Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
RAE - Revista de Administração de Empresas ISSN: 0034-7590 rae@fgv.br Fundação Getulio Vargas Brasil Freitas, Maria Ester de Reseña de "Handbook de Estudos Organizacionais. Modelos de Análise e Novas Questôes em Estudos Organizacionais" de Stewart R. Clegg, Cynthia Hardy e Walter R. Nord (Orgs.) RAE - Revista de Administração de Empresas, vol. 40, núm. 1, enero-marzo, 2000, pp. 105-107 Fundação Getulio Vargas São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=155118213011 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto v. 40 • n. 1 • Jan./Mar. 2000 105 Corrente crítica U de Stewart R. Clegg, Cynthia Hardy e Walter R. Nord (Orgs.) Miguel Caldas, Roberto Fachin e Tânia Fischer (Orgs. da edição brasileira) São Paulo: Atlas, 1999. Vol. I, 465 p. por Maria Ester de Freitas, Professora do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGV. E-mail: mfreitas@fgvsp.br m handbook não é um livro como os outros; ele não expressa o pensamento de um ou vá- rios autores sobre um tema específico. Ele também não é uma colcha de retalhos de cores e desenhos diferentes, seguramente alinhados entre si. Um handbook é mais parecido com uma árvore que, tendo várias raízes por meio das quais se alimenta, é composta de um tronco que lhe dá visibilidade uni- tária, mas que se desmembra em galhos, ramos, fo- lhas e até flores e frutos. De longe, uma árvore se apresenta como homogênea, porém os galhos, ra- mos e folhas têm texturas, densidades e matizes di- ferentes; alguns mais velhos, mais sólidos, mais for- tes, outros se formando no momento em que estão sendo observados. A Teoria das Organizações, na medida em que se beneficia de um conhecimento plural e interdis- ciplinar, parece sempre padecer de uma certa ambi- güidade em relação a seus construtos e definições de termos específicos. A validade dos métodos e seu estatuto científico parecem sempre reivindicar uma legitimidade e uma identidade teórica, talvez até por ser bastante permeável a modismos, frutos da di- nâmica organizacional, bem como do delírio bem- intencionado, e às vezes mal, de profissionais de diferentes filiações que querem deixar a sua contri- buição registrada. Chega em boa hora esse livro, que teve em portu- guês a sua primeira versão fora do idioma inglês. Na sua introdução, Clegg e Hardy são muito felizes ao dizerem que o Handbook é uma conversação entre autores. Na versão em português, esse diálogo é am- pliado para conter comentários e notas técnicas de renomados acadêmicos brasileiros na área. Assim, a 106 v. 40 • n. 1 • Jan./Mar. 2000 conversação traz os textos originais e o ponto de vis- ta de alguns dos nossos nomes mais conceituados. Como não poderia deixar de ser, um handbook não traz textos leves; pelo contrário, eles são densos e representativos de uma reflexão madura, espelhada na contradição, na complementação e na diversida- de, sendo mais apropriado para alunos de cursos de pós-graduação, mas não exclusivamente. A versão em português foi dividida em três volu- mes. O volume de que tratamos é sobre modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais, sendo composto de dez capítulos e oito notas técni- cas. Para maior benefício do leitor em relação a uma idéia mais detalhada do livro, apresentaremos alguns dos pontos discutidos pelos autores originais. Michael Reed, no texto intitulado “Teorização or- ganizacional: um campo historicamente contestado”, faz um inventário das principais idéias e ideais que nortearam a produção acadêmica dos estudos organi- zacionais e foram foco da preocupação de analistas da área, notadamente os de origem anglo-saxônica. A contextualização das variáveis que entraram em cena e que foram sendo incorporadas na teoria orga- nizacional é também contemplada. Reed ainda lança um olhar sobre os novos eixos temáticos que emer- gem no debate atual, embora não faça nenhuma men- ção à contribuição dos europeus continentais sobre o intercultural management, que já constitui um subcampo significativo dos estudos organizacionais. Em “Teoria da Contingência Estrutural”, Lex Donaldson admite que, ainda detendo o lugar de prin- cipal teoria explicativa da estrutura organizacional, a TCE teve a sua importância reduzida a partir dos anos 70, quando novos temas emergiram no mundo orga- nizacional. O autor faz uma breve retrospectiva da literatura clássica sobre os temas caros à TCE: os condicionantes da incerteza, o determinismo da con- tingência, se a estrutura segue a estratégia ou vice- versa, a questão do tamanho da organização, a opção tecnológica, o papel da inovação, etc. Joel A. C. Baum escreve sobre “Ecologia organi- zacional” e, tendo como pano de fundo a sempre atu- al questão sobre o que determina o sucesso ou o fra- casso organizacional, revisa a literatura sobre os prin- cipais tópicos da pesquisa empírica e do desenvolvi- mento conceitual sobre ecologia organizacional. A idade e o tamanho da organização, bem como a den- sidade da população organizacional, são fortemente considerados na análise dos níveis de suscetibilidade das grandes e pequenas empresas. Qual o papel dos processos institucionais, tal como regulamentação governamental ou ciclos tecnológicos, na natureza, direção e resultados dos processos de mudança orga- nizacional? Existe um determinismo ambiental que define a fundação e o fracasso de organizações? A ação humana, vista isoladamente, faz diferença na organização, mas não no universo das populações organizacionais? Estratégias comuns nos dias de hoje como fusões e aquisições não são contempladas no texto, ainda que elas alterem significativamente a noção de idade e tamanho organizacional, além de modificarem a análise de densidade organizacional e penetração num novo mercado. Essas estratégias po- dem ser consideradas uma nova fundação? Encerrando a primeira parte do Handbook, Matts Alvesson e Stanley Deetz, em “Teoria Crítica e abor- dagens pós-modernas para estudos organizacionais”, um texto magistral, espalham os ares da Filosofia, Sociologia, Política e Lingüística nos estudos orga- nizacionais, fundados no que existe de semelhança entre a Teoria Crítica, especialmente representada pela Escola de Frankfurt e particularmente por Habermas, e o Pós-Modernismo, enfatizando textos sociais e po- líticos apoiados em Foucault, Derrida e Baudrillard. A proposta dos autores é a de abrir textos, assumindo a existência de tensões entre eles, mas também lidan- do com as possibilidades elucidativas de cada abor- dagem para o universo organizacional, visto como formato social, lugar de vida, convivência de identi- dades e criador potencial de narrativas. Sem buscar a síntese, sem negar os contrastes e sem fugir dos con- flitos, Alvesson e Deetz abrem trilhas para uma pes- quisa organizacional mais reflexiva, que também pode ser gestada no empírico. Trata-se de um ensaio com endereço certo: abrir possibilidades de diálogo. Inaugurando a segunda parte do Handbook, sobre temas emergentes em estudos organizacionais, Mar- ta B. Calás e Linda Smircich nos falam “Do ponto de vista da mulher: abordagens feministas em estudos organizacionais”, colocando os pingos nos “is” nas diferentes perspectivas: liberal, radical, psicanalítica, marxista, socialista, pós-estruturalista/pós-moderna e terceiro-mundista/colonialista, demonstrando que esse é um tema aberto e que pode fornecer grandes contri- buições. Muito se tem escrito nos últimos 30 anos sobre questões feministas, sexistas, de gênero e de relações entre gêneros, porém o paradigma organiza- cional é inegavelmente masculinoe a produção aca- dêmica em estudos organizacionais o reflete vivamen- te. Mais que uma contribuição específica para o mun- do organizacional, os estudos revistos pelas autoras apresentam uma contribuição para a compreensão das v. 40 • n. 1 • Jan./Mar. 2000 107 Corrente crítica sociedades contemporâneas do ponto de vista socio- lógico e antropológico, especialmente. É inegável a existência de uma referência central masculina no mundo organizacional, que nega em boa medida ou- tras possibilidades e que incorpora ao discurso algu- mas variações da análise de gênero, esta ainda é mais marcada pelo silêncio ou pela tentativa de reconversão ao padrão dominante. Contudo, existe já um bom ali- cerce que pode inspirar não apenas novos olhares so- bre as organizações mas também uma prática, um cotidiano que contemple a mulher como um ser intei- ro e que revele o “outro” que nela existe e é simples- mente natural. “Diversidade e identidade nas organizações”, por Stella M. Nkomo e Taylor Cox Jr., trata exatamente da palavra “diversidade”, quando ela é usada e o que significa. Diversidade de quê? A terminologia é com- plexa e abre espaço para diferentes linhas de pesqui- sa. Para os autores, a noção de diversidade é estreita- mente ligada à de identidade, individual, grupal, or- ganizacional e societal. Identidade não é uma cate- goria única nem tampouco estável. À medida que o mundo organizacional vai se tornando mais comple- xo e diferenciado em relação à composição de seus membros, que a migração de vários grupos étnicos se torna uma realidade comum e que a internacionaliza- ção integrada das empresas passa a ser algo cotidia- no, buscar o entendimento sobre a construção social da diversidade nas organizações se torna um impe- rativo. Esse texto traduz um bom início na direção de se superar alguns dilemas conceituais e metodo- lógicos, procurando reduzir lacunas ainda bastante significativas na compreensão e produzir uma pes- quisa que considere a riqueza interdisciplinar que o tema solicita. Carolyn P. Egri e Laurence T. Pinfield escrevem “As organizações e a biosfera: ecologia e meio ambi- ente”. Alicerçada, em grande medida, na perspectiva funcionalista, a Teoria das Organizações tem utiliza- do de forma bastante limitada o conceito de ambien- te. Tradicionalmente, tal conceito tem sido expresso para falar de cenário e stakeholders organizacionais, reservando pouca ou nenhuma atenção às considera- ções sobre o relacionamento com o ambiente natural. Isso também demonstra um viés desses estudos na medida em que “os ambientes são definidos como não tendo nenhuma outra característica a enunciar que não sejam os seus atributos organizacionais relevantes”. Recuperando o pensamento social dominante, os au- tores discutem as propostas dos ambientalistas nos paradigmas renovado e radical, a partir de uma pos- sibilidade de síntese entres estes e a Teoria das Orga- nizações. Até que ponto as decisões organizacionais ainda poderão ignorar as conseqüências globais de suas ações sobre o ambiente natural? Que tipo de con- cordância é necessária para produzir ações organiza- cionais que levem em conta os interesses de uma co- letividade superior? O capítulo “Evolução e revolução: da internacio- nalização à globalização”, de Barbara Parker, busca traçar um retrato dos paradoxos hoje visíveis no pro- cesso de globalização. Estabelecendo uma diferença entre as características da internacionalização e glo- balização, a autora assume com cautela a carência de distinções conceituais que dêem conta das nuances e das zonas comuns. O texto traz um mapeamento de argumentos favoráveis e de desvantagens de uma eco- nomia global e seus correlativos: empresa, cultura e tecnologia globais. Apresenta, também, a consagra- da dupla “desafios” e “oportunidades”, tão cara aos estudos organizacionais, na forma de uma necessidade de aprofundar temas como responsabilidade social, es- trutura e estratégia organizacionais, num contexto vis- to como irreversível e já historicamente determinado. Por fim, Gibson Burrel nos fala de “Ciência nor- mal, paradigmas, metáforas, discursos e genealogia da análise”. Encerrando o volume no que constitui um capítulo de conclusões, Burrel é o autor que apre- senta os cortes e algumas costuras. Numa linguagem de rica e sofisticada ironia, ele expõe algumas das miopias dos teóricos organizacionais; usa o tom de desagravo em relação às críticas que sofreu com o livro Sociological paradigms and organizational analysis, escrito em parceria com Gareth Morgan, especialmente a respeito da incompatibilidade de pa- radigmas; critica Morgan, em seu Images of organization, por ter sucumbido à tentação de um mercado ávido por teorias prêt-à-porter; e reconhece um grande débito para com Foucault e Derrida. Tra- ta-se de um texto instigante, com sabor do plural, da abertura, da inserção da diferença, da ambigüidade e da beleza dos pequenos detalhes. É quase poesia, seja na mão que bate forte na possibilidade de uma teoria organizacional que comporte múltiplos entendimen- tos, seja na voz que a acaricia. Sem maiores delongas, a questão agora é aguar- dar, com impaciência, a chegada dos demais volu- mes que completam o Handbook original. Os organi- zadores brasileiros, os tradutores, todos os autores de notas técnicas e a editora estão de parabéns por terem enfrentado o desafio de lidar com uma obra de tal envergadura. Ganhamos todos com ela. � Handbook de estudos organizacionais
Compartilhar