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© Heller Agnes. © Marco Aydos (tradução). Publicação em português autorizada pela autora. Em 
<marcoaydos.wordpress.com>, 12 de fevereiro de 2011. 
O desmascaramento dos metafísicos ou a 
destruição da metafísica?1
Agnes Heller
Quando aceitei convite para uma conferência, apresentada recentemente, em 
torno da obra de Karl Popper2, eu imediatamente decidi escrever algo sobre dois de seus 
livros: A sociedade aberta e A pobreza do historicismo. Eu li esses livros há quarenta 
anos e pensei que me lembrava deles com bastante clareza. Certamente eu não havia 
esquecido que Popper tratou Platão e Hegel com injustiça grosseira. Mas eu coloquei 
esses livros em sua relevante perspectiva histórica, ao lado do livro de Lukács, A 
destruição da razão, e da Dialética da Ilustração de Adorno e Horkheimer.
Por conta do trauma arrasador do século vinte, isto é, a emergência dos dois 
regimes totalitários, e o apoio que ambos receberam, entre outros, por eruditos e 
intelectuais, a investigação das almas3 tornou-se um dever indispensável. Homens e 
mulheres modernos, porém, formulam suas perguntas (quer se deem conta disso ou não) 
de modo histórico, de modo que essa investigação de almas transforma-se em procura 
por raízes históricas, causas, razões e tradições que supostamente teriam preparado, 
direta ou indiretamente, o caminho para o totalitarismo. Os filósofos, por seu turno, 
procuram pelas raízes das doenças na filosofia, e assim fazendo, na filosofia as 
encontrarão. Mesmo antes daqueles eruditos críticos da cultura, Adorno e Horkheimer, 
toda a era moderna e todos os tipos de ilustração já haviam sido acusados. Mas Lukács e 
Popper adicionaram um remédio às doenças da era moderna e pós-ilustrada. No caso de 
Lukács, o remédio chamava-se “dialética” e “Marx”; no caso de Popper chamou-se 
“racionalismo crítico”. Mas ambos advogaram pela fé na Razão.
Depois de reler os livros de Popper, eu não mudei de ideia a respeito de minha 
formulação sobre seu papel numa determinada conjuntura histórica. Eu até somaria às 
minhas ruminações que Popper defendeu algo politicamente bom, nomeadamente, a 
sociedade aberta ou democracia liberal. Todavia hoje vivemos numa situação histórica 
completamente diferente, que modifica dramaticamente a função desses livros. Os 
regimes totalitários europeus são felizmente coisas do passado, e as sociedades fechadas 
contemporâneas já não têm nada que ver com as tradições filosóficas europeias. A gente 
até pode imaginar que o discurso de bin Laden, transmitido pela televisão um 
pouquinho depois do 11 de setembro, e que descrevia uma guerra contra o Islã 
conduzida por cristãos e judeus desde a época das cruzadas, seria um tipo de 'grande 
1 Original: The Unmasking of the Metaphysicians or the Deconstructing of Metaphysics? Critical 
Horizons, Volume 5, Number 1, 2004, p. 401-418. N.T.
2 Este ensaio baseou-se em comunicação apresentada em conferência em torno à obra de Karl Popper 
no outono de 2002. 
3 No original “soul searching” (N.T.).
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© Heller Agnes. © Marco Aydos (tradução). Publicação em português autorizada pela autora. Em 
<marcoaydos.wordpress.com>, 12 de fevereiro de 2011. 
narrativa'. Mas ninguém em seu juízo normal conectaria essa narrativa a Hegel ou a 
Marx. Então esses livros devem dizer algo por si mesmos, ou já não nos dirão nada.
E assim, ao reler esses dois livros eu me confrontei simplesmente com seu 
conteúdo, seus argumentos e sua retórica. À primeira vista, fiquei impressionada com 
sua irrelevância. Eu quase dei a este ensaio o título “A pobreza do desmascaramento”. 
Popper constantemente praticou o método do desmascaramento quando lidou com os 
ditos 'inimigos' da liberdade e da razão, mesmo que ele rejeitasse o desmascaramento 
como método usado por sociólogos do conhecimento como Mannheim. Rotular certos 
filósofos como 'inimigos', mesmo que sejam inimigos de algo bem específico, é um 
instrumento retórico da inquisição e não do liberalismo. O Diabo é o Inimigo. O 
inimigo é destrutivo e perigoso, e por isso não merece tratamento justo. Popper é fiel à 
sua retórica quando (em oposição ao método do racionalismo crítico) admite em suas 
formulações teóricas sobre Aristóteles ou Hegel o mínimo possível de fatos 
interpretados, e entre estes, muitos que não se ajustariam à sua própria teoria – bastante 
limitada - da verdade. Em outras palavras, ele diz muitas coisas que de fato não são 
como ele diz. 
Permita-me mencionar um exemplo. Popper discute as formulações aristotélicas 
sobre a definição dos conceitos, a identidade da ousia individual e a arché como se 
todas as três tivessem o mesmo referente! Nenhum aluno do Mestre admitiria isso. 
Propor formulações radicais, dispensar um filósofo como irrelevante ou perigoso, tudo 
isso em si mesmo é um instrumento retórico legítimo em filosofia. Sic volo, sic jubeo. 
Nietzsche também faz isso com frequência, principalmente em relação a Platão. Mas a 
retórica de Nietzsche é franca e direta, não disfarçada sob a capa de descoberta 
científica. Eu certamente admitiria, juntamente com Hegel, que a filosofia em geral 
pode ser perigosa. Hegel mesmo foi mais longe e disse que ela só pode ser interessante 
e importante se for de fato perigosa. Eu somaria a isso que a filosofia é perigosa em 
primeiro lugar – e o mais importante - para o filósofo. É certo que recepções ideológicas 
e políticas da filosofia por certos movimentos e instituições podem de fato ser 
socialmente perigosas, às vezes para os tiranos, outras vezes para as liberdades pessoais 
e sociais, ou, ainda, de outros modos e em tempos diversos. A tudo a filosofia pode ser 
perigosa, mas não se sabe de antemão para quem nem quando. 
Assim, no caso desses dois livros de Popper, sua retórica e seu método estão mal 
afinados. Popper não deixa claro para ele mesmo se ele se confronta com ciências ou 
filosofias. Ele mistura o conceito moderno de ciência com aquele de episteme. Já bem 
no começo de A pobreza do historicismo Popper reivindica ter finalmente encontrado os 
melhores argumentos para refutar o historicismo: porque ele agora é capaz de provar 
que não se pode prever o futuro. Eu sequer vou considerar o protesto óbvio do leitor: 
pois nem Platão nem Hegel sustentaram que nós poderíamos prever o futuro. Hegel 
sustentou o mais enfático argumento contra tais tentativas (aqui está Rhodus, aqui você 
dança: não se pode pular sobre Rhodus!). Marx é o único que poderia ser considerado 
culpado nesse particular, e não obstante Marx é o único a quem Popper trata com luvas 
de pelica. Mesmo que desconsideremos essas objeções óbvias e graves, remanescem 
duas questões em aberto. A primeira, que sua descoberta (de que não se podem fazer 
asserções verdadeiras sobre o futuro) é velha de dois mil e trezentos anos, e foi em 
realidade formulada por aquele 'essencialista' profundamente desprezado chamado 
Aristóteles. Em segundo lugar, se eu tivesse de seguir o método próprio à filosofia de 
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© Heller Agnes. © Marco Aydos (tradução). Publicação em português autorizada pela autora. Em 
<marcoaydos.wordpress.com>, 12 de fevereiro de 2011. 
Popper, então eu teria que dizer que uma teoria aberta à falsificação é uma teoria 
científica. Mas nesse caso o historicismo poderia reivindicar legitimamente seu status 
como ciência, e isso é algo que Popper seria o último a admitir. Então é melhor dizer 
(pelo menos eu assim penso) que as filosofias em geral não são sujeitas à falsificação do 
que dizer que se pode falsificá-las uma centena de vezes e que isso não lhes fará mal 
nenhum. Só se pode abandoná-las quando elas se tornam irrelevantes, e isso sim as 
atingirá. Eu não recrimino Popper em suas tentativas de falsificara metafísica e as 
grandes narrativas, porque nisso ele apenas seguiu as pegadas de seus antecessores 
filosóficos, incluídos aí Aristóteles e Hegel (o primeiro alegadamente refutou Platão; o 
segundo, Kant.). Minha questão é apenas se essa tentativa permanece ou não proveitosa 
sob as condições filosóficas de hoje. Em caso negativo, remanesce uma pergunta: o que 
ainda é proveitoso na abordagem desses dois livros de Popper, caso algo ainda o seja? 
Chegando a esse ponto de minha indagação, resolvi esquecer os anos quarenta 
ou cinquenta do século passado, os contextos originais em que esses dois livros foram 
escritos e lidos pela primeira vez. Então eu coloquei esses dois livros no nosso presente 
contexto – a desconstrução e destruição da metafísica. Decidi desconsiderar análises 
atrapalhadas, acusações injustas e casos irrelevantes de desmascaramento – e resolvi 
olhar para esses textos como a primeira tentativa de compreender a grande narrativa 
como ajustamento da metafísica ao mundo moderno. Acredito que Popper 
invariavelmente pôs o dedo na ferida de temas que hoje percebemos como algo real, e 
agora constantemente tratamos com muita habilidade, muito embora sem chegar a 
resultados ou a julgamentos finais, coisas que não estamos procurando mais.
Adiante, vou discutir em primeiro lugar o tema geral, a saber, a grande narrativa 
como consumação da metafísica através de sua negação. Depois vou tratar de problemas 
concretos relacionados a esse tema geral, como holismo, identidade, essencialismo e 
verdade. E por fim escrutinar duas questões fundamentais que Popper indicou em A 
sociedade aberta: o paradoxo da liberdade e a questão da soberania. 
II
Hegel várias vezes enfatizou de modo explícito sua dívida para com Platão e 
Aristóteles. Basta lembrar o prefácio à sua Filosofia do Direito e o finalzinho, algo 
como a parte engraçada de uma da piada4, de sua Enciclopédia, respectivamente. No 
primeiro, Hegel declarou-se tributário da República de Platão e indicou a similaridade 
que havia entre a sua teoria do estado e a de Platão. Com toda a certeza sua 
interpretação de Platão foi quase o exato oposto daquela de Popper. Na visão de Hegel, 
Platão estava longe de ser um utopista e não fez nenhuma tentativa de engenharia social. 
Ele apenas descreveu o estado, tal como existia em seu tempo, de maneira idealizada e 
normativa. Hegel estava fazendo algo muito parecido ao descrever o estado e a 
sociedade de seu próprio tempo. Pelo menos ele reivindicava isso. Hegel também chama 
nossa atenção para a circunstância de que em questões de filosofia política, e também 
em filosofia moral, a imaginação do filósofo é bem limitada. Não se pode saltar sobre a 
própria experiência histórica. A interpretação de Platão dada por Hegel tem muita 
razão5, porque ele não esperava que Platão afirmasse algo como uma 'sociedade aberta', 
4 No original, “the punch line”, NT.
5 Tenho dificuldade em dizer em português a formulação “stands to reason”, que é menos do que “ter” 
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© Heller Agnes. © Marco Aydos (tradução). Publicação em português autorizada pela autora. Em 
<marcoaydos.wordpress.com>, 12 de fevereiro de 2011. 
algo que jamais havia existido e não podia sequer ser sonhado na época dele. 
Simultaneamente, Hegel sublinhou o seu compromisso com uma descrição normativa e 
idealizada do estado de seu tempo, do mesmo modo como fora feito ao tempo de Platão, 
mas também apresentava nesse procedimento o exato modelo de estado moderno (e de 
sociedade). O modelo hegeliano de estado moderno não era utópico e ele podia ser tudo 
menos um advogado de qualquer sociedade fechada. Ao contrário, ele deu razões muito 
fortes sobre por que o modelo platônico tinha de permanecer um modelo fechado, ao 
passo que Hegel ele mesmo podia modelar uma sociedade aberta. Seu enredo, em 
síntese, é que nenhuma sociedade civil podia existir nos tempos antigos porque não 
havia mediação entre a família e o estado. E é por isso que o mundo permanecia 
homogêneo. O mundo moderno, por outro lado, através da mediação da sociedade civil, 
tornou-se pluralista e heterogêneo.
Popper pôs o dedo na ferida de algo muito importante no enredo de Hegel. 
Porque a descrição normativa e idealizada do estado moderno feita por Hegel, apesar de 
não ser nem utópica nem advogar algum tipo de engenharia social ou coletivismo, ainda 
assim desempenhava uma tarefa tradicionalmente metafísica. Ao apresentar seu modelo, 
Hegel inseriu filosofia política (a descrição normativa e idealizada do estado moderno 
de facto) num sistema filosófico que abrangia o mundo como um todo. O mundo social 
assim descrito constituiu vários parágrafos da seção sobre o Espírito Objetivo no enredo 
da filosofia do Espírito, que em si mesma foi planejada como consumação do sistema 
como um todo, e consequentemente fechava o todo do sistema. O modelo de estado de 
Hegel não é 'fechado', mas o seu sistema em si é fechado. E é fechado porque um 
sistema filosófico é feito para ser fechado. E para Hegel a filosofia autêntica ainda 
estava associada ao sistema. Talvez pela (quase?) última vez. Popper viu também o 
outro lado da moeda, ou seja, que a metafísica no tempo de Hegel poderia ser resgatada 
de sua falência se incluísse em seu sistema a história. 
Popper demorou-se bastante na crítica da estrutura hierárquica na República de 
Platão e na Política de Aristóteles. Há diversas simplificações grosseiras em suas 
análises, as quais, no geral, derivam de uma perspectiva a-histórica. Embora seja 
verdade que no tempo de Platão desenvolvia-se uma espécie de indagação que desafiava 
e questionava valores tradicionais, e que considerava algumas verdades como 
preconceitos (como se passava com alguns sofistas, que são os heróis de Popper), essas 
práticas deslegitimadoras tinham naquele tempo outra função e consequências 
completamente diferentes das que possuem práticas idênticas hoje, em nossa sociedade 
moderna. Ao passo que uma sociedade moderna, aberta, não pode sobreviver sem 
constantemente desafiar suas verdades e normas, as sociedades tradicionais foram 
destruídas por tal prática. Hegel respondeu à pergunta sobre 'por que' isso teve de ser 
assim no capítulo sobre a Ilustração de sua Fenomenologia do Espírito. Mas isso é 
apenas metade da história. A outra metade ainda precisa ser contada.
A segunda metade da história diz respeito à estrutura geral dos sistemas 
metafísicos. Embora Platão não fosse ainda um construtor consciente de um sistema, 
tudo que diz respeito ao sistema é verdade também em sua obra. Sistemas metafísicos 
são réplicas de um mundo ordenado hierarquicamente. Eles não são necessariamente 
pensados como tais, mas isso é exatamente o que eles são. O espaço metafísico é 
razão, mas é mais do que apenas ser “razoável”, adjetivo que poderia ser usado para suprir a locução 
verbal. NT
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© Heller Agnes. © Marco Aydos (tradução). Publicação em português autorizada pela autora. Em 
<marcoaydos.wordpress.com>, 12 de fevereiro de 2011. 
ordenado hierarquicamente. No topo está o real: realidade, razão, comando, 
imortalidade, o infinito, eternidade, onisciência, onipotência, espiritualidade, e assim 
por diante. No solo estão: a matéria, obediência, sensualidade, mortalidade, finitude, e 
assim por diante. No topo, a Verdade; no solo, mera opinião. Ocorre que num tempo em 
que a desconstrução ou destruição da hierarquia social haviam-se expandido, o que 
simbolicamente se deu com a decapitação de dois reis, os sistemas metafísicos 
tradicionais também começaram a ruir. O sistema hegeliano foi (além de muitas outras 
coisas) um instrumento engenhoso de resgate da metafísica através da reorganizaçãode 
seu espaço, ao substituir o Espaço pelo Tempo, redirecionando com isso o Absoluto lá 
do começo para o seu exato Resultado. E foi isso que Popper detectou no historicismo 
de Hegel. E mesmo que ele tenha interpretado muito mal tudo que Hegel disse, ainda 
assim ele compreendeu o que ele queria tirar de Hegel. Mas eu repito: Hegel de nenhum 
modo escondeu sua própria missão de resgate, porque esta foi posta com todas as letras 
quando o resumo de seu sistema, a Enciclopédia, encerra com uma citação de 
Aristóteles (da Metafísica, 1072b 18-30) sobre um Deus que é Razão, Vida e 
Eternidade. O Saber Absoluto, a contemplação filosófica do Absoluto, tinha que ser 
mesmo o fim do enredo, o final feliz. Sem um enredo, sem uma estória, não há final 
feliz. A estória – para ter um final feliz, do tipo 'o todo é a verdade' – tinha que ser uma 
estória universal que terminasse com o Todo.
Popper escreve: “Mas será que existe realmente algo como a história universal 
que tenha o sentido de uma história concreta da humanidade? Não, não pode existir algo 
assim.” Popper argumenta que a história não tem sentido porque a 'história', do modo 
como a maioria das pessoas fala dela, não existe. Ao contrário, “só existe um número 
indefinido de histórias de todos os tipos, sobre aspectos da vida humana”6. 
Desnecessário dizer que Popper compartilha com os pensadores metafísicos de uma 
espécie filosoficamente ingênua de admissão das coisas como são7. Uma história 
concreta da humanidade não existe. E até aí tudo bem. Entretanto, nem Hegel, nem 
Marx, reivindicaram que uma história desse tipo pudesse existir. Mas disso, todavia, não 
segue que uma história universal da humanidade seja apenas tolice. Sobretudo porque se 
não há Sentido na História, tampouco haverá sentidos nas histórias, sejam elas tantas e 
tão concretas quanto possam ser. Popper percebe que em matéria de Sentido na História, 
ele choca-se com a tradição da fé cristã, de modo que ele muda de posição e limita sua 
crítica à história universal do poder. Em outras palavras, ele percebe que a grande 
narrativa também é explorada pela tradição cristã da história como História da 
Redenção. Para que a História tenha um sentido, ela precisa ser compreendida de modo 
teleológico, como estrada que conduza à redenção. Sem essa pressuposição teleológica, 
que na realidade tanto Kant quanto Hegel reconheceram (Popper silencia a respeito de 
Kant), nenhuma afirmação sobre o Sentido da História fará sentido, nem mesmo a 
afirmação de que nós (humanos) conferimos sentidos à História apesar de que ela não 
tenha sentido, porque isto seria uma tolice nesse contexto, a menos que advoguemos 
pela deificação da humanidade.
Popper também percebe que Marx substituiu o telos divino pelas ditas leis de 
desenvolvimento da História. Entretanto, porque ele gostava mais de Marx que de 
Hegel, ele fracassou em ver que ao fazer essa mudança, no espírito da ideologia 
6 Karl Popper, The Open Society and its Enemies, Volume II, Hegel and Marx. London, Routledge, p. 
270.
7 No original, “...a kind of philosophical naïve taken-for-grantedness”, NT.
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© Heller Agnes. © Marco Aydos (tradução). Publicação em português autorizada pela autora. Em 
<marcoaydos.wordpress.com>, 12 de fevereiro de 2011. 
científica do século dezenove, Marx destruiu a justificação filosófica do Sentido na 
História. Porque se alguém reconhece qualquer fim secreto ou propósito na história, o 
conceito holístico de História ele mesmo não é pré-condição de uma estória que faça 
sentido. Mas quem fala nas leis do desenvolvimento histórico precisa pressupor um 
Conceito holístico de História, que tenha sua identidade desde o início. Isso fica óbvio 
quando se compara o pensamento metafísico com o pensamento científico do século 
dezenove. O pensamento metafísico sempre se reportou à concepção aristotélica das 
quatro causas: material, formal, eficiente e final. Segundo toda a tradição metafísica, 
inclusive na grande narrativa de Hegel, uma ocorrência ou uma entidade que seja 
determinada apenas por causas eficientes será por definição contingente, porque apenas 
uma ocorrência que também seja determinada por causa(s) final (ais) pode chamar-se 
necessária. Alguns metafísicos, como Leibniz, por exemplo, sustentavam que cada fato 
histórico é como tal contingente, e Hegel seria o último a negar isso. Cada fato histórico 
é contingente à medida que nós o compreendamos apenas por suas causas eficientes e 
desconsideremos sua causa final. Isso significa que algo, uma ocorrência ou entidade, 
apenas participa do que é necessário à medida que seja determinado por causas finais, o 
que implica que na História alguma coisa será necessária apenas à medida que contenha 
uma tendência direcionada ao Fim da História, à Verdade da História, ao Todo.
Com o objetivo de apoiar a intuição de Popper, eu preferi subestimar os pré-
requisitos metafísicos da grande narrativa hegeliana. Minha interpretação pessoal, de 
que ao resgatar as categorias da metafísica, em sua narrativa, Hegel destruiu a 
metafísica, não pertence a este ensaio. Voltando a Marx e à substituição das categorias 
metafísicas pelas categorias científicas das leis do desenvolvimento do século dezenove, 
posso agora retomar as questões do holismo e da identidade, dois temas que Popper 
explorou e criticou.
III
 
À luz do que está em discussão, a crítica do holismo e a questão da identidade se 
entrelaçam. A fim de explorar um pouco mais sobre isso, eu gostaria de retornar por um 
instante ao tema antes referido: se o Todo é a Verdade, e a Verdade da História é o 
resultado final da História, então a identidade da História é pressuposta. A História é 
algo que permanece idêntico em meio a todas as mudanças. Hegel sabia disso bem 
demais. A identidade da História é claramente afirmada em seu sistema – ela é a Razão 
em sua capacidade como Espírito do Mundo. Então é o Espírito do Mundo que se 
modifica, e todavia permanece o mesmo Espírito do Mundo, isto é, que é idêntico a si 
mesmo. Como já foi frequentemente assinalado, seu modelo é o do indivíduo singular 
que se torna ele mesmo completamente a partir das autodeterminações de sua própria 
história. Mas se desistimos do conceito do Espírito do Mundo, como desde a segunda 
metade do século dezenove já se era obrigado a desistir - com permissão pela ironia - se 
alguém quisesse acompanhar exatamente a mudança no espírito daquele tempo, que 
estabeleceu a fé num determinado entendimento do que é ciência, nesse caso então já 
não se consegue estabelecer a identidade do ente denominado História do Mundo. Mais 
precisamente, a identidade da História já não pode estabelecer-se através de nenhuma 
interpretação do conceito de História, apenas através de fortes assertivas sobre as ditas 
leis do desenvolvimento histórico. Foi este o jogo marxiano, que Popper igualmente 
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<marcoaydos.wordpress.com>, 12 de fevereiro de 2011. 
rejeitou com inteira justiça. Desnecessário dizer que a aposta marxiana chega para 
resgatar a metafísica nesse ponto decisivo, substituindo a metafísica dita idealista por 
outra dita materialista. Ele pagou um preço por essa troca (porque tudo tem um preço). 
Marx precisou reintroduzir leis universais na história, o que já havia sido rejeitado por 
Hegel como criações primitivas e abstratas da imaginação humana. Foi somente desse 
modo que ele conseguiu resgatar a identidade da História Universal no século dezenove.
Aqui posso retornar à minha observação anterior. Todos os grandes argumentos 
críticos feitos por Popper contra os principais acusados de holismo poderiam ser 
refutados seguindo omodelo popperiano de refutação, mas isso parece ser irrelevante. 
Popper de fato distingue dois tipos de holismo8, mas eu pretendo desconsiderar o 
segundo tipo, porque este não é o lugar para discutir a psicologia Gestalt. O primeiro 
tipo de holismo é descrito por Popper como uma teoria que estabelece “a totalidade de 
todas as propriedades ou aspectos de uma coisa, em especial de todas as relações 
existentes entre as partes de que se constitui...” 9 E ele acrescenta algumas páginas 
adiante que tais entes totalizados “não podem tornar-se objetos de estudo científico”.10 
Não obstante aqui ele está batendo numa porta aberta. A descrição acima se ajusta 
apenas à teoria da substância individual em Aristóteles e em Leibniz. Ambos os 
filósofos enfatizaram, todavia, que a substância individual, a essência, é precisamente 
aquilo que não pode tornar-se objeto de indagação científica – não apenas no espírito 
das ciências modernas, mas também na compreensão de pensamento científico como 
episteme. Toda substância individual, Aristóteles disse, inclui a contingência e nada 
contingente pode tornar-se objeto de compreensão científica. Aí então o remédio de 
Popper não cura o paciente, se é que ele precisa ser realmente curado. Popper 
argumenta, nomeadamente em suas observações finais, que somente eventos históricos 
singulares são objetos relevantes na indagação científica. Ele conjectura adiante que (em 
contraste com o pesadelo holístico) a pesquisa sólida de um evento singular, 
historicamente concreto, selecionará apenas os fatos relevantes, negligenciando os 
irrelevantes, e que somente esse trabalho seletivo faz desse evento objeto da história 
enquanto ciência. Admiradores contemporâneos da hermenêutica nos diriam que tanto 
Popper quanto Aristóteles acertaram em cheio aqui. Porque para extrair um significado 
de eventos históricos se precisa ser seletivo, mas desde que todo evento histórico tem 
determinações infinitas, todas as interpretações serão diferentes de todas as demais 
interpretações. Ou seja, não há episteme, apenas doxa. Com certeza, nem Aristóteles, 
nem Hegel, e nesse caso nem Popper, teriam qualquer objeção a essa afirmação. Eles de 
fato não tiveram qualquer objeção. Então por que tanta confusão?
“A história da humanidade” não pode ser escrita, diz Popper. Consideremos o 
verbo ‘poder’. Se alguém subscrever ao conceito de totalidade no modo como 
Aristóteles e Leibniz o fizeram ao falarem em substâncias individuais (e, como eu tentei 
elucidar, esse é o exato modo pelo qual, desde o início de sua análise, Popper definiu o 
holismo) então podemos levar a sério o verbo ‘poder’. “A história da humanidade”, 
nesse sentido, não pode ser escrita, porque ela seria impossível. Não obstante, nem 
Hegel nem Marx quiseram alguma vez escrever a história da humanidade; eles, aliás, 
sequer quiseram escrever história. A filosofia da história relaciona-se à atividade de 
8 Karl Popper, The Poverty of Historicism, New York, Harper and Row, 1961, p. 76.
9 Ibid.
10 Ibid. p. 78.
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© Heller Agnes. © Marco Aydos (tradução). Publicação em português autorizada pela autora. Em 
<marcoaydos.wordpress.com>, 12 de fevereiro de 2011. 
escrever a história do mesmo modo como a estética se relaciona à pintura ou à poesia. A 
filosofia da história é acima de tudo seletiva, ela não tem a ambição de incluir todas as 
determinações em seu enredo, mas apenas aquelas poucas que sejam consideradas 
decisivas para fazerem com que o todo ganhe sentido. Quer elas admitam isso ou não, 
elas distinguem entre as estórias e os fatos que consideram meramente empíricos, e 
assim sem significação, de um lado, daqueles outros que consideram transcendentais e 
assim essenciais, de outro. Esse tipo de filosofia da história da humanidade (que em si 
mesma não é uma história) não apenas pode como tem sido escrito. Em realidade é 
exatamente isso que nós chamamos de grande narrativa.
Mas Popper acrescenta ainda algo à sua crítica. Ele escreve: “os holistas, porém, 
não apenas tentam estudar a sociedade inteira por um método impossível, eles também 
planejam controlar e reconstruir nossa sociedade ‘como um todo’ [...] Essa é uma 
imaginação totalitária”11. Vou desconsiderar o concreto fio da navalha dessas 
observações, especialmente aquelas que se referem ao controle, porque é suficiente falar 
apenas sobre a reconstrução totalizadora. Uma espécie de reconstrução totalizadora, de 
fato, caracteriza, grosso modo, todas as grandes narrativas. Por trás de todas as grandes 
narrativas espreita uma frase generalizadora do tipo ‘Em todas as sociedades...’. Para 
nós, hoje, o problema com as grandes narrativas não é seu fracasso em selecionar alguns 
fatores e negligenciar outros, mas o fato de que elas sabiam antecipadamente que seriam 
aqueles fatores escolhidos os que construiriam 'A Verdadeira (a única verdadeira) 
História'. Todos os demais fatores, a ser considerados, apenas conseguiriam obscurecer 
a estória, torná-la simplesmente falsa, inverídica. A frase 'o todo é a verdade' não é 
necessariamente metafísica ou base de sustentação de uma grande narrativa. Mas ela se 
torna tal se alguém pressupõe que a história que irá contar, a história supostamente total, 
é a única história verdadeira que se pode contar.
É sob esse foco que eu gostaria de considerar as objeções de Popper contra o 
essencialismo, contra o monismo, contra formular a pergunta sobre 'o que é?', e contra 
as noções aristotélicas de dynamis e energeia. Porque todas essas questões também se 
referem ao problema da identidade. Eu divirjo de muitas das recomendações de Popper 
e considero muitas de suas observações críticas manifestamente injustas, fora de assunto 
e às vezes autocontraditórias. Por exemplo, Popper observa que os historicistas 
identificam o começo da história com a causa do desenvolvimento e diz que, de acordo 
com estes, essências ocultas se desenvolvem através de um desenvolvimento histórico, 
mas não podem reconciliar-se na mesma teoria. De fato, Aristóteles e Hegel aceitaram a 
segunda, mas não a primeira proposição. E em contraste com isso, aqueles que 
aceitaram a primeira proposição não eram historicistas. Para eles, a variável 
independente do desenvolvimento histórico (por exemplo, em Marx) simplesmente não 
é a origem em última instância ou a causa do desenvolvimento. 
A identidade de algo pode ser abordada ao formular-se a pergunta sobre ‘o que 
é?’. Mas essa é uma pergunta errada, não científica, de acordo com Popper. Hegel, de 
fato, disse exatamente o mesmo, e com isso ele quis dizer que as definições são 
infrutíferas e contraproducentes. Mas Popper não quer dizer que definições são 
infrutíferas. Ele quer dizer que apenas definições nominais são frutíferas (seu exemplo: 
‘que tipo de animal nós chamamos de cachorro?’ ao invés de ‘o que é um cachorro?’). A 
questão central aqui se refere às propriedades intrínsecas. Para um metafísico, pode-se 
11 Ibid. p. 79
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responder à pergunta ‘o que é?’ através de uma abstração que inclua algumas 
características de identidade do ente definido, para o bem da argumentação ou do 
entendimento mútuo, ou através de uma descrição e (alternativamente) pela narração de 
uma estória. Também se pode admitir que a descrição é impossível e ainda assim fazer a 
pergunta ‘o que é?’ (por exemplo, Heidegger: ‘que é o Ser?’). E também se pode dizer 
que a estória contada é apenas uma narrativa a partir de certa perspectiva (como 
Nietzsche, ao contar a estória do bem e do mal).Mas Popper está certo: para um metafísico, a segunda resposta à pergunta ‘o que 
é?’ deve ser a descrição completa das qualidades que determinam que algo seja do 
modo como é. Pressupõe-se que as qualidades determinantes são intrínsecas, e o fato de 
que elas permaneçam intrínsecas é essencial para manter a identidade mesma da coisa 
que é, através de todas as mudanças que ela venha a sofrer. A propósito, a conhecida 
frase também criticada por Popper, de que o todo é sempre algo mais que a soma total 
de suas partes, pertence à mesma tradição. Assim é para Hegel, por exemplo, para quem 
a essência da filosofia é a história da filosofia: ela aparece na história que desenvolve 
todas as qualidades intrínsecas (essências) da filosofia. No Fim chega-se à Filosofia, 
isto é, ao Saber Absoluto, ou o Todo, que consiste em todas as determinações 
intrínsecas, e que obviamente é mais que a soma total de todas as suas determinações. E 
para Hegel essa é também a resposta à pergunta: ‘o que é filosofia?’
Sistemas e enredos metafísicos, ao mesmo tempo em que definem e descrevem 
as determinações intrínsecas que constituem e organizam a identidade das coisas e 
eventos, precisam torná-los homogêneos mesmo quando reivindicam a heterogeneidade. 
O traço problemático dessa prática filosófica é óbvio mesmo no caso da mais simples 
das perguntas. Que é um homem? Que é um ser humano? E mais especificamente: Que 
faz X ser um X e não um Y? É a memória? A estória de vida? O corpo? Seu 
reconhecimento pelo outro? A face? O nome? Poderíamos prosseguir aqui. Mas 
descrever a identidade de um corpo social, de uma sociedade, de um período histórico, e 
assim por diante, é ainda algo mais complexo. Não obstante isso, as grandes narrativas, 
que operam com a maior parte das pressuposições que Popper atacou, precisam 
compreender nossa sociedade moderna como um sistema, como um resultado histórico, 
como um todo, como um ente que é mais que a soma total de suas ditas partes ou 
constituintes, e finalmente, mesmo que toda a sua heterogeneidade seja reconhecida, 
como algo homogêneo. E isso porque no final as grandes narrativas precisam identificar 
as qualidades essenciais do mundo moderno, e não apenas algumas, mas todas aquelas 
qualidades que fazem a sociedade moderna ser o que ela é, ou seja, uma sociedade 
moderna. 
Uma grande narrativa precisa identificar as qualidades essenciais que 
estabelecem sua identidade, uma identidade que ela preserva através de todas as 
mudanças, uma identidade que em si mesma é essencial, porque ela inclui todas as 
qualidades intrínsecas dos mundos modernos. Por isso, quando Hegel conta a estória 
toda, quando ele pressupõe a identidade da História, seu enredo precisa culminar com 
uma descrição do presente, num balanço da essência do presente, isto é, na apresentação 
completa dos constituintes essenciais do mundo moderno. O problema com a Filosofia 
do Direito de Hegel não é que ele tenha descrito uma sociedade fechada nos termos de 
Popper. Hegel ao contrário descreveu uma sociedade aberta em seus próprios termos. O 
problema é que ele descreveu por completo as determinações essenciais do mundo 
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moderno, isto é, ele homogeneizou a heterogeneidade do mundo moderno num modelo 
normativo e idealizado para poder estabelecer sua identidade. E quando Marx 
identificou a modernidade como uma sociedade capitalista resultante das leis do 
desenvolvimento histórico, ele também homogeneizou o mundo moderno, e devo dizer 
até que homogeneizou muito mais que Hegel, porque Marx pressupôs que todas as 
outras coisas da modernidade deviam ser compreendidas como a superestrutura de uma 
base econômica. É verdade que Marx também não propôs uma sociedade fechada, mas 
ainda assim sua descrição do mundo moderno é bastante mais essencialista, no sentido 
popperiano, do que a de Hegel. Popper foi mais condescendente com Marx, talvez 
porque este raramente tenha utilizado o vocabulário tradicional da metafísica, 
introduzindo, em lugar dele, um vocabulário positivista, que, apesar de não ser menos 
metafísico, era o vocabulário das ciências do século dezenove, com seu palavreado do 
tipo poderes, forças, e assim por diante.
O xis da questão é que a sociedade moderna não pode ser descrita, nem mesmo 
de modo razoavelmente aproximado, pelo uso de uma terminologia metafísica e de seu 
último jogo, a grande narrativa. Eu penso que aqueles jogos de linguagem e categorias 
filosóficas tradicionais (dos quais mencionei alguns) que foram objeto especial de 
crítica por Popper, ainda eram ferramentas teóricas adequadas para compreender os 
mundos pré-modernos, porque os mundos pré-modernos eram bem mais homogêneos 
que os modernos. Eu já mencionei uma diferença importante que passou despercebida a 
Popper, qual seja, que as sociedades tradicionais, a polis e a democracia gregas 
inclusive, eram realmente ameaçadas de destruição por constantes questionamentos e 
desafios às normas ou aos modos de vida tradicionais. Os mundos modernos, ao 
contrário, prosperam nesse questionamento, que é pré-requisito de sua saúde e 
sobrevivência. A metafísica antiga e as grandes narrativas entraram em colapso hoje não 
porque eram filosofias ruins, nem porque foram falsificadas ou refutadas pelos nossos 
contemporâneos mais inteligentes, mas porque elas mesmas tornaram-se irrelevantes (e 
talvez filosofias muito piores ainda se tornarão mais relevantes), porque elas 
aterrissaram num mundo – o nosso mundo – que é baseado na liberdade e no qual a 
contingência opera como o primeiro violinista. Podem existir nesse mundo tanto 
sociedades abertas quanto sociedades fechadas. Mais importante que isso: sociedades 
fechadas são possíveis apenas onde as sociedades abertas já existem. Na realidade 
Popper disse isso, só que ele acreditou que existiam sociedades abertas no tempo de 
Platão e Aristóteles, e que os sofistas seriam seus ideólogos. Engraçado como possa 
parecer, também se pode compreender a obra de Popper A sociedade aberta e seus 
inimigos como um tipo de grande narrativa, porque ele conta a estória de uma luta velha 
de mais de dois mil anos entre os defensores de sociedades abertas e fechadas. Essa luta, 
poderíamos dizer, substitui a luta de classes no enredo de Popper. Mesmo assim, eu 
recomendaria que deixássemos de lado essa luta – e junto com ela todas as lutas eternas, 
para tentarmos, ao contrário disso, iluminar uma que outra esquina da situação presente 
do mundo.
IV
Na situação atual, duas questões levantadas por Popper adquirem importância: a 
da soberania e a do paradoxo da liberdade. Ainda que Popper toque nesses pontos 
decisivos muitas vezes, eu vou concentrar-me, por simplicidade, na discussão 
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desenvolvida no capítulo 7 de A sociedade aberta. Popper afirma que ao expressar o 
problema da política sob a forma ‘Quem deve governar?’ ou ‘Qual vontade deve ser a 
suprema?’ Platão criou uma duradoura confusão na filosofia política. Ele prossegue até 
o ponto em que respostas contemporâneas a essa questão, tais como 'a raça dos 
senhores', 'os trabalhadores das indústrias', ou 'o povo', seriam meras decorrências 
daquele tipo errado de pergunta. Nesse ponto ele chega à conclusão de que se deve 
substituir a pergunta sobre ‘Quem deve governar?’ por outra, a saber, “Como podemos 
organizar as instituições políticas demodo que governantes ruins e incompetentes não 
possam causar maiores estragos?”12 Algumas páginas adiante, Popper discute o 
paradoxo da liberdade e chega à conclusão de que a origem do paradoxo é nada mais 
nada menos que a questão da soberania, nesse caso da soberania popular. A democracia 
moderna opera através de decisões majoritárias, mas a maioria pode ser tirânica. Em 
liberdade, isto é, livremente, nós podemos escolher estabelecer a tirania. Se a gente 
substitui a velha pergunta de Platão a respeito da soberania pela pergunta nova que citei 
acima, o paradoxo da liberdade também vai pelos ares13.
Eu penso que Popper estava certo ao retroagir o problema da soberania a Platão 
com a pergunta ‘Quem deve governar?’ – mesmo que o conceito medieval de soberania 
tenha complicado o assunto. A pergunta sobre quem deve governar é direta e não 
esconde o óbvio: a identidade entre poder e soberania. O soberano faz o que quer, não 
importando quem ele seja, e ninguém pode levantar objeções, porque governo significa 
exercício de poder. Como György Márkus sublinhou, não teria feito sentido falar em 
liberdade no mundo antigo a menos que ela também significasse o exercício do poder 
contra mais alguém14. O soberano não significava a fonte de todos os poderes, ele era o 
poder corporificado, e se ele era corporificado em uma pessoa, em algumas ou em 
muitas, em princípio não havia diferença, apenas preferência. No espírito da ideia do rei 
medieval ungido por Deus, entretanto, o soberano (o rei) precisava ser autorizado em 
princípio pelo Governante Supremo, o próprio Deus. Como resultado, nessa tradição a 
soberania precisava de autorização, e pressupunha-se que uma pessoa, e uma pessoa 
apenas, deveria receber a autorização final. De acordo com essa concepção, o soberano 
é uma pessoa (ou um corpo considerado como uma pessoa) que tem autoridade de tomar 
decisões finais. Desnecessário dizer que tal conceito de soberania está ligado à 
representação. Hobbes, Rousseau, Hegel, e no século vinte Carl Schmitt, na essência 
seguiram o modelo medieval. Isso também é verdade relativamente às democracias 
representativas modernas. Assim, quando numa democracia fala-se em soberania 
popular não se está querendo dizer que o exercício do poder seja feito diretamente pelo 
‘povo’, mas que ‘o povo’ é a fonte de todos os poderes e assim pode empossar um corpo 
ou vários corpos para exercerem sua vontade, assim como também pode revogar esse 
mandato. O problema com o conceito de soberania popular não é que ele consinta com o 
governo tirânico da maioria (como era o caso no modelo grego descrito por Platão), mas 
sua inconsistência e suas falhas. O povo pode exercer sua soberania – sua vontade – 
apenas em instituições e através de instituições que em si mesmas não foram 
estabelecidas através de sua vontade. Quando do nascimento das democracias europeias, 
as ditas ‘Assembleias Constituintes’ faziam a constituição e então se dissolviam para dar 
12 Karl Popper, The Open Society and its Enemies. Volume 1, Plato, London, Routledge, 1999, p. 121, 
em itálico no original.
13 Ibid. pp. 123-4.
14 György Márkus, manuscrito não publicado.
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lugar aos corpos que já eram supostamente representativos do poder do Povo. E nisso o 
Povo substitui o rei sem ter sido autorizado por Deus. Essa é, entretanto, uma solução 
frágil e oscilante, que não se sustenta solidamente em seus pés, nem mesmo 
teoricamente, muito embora possamos dizer com Popper que tal 'solução' pode operar 
pragmaticamente pelo método de erros e acertos.
A rejeição popperiana do conceito de soberania, todavia, é razoável em dois 
aspectos. Primeiro, porque ele percebe sua inconsistência teórica e acredita que também 
seja algo perigoso. Em segundo lugar, porque ele também acredita – do mesmo modo 
como Richard Rorty atualmente – que a democracia liberal não tem necessidade de 
justificação filosófica. Ela simplesmente funciona, e assim mantém a si mesma sem 
justificação filosófica. Poderíamos acrescentar que Popper nem de longe está sozinho 
em sua descrença na tradição da soberania. Hannah Arendt, que pertence a uma escola 
filosófica e política completamente diferente – também compartilhava dessa visão. Ela 
até mesmo acrescenta que a democracia americana jamais endossou ou empregou o 
conceito de soberania, e não viu utilidade para esse conceito, porque entre outras razões 
desenvolveu-se como democracia direta e não apenas como democracia representativa. 
Mas esse é um ponto altamente controvertido que não pretendo discutir. Quero ao invés 
disso retornar a Popper. Vimos que Popper acredita que se alguém abandona o conceito 
de soberania também abandona o paradoxo da liberdade.
Eu gostaria de formular aqui duas perguntas. Primeiro, eu pergunto se é possível 
abandonar completamente o conceito de soberania, pelo menos num plano teórico e não 
apenas de modo pragmático. Segundo, eu pergunto: ao deixar-se para trás o conceito de 
soberania também se está superando o paradoxo da liberdade? Ou não será exatamente 
o contrário, a saber, que depois de abandonar o princípio da soberania o paradoxo da 
liberdade vai reaparecer e mostrar-se por inteiro?
Citei acima o pensamento de Popper segundo o qual a questão da soberania 
deveria ser substituída por outra: “Como podemos organizar as instituições políticas de 
modo que governantes ruins e incompetentes não possam causar maiores estragos?”. 
Ainda que essa indagação tenha sido feita por Platão nas Leis, sua origem agora já não 
interessa. O que interessa é que a formulação de Popper não explica quem é, ou quem 
são, esse ‘nós’, e ainda permanece obscuro o que significa causar ‘estragos’, e 
precisamente a ‘quem’. Obviamente aqui esse último quem significa a ‘nós’, mas a 
questão da soberania gira exatamente em torno à identidade desse ‘nós’. A formulação 
de Popper tangencia o problema. Na famosa locução ‘nós, o Povo’, o Povo significa o 
Soberano. Mas o Povo estaria exercendo seu poder diretamente, sem limites? (Esta seria 
uma repetição da velha estória sobre a ilimitada tirania da maioria). Ou um poder mais 
elevado autoriza o povo do mesmo modo como Deus, certa vez, autorizara os soberanos 
reais, e ao autorizá-los obrigava-os a seguir os Seus comandos? No formidável exemplo 
da Declaração de Independência norte-americana existe uma autorização desse tipo. Os 
pais-fundadores formularam essa autorização desse modo: ‘Nós consideramos estas 
verdades como auto-evidentes’, e então enumeraram os direitos naturais fundamentais. 
Então alguém é partícipe do ‘Povo’ se for signatário da crença nessas leis fundamentais 
da natureza. Eu concordo com Popper em que o chamado direito natural é uma ficção. 
Entretanto, como Popper poderia acrescentar, Deus também é uma ficção. E ainda assim 
ele podia assegurar a autoridade dos reis. Por que não poderiam as leis da natureza, 
apesar de fictícias, autorizar o Povo e oferecer uma justificação quase ontológica para a 
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soberania popular? A partir do momento em que Deus como autoridade subjacente à 
soberania real não era uma ficção, os reis não precisavam de uma assinatura para aceitar 
essa autorização. Mas as leis da natureza hoje são percebidas como ficções, então elas 
precisam ser escolhidas, sua verdade precisa ser escolhida sob a forma do compromisso: 
‘Nós agiremos como se todos os homens nascessem livres e fossem igualmente dotados 
de razão e consciência’, e assim por diante. E é isso que pode ser chamado de ethos 
fraco,ou mínimo, da vida política moderna e democrática. 
Mas esta não é uma resposta ao paradoxo da liberdade.
O mundo moderno é fundado na liberdade, o que significa que ele é, e 
permanece, sem fundamento. A liberdade é o fundamento que não fundamenta. Esse é o 
paradoxo fundamental da liberdade e ele não pode ser resolvido, porque nenhum 
paradoxo pode ser resolvido ou eliminado. Precisa-se viver com eles15.
Talvez Popper tenha sido o primeiro a descobrir que a Razão tornou-se 
paradoxal no mundo moderno. Quero dizer: ele descobriu que não se podem oferecer 
bases racionais suficientes para a aceitação da racionalidade. Em outras palavras: que 
existem argumentos tão bons para sua aceitação quanto para sua rejeição. Por isso 
escolhe-se a razão num ato de fé. Não obstante o paradoxo da razão é, pelo menos no 
meu modo de ver, apenas uma das manifestações do paradoxo da liberdade. O que 
Popper admitiu no caso da razão também é válido no caso da liberdade, aqui incluída a 
questão da liberdade política. Podem-se desfiar tantos e tão bons argumentos em favor 
da liberdade ou das liberdades quanto contra elas. Nesse caso, Popper e Rorty estão 
certos, porque numa democracia liberal que funciona os argumentos em favor da 
liberdade e das liberdades são mais atraentes, e algumas liberdades pelo menos são 
tomadas como coisas óbvias. Mas ainda assim, mesmo em democracias as liberdades 
podem ser ameaçadas, isso para não falar em tiranias e estados totalitários, que também 
continuam reaparecendo no mundo moderno. Popper estava certo em sustentar que em 
sociedades fechadas o holismo toma a forma de um sistema fechado de crenças. E um 
sistema fechado de crenças não pode ser atacado apenas por argumentos. Esses 
argumentos precisam ser sustentados por crenças alternativas, ou, em nosso caso, pela 
fé nas liberdades. Nem um único item do catálogo de ficções chamadas de ‘direitos 
naturais’ e enumeradas na Declaração de Independência é considerado auto-evidente, 
nos dias de hoje, na maior parte do mundo. E com toda a probabilidade elas não serão 
compreendidos assim, pelo menos não no futuro imediatamente previsível. Por isso 
podemos ser tão sinceros quanto foi Popper em sua defesa da razão, e admitirmos que 
num mundo fundado na liberdade, isto é, num mundo sem fundamento, é preciso 
escolher as liberdades e subscrever em favor delas. Numa confissão de fé.
15 Discuto o tema dos paradoxos em meu livro A Theory of Modernity, Oxford, Blackwell, 1999. 
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