vêm sendo treinadas para ser
dependentes e temer a autonomia. Acredito que muitas mulheres
tentam conviver com seus medos, refugiando-se num papel
maternal (Wendy), na esperança de que, sendo carentes, de algum
modo obterão segurança. Portanto, coloco a hipótese de que ser uma
Wendy é uma forma de as mulheres tentarem conviver com seu complexo
de Cinderela.
Eis como Dowling corajosamente descreve seu próprio retiro:
Agora eu tinha um vasto terreno, flores, uma grande casa com
vários cômodos, poltronas confortáveis, recantos aconchegantes.
Sen-tindo-me segura, pela primeira vez em anos, dediquei-me a
preparar o tranqüilo domicílio sugerido pelas lembranças dos
aspectos mais positivos de minha infância. Construí um ninho,
forrando-o com o melhor algodão e a mais macia lanugem que pude
encontrar.
E então me escondi nele.
É importante notar a respeito do retiro de Dowling que ela o fez
enquanto se relacionava com um homem que não era vítima da
Síndrome de Peter Pan (minha inferência clínica). A lição é clara: é
bem possível que você procure a comodidade de ser uma Wendy,
independentemente da propensão de seu marido ou amante para a
SPP. Aliás, você pode ter inconscientemente procurado uma vítima
da SPP, cuja necessidade de uma mãe fez ambos vocês um perfeito
(embora neurótico) casal.
Se você está disposta a encarar o nó cego criado por seu amor,
perceberá que possui um certo grau de pensamento mágico não
muito diverso do de seu companheiro. Por conseguinte, se é
verdade que a vítima da SPP usa o pó mágico para escapar para a
Terra do Nunca, também não é verdade que as mulheres que amam
Peter Pan estão à espera de uma varinha de condão que as
transforme em Cinderela, acreditando que seus duros sacrifícios
criarão de algum modo uma carruagem mágica que as salvará da
miséria e da solidão?
Existe um acordo vítima-salvador implícito entre a vítima da SPP e
sua Wendy. Superficialmente parece que a mulher é a vítima, e o
homem o salvador; que o homem é forte, e a mulher fraca. Não
creio que isto seja real. Na verdade a dinâmica do poder, neste caso,
funciona exatamente ao contrário. O homem é fraco e a mulher é
forte. O pior é que ela só extrai sua força de motivos errados.
Em primeiro lugar, não deve haver dinâmica de poder num
relacionamento de igual para igual. O acordo vítima-salvador é, por
definição, destrutivo em relação a um casamento orientado para o
crescimento.
Em segundo lugar, a mulher está sendo alvo de um menosprezo e
de um desrespeito que nenhum ser humano deveria tolerar. Seu
medo de independência a impele a fazer o papel de Wendy, onde
ela sente mais dor do que prazer. Se os papéis fossem invertidos,
não há dúvida nenhuma de que a vítima da SPP nem por um
minuto toleraria tal sofrimento.
Em terceiro lugar, a mulher tem consciência de suas emoções, e sabe
como dar expressão a seus sentimentos. Isto a faz
consideravelmente mais forte do que a vítima da SPP, que perdeu
contato com seus sentimentos, mas oculta sua fraqueza fingindo
que os sentimentos não são importantes.
Finalmente, o próprio fato de eu me dirigir tanto às mulheres neste
livro evidencia que concluí que, no caso de Peter Pan e Wendy,
minha melhor chance de ajudar a vítima da SPP é ajudar sua
companheira. Ela pode estar esperando por uma carruagem mágica,
mas minha experiência mostra que ela tem a coragem e a
determinação de admitir seus erros, de abrir mão da pseudoforça e
de batalhar para melhorar as coisas.
O QUE VOCÊ PODE FAZER PARA MUDAR A SITUAÇÃO?
Era para esta questão que nos vínhamos encaminhando desde o
teste do Capítulo 2, passando pelo resumo do projeto de mudança
(que você deve ter em mãos), e terminando com um auto-exame
psicológico, acompanhado de advertências referentes à influência
do complexo de Cinderela.
Você agora vai usar esse projeto para efetuar algumas mudanças na
forma como você e seu marido ou amante se relacionam. Para isso,
tenha duas coisas em mente:
Primeira: Quando você se defronta com um comportamento típico da SPP,
o que você faz não pesa tanto quanto o que você não deve fazer, PARE DE
DIZER E FAZER COISAS TÍPICAS DE WENDY. Pare de dar expressão a seu
medo da autonomia, ocultando-se por trás de Wendy.
Segunda: Use os atributos positivos anotados em seu projeto de
mudança para abordar os negativos. E concentre-se nos negativos
"às vezes" antes de atacar os "sempre" negativos. Por exemplo, se
suas anotações indicam que seu companheiro nunca flerta com
outras mulheres, mas às vezes se perturba com sua agressividade
sexual, agradeça-lhe a fidelidade e anuncie que lhe fará uma
massagem nas costas cujos efeitos ele sentirá o resto da noite. Isto dá
a você a oportunidade de amenizar o embaraço que ele sente diante
de sua agressividade sexual, e o induz a que, também ele, venha a
massagear suas costas.
Se seu parceiro obteve um índice baixona escala da SPP, e o seu foi
satisfatório na escala de Wendy, talvez você pense que a lista de
recomendações que se segue não se aplica a você. Mas reflita. Você
já resolveu totalmente seu complexo de Cinderela? Você está
totalmente livre de cair na armadilha representada pela Terra do
Nunca e pelas fadas-madrinhas? Duvido. Ainda que se considere
uma Sininho pode existir um charmoso homenzinho imaginário
usando uma roupa verde, esperando por você na esquina.
Muito bem, vamos trabalhar.
Eis como sugiro lidar com os vinte comportamentos típicos da SPP
apresentados no Capítulo 2.
?. Ele reage de forma desproporcional ao estimulo, pressionando-a para
desculpá-lo ou absolvê-lo da culpa.
O que você não deve fazer:
• Não tente acalmá-lo com comentários como: "Querido, você fez o
melhor que podia; não foi culpa sua".
• Não entre em discussões que possam apoiar as argumentações
absurdas dele.
• Não lhe poupe sofrimento mostrando ter pena dele. O que você
deve fazer:
• Pergunte-lhe como se sente por ter cometido um erro.
• Faça-lhe perguntas que lhe provoquem a conscientização; por
exemplo: "O que você podia ter feito de outro modo? Isso lhe
ensinou algo para o futuro? O que você pode fazer na próxima
vez?"
• Saia da sala se ele persiste em fazer o joguinho de inocente.
• Fale sobre os erros que você cometeu.
• Use humor ("Oh, é o primeiro erro que você comete este ano").
• Proponha alternativas racionais. "Ter raiva é normal. Dê-se o
direito de errar. O erro é o meio de a natureza nos lembrar que
somos humanos".
• Se ele se zangar com você por não sentir pena dele, diga: "Não
posso acabar com sua dor; isso é responsabilidade sua".
2. Ele se esquece de seu aniversário, do aniversário de casamento e de
outras datas importantes.
O que você não deve fazer:
• Não jogue indiretas.
• Não espere remorso, quando ele percebe quanto você ficou
chateada por seu esquecimento.
• Não o constranja comprando-lhe um belo presente, se você sabe
que ele esqueceu o seu.
• Não planeje natais ou aniversários "inesquecíveis".
• Não o compare com outros homens que se recordam de datas
importantes.
• Não se queixe com os outros dos esquecimentos do seu homem,
nem mesmo de brincadeira.
O que você deve fazer:
• Se você quer um presente, provavelmente terá de comprá-lo.
Diga-lhe: "Você me deu este lindo suéter no meu aniversário".
• Em lugar de indiretas sutis, circunde as datas importantes com
tinta vermelha, em algum calendário que ele consulte fre-
qüentemente.
• Para ajudá-lo a recordar a data, anuncie na noite anterior:
"Amanhã teremos um jantar especial para comemorar nosso dia".
• Diga-lhe, de preferência não perto de datas importantes, quanto
significa para você que ele se lembre de seu aniversário e de outros
dias especiais. Explique-lhe por que é importante.
• Peça-lhe que conte suas melhores recordações de aniversários e
de outras festas de sua infância.
3. Ele tenta impressionar as pessoas em festas, especialmente as mulheres.
O que você não deve fazer:
• Não flerte com outros homens para fazê-lo perceber quanto você
se sente mal com a atitude dele.
• Não tente competir com ele para obter as atenções de todos; ele se
esforçará mais ainda e culpará- você se os outros o ignorarem.
• Não se pendure no braço dele, reclamando: "Você está me
ignorando".
• Não inicie uma discussão com ele, no carro, de volta para casa,
sobre a crueldade com que ele a trata.
• Não peça desculpas aos outros pelo comportamento dele.
• Não faça ameaças inúteis ("Nunca mais vou a uma festa com
você").
• Não o compare aos outros homens da festa ("Haroldo levava
drinques para Marge e foi buscar o agasalho dela quando ela sentiu
frio"). Sua vítima da SPP apenas ficará com raiva de Haroldo.
• Não faça reclamações vagas ("Você não presta atenção em mim").
O que você deve fazer:
• Não vá a festas caso seu parceiro não se interesse por seus
problemas.
• Peça a outra pessoa (não a outro homem) para levá-la para casa
se ele a magoar.
• Entenda que você não tem que ficar "grudada" a seu com-
panheiro em uma festa. Solte-se dele, circule e divirta-se sozinha.
• Aja por sua própria conta quando quiser tomar um drinque ou
conhecer novas pessoas.
• Em hora adequada (talvez no dia seguinte), diga-lhe: "Quando
você beija outra mulher na minha presença, sinto
Não faça isso na minha frente de novo".
• Seja objetiva e precisa quando o repreender pelas coisas que ele
disse a você e que a magoaram. Por exemplo: "Não quero mais
ouvir você falar mal de minha mãe para impressionar seu chefe. Se
você fizer isso de novo, irei embora da festa".
4. Ele acha quase impossível dizer "desculpe-me".
O que você não deve fazer:
• Não tente arrancar dele um pedido de desculpas.
• Não lhe chame a atenção todas as vezes em que ele deveria pedir
desculpas.
• Não traga à tona erros do passado nem fique lhe apontando suas
falhas constantemente.
• Não se ponha a analisar suas fraquezas interpretando o porquê
de ele não conseguir se desculpar. Por exemplo: "O motivo pelo
qual você não admite seus erros é que você tem um ego insuflado".
• Não caçoe dele por não estar dentro dos padrões da "nor-
malidade".
O que você deve fazer:
• Aceite outros tipos de pedidos de desculpas. Por exemplo:
"Gostaria de não ter gritado com você".
• Peça-lhe desculpas e a outros quando você estiver errada.
• Agradeça-lhe todas as vezes em que ele tentar se mostrar
sinceramente arrependido.
5. Ele é insensível à sua necessidade de carícias preliminares.
O que você não deve fazer:
• Não se submeta ao ato sexual só para agradar a ele.
• Não finja que está sentindo prazer.
• Não elogie falsamente suas proezas e habilidades.
• Não comece uma discussão inflamada sobre problemas sexuais,
na cama.
O que você deve fazer:
• Seja sexualmente ousada e experimente novas técnicas.
• Se você precisar de ajuda, procure Os Prazeres do Sexo de Alex
Comfort.
• Tome você mesma a iniciativa de forma sutil e sedutora. Sente-se
no colo dele e acaricie-o ternamente. Não se levante senão quando
você quiser.
• Mostre-lhe verbalmente e por meios de gestos o que a faz sentir
prazer durante a relação. Quando fizer isso, seja gentil e concentre-
se naquilo que você quer que ele faça, não no que ele faz errado.
6. Ele sempre ajuda os amigos, mas raramente a trata
com a mesma consideração.
O que você não deve fazer:
• Não faça comparações ("Você passa o dia todo lavando os carros
de seus amigos, mas nunca lava o meu").
• Não espere que seu homem faça coisas para as quais não tem
habilidade.
• Não faça pouco dos amigos dele; você será vista como a errada.
• Não se exponha ao fracasso. Por exemplo: pedindo-lhe que lhe
faça alguma coisa, quando você sabe que ele pretende ir buscar um
amigo no aeroporto.
O que você deve fazer:
• Exija a execução das tarefas que você lhe pediu para desem-
penhar. Por exemplo: "Vou aprontar seu almoço assim que você
acabar de lavar o carro".
• Planeje tarefas a serem executadas conjuntamente. Limpar a
garagem, os dois juntos, numa manhã de sábado, seria uma boa
idéia.
• Seja generosa em elogiar quando ele fizer algo que você lhe
pediu.
• Dê-lhe bastante tempo para completar a tarefa pedida.
7. Ele só expressa preocupação por seus problemas depois de você se
queixar.
O que você não deve fazer:
• Não espere demonstrações de preocupação por seus problemas
por parte dele: ele acha que tem mais problemas que você.
• Não se queixe nem reclame de que ele não liga para você.
• Não transforme cada situação num bicho-de-sete-cabeças. Poupe
suas ansiedades para problemas de grande monta em sua lista de
prioridades.
O que você deve fazer:
• Diga a seu parceiro: "Isto é importante. Meus sentimentos e
preocupações