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SÍNDROME DE PETER PAN DAN KILEY O que é Síndrome de Peter Pan? Síndrome de Peter Pan é um estado de imaturidade emocional que come¬ça com ansiedade e narcisismo e termina em desespero. E um fenômeno sociopsicológico detectado em homens que, embora tenham atingido a idade adulta, são incapazes de encarar os sentimentos e as responsabilidades dos adultos. No esforço de esconder seus fracassos, recorrem ao fingimento e à falsa alegria. Seguindo o sucesso de Complexo de Cinderela, Síndrome de Peter Pan figura na lista dos livros mais vendidos do "The New York Times", há quase um ano, pois explora um fenômeno psicológico crescente. * * * Um sério fenômeno sociopsicológico está sendo detectado entre os homens, diz o psicólogo Dr. Dan Kiley: centenas de milhares de homens nun¬ca cresceram. Há muitos anos o Dr. Kiley vem estudando a síndrome. Seu primeiro caso clínico foi quando trabalhava com um jovem oficial da Força Aérea. Os sucessivos anos de acon¬selhamento de adolescentes, universitários e jovens casais recém-casados, ensinaram-lhe muito mais do que "as preocupações e as tribulações do amadurecimento... que lentamente me levaram a um número alarmante de homens que não ama¬dureceram, não cresceram. Alguma coisa estava errada". Somente quando relia a peça de Barrie é que ele se defrontou com a conexão existente entre o problema que estava testemunhando e o herói brincalhão, que a seu ver é realmente "um adolescente muito infeliz que se encontra à beira do abismo entre o homem que não quer ser e o menino que ele já não é ... Como O problema espelha a vida ficcional do persona¬gem clássico, facilitando desta maneira a explicação e a compreensão, não levei muito tempo para rotular esta condição de Síndrome de Peter Pan — ou abreviando SPP". O Dr. Kiley também explica que tem observado o crescimento deste fenômeno há anos: "Suspeito que ocorram casos isolados há um longo tempo, mas somente nos últimos 20 ou 25 anos, entretanto, é que as pres¬sões da vida moderna têm exacerbado os fatores desencadeadores, resultando num crescimento dramático na freqüência do problema. Há razões para se supor que a situação piore nesses próximos anos". De acordo com o autor, embora eles tenham atingido a idade adulta, esses homens são incapazes de encarar os sentimentos e as responsabilidades adultos; distantes de suas verdadeiras emoções, eles se escondem atrás de máscaras, estando repletos de sentimentos vazios e de solidão, e, como o herói da história infantil, eles recor¬rem ao fingimento e à falsa alegria num esforço supremo de esconder suas fraquezas dos outros. Em Síndrome de Peter Pan, o Dr. Kiley dá uma olhada abrangente nu vítima clássica da síndrome — seu perfil social e psicológico e os seis maiores sintomas que ela exibe (incluindo a irresponsabilidade, a ansie¬dade, a solidão e o chauvinismo); as idades em que aparecem, as causas e os padrões de comportamentos manifestos. Além de detalhar os sintomas e seus efeitos potencialmente desastro¬sos na vida de um homem, o autor oferece conselhos práticos para aqueles que querem tentar mudar a situação: pais que podem perceber sinais em seus filhos adolescentes; esposas e companheiras, amigos e conhecidos, e as próprias vítimas. O autor Nascido e educado em Illinois, Dr. Kiley graduou-se com M.A. e Ph. D. na Universidade de Illinois. Fez parte da equipe de psicólogos do VA Hospital em Danville, em Illinois, é administrador e psicólogo do Departamento de Corregedoria de Illinois — Divisão Juvenil. O Dr. Dan Kiley já publicou três livros de sucesso editorial e tem o seu próprio programe de rádio em Chicago. Supervisiona seminários e workshops nesta área e também escreve artigos para Good Housekeeping e Family Circle, bem como para jornais especializados no campo do relacionamento dos adolescentes e familiares. Kiley mantém um consultório particular em Chicago, onde reside. * * * À minha esposa Nancy, uma Sininho que faz de cada dia uma aventura. Agradecimentos Merecem minha mais profunda gratidão as seguintes pessoas: Evan Marshall, editor sênior em Dodd, Mead, cujo estímulo só é suplantado por uma editoração brilhante; Kay Radtke, diretora de publicidade, e sua excelente equipe; Howard Morhaim, meu agente literário, que bem podia ter sido um grande psicoterapeuta; e Donald Merz, Ph. D., amigo e colega que vem supervisionando minha pesquisa ao longo dos anos. Estas pessoas fizeram este livro infinitamente melhor do que eu sozinho jamais teria conseguido. Sumário Agradecimentos Nota do Autor Prefácio PARTE I — INTRODUÇÃO AO QUADRO 1 Reconhece este Homem-menino? 2 O Adulto Vítima da SPP — Teste 3 A Síndrome de Peter Pan — Quadro Geral . . . . PARTE II — A SÍNDROME DE PETER PAN 4. Irresponsabilidade 5. Ansiedade 6. Solidão 7. Conflito Relativo ao Papel Sexual 8. Narcisismo 9. Chauvinismo 10. Crise: Impotência Social 11. Após os 30 anos: Desalento PARTE III — A MUDANÇA 12 Para os Pais 13 Para Esposas e Amantes 14 Para Irmãos, Irmãs e Amigos 15 Para as Vítimas Nota do Autor Os casos apresentados neste livro nele constam por propósitos educacionais. A fim de proteger aqueles que lutaram na confrontação e superação da Síndrome de Peter Pan, modifiquei certos dados secundários e misturei outros. As histórias resultantes representam as dificuldades cotidianas reais das vítimas da SPP, e ocultam ao mesmo tempo as identidades das pessoas mencionadas. Qualquer semelhança entre estas histórias e a de algum indivíduo ou família real é pura coincidência. Viver seria uma aventura incrível. Peter Pan Prefácio Não ameaça a vida; portanto, não é uma doença. Mas põe em risco a saúde mental da pessoa; portanto, é mais que incômodo. Seus sintomas são bem conhecidos; portanto, não posso dizer que é uma descoberta. Porém este quadro jamais foi descrito; portanto, este livro traz algo de novo. Trata-se de um fenômeno psicológico ainda por catalogar. Ele não cabe em nenhuma categoria reconhecível, embora não haja como negar sua existência. Em minha área, tal anomalia é denominada síndrome. Ou, para usar jargão comum, uma síndrome é um conjunto de sintomas expresso por algum tipo de padrão social. Quero falar-lhe sobre uma síndrome, em nossa sociedade, que está causando inúmeros problemas. Todo mundo sabe que ela existe, mas até agora ninguém a rotulou ou explicou. Venho estudando esta síndrome há anos, na tentativa de compreender esse emaranhado de causa e efeito. Suspeito que casos isolados há muito vêm ocorrendo; contudo, foi só nos últimos vinte ou vinte e cinco anos que as pressões da vida moderna exacerbaram-lhe os fatores causais, resultando num dramático aumento na freqüência do problema. E temos todos os motivos para esperar que piore nos anos vindouros. Meu primeiro caso clínico foi uma vítima da síndrome, apesar de eu não ter percebido isso na época. Eu trabalhava na Força Aérea dando orientação a jovens em vias de "atingir a maioridade" ou com problemas no processo de amadurecimento. Ele chamava-se George. Tinha vinte e dois anos, mas agia como se tivesse dez. Suas expressões emocionais eram exageradas, inadequadas e tolas. Falava muito, mas não dizia muito de aproveitável. Era hora de ele tomar as rédeas de sua vida, porém estava fixado em seus tempos de estudante ginasial. Achei que ele ultrapassaria seu medo de "virar adulto". Até hoje desconheço se o fez ou não. Meus anos de orientação a adolescentes, universitários e jovens casais ampliaram meu conhecimento das dificuldades e tribulações envolvidas no processo de amadurecimento. Aos poucos fui-me dando conta de que um alarmante número de moços nãoestava amadurecendo. Algo estava errado. Este livro enfoca adultos do sexo masculino que não ama- dureceram, bem como as razões para isso e o que se pode fazer a respeito. Aposto que, depois dos dois primeiros capítulos, você já terá identificado alguém que conhece como sendo vítima deste problema. Imagino que se surpreenderá à medida que o comportamento da pessoa lhe for ficando mais compreensível. Dos dezessete aos vinte e poucos anos de idade, esses homens vivem uma vida impetuosa. O narcisismo fecha-os em si mesmos, ao passo que seus irrealísticos egos crêem poder e dever pôr em ação tudo o que suas fantasias sugerirem. Mais tarde, depois de anos de uma insuficiente adaptação à realidade, a guinada de 180° em suas vidas. "Quero" é substituído por "Devo". Obter a aceitação dos outros parece o único meio de eles se aceitarem. Seus acessos de mau humor e irritação são disfarçados como afirmação masculina. O amor é algo "obviamente a lhes ser dado, e nunca aprendem a dá- lo em troca. Fingem ser adultos; todavia, na verdade, comportam-se como crianças mimadas. Leva tempo para uma criança inteligente e sensível transformar-se num adulto imaturo e zangado. Os pais têm muitas chances de reverter o processo; por isso, este é um livro destinado aos pais. Mas esposas e amantes têm toda oportunidade de transformar o "nunca" em "algum dia"; é por isso que este livro se destina especialmente a mulheres que mantenham um relacionamento especial (no casamento ou fora dele) com a vítima. Amigos e parentes com influência sobre a vida da vítima podem oferecer ajuda; portanto, este livro pode ser-lhes de valia. Finalmente, nunca é tarde demais para um homem amadurecer por seus próprios esforços; é por isso que este livro se destina também à vítima propriamente dita. Seja você esposa, amante, pai ou mãe, avô, ou simplesmente amigo, bem pode ajudar a vítima, independentemente da idade dela. Em sua tentativa de compreendê-la, lembre-se: ame a criança, pois ela não se ama; acredite no homem, pois ele não acredita em si mesmo; e, acima de tudo, ouça-o, pois ele não ouve a si próprio. A fim de sobrepujar esse problema, ele precisa percorrer a maior distância do mundo: a que vai de sua boca a seus ouvidos. PARTE I INTRODUÇÃO AO QUADRO 1 Reconhece este Homem-menino? CAPITÃO GANCHO: — Você tem algum outro nome? PETER PAN: — Hum, hum. GANCHO (ansiosamente): — Legume? PETER: — Não. GANCHO: — Mineral? PETER: — Não. GANCHO: — Animal? PETER (após consultas com um amigo): — Sim. GANCHO: — Homem? PETER (desdenhosamente): — Não. GANCHO: — Menino? PETER: — Sim. GANCHO: — Menino como os outros? PETER: — Não! GANCHO: — Menino maravilhoso? PETER (para consternação de Wendy): — Sim! Reconhece esta pessoa? A julgar pela idade, é um homem; porém, por seus atos, é uma criança. O homem deseja seu amor; a criança quer sua compaixão. O homem almeja a aproximação; a criança teme ser tocada. Se você enxergar além de sua máscara de orgulho, verá sua vulnerabilidade. Se desafiar sua audácia, sentirá seu medo. Você acha que conhece bem essa pessoa, mas a verdade é o inverso. As contradições são incômodas. As respostas são ambíguas. Fica até mesmo difícil encontrar as perguntas corretas. Contudo, olhe para seus filhos, ou para os de algum amigo, e pergunte-se: "Como seria se o corpo dele crescesse e sua mente parasse no tempo?" Este homem-menino é vítima de um mal grave. Se não for ajudado, amargará muito a vida. Não se trata de doença mental nem de incapacidade de convivência em sociedade. No entanto, ele é muito triste. Para ele a vida é uma perda de tempo. Ele se esforça por camuflar a tristeza com vivacidade e piadas. Em muitos casos isso engana, ao menos por alguns anos. Com o tempo, porém, aqueles que o amam vão se cansando de sua imaturidade. À primeira vista isso parece prematuro e até injusto. Mas analise melhor o quadro, e entenderá por que desejam livrar-se dessa pessoa. Sua tarefa é identificar esse homem-menino. Quanto antes reconhecê-lo, maiores suas chances de auxiliá-lo. Ele pode ser seu filho, seu marido, um tio ou um primo. Ou ainda um amigo, um vizinho, um colega de trabalho. Ou, se você é do sexo masculino, pode ser você! Quem quer que seja ele, pensa que não quer sua ajuda. Não a quer porque não sabe que precisa dela. Está tão acostumado a encarar a vida como uma caverna vazia que suas atitudes do tipo "não ligo a mínima" parecem normais. Se ele ousar gostar de alguém, ficará perturbadíssimo. Prefere a paz e a tranqüilidade da bela indiferença. Possivelmente você não conseguirá identificar esse homem enquanto ele tem pouca idade. O contraste entre esta e seu grau de maturidade será o primeiro indício. Uma vez identificado o problema, você poderá planejar a ajuda a oferecer ou, pelo menos, evitar contribuir para as dificuldades dele. Ao compreender a complexidade do quadro, você poderá perceber os primeiros sinais indicadores da síndrome. Se acaso você for pai ou mãe de um menino que apresente esses sinais, poderá aprender como interromper tal desenvolvimento deletério. O problema começa a aparecer cedo na vida de um homem. Quem sabe alguma criança em seu meio esteja agora atingindo o estágio de crise? Pode ser o filho do vizinho, um dos filhos de algum amigo, o líder do grupo de jovens de sua igreja, ou mesmo seu filho. Quanto mais íntimo desse menino, maior a probabilidade de você interromper o processo. A identificação desse homem-menino implica um processo de três passos. Este processo foi elaborado de modo que possa oferecer objetividade; conseqüentemente, tem um ar um tanto impessoal, algo parecido com os livros técnicos de psicologia, onde se estudam casos clássicos. Em primeiro lugar, defina seu campo de observação. Esse campo inclui sua casa, a vizinhança, seu local de trabalho e quaisquer outros lugares onde você passe um período significativo de tempo. Onde quer que você entre em contato com os outros — é aí que acabará vendo essa pessoa. Pode acontecer numa festa, numa reunião de Amigos do Bairro, num piquenique familiar, ou no escritório ao lado do seu. Se você for pai ou mãe sensível, pode ver este homem- menino em miniatura à mesa do jantar. Se for uma mulher apaixonada, pode talvez vê-lo em sua cama. Se for um homem que pensa, pode até localizá-lo no espelho à sua frente. Em segundo lugar, assuma o papel de investigador social. Reúna dados preliminares, usando este perfil social do caso clássico: Perfil Social da Vítima Sexo: Masculino Idade: De 12 a 50 anos Cronologia sintomática: De 12 a 17 anos: Quatro sintomas fundamentais desenvolvem-se em graus variáveis: irresponsabilidade, ansiedade, solidão e conflitos relativos ao papel sexual. De 18 a 22 anos: Aparece a negação à medida que o narcisismo e o chauvinismo dominam o comportamento. De 23 a 25 anos: Período de crise aguda, durante o qual a vítima pode procurar ajuda queixando-se de uma vaga, mas profunda insatisfação com a vida. Geralmente interpretado como normal pelo médico ou terapeuta. De 26 a 30 anos: A vítima entra no estágio crônico, representando o papel de "adulto". De 31 a 45 anos: A vítima casou-se, tem filhos, um emprego estável, porém angustia-se por sentir a vida entediante e monótona. Após os 45 anos: Aumentam a depressão e a agitação à medida que se aproxima a andropausa (climaterio masculino). A vítima pode rebelar-se contra um estilo de vida indesejado e sem significado próprio, tentando recapturar sua juventude. Nível socioeconómico: classe média para alta. Aparência: Ele é visto como amável e agradável por pessoas que não o conhecem muito bem. Tem sorriso insinuante e deixa uma primeira impressão excelente. Condição financeira: Os mais jovens raramente se sustentam. Aos vintee poucos anos ainda moram com os pais, ou destes dependem financeiramente. Vítimas com mais idade podem apresentar uma situação segura, sentindo, contudo, que não a têm. Costumam ser mesquinhas, exceto com relação à satisfação de seus próprios desejos. Situação marital: Até aproximadamente os vinte e cinco anos, os homens costumam manter-se solteiros. Namoram mulheres mais novas, ou aquelas cujas ações sugerem imaturidade. Depois de casadas, em geral, estas mulheres acabam tendo que manter a vítima "na linha". Esta costuma preferir os amigos à família. Situação educacional: As vítimas mais jovens levam a faculdade "na brincadeira" e têm dificuldade em resolver o que desejam estudar. Raramente terminam o curso universitário no período normal. As vítimas com mais idade sentem-se insatisfeitas com o grau de instrução obtido, achando que deveriam ter ido além. Esses homens raramente são vistos como vencedores ou empreendedores. Situação profissional: Os mais novos têm uma história profissional bastante instável. Só trabalham quando sob pressão. Querem uma carreira, mas não querem "batalhar". Ofendem-se facilmente com relação a empregos que consideram "indignos" deles. Têm problemas empregatícios por causa de sua negligência. As vítimas de mais idade caem no extremo oposto. Trabalham duro, na tentativa de provar seu valor. Têm expectativas irrealistas em relação a si mesmos, a seus colegas de trabalho e a seus chefes. Vêem-se acometidos pela incômoda idéia de não ter encontrado o emprego "certo". Família: A vítima geralmente é o filho mais velho de uma família tradicional. Os pais permanecem casados e têm boa situação financeira. Provavelmente o pai é executivo de alguma empresa, enquanto a mãe considera o cuidar da casa e dos filhos como sua principal tarefa. Ela talvez trabalhe fora para aumentar.a renda familiar, embora não tenha ambições profissionais. Interesses: O grande interesse das vítimas mais novas são as festas. As mais velhas esforçam-se por se divertir em festas, mas também tendem a se envolver além de limites razoáveis em esportes comunitários. O terceiro passo no processo de identificação é a decisão de assumir o papel de investigador psicológico. Após reconhecer a vida da vítima externamente mediante a utilização do perfil social, use este perfil psicológico para avaliar sua vida interior: Perfil Psicológico da Vítima Sete traços psicológicos dominam a vida da vítima da SPP. Estão presentes em cada estágio de desenvolvimento, porém são mais perceptíveis durante o período de crise. No estágio crônico a vítima tende a esconder esses traços por trás de uma máscara de maturidade. Paralisia emocional: As emoções da vítima são inadequadas. Não são expressas da mesma forma com que são experimentadas. A raiva costuma emergir como fúria, a alegria toma a forma de histeria, e uma decepção transforma-se em autopiedade. A tristeza pode manifestar-se como alegria forçada, brincadeiras imaturas ou risadas nervosas. As vítimas mais idosas afirmam que amam você ou que gostam de você, mas não parecem capazes de expressar tal amor. Ironicamente, apesar de quando crianças haverem sido extremamente sensíveis, estes homens de modo geral parecem ser egocêntricos até a crueldade. Acabam chegando ao ponto de aparentemente se recusarem a compartilhar seus sentimentos. Na verdade, perderam contato com suas emoções, e simplesmente não sabem o que sentem. Procrastinação: Durante o estágio desenvolvimental, a jovem vítima adia as coisas até ser absolutamente forçada a fazê-las. "Não sei" e "não me importa" tornam-se sua defesa contra as críticas. Seus objetivos de vida são obscuros e mal definidos, principalmente porque ela adia para o dia seguinte pensar sobre eles. A culpa força a vítima mais idosa a compensar a procrastinação do passado, transformando se em alguém que precisa estar sempre fazendo alguma coisa. Ela simplesmente não sabe relaxar. Impotência nas relações sociais: Não importa quanto se esforcem: as vítimas não conseguem fazer amizades verdadeiras. Na adolescência são facilmente levadas pelos companheiros. Os impulsos assumem a prioridade sobre o sentido do certo e do errado. Procurar amigos e ser agradável a meros conhecidos têm precedência sobre as demonstrações de amor e a preocupação com a família. A vítima sofre de uma desesperada necessidade de pertencer a grupos; é terrivelmente solitária e entra em pânico se está só. Ela pode até mesmo tentar comprar amigos. Durante toda a vida tem dificuldade em sentir-se bem consigo mesma. Um falso orgulho constantemente impede a aceitação das próprias limitações (humanas). Pensamento magico: "Se eu não pensar nisso, acabará". "Se eu achar que é diferente, assim será". Estes exemplos refletem o "pensamento mágico" das vítimas, o qual impede que admitam honestamente para si próprias terem cometido erros, e praticamente as impossibilita de dizer "desculpe-me". Este processo irracional é uma defesa utilizada pelas vítimas para sobrepujarem sua impotência nas relações sociais e sua paralisia emocional, de vez que lhes per- mite culpar outrem por seus enganos. Freqüentemente as leva ao abuso de drogas, pois crêem que, quando estão "loucas", seus problemas desaparecem. Conflitos com a mãe: Raiva e culpa causam uma enorme ambivalência em relação à mãe. As vítimas desejam libertar-se da influência desta, mas sentem-se culpadas toda vez que o tentam. Quando estão com a mãe, há sempre uma tensão no ar, pontilhada por momentos de sarcasmos seguidos de momentos de ternura reativa. Os mais jovens provocam compaixão de suas mães a fim de obterem o que querem, especialmente dinheiro. Ao discutirem têm repentes de ira, e depois desculpam-se de modo inconseqüente. Os mais velhos têm menos o senso de ambivalência e mais o de culpa por causa da dor que causaram a suas mães. Conflitos com o pai: A vítima sente-se alienada no relacionamento com o pai. Anseia aproximar-se, mas convenceu-se de que jamais poderá receber amor e aprovação de seu pai. Mesmo com mais idade, ainda idealiza o pai, não compreendendo suas limitações e muito menos aceitando seus defeitos. Boa parte da problemática da vítima com respeito a figuras de autoridade origina-se nos conflitos com o pai. Conflitos sexuais: A impotência social da vítima estende-se até o campo sexual. Logo após a puberdade o rapaz começa a buscar desesperadamente uma namorada. Contudo, sua imaturidade e maneiras tolas tendem a afastar a maioria das moças. Seu medo de ser rejeitado leva-o a ocultar sua sensibilidade por trás de uma atitude machista, cruel e impiedosa. Na maioria dos casos o jovem permanece virgem até entrar na casa dos vinte, coisa que o constrange e leva-o a mentir — freqüentemente a ponto de falar em estupro, gabando-se de como "ganhou", ou planeja "ganhar", as garotas. Uma vez rompida a barreira da virgindade, a vítima pode passar para o outro extremo, tendo relações sexuais com qualquer moça que o deseje — para provar a si mesmo que é potente. Quando decide ficar com uma, liga-se completamente a ela. Seu ciúme só é suplantado por sua habilidade em despertar nela a compaixão. O homem sente-se provocado (e pode até ficar furioso) frente às atitudes de afirmação ou de autonomia da mulher; ele precisa que esta seja dependente dele para que possa sentir que a está protegendo. Na realidade, ele sente-se impotente para lidar com uma mulher de personalidade marcante, que o trata de igual para igual, e por isso ele a inferioriza. Anseia partilhar sua sensibilidade com uma mulher, porém nega este lado de sua personalidade por temer que seus amigos o considerem um fraco e não um "homem". Nesta altura você provavelmente já identificou pelo menos um homem, em seu meio, como vítima deste quadro. É improvável que ele se ajusteperfeitamente à descrição que forneci. É mais provável que ele apresente alguns, não todos os atributos examinados. É raro o caso clássico existir na realidade. No próximo capítulo abordaremos a questão de modo menos objetivo, menos didático, digamos assim; passaremos a analisá-la mais subjetiva e vivencialmente. Então talvez você tenha de enfrentar o fato de que, em maior ou menor grau, este mal pode estar afligindo sua vida cotidiana. Isto nos conduz ao próximo passo: personalizar o processo de identificação. Para fazê-lo, você deve formular a seguinte questão: em que nível o homem em minha vida apresenta essa problemática? Sua resposta o ajudará a resolver o que deseja fazer (se é que o deseja) a respeito de sua realidade pessoal. Resumo Identificação: Homens que não amadureceram. Categorização: Síndrome de Peter Pan (SPP). 2 O Adulto Vítima da SPP —Teste PETER: — Como você se chama? WENDY (muito satisfeita): — Wendy Moira Angela Darling. E você? PETER (desconsolado com a brevidade de seu nome): — Peter Pan. WENDY: — Só isso? PETER (mordendo o lábio): — Só. WENDY (polidamente): — Sinto muito. PETER: — Está tudo bem. WENDY: — Onde você mora? PETER: — Segunda à direita e daí sempre em frente até a manhã. WENDY: — Que endereço engraçado! PETER: — Não é, não. WENDY: — Quer dizer, é isso que escrevem nas cartas? PETER: — Eu não recebo cartas. WENDY: — Mas sua mãe recebe? PETER: — Não tenho mãe. WENDY: — Peter! Trata-se de um mal com um nome simples, e sua identificação objetiva é relativamente simples. Entretanto, no que tange à subjetividade, determinar quem é portador deste mal pode ser tão desnorteante quanto tentar decifrar a localização de "segunda à direita e daí sempre em frente até a manhã". Deve-se ser cauteloso em rotular um homem adulto como vítima da Síndrome de Peter Pan. Na área do diagnóstico sempre se corre o risco dos "negativos verdadeiros" (a doença parece estar presente, mas não está realmente), e dos "positivos falsos" (a doença parece não estar presente, mas na realidade está). Para complicar ainda mais as coisas, muitos adultos possuem um ou dois atributos da Síndrome de Peter Pan sem, na verdade, apresentar a síndrome propriamente dita: digamos, uma imaginação fértil e um anseio de permanecerem jovens mentalmente. Tais traços não sugeririam inteligência e serenidade? A presença de um ou dois atributos da SPP não faz de um homem uma vítima da SPP; estar inconsciente por acaso significa que a pessoa está morta? Não se contente com a primeira impressão. Um homem é vítima da SPP apenas quando os atributos atrapalham seu funcionamento e seu desenvolvimento de relacionamentos produtivos com outras pessoas. Em outras palavras: os atributos da SPP tornam-se um problema quando o homem não mais se comporta de maneira infantil, mas simplesmente é infantil. Um teste simples ajudará a concluir se o homem em sua vida é ou não vítima da SPP. Para os homens que ousam analisar-se, este teste pode ser altamente revelador. Porém aviso: se você é vítima da SPP achará o teste tolo, irrelevante e sem sentido. Você pode até ficar irritado. Se isto ocorrer, eu diria que você está se sentindo ameaçado pela verdade e tentando ignorá-la, como faz com as outras coisas que o perturbam; isto é, assume uma atitude cínica rindo por fora, mas morrendo de medo por dentro. O Teste O teste é simples. Leia cada descrição comportamental e assinale o grau em que ela se aplica à pessoa em questão. O 0 significa que tal comportamento nunca ocorre; 1 significa que esse comportamento ocorre às vezes (por exemplo, aconteceu uma ou duas vezes espaçadas); 2 significa sempre (ou você mal se lembra de sua «5o ocorrência). Desde que este teste foi elaborado para esposas e amantes, foi escrito do ponto de vista de uma mulher observando seu companheiro. Se seu relacionamento com a vítima em potencial é diferente, modifique as sentenças onde for necessário para facilitar sua avaliação. 0 1 2 Quando comete um erro, ele reage de forma despro- porcional à situação, exagerando sua culpa ou procurando justificativas que o absolvam. 0 1 2 Ele esquece datas importantes como aniversários. 0 1 2 Numa festa ele a ignora, mas faz o máximo para impressionar outras pessoas, especialmente as mulheres. 0 l 2 É quase impossível para ele dizer "desculpe-me". 0 1 2 Ele espera de você prontidão para relações sexuais quando ele está pronto, pouco levando em consideração sua necessidade de jogos introdutórios. 0 1 2 Ele vai além dos limites para ajudar os amigos, mas deixa de fazer as pequenas coisas que você lhe pede. 0 1 2 Ele só demonstra preocupação por você e por seus problemas, depois de você queixar-se da indiferença dele. 0 1 2 Ele só toma a iniciativa em situações em que a atividade ou a diversão é do interesse dele. 0 1 2 Ele parece ter enorme dificuldade em expressar seus sentimentos. 0 1 2 Ele anseia aproximar-se do pai, porém qualquer con- versa (presente ou passada) com ele é afetada, cerimoniosa e superficial. 0 1 2 Ele não dá ouvidos a opiniões que divirjam das suas. 0 1 2 Ele tem repentinos ataques de raiva, durante os quais recusa-se a acalmar-se. Ele fica tão intimidado com os desejos da mãe que chega a aborrecer-se com ela por ser tão exigente. 0 1 2 Ele crê não ter um emprego à altura de sua capacidade, mas não faz nada a respeito além de reclamar. 0 1 2 Faltam-lhe sinceridade e calor humano ao relacionar-se com outras pessoas, especialmente com o filho mais velho. 0 1 2 Ao ingerir álcool, sua personalidade parece mudar; surgem um temperamento explosivo, falsas bravatas ou uma alegria exagerada. 0 1 2 Para ele não é possível deixar de participar de algum divertimento ou evento com os amigos, indo muito além dos limites a fim de não ser deixado para trás. 0 1 2 Ele expressa chauvinismo através de atitudes como: "Acho ótimo minha esposa trabalhar fora, contanto que a casa esteja sempre limpa". 0 1 2 Ele parece ter temores inexplicáveis e falta de auto- confiança, mas recusa-se a conversar a respeito. 0 1 2 Ele a acusa de ficar histérica, enquanto ele próprio parece superior à situação. Quando você se zanga, ele fica impassível. Agora some os valores por você escolhidos. Use a seguinte classificação para julgar o grau em que o homem em questão está comprometido. 0 a 10 Não é vítima da SPP. São apenas alguns sintomas, e nada muito sério. Se há alguma situação incômoda entre vocês, converse com ele a respeito. É muito provável que ela possa ser resolvida numa atmosfera de amor e cooperação. 11 a 25 A SPP é uma grande ameaça real. Siga as instruções que seguem este teste e, se você é do sexo feminino, prepare-se para avaliar-se (ver Capítulo 13). Há algumas providências que você pode tomar para melhorar a situação; todavia tenha em mente que, quanto mais altos forem os índices nesta categoria, tanto mais terá que se esforçar. 26 a 40 A Síndrome de Peter Pan está instalada. Se o homem não procurar ajuda para resolver seus problemas, é aconselhável que você discuta com um profissional da área sobre o que pode fazer para enfrentar a situação. Veja no Capítulo 13 como avaliar seu papel na situação. PROJETO DE MUDANÇA Releia o teste. Quanto mais alto o índice, tanto maior o cuidado com que você deve avaliar a gravidade de cada traço que sentiu estar presente. Mesmo que a Síndrome de Peter Pan esteja instalada em alto grau (índice por volta de 30), ainda há esperança. Essa revisão do teste poderá oferecer indícios para a elaboração de um projeto de mudança. Eis o próximo passo: trace numa folha de papel três colunas com os títulos "Nunca", "Às vezes" e "Sempre". Agora repasse novamenteo teste, porém desta vez rememorando os últimos seis meses; tão acuradamente quanto possível, situe cada traço comportamental na coluna apropriada. Foi assim que uma mulher de trinta e três anos completou este projeto de mudança para seu marido: Nunca Flerta Deixa de ouvir Repentes de raiva Relacionamentos frios Às vezes Desconsideração de minhas necessidades sexuais Esquecimento de datas Egoísta com relação à diversão Problemas com bebida Faz tudo para sair com os amigos Chauvinista Nega ter medos Sempre Reações desproporcionais diante dos erros Sem "desculpe"' Ajuda os amigos Indiferente Intimidado pela mãe Problema com o emprego Não expressa sentimentos Distante do pai Acima de tudo e de todos De acordo com a pessoa que respondeu ao teste, este homem obteve índice 25. Quando conversei com ela pela primeira vez sobre o índice do marido, surgiram contradições (ele era honesto e terno em seus relacionamentos, mas nunca expressava seus sentimentos). Tais inconsistências sugeriam que, por mais que ela se esforçasse, nunca conseguia ser totalmente objetiva. Embora parecesse existir algum problema, era provável que ela estivesse interpretando erroneamente algumas situações. Afinal de contas, ela amava esse homem e, portanto, havia desvios em alguns de seus julgamentos. Assim, seu projeto de mudança poderia servir de linha mestra em sua análise de como lidar com a SPP do companheiro. Poderia também ser útil para relembrá-la de que, ao avaliar o marido, ela tinha de levar em consideração a influência de seus próprios pensamentos e sentimentos. Se você realmente se dispõe a ajudar uma vítima em potencial da SPP, necessitará desse projeto como um guia. Depois de elaborá-lo, ponha-o de lado, enquanto decide qual o passo seguinte. Você poderá tomar essa decisão, colocando-se três perguntas e selecionando a que mais deseja ver respondida. As perguntas são estas: Como foi que ele ficou assim? Em que ele está pensando? O que posso fazer para ajudá-lo? Se "Como foi que ele ficou assim?" é a pergunta mais importante para você, então gostará de ler os capítulos de 4 a 9. Neles você descobrirá os complexos detalhes do desenvolvimento de uma vítima da SPP — como uma criança recua diante da realidade e refugia-se na segurança da Terra do Nunca. Se "Em que ele está pensando?" é o que mais a preocupa, chamo sua atenção para o Capítulo 7, especialmentte para a seção final. É com o desenvolvimento do conflito em relação ao papel sexual no fim da adolescência que a personalidade tipo Jekyll/Hyde começa a formar-se. Se "O que posso fazer para ajudá-lo?" é a sua questão central, recomendo o Capítulo 13. Nele eu a desafio a confrontar não apenas os traços que mais a aborrecem em seu companheiro, como também a analisar-se criticamente. É provável que você não se surpreenda ao descobrir que pode estar inconscientemente reforçando a Síndrome de Peter Pan. Seja qual for seu próximo passo, sugiro que dedique alguns minutos para familiarizar-se com a sintomatologia geral da Síndrome de Peter Pan contida no capítulo que se segue. Uma compreensão dessa sintomatologia irá auxiliá-la a fincar pé no chão e a resistir à tentação de fugir da realidade, fingindo que não há nada de errado. 3 A Síndrome de Peter Pan: Quadro Geral PETER: — Você me poria na escola? SRA. DARLING (amavelmente): — Sim. PETER: — E depois eu teria que trabalhar? SRA. DARLING: — Acho que sim. PETER: — Logo eu seria um homem? SRA. DARLING: — Logo, logo. PETER (com veemência): — Não quero ir para a escola e aprender nada sério. Ah, minha senhora, ninguém vai me pegar e me transformar em gente grande. Eu quero ser sempre um menininho e me divertir. Todos recordamos a constrangedora história de Peter Pan, certo? Aquele despreocupado menino meio efeminado que se recusava a crescer. Foi Peter quem nos mostrou o encanto da juventude eterna. Foi Peter quem enfeitiçou e deu fim ao Capitão Gancho. Sua canção e sua dança quebraram o coração do cruel pirata e o conduziram por uma passagem autodestrutiva do tombadilho do navio para os dentes do vigilante e voraz crocodilo. Peter Pan simboliza a essência da mocidade. A alegria. O espírito e o vigor inesgotável. Em suas aventuras com a fada Sininho e as demais crianças, ele desperta a criança dentro de todos nós. Ele nos atrai. Ele é maravilhoso. Ele nos estende a mão de um fiel companheiro de folguedos. Quando permitimos que Peter Pan toque nosso coração, nossa alma nutre-se da fonte da juventude. Contudo, quantas pessoas percebem o outro lado da clássica personagem criada por J. M. Barrie? Há entre nós céticos que leiam nas entrelinhas deste inquietante conto? Você já parou para pensar em por que Peter queria permanecer jovem? Claro, é duro crescer, mas Peter Pan evitava isso a todo custo. O que o fez rejeitar todas as coisas do mundo adulto? O que é que ele realmente buscava? Será tão simples quanto o texto da obra faz parecer? Seu desejo de permanecer jovem não era na verdade uma rígida recusa a amadurecer? Se assim é, qual era seu problema? Ou problemas? Uma leitura cuidadosa do original de Barrie abriu meus olhos para uma realidade assustadora. Embora eu desejasse muito acreditar no contrário, Peter Pan era um rapaz muito triste. Sua vida era cheia de contradições, conflitos e confusão. Seu mundo era hostil e impiedoso. Apesar de toda aquela jovialidade, ele era um menino profundamente perturbado, vivendo numa época ainda mais perturbadora. Ele resvalou no abismo entre o homem que não desejava tornar-se e o menino que não podia mais ser. Perdoem-me por usar o conhecimento psicológico para desenterrar uma história dada como leve e divertida. Mas sinto-me plenamente justificado. Uma análise séria desse conto não somente propicia uma alegoria didática dos caprichos dos jovens, como ainda delineia uma realidade apavorante da qual devem conscientizar-se os profissionais da área. Sem que muitos pais e professores percebam isso, inúmeros de nossos meninos estão inconscientemente seguindo o exemplo de Peter Pan. Com crescente freqüência, o pouco conhecido lado de Peter Pan vem conquistando corações e almas de um significativo segmento de nossa população de meninos. Se não forem libertados, sofrerão contínuos conflitos emocionais e sociais. Estou certo de que Peter não se aborreceria por eu usar sua história para ajudar outros. Na verdade, duvido que ele ligasse para isso. As crianças de hoje vivem numa época conturbada; aliás, não diferente da turbulência que cercava Peter Pan e sua serena Terra do Nunca. Diversamente de nosso travesso herói, porém, é impossível às nossas crianças evadirem-se e permanecerem jovens para sempre. Tal como os contemporâneos de Peter, quem mais está sofrendo são as crianças do sexo masculino. Em muitos países, rapazes estão se recusando a amadurecer. Milhares, talvez até centenas de milhares, encaminham-se para um estágio de vida que os assusta. Apavorados, apressam-se a engrossar as fileiras da legião dos meninos perdidos. Mais cedo ou mais tarde vários deles superam seus temores da vida adulta e desertam da legião. Todavia muitos outros rendem-se ao medo e submetem-se à convicção de estarem perdidos. A legião dos meninos perdidos tem membros de todas as idades. Muitos homens adultos "bem-sucedidos" ainda se comportam como os meninos da legião de Pan. É mais fácil identificar os membros mais moços. Eles constituem uma oportunidade de estudo de contrastes. Externamente não há nada de errado com eles. Pelo contrário, são umas jóias raras: inteligentes e belos, sensíveis e sinceros, a concretização dos sonhos e esperanças de todos os pais. Contudo, se permanecem na legião por muito tempo, seu comportamentotorna-se um tanto estranho. Distanciam-se da realidade, deleitam-se com as ervas naturais do solo, brincam de fada e fogem às responsabilidades adultas. Estas reencarnações de Pan fazem eco à sua apaixonada rebeldia expressa no início deste capítulo. Eles não querem nada com o estudo, com o trabalho, nem com qualquer outra coisa vinculada ao adulto. Seu desejo é fazer tudo o que for possível a fim de permanecerem sendo o que são: crianças que não querem crescer. A maioria de nós já acalentou esta fantasia em alguma fase da vida. É perfeitamente normal polvilhar um pouco de pó mágico na cabeça, principalmente quando se é jovem. Aí pode-se voar para a Terra do Nunca acompanhando os amigos de brincadeiras infantis, ou simplesmente escapar à realidade nas asas das próprias fantasias. Certamente não há nada de errado em desejar reunir-se a Peter Pan e seus frívolos companheiros. Quer dizer: contanto que se retorne da Terra do Nunca, quando chega a hora de relacionar-se com o mundo real. Lembro-me de meu encontro com Peter Pan e seu pó mágico. Não fiquei invisível aos adultos — o que acontecia a Peter; mas assim mesmo tentei um dia voar como ele saltando do alto do galinheiro, tal qual meus amigos emplumados. A natureza me deu uma lição prática (e dolorosa) sobre a realida- de. Eu também disse à minha avó que não ia crescer nunca. Ela foi gentil e compreensiva ao responder: "Que bom, Danny. Agora vá para a horta e cuide dos tomates". A realidade neutraliza os poderes do pó mágico. Se os pais, professores e demais adultos envolvidos ajudarem a criança a lidar com a realidade, os efeitos de Peter Pan e sua legião rapidamente se esvaecerão, permanecendo apenas uma fonte de recordações agradáveis. Mas se as crianças entram na adolescência totalmente envolvidas na busca da juventude eterna, grandes problemas surgem à medida que a realidade vai se tornando nebulosa. E se atingirem o início da casa dos vinte anos com a mesma atitude perante a vida, uma séria crise de identidade as acometerá durante essa década. Existem muitos rapazes cujas imitações de Peter Pan acabam trazendo conseqüências deprimentes. Começam como todos nós, tomados pelo fascínio da eterna juventude. Contudo, por uma série de razões, chegam a um ponto em que os devaneios sobre a Terra do Nunca transformam-se em desastroso pesadelo. Alguns se recuperam, mas um crescente número deles não. Seu filho talvez seja uma vítima; e também seu marido. As crianças que seguem os passos de Peter Pan acabam por experimentar um grave problema psicológico que em geral conduz à desadaptação social. Muitas se comportam inadequadamente nas esferas emocional e interpessoal. Sentimentos de isolamento e de fracasso se apoderam delas ao se depararem com uma sociedade pouco paciente com os adultos que agem como crianças. Porém as pessoas desta sociedade não vêem motivos para se sentirem mal. Consideram a situação temporária e, portanto, esforçam-se ao máximo por ignorá-la. É desnecessário dizer que a situação piora. Pelo fato de o problema espelhar a vida ficcional de um herói clássico, facilitando assim sua explanação e compreensão, não duvidei em optar pela conveniência de intitular esse quadro Síndrome de Peter Pan — ou, abreviando, SPP. A SPP tem raízes no início da infância. Entretanto ela só começa a manifestar-se na puberdade, aproximadamente aos doze anos. Entre os doze e os dezoito anos, quatro sintomas se desenvolvem lentamente nos meninos que ainda não renunciaram à busca da eterna juventude. Cada sintoma é produto das pressões exercidas pela sociedade moderna sobre a família e, em última análise, sobre a criança. Dos dezoito aos vinte e dois anos, dois ou três sintomas emergem, ambos fomentados pelos quatro sintomas básicos. Estes dois sintomas intermediários fixam o problema, e preparam o cenário para o período de crise. Durante essa crise o jovem tem de enfrentar e de resolver vários anos de pensamento mágico e de um desenvolvimento falho do ego. Se não é bem-sucedido nesse processo, provavelmente será presa da SPP por um extenso lapso de tempo, talvez pelo resto da vida. Apresento brevemente a seguir os seis sintomas e a pressão social que age como catalisador no desenvolvimento de cada um deles. IRRESPONSABILIDADE Atitudes permissivas vêm permeando nossa literatura, nossos meios de comunicação e filosofias educacionais há mais de trinta anos. Estes passam aos pais a noção de que, na criação dos filhos, devem evitar o uso da autoridade e da punição, e jamais estabelecer ou forçar os limites no espaço de crescimento da criança. Os pais que adotam este método promovem o desenvolvimento da irresponsabilidade. Não falo de preguiça nem de pequenas negligências, mas de uma completa irresponsabilidade que leva a criança a acreditar que as regras não se aplicam a ela. Quando tal irresponsabilidade segue sem ser questionada, as crianças deixam de aprender hábitos básicos relativos ao cuidado de si próprias. Um fracasso nas pequenas coisas (limpeza, boas maneiras, método) pode avolumar-se até dar lugar a uma indolência que destrói a autoconfiança. A criança pensa: "nunca conseguirei lidar com as coisas grandes, já que nem sei lidar com as pequenas". ANSIEDADE As vítimas da SPP são cheias de ansiedade. Logo a tensão começa a dominar a atmosfera do lar. E vai crescendo a cada ano. Ela cerca a criança, tornando-se finalmente o pano de fundo de todas as cenas cotidianas. A causa dessa ansiedade flutuante é a infelicidade dos pais. Os pais das vítimas de SPP sentem-se insatisfeitos com seu casamento e consigo mesmos. As razões para esse descontenta- mento são várias e complexas. Algumas das mais importantes são: falta de calor humano e de participação, desproporção na relação trabalho/lazer, autodisciplina deficiente e subversão dos papéis e dos valores tradicionais. A infelicidade de cada um dos pais tem efeito diverso sobre a criança. O pai camufla sua dor adotando a atitude do "cara durão", e utiliza expressões triviais para demonstrar seu interesse ("Ei, homem não chora!" Ou "Ah, isso logo passa!"). O resultado é um retraimento na relação pai/filho, onde o filho vê o pai como um enigma e uma pessoa de cujo amor e aprovação jamais será merecedor. A ansiedade é como uma dor persistente. A mãe tenta sofrer em silêncio, mas fracassa. Ela exibe seu martírio como uma medalha de guerra, e simula satisfação diante da perspectiva de sacrificar sua vida pelos filhos ("Eu realmente nunca quis nada para mim além de sua felicidade"). O filho percebe esse isolamento e descontentamento. Fica tentando culpar o pai, mas não o faz porque precisa de seu amor. Então culpa a si próprio, concluindo que a mãe tem boas razões para rejeitá-lo. Esta idéia irracional persegue-o constantemente e provoca nele uma ansiedade semelhante a um troar ensurdecedor. Na maioria dos casos os pais fingem ser felizes. Temem encarar seus sentimentos e a verdade. A evitação é facilitada pelo fato de não se sentirem muito incomodados, mas apenas muito descontentes. Assim, simulam falsos sorrisos e promovem atividades familiares nas quais a alegria é forçada; servem-se de palavras bombásticas que parecem ricas de significado, mas não têm nenhum conteúdo. Aos olhos de um observador leigo nada há de errado com essas famílias. Elas parecem bem ajustadas e costumam ser objeto de inveja dos vizinhos; contudo, essa aparência externa é ilusória. Na verdade, o espectro da inquietação espalha-se como um câncer emocional, devorando a segurança e a paz de espírito da criança. Os pais em gerai não assumem, mas estão juntos por causa dos filhos. Não deveriam. Os filhos sofrem por isso. SOLIDÃO As famílias de vítimas da SPP geralmente são abastadas. Os pais dão aos filhos dinheiro em vez de tempo. Não ajudam ascrianças a aprender como ganhar dinheiro, de modo que elas consideram a comida, casa e segurança coisas "caídas do céu", e concentram suas energias em encontrar novas maneiras de obter prazeres. Prodigalidade sem restrições tem um efeito muito prejudicial sobre as crianças. O valor do trabalho é o primeiro a desaparecer, pois os filhos consideram o prazer um direito e não um privilégio obtido pelo trabalho. Então, com tempo demais à disposição e escassez de segurança em casa, procuram sua identidade num grupo. Querem desesperadamente achar um lugar ao qual sintam pertencer. Em estado quase de pânico, os filhos são seduzidos pelos anúncios dos meios de comunicação de massa, os quais apregoam que a chave para o "fazer parte" é fazer o que "todo mundo" faz. Conseqüentemente a pressão dos amigos invade todos os aspectos de suas vidas, compelindo-os a "fazer parte", não importa a que preço. A pressão em direção do "ser igual aos outros" esmaga seu espírito de liberdade e priva-os da pouca autoconfiança que possuem. Eles despendem tanta energia para evitar a rejeição que mal têm tempo de apreciar as vantagens do "fazer parte". O resultado é a solidão. A solidão é hoje um grande problema. Ela afeta tanto os adultos quanto as crianças, sendo que estas pagam o maior preço. As vítimas da SPP, ansiosas e irresponsáveis, são golpeadas pela solidão que emocionalmente as traga como areia movediça. Elas necessitam desesperadamente de amigos; no entanto, quanto mais se esforçam, pior se sentem. Muitos apelam para o abuso de drogas, para a promiscuidade sexual e outros vícios, na busca infrutífera de salvação. Solidão e riqueza tendem a caminhar juntas. Crianças que não avaliam a importância do trabalho não têm muita chance de se orgulhar de suas realizações. Sem um honesto orgulho, são mais passíveis de ser dominadas pela pressão grupai do que as crianças cuja sobrevivência não é tão facilmente garantida. As crianças pobres das grandes cidades têm uma necessidade premente de "fazer parte", porém esta necessidade tem de enfrentar as preocupações relativas à segurança e proteção físicas. Esta condição retarda o desenvolvimento da Síndrome de Peter Pan. Os meninos de zonas rurais têm mais oportunidade de aprender bons hábitos de trabalho, o que frustra o desenvolvimento da SPP. Se você puder aceitar a premissa de que a riqueza contribui para a solidão, verá por que afirmo que a SPP é um mal suburbano. Com raras exceções, a SPP afeta crianças das classes média e alta. Logo você verá por que essas crianças são exclusivamente do sexo masculino. CONFLITO RELATIVO AO PAPEL SEXUAL Durante os últimos dez ou quinze anos, os acontecimentos políticos e a estratégia adotada pelos meios de comunicação vêm colocando nossos meninos num terrível conflito relativo ao papel sexual. Este conflito resulta do fato de nossas crianças ouvirem mensagens como estas: Meninos e meninas, é hora de crescerem, e já! A disposição sexual é a chave para você conseguir isso. É fácil passar das fraldas para o namoro rapidamente se você "batalhar" para isso. Se fracassar, é porque você é "careta". As meninas já podem assimilar todas as características tradicio- nalmente tidas como masculinas. Estas incluem, entre outras, a obstinação, a resistência, a auto-afirmação, a procura de satisfação sexual e a independência financeira. Estes são os atributos que garantem a aprovação social e política. Se você não os possui, que pena! A fim de merecerem "fazer parte" e ser aceitos pelo grupo, os meninos devem apegar-se ao papel de machos. Portanto, não aja como menina. Isto significa que você não deve: expressar sentimentos, admitir fraquezas, ser sensível, renunciar à possibilidade de uma conquista sexual e jamais depender de uma mulher. Se você ousar assumir algum desses traços femininos, será rejeitado por seus companheiros. Será considerado "bicha", fora de seu grupo. Às meninas permite-se vivenciar tanto os aspectos femininos quanto os masculinos de sua personalidade. Freqüentemente são pressionadas a fazê-lo, quer queiram quer não. Não se considera mais "mulher-macho" ou "sapatão" a menina que deseje jogar basquetebol, por exemplo. Mas isso não se permite aos meninos. Apesar de toda a retórica em contrário, a maioria dos meninos ainda não tem o direito de chorar, ao menos na frente dos amigos. Todavia, se possuem laços familiares fortes, podem romper com essas expectativas rígidas, penetrar em território tradicionalmente feminino, e acabar achando outros homens iguais a eles. Aos meninos que não contam com o apoio familiar restam duas opções: ou capitulam diante da chantagem de uma possível rejeição do grupo e suprimem a ternura, a sensibilidade e quaisquer outros traços considerados fraquezas, não admitindo nunca se sentirem alienados e solitários, ou abandonam o campo heterossexual e atualizam o lado feminino de suas personalidades, unindo-se a certos segmentos da comunidade homossexual que alimentam essa atitude. Obviamente não estou dizendo que todos os homossexuais masculinos o são devido à SPP (embora alguns homossexuais realmente se ajustem à descrição da vítima da SPP). É irônico e triste que haja considerável apoio político para os movimentos feministas e pelos direitos do homossexual, mas nada se faça para fortalecer o moral do homem que deseja permissão para chorar nos braços da mulher que ama. NARCISISMO E CHAUVINISMO Estes são os dois sintomas intermediários que emergem nos estágios finais da Síndrome de Peter Pan. O narcisismo geralmente precede o chauvinismo, proporcionando à vítima um método sistemático de projeção das próprias inseguranças sobre outrem. O pensamento mágico atinge o ápice neste período, afastando a vítima da realidade e fomentando atitudes situadas na fronteira do bizarro. O narcisismo fecha o jovem no domínio das próprias fantasias e impede o crescimento pessoal advindo de relacionamentos significativos com outras pessoas. O chauvinismo associado à SPP é muito mais sutil que a altamente visível variedade comumente exibida por tiranos e fanfarrões. Ele protege a vítima narcisista de decepções e sofrimento sentimentais, dando-lhe um "papel adulto" promissor de aceitação, conquanto superficial, dos companheiros. As mulheres que se apaixonam por vítimas da SPP ficam absolutamente perplexas quando finalmente se dão conta do chauvinismo. Ele aparece tão sub-repticiamente que a mulher acha que ela é quem tem algum problema. O narcisismo e o chauvinismo, juntamente com a irrespon- sabilidade, a ansiedade, a solidão e o conflito relativo ao papel sexual, completam a estrutura sobre a qual assentará o período de crise da Síndrome de Peter Pan. ESTILO DE VIDA PIRÁTICO Numa meticulosa leitura dos comentários de Barrie, encontrei o conceito que procurava para resumir o padrão comportamental da vítima da SPP. Ao fim do Quinto Ato, Cena I, vemos que Peter Pan derrotou completamente o Capitão Gancho. O pirata malvado comete suicídio atirando-se ao mar e projetando-se nas mandíbulas do crocodilo. O autor então comenta: Ergue-se a cortina mostrando PETER como um perfeito Napoleão em seu navio. A cortina não deverá erguer-se novamente para que possamos vê-lo na popa, com o chapéu e os charutos de GANCHO, e com uma pequena garra de ferro. Barrie sugere que o alter ego de Peter Pan é um pirata. Num dado tempo e num determinado espaço, Peter poderia tornar-se tão desapiedado e insensível quanto Gancho. Acho isso bem plausível. É por isso que sumarizo o estilo de vida da vítima da SPP em uma palavra: pirático. As vítimas da Síndrome de Peter Pan são uns folgados. Têm propensão para risadas ruidosas e para uns bons tragos de qualquer bebida alcoólica, e estão sempre procurando divertir-se com um grupinho de "adoráveis" meretrizes.São capazes de maldades e de atos inescrupulosos e podem cantar e dançar enquanto estão roubando os tesouros da vida alheia. Se sentem que você lhes fez algum mal, são tomados de fúria instantânea e põem-na(o) a nocaute, ou atravessam seu coração com uma promessa e uma mentira. Invadem suas águas territoriais e se ofendem com a sua indignação. Se irritados por uma segunda vez, farão você caminhar sobre brasas. Então, depois de pilharem totalmente seu coração, navegarão em direção ao poente fingindo não sentir nenhum remorso nem preocupação. Pessoas que já foram maltratadas pelo comportamento pirático de vítimas da SPP costumam concluir que esse pirata pretensioso não sente nenhuma preocupação pelo que fez. E é isso que ele quer que você ache. Mas pare e raciocine: os piratas não têm lar. Eles anseiam por um lugar que possam dizer que é seu. Consomem-se numa inquietação que os força a prosseguir na interminável viagem em busca da paz de espírito. Assim, apesar de a vítima da SPP "roubar" sua confiança, não pode usá-la. Confiança nada significa sem amor por si mesmo, e é esse o item crucial que falta na vida da vítima. Seu comportamento pirático é apenas um consolo temporário no meio de uma vida tempestuosa. O Capitão Gancho, refletindo sobre a dor e o prazer derivados de sua perfídia, coloca isto melhor que eu: As crianças deste navio agora vão para a prancha. Esta é a minha hora de triunfo! E no entanto algum espírito diabólico me compele a fazer um discurso por minha morte, pois posso não ter tempo para fazê-lo quando ela chegar. Todos os mortais me invejam; todavia, quem sabe não teria sido melhor para Gancho se ele tivesse sido menos ambicioso! [Após curta interrupção] Nenhuma criança me ama. Dizem que as crianças brincam de "faz de conta que eu sou Peter Pan", e que é sempre o mais forte que quer ser Peter. Elas preferem ser qualquer outro que não o Gancho; forçam o mais pequenino a ser o Capitão Gancho. O menorzinho! É aí que aparece o câncer. É indiscutível a presença do desalento, bem como do arre- pendimento. Porém não se trata de um arrependimento nascido de uma compreensão da natureza do mal feito. Trata-se mais de uma espécie de perplexidade brotando da vaga sensação de que as coisas não estão se desenrolando conforme os planos. É manifesta a ausência de uma auto-avaliação. É quase impossível ao pirata e à vítima da SPP suporem poder ter provocado o próprio infortúnio. Em vez de se arrependerem de seus erros, simplesmente cedem ao remorso decorrente da incapacidade de achar alguém a quem possam culpar. Se você conhece alguma vítima da SPP, sua primeira reação é rejeitar esta analogia pirática. Você se agarra à idéia de que ele só é um pouco imaturo para a sua idade. Incomoda encarar a possibilidade de que alguém tão importante possa ser tão egoísta. É preferível ele roubar sua carteira a trair sua confiança. Mas ele não é nenhum criminoso, nem doente mental. Ele é um pirata moderno navegando a esmo num mar de solidão. HÁ CURA PARA A SÍNDROME DE PETER PAN? A SPP não é um mal fatal (embora algumas de suas vítimas cometam suicídio). Ela é, contudo, devastadora no que toca ao bem- estar emocional do indivíduo e de sua família. Quando a SPP se apresenta completamente desenvolvida, o amadurecimento é bloqueado por uma procrastinação fatalista, pelo pensamento mágico e irracional e por uma sistemática negação que atinge o bizarro. Aqueles que amam esses homens frustram-se por completo. As vítimas da SPP querem desesperadamente sair do buraco; estenda- lhes a mão, porém, e será golpeado no coração. Clamam por atenção; contudo, quando você tenta ajudá-los, riem-se in- ternamente de sua insensatez em atendê-los. Os mais idosos têm consciência da própria condição, mas recusam-se completamente a procurar ajuda ou dela beneficiar-se. Alguns de vocês reconhecerão um amigo ou um ser amado como vítima da Síndrome de Peter Pan. E ser-lhes-á fácil concordar com a frustração descrita. A gente fica sem saber se lhes dá um abraço ou um tapa. Trabalhei com esses homens por muitos anos. Vi a Síndrome de Peter Pan em seus primeiros estágios, e testemunhei a destruição que é seu ápice na meia-idade. Como você pode imaginar, é duro conseguir que as vítimas se entreguem a uma psicoterapia. Internamente elas são tão desconcertantes que diversas vezes me vi tentado a pôr grades nas janelas de meu consultório para impedir que saíssem voando. Na verdade, se tivessem acesso ao pó mágico, com certeza partiriam para uma Terra do Nunca subjetivamente criada. Meu primeiro encontro com uma vítima da SPP geralmente ocorre entre o início de sua adolescência e os vinte e cinco anos de idade. Tipicamente esse jovem vive na casa dos pais e estuda ou trabalha meio período, com pouco sucesso. Professa-se um heterossexual plenamente realizado; na verdade, porém, sente-se muito pouco à vontade junto às mulheres. Seu desrespeito e sua irresponsabilidade levam seus pais a se preocuparem seriamente com o seu futuro. Por uma razão que vocês entenderão mais tarde, é a mãe da vítima que acaba conseguindo coagir o filho a procurar ajuda. A ameaça é vaga, mas peremptória: "É melhor você dar um jeito em sua vida, ou então. . . " A mãe não costuma explicitar o que "ou então. . . " significa, mas o filho apreende a mensagem: "ou vai, ou a 'mamata' acaba". Eu apostaria que a mãe não poria em prática a ameaça, mas o filho não deseja correr esse risco. Ele também não quer arriscar-se a ferir o coração materno. Assim, ele vem a meu consultório ao menos uma vez. Com ares de hostilidade, mas vem. Nem bem sentou-se e já começa a reclamar da chantagem da mãe. "Não preciso de psiquiatra. Não sou louco. Mas se eu não viesse, ela ia continuar me enchendo até eu vir". Raramente a vítima admite estar explorando os pais numa idade em que já deveria estar cuidando da própria vida. Nem parece disposta a falar sobre sua solidão e irresponsabilidade. O prognóstico não é bom. Os alicerces e os sintomas intermediários acham-se firmemente fincados. Quando reajo às queixas sobre sua mãe, ele se contorce numa reação de culpa. Quase em pânico, escusa-se: "Não foi nada disso que eu quis dizer. Não me leve a mal. Minha mãe é ótima. É só que. . . bem, acho que ela se preocupa comigo. Mãe é mãe, né?" Quando assinalo sua reação defensiva, fica ainda mais nervoso. A hostilidade começa a emergir. "Ei, eu não percebi o que tinha dito. Esquece, tá? Vamos falar de outra coisa". Mudamos o assunto, pois sei que isso não fará a menor diferença. Qualquer que seja o tema escolhido, o jovem me "gela", dando de ombros, falando monossilabicamente, e usando outras formas negativas de resposta a fim de esfriar minha indagação. Ele calcula que, mostrando-se frio e descompromissado, me forçará a desistir de questioná-lo, e poderá ir dizer à mãe que sim, que foi, e o médico não achou nada de errado nele. Muitas das vítimas mais jovens são participantes involuntárias da psicoterapia. Sendo assim, o processo termina antes de começar. Contudo, há casos em que a persistência na reflexão sobre a ligação irrealística do jovem com sua mãe conduz a um desfecho produtivo. O progresso é lento e entediante. Se uma vítima em potencial é atendida antes que o conflito referente ao papel sexual se manifeste por inteiro, as chances de uma mudança construtiva são boas. Porém, uma vez que a inadequação sexual esteja reprimida, o narcisismo e o chauvinismo instalam-se metodicamente, e a confrontação resulta em aumento da hostilidade e em fuga. Se a resistência ao tratamento é definitiva, a maior parte dos jovens sai de casa e casa-se. O pó mágico da Terra do Nunca torna-se parte de suas almas. Fingem ser felizes com a esposa e a família. Afirmam para si mesmos que estão satisfeitos com o trabalho. Negama dolorosa evidência de que seus corpos estão enfraquecendo. Têm muitas amizades aparentemente duradouras, mas que na realidade são superficiais e transitórias. E, como na adolescência, continuam a divertir-se. Para muitos, o abuso de bebidas alcoólicas é considerado um ato social. Outros compulsivamente procuram "casos". Sua negligência é justificada como necessidade de relaxar. O desalento torna-se um companheiro constante, enquanto a solidão toma proporções monstruosas. A prevenção da Síndrome de Peter Pan é relativamente fácil. Quanto mais cedo a vítima em potencial começar a ser tratada, melhor. Tenho certeza de que, se você apreender a totalidade do quadro da Síndrome de Peter Pan, será levado pelo impulso de ajudar de toda maneira possível. Pois, apesar da raiva, da negação e da negligência, as vidas das vítimas da SPP são cheias de tristeza. Não existe outra forma de descrever essas vidas. É realmente triste que pessoas tão incríveis tenham sido crianças que se evadiam à realidade e fingiam viver num perpétuo estado de jovial felicidade. Acontece que essa Terra do Nurca acaba transformando-se numa terra deserta e estéril. Se permitirmos que permaneçam lá, transformam-se em adultos cuja Terra do Nunca vira uma prisão de onde é quase impossível escapar. Nessa prisão a solidão enfurece-os, mas eles fingem ter amigos; são presas da dúvida, mas fingem ser confiantes; anseiam pela felicidade, e fingem contentamento; pior que tudo, consomem-se no isolamento e fingem ser amados. Peço-lhes que não acreditem neles. Tal como seu líder ficcional, as vítimas da Síndrome de Peter Pan são sós, terrivelmente sós. Quanto à sua afirmação: "Não quero ir para a escola e aprender nada sério. Ah, minha senhora, ninguém vai me pegar e me transformar em gente grande. Eu quero ser sempre um menininho e me divertir" — não acredite nela. Eles mentem para si próprios. PARTE II A SÍNDROME DE PETER PAN Nesta seção explicarei o desenvolvimento da Síndrome de Peter Pan. Os pais aqui encontrarão implicações para possíveis mudanças em suas estratégias de educação dos filhos. Esposas e amantes compreenderão melhor por que o homem a quem amam é simultaneamente frustrante e gratificante. Os amigos sentirão empatia e mais prontamente estenderão a mão para ajudar. As próprias vítimas poderão ganhar consciência e coragem para se libertarem da armadilha em que se encontram. O grosso de minha explanação centra-se na segunda década de vida, aproximadamente. As tentativas de ajudar os jovens a amadurecer ensinaram-me que este período se inicia na puberdade — aos onze ou doze anos, digamos — e termina por volta dos vinte e quatro, época em que a maioria dos jovens entrou na vida adulta. Denomino esse período de vida a idade de "atingir a maioridade". Já indiquei antes que seis sintomas básicos compõem a Síndrome de Peter Pan. Revisarei cada um deles nos próximos seis capítulos. Apresento os sintomas e os capítulos cronologicamente, conforme as "idades de pico". Minha hipótese é que o sintoma sob investigação floresce por um período de dois anos e domina os demais durante essa idade de pico. A melhor maneira de se estudar a Síndrome de Peter Pan e visualizar uma estrutura tridimensional composta por sete blocos. Primeiramente imagine quatro blocos juntos sobre uma mesa, de modo a formar um quadrado. Cada um desses blocos representa um de quatro sintomas fundamentais da SPP — quatro alicerces, se assim preferir. Esta é a base sobre a qual se constrói a SPP. A chave aqui é o conflito quanto ao papel sexual. Uma vez instalado, é certa a continuação do mal. Agora imagine que dispõe dois blocos sobre os quatro alicerces. Estes blocos representam mais dois sintomas da SPP e devem ser considerados "intermediários" entre os alicerces e o período final de crise. Estes sintomas intermediários fluem da base e, por seu lado, formam a base para o estágio final no desenvolvimento da SPP. Por fim, coloque um bloco sobre os dois intermediários. Este representa o período de crise da Síndrome de Peter Pan. Trata-se de uma época em que os seis sintomas convergem para causar a impotência nas relações sociais, tão prejudicial à felicidade futura. Esta apresentação pode dar-lhe a impressão de que cada um desses sintomas se desenvolve de modo previsível; entretanto, não é assim. Embora em geral os quatro alicerces apareçam entre as idades de onze e dezoito anos, podem desenvolver-se, em diferentes crianças, em diferentes idades. Podem, até mesmo, brotar numa seqüência diversa da delineada aqui. Você pode também ter a impressão de que os quatro sintomas devem estar presentes antes de os sintomas intermediários se poderem desenvolver. Mas não é assim. Minha experiência ensina que o narcisismo e o chauvinismo podem desenvolver-se na ausência de um ou dois dos alicerces. Quando isto ocorre, a devastação manifestada no período de crise é substancialmente menor, e torna-se mais provável a solução da impotência nas relações sociais. O período de crise da Síndrome de Peter Pan reflete diferentes graus de incapacidade. Alguns rapazes podem simplesmente tentar um casamento ou uma carreira que prometem anos de chateação, mas uma manejável frustração. Outras vítimas sofrem de uma impotência tão avassaladora que uma adaptação satisfatória ao trabalho e um relacionamento afetivo gratificante ficam além de suas possibilidades. O grau de incapacidade associa-se diretamente à quantidade e à qualidade dos seis sintomas contidos na estrutura de blocos. No Capítulo 10 personalizarei o estágio de crise da SPP narrando a história de Randy, um jovem de vinte e três anos, cuja vida dolorosamente demonstra a convergência dos seis sintomas. Você verá como a Síndrome de Peter Pan resulta numa impotência social que em tudo se infiltra, reduzindo drasticamente a qualidade de vida do jovem. O último capítulo desta parte analisa homens que nunca amadureceram. Você verá como o conflito referente ao papel sexual invadiu todos os aspectos significativos de suas vidas. Verá o que acontece quando a crise cessa e o desalento passa a constituir-se a própria textura da vida. 4 Irresponsabilidade PETER: — Sou a juventude, sou a alegria, sou um passarinho que acaba de sair da casca do ovo. WENDY: — Mas fugiu por quê? PETER: — Porque ouvi meu pai e minha mãe conversando sobre o que eu ia ser quando fosse adulto. Eu quero ser sempre um menininho e me divertir. Será que ser adulto é tão ruim assim? Seja o que for que Peter tenha ouvido dos pais, o fato é que ele ficou assustadíssimo. Imagino-o descendo a escada da casa para ir pegar um copo de leite na cozinha, e acidentalmente ouvindo os pais falarem sobre o seu futuro. "Pobre Peter", seu pai estaria dizendo. "Ele terá que trabalhar duro, agüentar jogo sujo e competição, preocupar-se com a estabilidade no emprego, conter a raiva ao ver os impostos comendo seu salário, e submeter-se à ladroeira legal das contas de luz, gás. . . " Eu é que não o invejo por ter que crescer num mundo como este. . . " "E eu me preocupo com a família dele", acrescentaria a mãe. "Peter é o tipo do menino que vai morrer de preocupação pela esposa e pelas crianças. E, do jeito que vai a situação econômica, acho que a esposa dele vai ter que trabalhar fora. Aí seus filhos terão que crescer praticamente sem os pais. Ah, que pena. Pobre filho!" Ponha-se no lugar de Peter Pan. Se ouvisse essa história de terror sobre o seu futuro, você também não gostaria de permanecer exatamente como estava? Tudo o que teria de fazer seria concentrar- se em ser criança. Não seria tão difícil. Você teria de brincar o tempo todo, divertir-se independentemente do que acontecesse,e fingir que a realidade é uma piada. Acima de tudo, teria de esforçar-se dia após dia, ano após ano para tornar-se tão irresponsável quanto possível. Faz sentido, não? A irresponsabilidade é a chave para se permanecer criança. O roteiro parece bastante simples: ser to- talmente irresponsável, fazer todo o possível para resistir a hábitos civilizados, como guardar a roupa, alimentar o cão da família, tirar boas notas e dar uma mão em casa. A fim de maximizar sua irresponsabilidade, você teria que desenvolver hábitos chocantes, como deixar o banheiro na maior bagunça, criar uma "zona de guerra" em seu quarto, espalhar copos vazios usados, restos de comida e meias sujas pela sala de visitas e, mais que isso, ser rude e malcriado quando da visita de adultos à sua família. E em nenhuma circunstância deveria dizer "por favor" ou "obrigado" à sua mãe por tê-lo levado a passear com seus amigos. Nesta altura, achando que já tinha atingido certo grau de irresponsabilidade, você iria querer comparar seu desempenho com os de seus colegas. Quantos centímetros de pó acumulado há sob as camas deles? Quando foi a última vez que o vizinho escovou os dentes? Qual o recorde de dias consecutivos em que só comeu doces e coisas do gênero? Seu ritmo se estabeleceria conforme as artimanhas de seus colegas. Com um pouco de aplicação e quase nenhum esforço pessoal, você poderia ser o melhor. Então teria assegurado o direito de reclamar cadeira cativa na legião dos meninos que jamais amadurecerão. Uma vez assentada a irresponsabilidade, seria interessante você empregar certa dose de preguiça para barrar o desenvolvimento de qualquer tentativa de maturidade. Pois não é verdade que você não quereria que sua mãe dissesse às amigas: "Puxa, meu Peter está ficando tão responsável! Ele faz tudo o que-eu peço e nunca me dá qualquer problema?" Se isso acontecesse, seus planos iriam por terra. Você estaria crescendo. Seus amigos podem ajudá-lo a manter sua irresponsabilidade. Com eles você aprende a arte e a ciência da protelação. "Vou indo" e "daqui a pouco" são suas armas. Aprende também a esquecer. "Puxa, mamãe, esqueci!" Ou "você não vai esperar que eu me lembre de todas as minhas tarefas, né?" E, quando estas falham, sempre poderá aprender novas técnicas de argumentação ou de reclamações. "Não é justo", "você sempre implica comigo" e "nenhum outro menino tem que fazer isso" — são manobras excelentes. Você não precisa ser Peter Pan para resistir à maturidade. A irresponsabilidade não constitui um sinal automático de desadaptação futura. É natural que as crianças se rebelem contra o amadurecimento. Crescer é algo assustador, hoje mais do que em qualquer outra época passada. Só pensar sobre as realidades da idade adulta basta para conduzi-lo a um estado de regressão, no qual você se enrola em seu cobertorzinho e leva o polegar à boca, suspirando pelo tempo em que a decisão mais difícil de tomar era qual o brinquedo a escolher. Todos nós tivemos momentos de irresponsabilidade. Isso é parte do ser criança. Porém, na maioria, nós ultrapassamos a irresponsabilidade, e agora a responsabilidade é algo tão habitual que precisamos até planejar nossos momentos de lazer. Chegamos a um ponto em que não podemos nos evadir à responsabilidade. As vítimas da Síndrome de Peter Pan apresentam o problema contrário. Eles não podem evadir-ss à irresponsabilidade. É uma armadilha que começa como uma inocente e típica rebelião, mas acaba transformando-se num estilo de vida do adulto. Uma peça fundamental do quebra-cabeça da Síndrome de Peter Pan é a completa irresponsabilidade geradora de inépcia nas capacidades básicas relativas ao cuidado de si mesmo. PICO DA IRRESPONSABILIDADE: 11 A 12 ANOS Se a criança tem três anos de idade e enfia purê de batata no nariz, isso é normal. Se tem seis e arrumou a cama, ainda que pareça que continua desarrumada, ela merece aplauso pela tentativa. Se tem nove e a comida que preparou para o almoço queimou, deve ser louvada pelo esforço. Porém a uma certa altura algum adulto responsável deve dizer: "Você já está grande demais para fazer essas tolices". As vítimas da SPP nunca dão ouvidos a essa advertência. Ou se o fazem, não o registram. Entram no final da adolescência cem sólidos hábitos de irresponsabilidade. Muito embora tenham dez ou quinze anos a mais, a maioria delas ainda se porta mal à mesa, deixa a cama por ser arrumada, e acha que preparar um grande jantar é abrir uma lata de salsichas. A irresponsabilidade é um dos seis alicerces da Síndrome de Peter Pan. Ela atinge seu ápice geralmente entre os onze e os doze anos; a repentina liberação de hormônios no interior do corpo do menino parece estimular a persistência dessa característica. Passo a mostrar quatro tipos de irresponsabilidade púbere. Você compreenderá o contraste entre eles, persuadindo-se ao mesmo tempo de que cada tipo, se não for cuidado, poderá conduzir à destruição da responsabilidade no adulto. "Um Anjinho": Esta criança parece sempre inocente. O papel angelical aparece sempre que existe grande evidência de ela ter algo de errado. Seus olhos molham-se instantaneamente, e ela protesta: "Você acha que eu pensaria em fazer uma coisa dessas?" O silêncio e a tristeza em seu rosto solene e seus lábios trêmulos conquistam seu coração e você se esquece de dizer: "Sim". "Ranheta": Esta criança cré que a melhor defesa é uma boa ofensa. Ela costuma queixar-se para chantagear os pais. Reclama alto e bom som das injustiças de seu poder. Acaba por aborrecê-los tanto que eles desistem de mandar e simplesmente fazem eles próprios o que competiria ao filho. "Cego, surdo e mudo": Se os pais não soubessem como as crianças funcionam, achariam que este tipo de irresponsabilidade envolve algum tipo de lesão cerebral. Mas um grande número de crianças perfeitamente saudáveis utiliza a estratégia do "cego, surdo e mudo" para evitar a responsabilidade. Eis como reconhecer essa estratégia. Surdo: "Não ouvi você me pedir isso". Mudo: "Eu não falei nada disso". Cego: "Nossa, eu nem vi o bilhete que você deixou na minha mesa". Cada uma a sua maneira, estas crianças crêem poder evitar a responsabilidade se nenhum de seus sentidos parecer funcionar direito. "O bem intencionado": Como zangar-se com uma criança irres- ponsável com o jeito de um cachorrinho gentil? Muitos pais fracassam diante desse fato. O "bem intencionado" faz rapidamente qualquer coisa que você lhe peça, e sorri independentemente de seu estado de espírito. O problema é que ele nunca executa suas tarefas, a menos que você o faça lembrar-se delas uma centena de vezes. Este tipo de irresponsabilidade é perigosíssimo, porque os pais tendem a evitar atitudes severas para ensinar a criança a assumir suas obrigações. Vejamos brevemente quatro histórias de crianças, todas elas no pico da idade da irresponsabilidade (onze a doze anos). Rickey O clínico da família disse que ele era um menino cheio de energia que exagerava nos salgadinhos e nos doces. O pediatra insinuou que Rickey Sharp, de onze anos de idade, talvez fosse hiperativo. A orientadora escolar dizia que, por estar enfrentando a puberdade, Rickey precisava de compreensão e paciência. A avó dizia que o neto, seu orgulho e alegria, estava simplesmente passando por uma fase e logo mudaria. De um ou de outro modo, todos estavam certos. Mas Ruth Sharp não podia mais esperar. Ela só queria que o filho "tomasse jeito". Rickey era o típico "anjinho". Tinha grandes olhos azuis, cuja clareza e intensidade não haviam mudado desde seu nascimento. Seu cabelo loiro e rebelde pareceria mal cuidado em qualquer outra criança, mas em Rickey agradava. Sua voz era tão miúda quanto seu corpo; ele como que sussurrava ao falar, e mal alcançava o vaso do banheiro da igreja.
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