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1 DIREITO CIVIL III - CCJ0223 - CONTRATOS Semana Aula: 1 Unidade 1 - TEORIA GERAL DOS CONTRATOS 1.1. Conceito 1.2. Natureza jurídica 1.3. Principiologia 1.4. Interpretação 1.5. Contratos típicos e atípicos e distinção dos contratos nominados e inominados 1.1 CONCEITO Noções Gerais de Contrato Não se tem como precisar uma data específica na história para o surgimento do contrato. À medida que a sua ocorrência confunde-se com a própria evolução moral da humanidade. Podemos tão somente detectar em que período a sistematização jurídica do contrato aconteceu. No Direito Romano atribui-se ao jurisconsulto GAIO o trabalho da sistematização das fontes das obrigações, que posteriormente foram desenvolvidas nas Institutas de Justiniano, distribuídas em quatro categorias: contrato, quase-contrato, delito e quase-delito. Contratos são instrumentos jurídicos de constituição, transmissão e extinção de direitos na área econômica. Em sentido amplo todas as figuras jurídicas que nascem do acordo de vontade podem ser chamadas de contrato. Mas no sentido que vamos estudar limitamos sua acepção às relações jurídicas patrimoniais do campo do direito das obrigações. No Código Civil de 2002 disciplinou a matéria da seguinte forma: a) Título V – Dos Contratos em Geral, subdividido em dois capítulos: Capítulo I – Das Disposições Gerais e Capítulo II – Da Extinção do Contrato. b) Título VI – Das Várias Espécies de Contratos, subdivididos em vinte capítulos. Contratos nominados ou típicos – O Código Civil de 2002 disciplina 23 (vinte e três) contratos e estão todos articulados no Código Civil a partir do artigo 481 a 853 do CC, em vinte capítulos. As inovações nessa disciplina tratam-se do Contrato Preliminar, Do Contrato de Pessoa a Declarar, Da Resolução por Onerosidade Excessiva (Teoria da Imprevisão), Da Venda com Reserva de Domínio, Da Venda Sobre Documentos e Do Contrato Estimatório. Além de disciplinar novos Contratos como: Comissão, Corretagem e Transporte. Evolução histórica No Direito Romano o contrato era instituto solene. Distinguia-se a convenção (conventio) do pacto (pacta) e do contrato (contracto). O compromisso abrangia a mancipatio, a nexum e a stipulatio. A obrigação de dar, fazer ou não fazer estabelecida na forma do compromisso assumia a denominação de contracto ou pacta vestia. A punição para o inadimplemento contratual acarretava responsabilidade patrimonial e corporal (a responsabilidade corporal foi abolida com a Lex Poetelia Papiria, de 326 a.C.). 2 Jusnaturalismo e Direito Canônico: princípio da fé jurada. Transformação da concepção de contrato ? liberdade das formas. Prestígio ao consensualismo. 1804: Código Napoleão (Código Civil Francês). Liberalismo, igualdade formal e patrimonialismo. Contratos paritários. O código civil francês inspirou toda uma geração de códigos denominados oitocentistas. Revolução Industrial: início da fase da despersonalização da obrigação. Contratos de adesão. Hipossuficiência x igualdade formal. Dirigismo contratual (liberdade positiva e liberdade negativa). Publicização das relações de direito privado. A constitucionalização do direito civil e sua implicação nas relações contratuais. Cláusulas contratuais gerais. Justiça distributiva. O princípio da socialidade. Inobstante a difícil tarefa encontrada pela doutrina para conceituar os institutos jurídicos, é necessário trazer à tona o conceito de contrato como um negócio jurídico por meio do qual as partes estipulam, por acordo de vontades, direitos e deveres com conteúdo patrimonial, tendo limites a licitude do objeto, bem como os princípios da função social e da boa-fé objetiva. Daí verifica-se a importância do contrato como principal fonte do Direito da Obrigações e instituto relevante para o Direito Privado, revelando a interdisciplinaridade do Direito Contratual com outras áreas jurídicas. - Orlando Gomes (p. 10): negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que a regulam. - Roberto Senise Lisboa (p. 41): trata-se do ajuste de vontades por meio do qual são constituídos, modificados ou extintos os direitos que uma das pessoas tem, muitas vezes, em benefício de outra. - Código Civil Italiano, art. 1.321. il contrato è l?acoordo di due ou più parti per costituire, regolare ou estinguere tra loro um rapporto giuridico patrimoniale. (o contrato é um acordo de duas partes ou mais, para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial). * O Código Civil Brasileiro não estabelece uma definição de contrato. Estrutura do contrato - Partes (bipolaridade da relação contratual: alteridade e composição de interesses). Obs: art. 117, CC/2002: autocontrato. - Objeto - imediato (operação) - mediato (bens jurídicos ? materiais ou imateriais) 1.2 NATUREZA JURÍDICA O conceito de contrato evidencia sua natureza jurídica como negócio jurídico. Teorias sobre a natureza jurídica do contrato Objetivas: - teoria normativa (Hans Kelsen): acordo de vontades que possui a função criadora do direito. - teoria preceptiva (Oscar von Bülow): as cláusulas contratuais têm natureza de preceito jurídico. 3 Subjetivas: - voluntarista (Savigny): a vontade é o fundamento dos contratos. - declarativa (Sailleles): a vontade declarada por ambas as partes é o fundamento dos contratos. A teoria que prevalece na doutrina é a teoria declarativa. Condições de validade dos contratos Os contratos, enquanto negócios jurídicos que são, desdobram-se em três planos distintos, conforme estudado em Direito Civil I: existência, validade e eficácia. Os requisitos ou condições de validade dos contratos são de duas espécies: a) de ordem geral (comuns a todos os atos e negócios jurídicos): a capacidade do agente; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei (CC, art. 104). b) de ordem especial. O consentimento recíproco ou acordo de vontades. Os requisitos de validade do contrato podem, assim, ser distribuídos em três grupos: subjetivos, objetivos e formais. 1. Os requisitos subjetivos consistem: a) na manifestação de duas ou mais vontade e na capacidade genérica dos contratantes; b) na aptidão específica para contratar; e c) no consentimento. A capacidade genérica dos contratantes (que podem ser duas ou mais pessoas, visto constituir o contrato um negócio bilateral ou plurilateral) é o primeiro elemento ou condição subjetiva de ordem geral para a validade dos contratos. Estes serão nulos (CC, art. 166, I) ou anuláveis (art. 171, I) se a incapacidade, absoluta ou relativa, não for suprida pela representação ou pela assistência (CC, arts. 1.634, V, 1.747, I e 1.781). A capacidade exigida nada mais é do que a capacidade de agir em geral, que pode inexistir em razão da menoridade, da falta do necessário discernimento ou de causa transitória (CC, art. 3º), bem como ser reduzida nas hipóteses mencionadas no art. 4º do Código Civil (menoridade relativa, embriaguez habitual, dependência de tóxicos, discernimento reduzido, prodigalidade). No tocante às pessoas jurídicas, exige-se a intervenção de quem os seus estatutos indicarem para representá-las ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente. Além da capacidade geral, exige a lei a especial para contratar. Algumas vezes, para celebrar certos contratos, requer-se uma capacidade especial, mais intensa do que a normal, como ocorre na doação, na transação e na alienação onerosa, que exigem a capacidade ou poder de disposição das coisas ou dos direitos que são objeto do contrato. Outras vezes, embora o agente não seja incapaz, genericamente,deve exibir a outorga uxória (para alienar bem imóvel, p. ex.: CC, arts. 1.647, 1.649 e 1.650) ou o consentimento dos descendentes e do cônjuge do alienante (para a venda a outros descendentes: art. 496). 4 Essas hipóteses não dizem respeito propriamente à capacidade geral, mas à falta de legitimação ou impedimentos para a realização de certos negócios. A capacidade de contratar deve existir no momento da declaração de vontade do contratante. O requisito de ordem especial, próprio dos contratos, é o consentimento recíproco ou acordo de vontades. Deve abranger os seus três aspectos: a) acordo sobre a existência e natureza do contrato (se um dos contratantes quer aceitar uma doação e o outro quer vender, contrato não há); b) acordo sobre o objeto do contrato e; c) acordo sobre as cláusulas que o compõem (se a divergência recai sobre ponto substancial, não poderá ter eficácia o contrato). O consentimento deve ser livre e espontâneo, sob pena de ter a sua validade afetada pelos vícios ou defeitos do negócio jurídico: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude. A manifestação da vontade nos contratos pode ser tácita quando a lei não exigir que seja expressa (CC, art. 111). Expressa é a exteriorizada verbalmente, por escrito, gesto ou mímica, de forma inequívoca. Algumas vezes, a lei exige o consentimento escrito como requisito de validade da avença. É o que sucede na atual Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91), cujo art. 13 prescreve que a sublocação e o empréstimo do prédio locado dependem de consentimento, por escrito, do locador. Como o contrato, por definição, é um acordo de vontades, não se admite a existência de autocontrato ou contrato consigo mesmo. Dispõe, todavia, o art. 117 do novo Código Civil: “Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo. Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido subestabelecidos.” O novo diploma prevê, portanto, a possibilidade da celebração do contrato consigo mesmo, desde que a lei ou o representado autorizem sua realização. Sem a observância dessa condição, o negócio é anulável. 2. Os requisitos objetivos dizem respeito ao objeto do contrato, que deve ser lícito, possível, determinado ou determinável (CC, art. 104, II). A validade do contrato depende, assim, da: a) licitude de seu objeto; b) possibilidade física ou jurídica do objeto; e, por fim, c) determinação de seu objeto. 3. O terceiro requisito de validade do negócio jurídico é a forma (forma dat esse rei, ou seja, a forma dá se às coisas), que é o meio de revelação da vontade. Deve ser a prescrita ou não defesa em lei. No direito brasileiro, a forma é, em regra, livre. As partes podem celebrar o contrato por escrito, público ou particular, ou verbalmente, a não ser nos casos em que a lei, para dar maior segurança e seriedade ao negócio, exija a forma escrita, pública ou particular. O consensualismo, portanto, é a regra, e o formalismo, a exceção. 5 Podem ser distinguidas três espécies de formas: livre, especial ou solene e contratual. A forma livre é a predominante no direito brasileiro (CC, art. 107), sendo qualquer meio de manifestação da vontade não imposto obrigatoriamente pela lei (palavra escrita ou falada, escrito público ou particular, gestos, mímicas etc.). A forma especial ou solene é a exigida pela lei como requisito de validade de determinados negócios jurídicos. A forma contratual é a convencionada pelas partes. O art. 109 do Código Civil dispõe que, “no negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do ato”. A forma representa a exteriorização do acordo de vontades. É o modo pelo qual o conteúdo do contrato é exteriorizado. A forma cumpre três funções: torna certa e isenta de dúvidas a manifestação de vontade; demonstra a existência de uma declaração de vontade apta a produzir efeitos jurídicos; e, por último, protege a boa-fé de terceiros. Importante pontuar que a validade do contrato é determinada no momento de sua celebração, o que se faz relevante em contratos de trato sucessivo que foram aperfeiçoados durante a vigência do Código de 1916 e ainda produzem efeitos sob a égide do Código de 2002. Nesse caso, a validade será apurada conforme as regras do CC/16, mas os efeitos que ainda produzem deverão ser adequados ao CC/02, consoante esclarece o art. 2035, caput, CC: Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. 1.3 PRINCIPIOLOGIA É importante reforçar o papel dos princípios como legitimadores e concessores de validade jurídica à legislação, atentando à nova tendência de interpretação e releitura do Direito Civil com base na Constituição Federal (Direito Civil-Constitucional), fazendo prevalecer a pessoa humana em detrimento dos bens materiais. Devem ser abordados os seguintes princípios: a) Autonomia da vontade: as partes tem liberdade de contratar, de escolher com quem contratar e de estipular o conteúdo contratual. b) Força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda): o contrato faz lei entre as partes, o que pode ser relativizado pela Teoria da Imprevisão (onerosidade excessiva). c) Relatividade subjetiva dos efeitos do contrato: oponibilidade relativa dos efeitos do contratos, inter partes, com exceção da ?estipulação em favor de terceiro? e do ?contrato com pessoa a declarar?. d) Função social do contrato: princípio de ordem pública que limita a liberdade de contratar em prol da coletividade. Evidencia-se intrinsecamente na relação entre as partes, a partir da observância da lealdade e boa-fé, e extrinsecamente sob o ponto de vista de sua existência em prol do bem comum. e) Boa-fé objetiva: regra de comportamento atrelada à conduta leal e ética que se espera em um contexto social, impondo a observância de deveres jurídicos anexos ou de proteção. A doutrina destaca suas funções: a) interpretação e colmatação (art. 113, CC); b) criadora de deveres jurídicos anexos, tais como lealdade e confiança recíprocas, informação, sigilo e assistência; e c) integração (art. 422, CC). 6 Desdobramentos da boa-fé objetiva (conceitos parcelares): a) Venire contra factum proprium: vedação de comportamento contraditório. b) Supressio: perda de um direito por não exercê-lo por razoável lapso temporal. c) Surrectio: surgimento de um direito em razão do comportamento de uma das partes (práticas, usos e costumes). d) Tu quoque: comportamento que surpreende uma parte, colocando-a em desvantagem. e) Exceptio doli: veda prática de condutas tendentes a prejudicar interesses de outrem. a) Liberdade de contratar. Autonomia da vontade. Pacta sunt servanda. Autonomia da vontade x autonomia privada. Em um primeiro momento, a liberdade de contratar está relacionada com a escolha da pessoa ou das pessoas com quem o negócio será celebrado, sendo uma liberdade plena, em regra (...) Em outro plano, a autonomia da pessoa pode estar relacionada com o conteúdo do negócio jurídico, ponto em que residem limitações ainda maiores à liberdade da pessoa humana. Trata-se, portanto, da liberdade contratual. (TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método, 2006. p. 70). Divergência doutrinária: - autonomia privada (liberdade contratual)? autonomia da vontade (liberdade contratual). - autonomia privada = autonomia da vontade - autonomia da vontade superada pela autonomia privada A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações que participam, estabelecendo-lhe o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica. Sinônimo de autonomia da vontade para grande parte da doutrina contemporânea, com ela porém não se confunde, existindo entre ambas sensível diferença. A expressão autonomia da vontade tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real. (AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 348). Pacta sunt servanda: princípio da força obrigatória dos contratos. No modelo induvidualista-liberal típico dos códigos oitocentistas, esse princípio era tomado como absoluto. No entanto, na concepção atual do direito civil, à luz dos preceitos constitucionais vigentes e dos próprios princípios consagrados pelo CC/2002, tal princípio foi relativizado com vistas à melhor proteção da dignidade humana. b) Liberdade de forma No direito civil brasileiro vigora o princípio da liberdade das formas (princípio do consensualismo), através do qual é possível que o contrato seja celebrado pela simples manifestação da vontade. Os efeitos jurídicos do contrato serão gerados independentemente da forma pela qual a vontade se manifestou, a menos que a lei tenha estipulado forma específica (contratos formais). Logo, os contratos sem forma determinada pela lei são regra na legislação civil pátria. c) Função econômica e social do contrato. Referências legislativas: art. 421 e 2035, CC/2002. Art. 421. A liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato. 7 Orlando Gomes: A função econômico-social do contrato foi reconhecida, ultimamente, como a razão determinante de sua proteção jurídica. Sustenta-se que o Direito intervém, tutelando determinado contrato, devido à sua função econômico-social. Em conseqüência, os contratos que regulam interesses sem utilidade social, fúteis ou improdutivos não merecem proteção jurídica. Merecem-na apenas os que têm função econômico-social reconhecidamente útil. (Contratos. 17.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 20) Gustavo Tepedino: Tal como observado em relação à propriedade, em que a estrutura interna do direito é remodelada de acordo com sua função social, concretamente definida, e que se constitui em pressuposto de validade do exercício do próprio domínio, também o contrato, uma vez funcionalizado, se transforma em um instrumento de realização do projeto constitucional. (...) Disto decorre que a norma do art. 421 não pode ser compreendida apenas como uma restrição ocasional à liberdade contratual ? como se o direito subjetivo de contratar fosse, em si mesmo, essencialmente absoluto, embora sujeito a restrições externas ? mas, antes, o próprio conceito de contrato deve ser reformulado à luz da função social que lhe é cometida. (Código civil interpretado: à luz da constituição federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 10) De uma forma ampla, a inserção do princípio da função social do contrato no Código de 2002 está relacionada à revolução copernicana do direito privado. Por outro lado, tal princípio é exigência de uma das diretrizes estruturantes do CC/2002, qual seja, o princípio da socialidade. Traduz a ruptura com o regime individualista da codificação civil anterior e a consagração de um regime com um comprometimento social, inspirado em preceitos constitucionais como a justiça social, a solidariedade social, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e a redução das desigualdades sociais como preceitos de ordem constitucional. O princípio da função social do contrato está contido em uma cláusula geral que se revela vinculante, sobretudo do ponto de vista axiológico, pois permite sejam permeados valores constitucionais a orientar a autonomia contratual. Impõe deveres referentes a interesses extracontratuais socialmente relevantes. Enunciado n° 21, I Jornada de Direito Civil: A função social do contrato, prevista no CC 421, constitui cláusula geral, a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito. Enunciado n° 22, I Jornada de Direito Civil: A função social do contrato, prevista no CC 421, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas. Enunciado n° 23, I Jornada de Direito Civil: A função social do contrato, prevista no CC 421, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana. Críticas à letra do art. 421. Sugestão de alteração: a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. O Código Civil, art. 2.035, p. único, atribui à função social caráter de norma cogente: Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. 8 Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. O parágrafo único do art. 2.035, CC/2002 consagra o chamado princípio da retroatividade motivada ou justificada, elevando a função social do contrato ao patamar de norma de ordem pública e, por isso, é aplicável não apenas aos contratos celebrados a partir da vigência do código de 2002, mas também aos contratos celebrados ainda sob a égide do CC/1916 cuja execução se projetou para depois do CC/2002. O princípio da retoratividade motivada é um princípio anexo ao princípio da função social do contrato. d) principio da probidade e boa-fé contratual. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. O princípio da boa-fé objetiva também está contido em uma cláusula geral e, como tal, se revela vinculante, sobretudo do ponto de vista axiológico, pois permite sejam permeados valores constitucionais a orientar a autonomia contratual. Impõe deveres referentes a interesses extracontratuais socialmente relevantes. Enunciado n° 27, I Jornada de Direito Civil: Na interpretação da cláusula geral da boa-fé objetiva, deve-se levar em conta o sistema do CC e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos. Boa-fé subjetiva x boa-fé objetiva. Princípios da eticidade e da socialidade. Tutela da confiança. A boa-fé objetiva pode ser compreendida como a exigência de conduta leal, proba, dos contratantes, tomada a partir de um enfoque social. Há ínsita relação da boa-fé objetiva com os deveres de conduta (deveres anexos, deveres secundários, deveres laterais), eis que a boa-fé objetiva: Obriga as partes a terem comportamento compatível com os fins econômicos e sociais pretendidos objetivamente pela operação negocial. No âmbito contratual, portanto, o princípio da boa-fé impõe um padrão de conduta a ambos os contratantes no sentido da recíproca cooperação, com consideração aos interesses comuns, em vista de se alcançar o efeitoprático que justifica a própria existência do contrato. (Código civil interpretado: à luz da constituição federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 16) Judith Martins-Costa (A boa-fé no Direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999) exemplifica os deveres anexos: - dever de cuidado e respeito em relação ao outro contratante; - dever de segurança; - dever de prestação de contas; - dever de omissão de segredo; - dever de esclarecimento de informação; - dever de agir dentro da confiança; - dever de lealdade e probidade; - dever de colaboração (cooperação); - dever de ser razoável e agir com bom senso e eqüidade. Violação positiva do contrato: violação dos deveres de conduta. A violação positiva do contrato, embora não prevista expressamente na legislação civil brasileira, decorre da boa-fé objetiva como 9 fonte de deveres de conduta (análise da obrigação como uma relação jurídica complexa), e vem sendo aceita pela doutrina pátria, conforme entendimento consolidado na I Jornada de Direito Civil: Enunciado n° 24, I Jornada de Direito Civil: Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no CC 422, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa. Menezes Cordeiro atenta para o fato de a violação positiva de contrato atualmente também estar relacionada ao cumprimento imperfeito do contrato. Extensão do princípio: envolve toda a conclusão do contrato, incluindo, assim, as fases pré-contratual (culpa in contrahendo) e pós-contratual (culpa post factum finitum). Enunciado n° 25, I Jornada de Direito Civil: O CC 422 não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual. Enunciado n° 26, I Jornada de Direito Civil: A cláusula geral contida no CC 422 impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento legal dos contratantes. Funções da boa-fé objetiva: a doutrina aponta que a boa-fé objetiva apresenta função tríplice, a saber: - função interpretativa (boa-fé enquanto cânone interpretativo-integrativo): as relações jurídicas decorrentes do contrato devem ser interpretadas à luz da boa-fé. Tal mandamento se direciona tanto às partes envolvidas no contrato quanto ao magistrado. A função interpretativa está contida no art. 113, CC. - função criadora de deveres jurídicos (boa-fé enquanto norma criadora de deveres jurídicos): a boa-fé objetiva é fonte dos deveres de conduta (deveres anexos, deveres secundários, deveres laterais). Nesse sentido, v. Clóvis Couto e Silva (A Obrigação como Processo) - função de controle (boa-fé enquanto norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos): a boa-fé objetiva, combinada com a disciplina jurídica do abuso de direito (art. 187, CC/2002) para considerar ilícitos os atos atentatórios à boa-fé objetiva e, por isso, proibir sua execução (Menezes Cordeiro: exercício inadmissível de direitos subjetivos). Ex: teoria dos atos próprios (venire contra factum proprium, tu quoque, supressio, surrectio e duty to mitigate the loss). Obs: Há autores (e.g. Cláudia Lima Marques) que visualizam a equivalência material dos contratos como outra função autônoma da boa-fé objetiva. Boa fé Contratual (Princípio da Boa Fé) O Novo Código Civil apresenta como princípios norteadores a operabilidade, a sociabilidade e a boa-fé. Este último princípio, cujo estudo é o escopo deste trabalho, vem sendo concretizado nas jurisprudências devido a sua magnitude e extensão, não sendo mais visto como um simples princípio norteador. A expressão boa-fé tem sua origem etimológica a partir da expressão latina fides, termo de significado não muito claro que abrangia três dimensões: fides-sacra, fides-fato e fides-ética. A instituição data da primitiva organização romana, situada entre a fundação da cidade e a Lei das XII Tábuas, nas relações de clientela. O termo fides, latu sensu, significa a fidelidade e coerência no cumprimento da expectativa de outrem, independentemente da palavra que haja sido dada, ou do acordo que tenha sido concluído. É um compromisso, primordialmente, de fidelidade e cooperação nas relações 10 contratuais. Também, no Código de Napoleão de 1804 (na terceira alínea do artigo 1.135 e no artigo 550) a boa-fé se fazia presente, porém logo o princípio ficou limitado visto que o Código priorizada a autonomia da vontade – no Code expressa no artigo 1.134 : “la force obligatoire du contrat”. Historicamente, a boa-fé pode ser considerada como algo que deve estar presente em todas as relações jurídicas e sociais existentes, porém a concepção clássica de contrato baseada no princípio da autonomia da vontade prevaleceu sobre alguns aspectos e em certos ordenamentos durante muito tempo, e teve seu apogeu no século XIX. Este princípio está presente na locução latina pacta sunt servanda que significa a obrigatoriedade do cumprimento das cláusulas contratuais. Portanto, entendia-se por este princípio que as partes tinham o poder de estabelecer todo o conteúdo do contrato. Fica nítida a influência que teve o Liberalismo e o Individualismo neste instituto. Com o princípio da boa-fé vigente em nosso Novo Código Civil, objetivamente, cada pessoa deve ajustar sua conduta ao arquétipo de conduta social vigente. A partir da vigência do princípio da boa-fé, as partes não mais poderiam estabelecer e tornar obrigatório o cumprimento de todos os dispositivos contratuais. Sob o aspecto psicológico, boa-fé é o estado de espírito de quem acredita estar agindo de acordo com as normas de boa conduta. Sob o ponto de vista ético, boa-fé significa lealdade, franqueza e honestidade. Paulo Brasil Dill Soares (2001, p. 219-220), esclarece o significado da boa-fé objetiva, ao conceituar: “Boa-Fé Objetiva é um ‘standard’ um parâmetro genérico de conduta. Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação ‘refletida’, pensando no outro, no parceiro atual, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, gerando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização de interesses das partes.” 2. Diferença entre Boa-fé Subjetiva e Objetiva À luz da doutrina, há marcante diferença entre boa-fé subjetiva e objetiva: 1) boa fé subjetiva, corresponde ao estado psicológico do agente; 2) boa-fé objetiva se apresenta como uma regra de conduta, “um comportamento em determinada relação jurídica de cooperação” (PEREIRA, 2003, p.20). A subjetividade é o estado psicológico do indivíduo, a intenção. Na boa-fé subjetiva, portanto, o indivíduo se contrapõe psicologicamente à má-fé, convencendo-se a não estar agindo de forma a prejudicar outrem na relação jurídica. O princípio da boa-fé objetiva impõe uma regra de conduta, tratando-se de um verdadeiro controle das cláusulas e práticas abusivas em nossa sociedade. A boa-fé assume feição de uma regra ética de conduta e tem algumas funções que podem ser enumeradas, como: a) fonte de novos deveres de conduta anexos à relação contratual como, por exemplo, o dever de informação, o dever de oportunidade de conhecimento do conteúdo do contrato, o dever de cooperação, o dever de sigilo, o dever de cuidado, o dever de prestar contas e o dever de proteção; b) limitadora dos direitos subjetivos advindos da autonomia da vontade. É importante salientar que esta vontade não é secundária, mas deve ser acompanhada de lealdade para não ocorrer um vício consensual. (artigo 187 do CC); c) norma de interpretação (observar a real intenção do contraente) e integração do contrato – (artigo 113 e 422 doCC – a boa fé é parte integrante da relação contratual). 11 Em outras situações, no entanto, os deveres primários já foram adimplidos e o contrato extinto, porém, remanescem os deveres laterais. Estes deveres laterais são chamados de pré-contratuais (culpa in contrahendo) ou pós-contratuais (culpa post pactum finitum). Estes consistem nos deveres de proteção, informação (esclarecimento) e lealdade (Donnini, 2007, p. 45-46). Pelo dever de segurança cabem as contratantes garantir a integridade de bens e dos direitos do outro, em todas as circunstâncias próprias do vínculo que possam oferecer algum perigo, sendo este o modelo de contrato contemporâneo. Conforme Ricardo Lorenzzeti (1998, p. 551) o contrato deixou de ser visualizado como um representativo de interesses antagônicos, divisando-se um affectio contractus, tornando os contraentes como se fossem parceiros. Maria Helena Diniz (2005, p. 322-323), confirmando a existência da responsabilidade pós-contratual, preleciona no seu Código Civil Anotado que a boa fé objetiva prevista no art. 422 é alusiva a padrão comportamental pautado na lealdade e probidade (integridade de caráter) impedindo o exercício abusivo de direito por parte dos contratantes, no cumprimento não só da obrigação principal, mas também das acessórias, inclusive do dever de informar, de colaborar e atuação diligente. Ressalta ainda a mestra que a violação desses deveres anexos constitui espécie de inadimplemento sem culpa. 3. Efeito da boa-fé nos contratos e Jurisprudência A priori, a boa fé obrigacional se apresentou no direito brasileiro como modelo dogmático (puramente teórico) para concretizar-se como modelo jurídico através da atividade materializadora da jurisprudência. Atualmente, é possível enumerar os efeitos da boa-fé nos contratos. Alguns destes efeitos serão apresentados adiante. Supressio ou Verwirkun O supressio é um termo empregado em Portugal para a expressão alemã verwirkun. A priori, é a perda de um direito pelo seu não exercício no tempo; um protraimento desleal do exercício de um direito. Os elementos do instituto são três: a) a omissão no exercício de um direito, b) o transcurso de um período de tempo e a objetiva deslealdade, c) a intolerabilidade do posterior exercício (SAMPAIO, 2004, p. 79). Apesar de ser um instituto recente o Brasil, há jurisprudências aceitando-o, conforme exposto mais adiante. Surrectio Se no instituto supressio o não-exercício leva a perda do direito, o raciocínio é o inverso no surrectio. Este configura o surgimento do direito pelo costume ou comportamento de uma das partes (art. 330 CC). Vale dizer, segundo Menezes de Cordeiro (apud SAMPAIO, 2004, p. 80): “uma pessoa veria, por força da boa-fé, surgir na sua esfera uma possibilidade que de outro modo não assistiria”. Este instituto confira uma ampliação do campo obrigacional, e a doutrina aponta para a existência de três pressupostos básicos para a surrectio: um certo lapso de tempo, uma conjunção de fatores que apontem a criação deste novo Direito e ausência de condições que impeçam a surrectio. 12 Encontra-se exemplo de “supressio” e “surrectio”, assim, como bem acertadamente expõe Maria Helena Diniz, no art. 330 do Código Civil, ao dispor que se o devedor efetuar, reiteradamente o pagamento da prestação em lugar diverso do estipulado no negócio jurídico, há presunção “juris tantum” de que o credor a ele renunciou, baseado no princípio da boa-fé objetiva e nessas formas de aquisição e perda de direito pelo decurso do tempo. Consequentemente, se o devedor efetuar o pagamento em local diverso do previsto no contrato, de forma reiterada, surge o direito subjetivo de assim continuar fazendo-o – “surrectio” – e o credor não poderá contrariá-lo, pois houve a perda do direito – “supressio” -, desde que, contudo, com observância do “venire contra factum proprium no potest”. Venire Contra Factum Proprium (vedação do comportamento contraditório) Esta locução de origem canônica expressa o ideal de que ninguém se beneficie de sua própria torpeza (vide art. 973 CC). Por exemplo, o credor que concordou, durante a execução do contrato de prestações periódicas, com o pagamento em lugar e tempo diferente do convencionado, não pode surpreender o devedor com a exigência literal do contrato (SAMPAIO, 2005, p. 78/79). Segundo Wieacker (apud SAMPAIO, 2005, p. 79) não se exige dolo nem culpa do credor, a proibição do venire é uma aplicação do princípio da confiança e não uma proibição de má-fé e da mentira. É importante salientar também que o princípio vem ganhando aplicações jurisprudenciais, e vale observar que ambos os atos devem ser lícitos, pois se esta mudança do contratante implicar em ato ilícito, o fundamento da revisão será outro que não o instituto citado, e sim o abuso de direito à luz do artigo 187 do Código Civil. O venire contra factum proprium encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período de tempo, comporta-se de determinada maneira, gerando expectativas em outra de que seu comportamento permanecerá inalterado. Em vista desse comportamento, existe um investimento, a confiança de que a conduta será a adotada anteriormente, mas depois de referido lapso temporal, é alterada por comportamento contrário ao inicial, quebrando dessa forma a boa-fé objetiva (confiança). Existem, portanto quatro elementos para a caracterização do venire: comportamento, geração de expectativa, investimento na expectativa gerada e comportamento contraditório. Exceptio non Adimplente Contractus Também conhecido como tu quoque. Na tradução do brocardo latino é a “exceção de contrato não cumprido”, ou seja, não se pode exigir o cumprimento do contrato aquele que não o cumpre (artigo 476 do CC). Um exemplo é o condômino que não cumpre as regras do condomínio e insiste para que outros as cumpram ou ainda o caso do menor que com dolo omite sua condição de incapaz. Este, posteriormente, não pode eximir-se do cumprimento invocando-a. Em suma, os institutos aqui citados têm a finalidade de limitar o exercício de direitos advindos da autonomia da vontade. A boa-fé exige que as partes ajam com moderação, coerentes com a esfera de autonomia do contraente. As situações aqui por vezes descritas caracterizam os abusos de direito que receberam uma sistematização pela doutrina e pela jurisprudência. Há, além destes expostos, mais institutos desenvolvidos para manter a boa-fé a partir do artigo 187 do Código Civil. Assim, nos contratos a boa-fé se materializa nos institutos: a) supressio (perda de um direito pelo seu não exercício no tempo); b) surrectio (surgimento do direito pelo costume); c) venire contra factum proprium (ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza); d)exceptio non adimplente contractus (exceção de contrato não cumprido). 13 Em suma, cada vez mais os tribunais julgam ações baseadas na boa-fé, buscando sempre um equilíbrio: garantir a igualdade sem suprimir a liberdade e primar pela segurança sem delinqüir a moral. e) outros princípios importantes: dignidade da pessoa humana; relatividade dos efeitos contratuais; equilíbrio contratual; atipicidade (art. 425, CC/2002). 1.4 INTERPRETAÇÃO A interpretação contratual objetiva esclarecer seu sentido e alcance declarando a intenção comum dos contratantes e suprindo lacunas que possam existir. Para tanto, deve-se utilizar o princípio da boa-fé (art. 113, CC) e da conservação dos contratos. A operação interpretativa pressupõe controvérsia instaurada e não resolvida entre os contratantes a respeito do conteúdo do contrato, no momento de sua execução. A controvérsia sobre o sentido exato e a respectiva extensão e intensidade dos efeitos do conteúdo do contrato decorre da utilização de palavras oufrases confusas, obscuras ou dotadas de significado ambíguo. Instaurada a controvérsia, paralisam-se os efeitos do contrato e, consequentemente, a sua execução, cabendo ao Poder Judiciário dirimir a controvérsia, declarando com força vinculativa para as partes o sentido da palavra, frase ou cláusula controversa. Espécies A interpretação contratual é dita declaratória quando tem como único escopo a descoberta da intenção comum dos contratantes no momento da celebração do contrato. É chamada de integrativa ou construtiva quando objetiva o aproveitamento do contrato, mediante o suprimento das lacunas e pontos omissos deixados pelas partes. A integração contratual preenche, pois, eventuais lacunas encontradas nos contratos, complementando-os por meio de normas supletivas, especialmente as que dizem respeito à sua função social, ao princípio da boa-fé, aos usos e costumes do local, bem como buscando encontrar a verdadeira intenção das partes, às vezes revelada nas entrelinhas. Seria, portanto, um modo de aplicação do direito pelo qual o órgão jurisdicional, mediante o recurso à lei, à analogia, aos costumes, aos princípios gerais do direito ou à equidade, cria norma supletiva, que completará, então, o contrato, que é uma norma jurídica individual. Princípios básicos Nos contratos e demais negócios escritos, a análise do texto (interpretação objetiva) conduz, em regra, à descoberta da intenção dos pactuantes. Parte-se, portanto, da declaração escrita para se chegar à vontade dos contratantes (interpretação subjetiva), alvo principal da operação. Quando determinada cláusula mostra-se obscura e passível de dúvida, alegando um dos contratantes que não representa com fidelidade a vontade manifestada na celebração da avença, e tal alegação resta demonstrada, deve prevalecer a declaração em detrimento da literalidade do texto, pois, nos termos do art. 112 do CC/2002, nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. 14 Dois princípios hão de ser observados sempre na interpretação dos contratos: o da boa-fé (art. 113, já estudado na semana anterior) e o da conservação do contrato. Segundo o princípio da conservação ou aproveitamento do contrato, entende-se que se uma cláusula contratual permitir duas interpretações diferentes, prevalecerá a que possa produzir algum efeito, pois não se deve supor que os contratantes tenham celebrado um contrato carecedor de qualquer utilidade. Esse princípio informa a denominada conversão substancial do negócio jurídico. Assim, p.ex., se as partes celebraram um pretenso contrato de compra e venda de imóvel sem atenção às formalidades exigidas por lei, pode-se considerar o negócio como uma promessa de compra e venda, que não exige forma solene, para se aproveitar a vontade das partes. Ainda segundo o Código Civil, art. 114, os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. São aqueles negócios que envolvem uma liberalidade, como na doação. Devem ter interpretação estrita, pois representam renúncia de direitos. Regras esparsas no código civil. Súmulas. Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva. Art. 843. A transação interpreta-se restritivamente, e por ela não se transmitem, apenas se declaram ou reconhecem direitos. Art. 1.899. Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a observância da vontade do testador. STF, Súmula 454. Simples interpretação de cláusulas contratuais não dá lugar a recurso extraordinário. STJ, Súmula 181. É admissível ação declaratória, visando a obter certeza quanto a exata interpretação de clausula contratual. Critérios práticos para interpretação dos contratos (Maria Helena Diniz ? Tratado teórico e prático dos contratos) - a melhor maneira de apurar a intenção dos contratantes é verificar o modo como vinham executando o contrato, de comum acordo; - deve-se interpretar o contrato, na dúvida, da maneira menos onerosa para o devedor; - as cláusulas contratuais não devem ser interpretadas isoladamente, mas em conjunto com as demais; - qualquer obscuridade é imputada a quem redigiu a estipulação, pois, podendo ser claro, não o foi; - na cláusula suscetível de dois significados, interpretar-se-á em atenção ao que pode ser exeqüível (princípio da conservação do contrato); - em relação aos termos do contrato, considerar-se-á que, por mais genéricos que sejam, só abrangem os bens sobre os quais os interessados contratarem e não os de que não cogitaram; - nas cláusulas duvidosas, prevalecerá o entendimento de que se deve favorecer quem se obriga; - nos contratos gratuitos, a interpretação deve proceder-se no sentido de fazê-lo o menos pesado possível para o devedor; nos onerosos, deve-se buscar interpretar de modo a alcançar um equilíbrio eqüitativo entre os interesses das partes; - na dúvida entre a gratuidade e a onerosidade do contrato, presumir-se-á esta e não aquela; - nas convenções que tiverem por objeto uma universalidade de coisas, compreendem-se nela todos os bens particulares que a compõem, mesmo aqueles de que os contraentes não tiverem conhecimento; - no contrato de locação que apresentar dúvidas, resolver-se-á contra o locador; - no contrato seguido de outro, que o modifica parcialmente, a interpretação deverá considerar ambos como um todo orgânico. 15 1.5 CONTRATOS TÍPICOS E ATÍPICOS E DISTINÇÃO DOS CONTRATOS NOMINADOS E INOMINADOS Contratos típicos são os que possuem previsão legal, como a compra e venda, por exemplo, enquanto os atípicos não estão regulados na lei, como o contrato de factoring. É importante distinguir a classificação de contratos típicos e atípicos de contratos nominados e inominados. Denomina-se de nominados aqueles contratos que possuem uma terminologia definida, portanto, os contratos típicos também são nominados. Quando uma figura contratual resultar da mescla de prestações de vários contratos ou da autonomia da vontade das partes, ter-se-á um contrato atípico inominado, por não existir nomen juris para a nova modalidade. 16 Semana Aula: 2 Unidade 2 - A FORMAÇÃO DOS CONTRATOS 2.1. Negociações preliminares, proposta, aceitação e lugar da formação 2.2. Classificação 2.3. Estipulações contratuais em relação a terceiros 2.3.1. Estipulação em favor de terceiros 2.3.2. Promessa de fato de terceiro 2.3.3. Contrato com pessoa a declarar 2.1. NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES, PROPOSTA, ACEITAÇÃO E LUGAR DA FORMAÇÃO 1. negociações preliminares (puntuação): nesta fase ocorrem as tratativas para a celebração do contrato. Não há vínculo jurídico entre os negociantes, portanto, a não conclusão do contrato não gera responsabilidade civil contratual. Na fase de puntuação pode ser elaborada minuta contratual. A fase negociatória, por definição, destina-se apenas a conversações tendentes à eventual conclusão de um contrato e à definição de seu conteúdo, conversações que recebem nas línguas italiana, francesa e alemã os nomes de trattative, pouparlers e Verhandugen, respectivamente. (TELLES, Inocêncio Galvão. Manual dos contratos em geral. 4.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 203) Obs: a responsabilidade civil pré-contratual, fundada na culpa in contrahendo (ilegítima frustração de um contrato esperado), é excepcional, cabendo diante da hipótese de violaçãoda boa-fé objetiva. A doutrina diverge se é hipótese de responsabilidade aquiliana ou de uma outra espécie de responsabilidade civil, situada em um meio termo entre a responsabilidade contratual e a extracontratual.. Na verdade, há uma responsabilidade pré-contratual, que dá certa relevância jurídica aos acordos preparatórios, fundada no princípio de que os interessados na celebração de um contrato deverão comportar-se de boa-fé e nos arts. 186 e 927 do Código Civil que dispõe que todo aquele que, por ação ou omissão, culposa ou dolosa, causar prejuízo ao outrem fica obrigado a reparar o dano. (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. 3. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 46) Em alguns sistemas de Direito positivo, a responsabilidade civil extracontratual está expressa na codificação, a exemplo do Código Civil Português, que em seu art. 227, n° 1, assim dispõe: quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte. 2. Policitação (proposta ou oblação): fase em que é feita a oferta por parte do proponente para que o solicitado emita seu consentimento. A proposta é uma declaração unilateral de vontade receptícia, estando sujeita à aceitação da outra parte para que produza seus efeitos. Vontade contratual: vontade formada a partir da convergência dos interesses das partes negociante, após o consentimento do oblato sobre a proposta do proponente. Sujeitos da proposta: - proponente, policitante ou solicitante: aquele que faz a oferta. - solicitado, policitado ou oblato: aquele para quem a proposta é direcionada. Requisitos da proposta: - séria 17 - completa - clara - dirigida à pessoa a quem se destina A proposta pode ser feita: A) Quanto à presença dos contratantes - entre presentes (inter praesentes) - entre ausentes (inter absentes) O critério utilizado pela lei é o da presença jurídica e não o da presença física, como se extrai do art. 428, I, CC, que considera presente a pessoa que utiliza telefone ou meio de comunicação semelhante para contratar. Assim é que presentes são aqueles em que a aceitação pode ser feita imediatamente à proposta. Se o oblato precisar de prazo para aceitar, a proposta será considerada entre ausentes. Os contratos eletrônicos podem ser tanto entre presentes quanto entre ausentes: Nessa linha de raciocínio, poderemos considerar, mutatis mutandis, entre presentes, o contrato celebrado eletronicamente em um chat (salas virtuais de comunicação), haja vista que as partes envolvidas mantêm contato direto entre si quando de sua formação, e, por outro lado, entre ausentes, aquele formado por meio de envio de mensagem eletrônica (e- mail), pois, nesse caso, medeia um lapso entre a emissão da oferta e a resposta. (GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. Tomo I. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 89). B) Quanto à validade: - com prazo - sem prazo Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso. Princípio da vinculação ou da obrigatoriedade da proposta: a proposta feita pelo policitante é obrigatória. Tal princípio, contudo, comporta exceções, previstas na segunda parte do art. 427 e no art. 428, ambos do Código Civil/2002. Em assim sendo, o princípio da vinculação será afastado nas seguintes hipóteses: a) quando na proposta estiver facultado ao policitante o direito de retratação. Esta hipótese não é admitida nos contratos de consumo. b) quando for da natureza da proposta ou quando as circunstâncias do caso assim determinarem. Obscuridade da legislação. c) se a retratação chegar antes ou ao mesmo tempo que a proposta. d) nas propostas entre presentes feitas sem prazo, quando o oblato não aceita imediatamente (contratos com declaração consecutiva). e) nas propostas entre ausentes, quando há tempo razoável (prazo moral) para a chegada da resposta do oblato (contratos com declaração intervalada). f) quando a proposta é feita com prazo (proposta entre ausentes) e a aceitação não é expedida em tempo hábil. Oferta ao público Art. 429. A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário não resultar das circunstâncias ou dos usos. 18 Parágrafo único. Pode revogar-se a oferta pela mesma via de sua divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta realizada. Oferta x proposta. Contraproposta: considerada uma nova proposta, havendo, pois inversão da polaridade da relação inicial (o policitante passa a ser policitado e vice-versa). A discussão ou a modificação do conteúdo da proposta pelo policitado importa em nova proposta, desvinculando-se o policitante do conteúdo anterior. A alteração dos termos da proposta pode se dar: por acréscimo (adição) ou por restrição (LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: contratos e declarações unilaterais - teoria geral e espécies. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 217) 3) Fase de Conclusão do Contrato Aceitação - momento da formação do contrato A aceitação faz com que a vontade contratual seja formada, fazendo com que o contrato seja concluído (eficácia da aceitação). O Código Civil adota, regra geral, a teoria da agnição (ou declaração), na modalidade expedição. É dizer, o contrato é formado no momento em que a vontade é expedida, independente do conhecimento imediato do policitante. A adoção da teoria da agnição na modalidade expedição não é absoluta. Há hipóteses em que o Código Civil não reconhece a formação do vínculo contratual somente com a expedição da proposta (proposta entre ausentes), abraçando a teoria da agnição na modalidade recepção: a) quando a retratação do oblato chegar antes da aceitação ou junto com esta. Nesse caso, a aceitação é considerada inexistente (art. 433, CC/2002). b) quando o policitante tiver firmado compromisso de aguardar a resposta, fixando como o momento da conclusão o instante do recebimento da resposta. c) quando a proposta não chegar no prazo convencionado. Aceitação tácita: art. 432, CC/2002. Teoria do silêncio circunstanciado. É evidente, porém, que não têm qualquer respaldo legal as disposições incluídas em algumas propostas no sentido de que o silêncio do destinatário importará na formação do contrato. (TEPEDINO, Gustavo (org). Código civil interpretado: conforme a Constituição Federal. Vol. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 48). Aceitação tardia: a aceitação tardia, quando feita com adições, restrições ou modificações, importará em nova proposta (art. 431, CC/2002). No entanto, quando a aceitação é recebida fora do prazo por motivos imprevisíveis, o policitante deverá imediatamente informar o oblato, sob pena de responsabilizar-se por possíveis perdas e danos (art. 430, CC/02 ? aplicação da teoria do duty the mitigate the loss). Obs: nos contratos reais, o momento de formação do contrato é o da tradição da coisa. Lugar da formação do contrato: em conformidade com o art. 435, CC/2002, o contrato se forma no lugar em que foi feita a proposta. 19 - Dissenso: aceitação produz efeito somente se significar adesão plena a proposta. Se as vontades divergem há dissenso e não consenso. Pode haver divergência com relação a pontos secundários,mas não com relação a pontos principais. O dissenso manifesto impede a formação do contrato. - Contraproposta: é a aceitação modificativa, que ocorre quando o oblato modifica a proposta, acrescentando ou retirando algo. Neste caso, não há formação do contrato, transformando-se em proposta a resposta dada ao proponente. (art. 431 CC) - Aceitação Tardia: a aceitação fora do prazo não cria o contrato, exceto se o próprio proponente aceitar convalidá-la. Atenção! Pode haver atraso na expedição ou na recepção da resposta. Se houver atraso na expedição a aceitação não tem eficácia, pois adere a proposta que já perdeu sua validade. Mas se por circunstância imprevista, embora expedida tempestivamente, a resposta chega ao conhecimento tardio do proponente, esta não terá força vinculante, mas o proponente deve comunicar o fato imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos. (art. 430 do CC). - Retratação do Aceitante: só é válida se o contrato ainda não se formou, devendo a retratação chegar antes da aceitação ou em conjunto com ela (art. 433 do CC). Se o contrato for daquele em que não costuma ocorrer a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputa-se concluído o contrato caso não seja expressa a tempo a recusa (art. 432 do CC). Embora a aceitação não seja obrigatória, torna-se compulsória nas seguintes situações: 1. Pela existência de um contrato preliminar, no qual a própria vontade das partes estabeleceu a obrigatoriedade de consentimento em um contrato posterior; 2. Nos contratos obrigatórios, onde as partes tem obrigação legal de contratar. O silêncio e a formação dos contratos: art. 111 do CC e considerações gerais. 2.2. CLASSIFICAÇÃO ➔ PRIMEIRA DIVISÃO DOUTRINÁRIA • Quanto a sua natureza (efeitos): a) Contratos Unilaterais – cria obrigação somente para uma das partes (Ex. doação pura) b) Contratos Bilaterais – cria obrigação para ambos os contratantes (Ex. Compra e Venda) c) Contratos Plurilaterais – contém mais de duas partes (Ex. Sociedade) d) Contratos Onerosos – ambos os contratantes obtêm vantagens e ônus recíprocos (Ex. Compra e Venda) Subdividem em: 20 d1) Comutativos – prestações certas e determinadas. As partes podem antever que vantagens e ônus geralmente se equivalem (Ex. Compra e Venda, Locação, etc.) d2) Aleatórios – pelo menos um dos contratantes não pode não pode antever a vantagem que receberá em troca da prestação. Caracteriza-se pela incerteza - álea = sorte, risco, acaso – (Ex. Jogo, Aposta, Seguro) e) Contratos Gratuitos – somente uma das partes aufere benefício ou vantagem (Ex. Doação pura) • Quanto a sua formação: a) Contratos Paritários – forma tradicional, onde as partes discutem livremente as condições. As partes estão em situação de igualdade. b) Contratos por Adesão – não permitem discussão de condições devido a preponderância de vontade de um dos contratantes. Contrato previamente confeccionado onde o outro contratante somente adere, não podendo modificar suas condições (Ex. Consórcio, Serviços Públicos) c) Contratos Contra-tipo (Formulário) – previamente formulado, porém suscetível de alterações e normalmente há espaços para inclusão de dados. Não há cláusulas impostas e existe equivalência entre os contratantes (Ex. Alguns contratos bancários). • Quanto a sua forma: a) Contratos Consensuais – se formam exclusivamente pelo acordo de vontades (Ex. Compra e Venda de bens móveis) b) Contratos Solenes – devem obedecer a forma prescrita em lei para se aperfeiçoar (Ex. Compra e Venda de Imóveis, Pacto Antenupcial) c) Contratos Reais – exigem além do consentimento, a entrega da coisa (traditio) do objeto (Ex. Depósito, Mútuo, Comodato) • Quanto a sua denominação: a) Contratos Nominados ou Típicos – tem denominação própria no ordenamento jurídico. Espécies contratuais que servem de base à fixação de modelos, esquemas ou tipos de regulamentação específica da lei. São os vinte e três contratos nominados no Código Civil. b) Contratos Inominados ou Atípicos – não tem denominação própria no ordenamento jurídico. c) Contratos Mistos – contrato típico onde se acrescenta cláusulas criadas pela vontade dos contratantes d) Contratos Coligados – contratos distintos, porém ligados por um nexo funcional, por cláusula acessória, implícita ou explícita (Ex. Compra automóvel e gasolina, compra automóvel e arrenda garagem, compra casa de praia e loca-a para veraneio) e) União de Contratos – contratos distintos e autônomos, que somente são realizados ao mesmo tempo ou em um mesmo documento. Vínculo meramente externo (Ex. Compra de imóvel e reparação de outro prédio) 21 • Quanto ao objeto: a) Contratos Patrimoniais – o objeto entende-se patrimonial estritamente dito b) Contratos Pessoais – atinentes a alguma prestação do contratante ou de outrem em seu lugar c) Contratos Sociais – visam interesse da coletividade • Quanto a tempo de sua execução: a) Contratos de Execução Imediata ou Instantânea – consumam num só ato (Ex. Compra e venda à vista) b) Contratos de Execução Diferida – consumam num só ato, porém em um momento futuro (Ex. Compra com entrega em determinada data) c) Contratos de Trato Sucessivo ou de Execução Continuada (prestações) – cumprem por meio de atos reiterados (Ex. Compra e venda a prazo, locação) • Quanto a pessoa do contratante: a) Contratos Pessoais – celebrado em atenção às qualidades pessoais de um dos contratantes, que não pode ser substituído por outrem (Ex. Contratação de determinado ator para um evento) b) Contratos Impessoais – a obrigação pode ser cumprida indiferentemente pelo obrigado ou por terceiro (Ex. Entrega de bens, transporte, serviços) c) Contratos Individuais – vontades são individualmente consideradas, mesmo que envolva várias pessoas (Ex. Compra e Venda) d) Contratos Coletivos – acordo de vontades entre duas pessoas jurídicas de direito privado, representativas de categorias profissionais (convenções coletivas) ➔ SEGUNDA DIVISÃO DOUTRINÁRIA A. Contratos de Direito Comum e de Consumo Quanto à qualidade dos sujeitos contratantes, os contratos podem ser: a) Contratos de direito comum: são regulados pelo direito civil. São considerados contratos paritários, em decorrência do princípio da igualdade formal que informa o direito civil. b) Contratos de consumo: são contratos cuja polarização se dá entre consumidor e fornecedor. Os contratos de consumo são regulados pelas normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90). O CDC, em seus arts. 2° e 3°, assim define consumidor e fornecedor: Art. 2°. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. 22 Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Assim, sempre que restar caracterizada relação de consumo (fornecimento de produto e/ou serviço a um consumidor), o contrato será de consumo e, por isso, reger-se-á pelas regras consubstanciadas no CDC. B. Contratos Consensuais e Contratos Reais Quanto ao momento do aperfeiçoamento do contrato, os contratos podem ser: a) Contratos consensuais: são aqueles que se aperfeiçoam simplesmente peladeclaração da vontade dos contratantes. Ex: contrato de compra e venda. b) Contratos reais: são aqueles que, para se aperfeiçoarem, precisam da efetiva entrega da coisa (traditio rei). A declaração de vontade é elemento necessário, porém insuficiente, devendo ocorrer a entrega do bem para que o contrato seja celebrado. Ex: contrato de mútuo. Obs: aperfeiçoamento é diferente de cumprimento. C. Contratos Solenes Quanto à forma, os contratos podem ser: a) Solenes: aqueles cuja forma é determinada pela lei. Ex: compra e venda de imóvel cujo valor é supere em trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país (art. 108, CC/2002). Insta observar que a desobediência à forma prevista em lei gera invalidade do negócio jurídico. b) Não solenes: aqueles em que não há forma especial para sua celebração, seguindo, pois, o princípio da liberdade das formas (princípio do consensualismo). Ex: contrato de mandato. Obs: parte da doutrina diferencia o contrato solene do contrato formal. Segundo esta linha de pensamento, os contratos solenes são aqueles em que há exigência de escritura pública para a sua celebração, como o contrato de compra e venda de imóvel cujo valor é supere em trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país. Por outro lado, os contratos formais são aqueles em que há regras especiais para sua formação, como a exigência de forma escrita. Neste sentido, Silvio Venosa. D. Contratos Típicos e Atípicos Quanto à tipicidade, os contratos podem ser: a) Típicos: regulamentados por lei. Ex: contrato de transporte. b) Atípicos: não regulamentados por lei. Ex: contratos eletrônicos. Há parte da doutrina que não identifica como sinônimas as expressões típico e nominado, admitindo hipóteses de contratos nominados e atípicos, como p.ex. o contrato de locação de garagem ou estacionamento, previsto no art. 1°, parágrafo único, da Lei n° 8.245/90 (Lei de Locação). E. Contratos de Direito Público e de Direito Privado Contratos de Direito Público: são os contratos em que a Administração Pública figura em um dos pólos. São regidos pelas normas de direito público e, subsidiariamente, por normas de direito privado, no que não lhe for incompatível. Ex: contratos administrativos, contratos de gestão. 23 Contratos de Direito Privado: travados entre particulares e regidos pelas normas de direito privado. Os contratos de direito privado podem ser de direito comum, mercantis ou de consumo. F. Contratos Bilaterais e Unilaterais Quanto às obrigações recíprocas, os contratos podem ser: a) unilaterais: impõem deveres a apenas uma das partes. Ex: contrato de doação. Obs: atentar para os chamados contratos bilaterais imperfeitos. b) bilaterais: impõem deveres recíprocos a ambas as partes. São chamados de contratos sinalagmáticos. Ex: contrato de locação. c) plurilaterais (contratos plúrimos): há direitos e deveres recíprocos entre todos os sujeitos envolvidos no contrato. Ex: contrato de sociedade. G. Contratos Onerosos e Gratuitos Quanto ao sacrifício patrimonial das partes, o contrato pode ser: a) Gratuito ou benéfico: é aquele em que só há sacrifício de uma das partes. Há uma prestação sem que haja uma contraprestação a ela correlata e proporcional. Ex: doação. b) Oneroso: é aquele em que há sacrifício patrimonial de ambas as partes, de modo que inexiste uma prestação e uma contraprestação a ela correlata e proporcional. Ex: troca. Todo contrato bilateral é oneroso, mas nem todo contrato unilateral é gratuito. Ex: mútuo feneratício, que é unilateral, porém oneroso, pois há pagamento de juros. H. Contratos Comutativos e Aleatórios Os contratos onerosos podem ser a) comutativos, quando ambas as partes sabem com exatidão suas prestações e contraprestações, e b) aleatórios, quando há a presença do risco (álea), que pode recair tanto na própria existência da coisa (contrato aleatório emptio spei - de coisa esperada), quanto na quantidade da coisa (contrato aleatório emptio rei speratae). I. Contratos Principais e Acessórios Quanto às relações recíprocas, os contratos podem ser: a) Principais: são independentes, existindo por si só. Ex: contrato de compra e venda. b) Acessórios: são aqueles que guardam uma relação de dependência com outro contrato, existindo em função dele. Ex: contrato de fiança, que é acessório a um contrato de mútuo. Aplicação do princípio da gravitação jurídica. Obs: contratos coligados. Os contratos coligados constituem situação intermediária entre os contratos principais e acessórios, pois se tratam de dois contratos principais por natureza, mas que, por vontade das partes, estão unidos por um nexo funcional. Ex: A compra de um terreno com imóvel para moradia (contrato principal) e a compra de outro terreno, vizinho, para área de lazer (contrato secundário). 24 O STJ tem entendido que, em sede de contratos coligados, o inadimplemento do contrato principal não enseja, necessariamente, a resolução do contrato secundário, como ocorreria se fosse contrato acessório, em consonância com o princípio da gravitação jurídica. J. Contratos de Execução Imediata e de Execução Sucessiva Quanto ao momento de seu cumprimento, os contratos podem ser: a) de execução imediata (instantâneos): aqueles cujo vencimento ocorre concomitantemente com o aperfeiçoamento do contrato. b) de execução diferida: são contratos a termo, que deverão ser adimplidos em sua totalidade na data do vencimento ajustada. c) de execução continuada (execução sucessiva ou trato sucessivo): aqueles cuja execução se dará de forma periódica. K. Contratos de adesão Referências legislativas no Código Civil: arts. 423 e 424. Não há correspondência com o Código de 1916. Características gerais Conceito - art. 54, CDC: Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. O Código Civil não conceitua o contrato de adesão. O contrato de adesão não é uma espécie contratual propriamente dita, pois nele podem conter diversas modalidades obrigacionais. É um método de contratação (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. p. 58) cuja forma de aceitação de um dos contratantes se dá com a simples adesão a um conteúdo pré-estabelecido pelo outro contratante. Os contratos de massa suprimem as negociações prévias, cabendo ao aderente aceitar ou recusar em bloco o regulamento contratual que lhe é apresentado. O traço essencial que os singulariza não é tanto a diferença econômica entre as partes, mas o poder de estabelecer unilateralmente as cláusulas que farão parte do instrumento contratual. (AMARAL JUNIOR, Alberto. Proteção do consumidor no contrato de compra e venda. p. 115) Sujeitos: predisponente ou estipulante - detém o poder negocial aderente - aceita cláusulas pré-estabelecidas, sem poder de alterá-las. - predisposição Características: - unilateralidade - rigidez Obs: generalidade e indeterminação como características secundárias. Interpretação Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. 25 Qualquer obscuridade na redação das cláusulas de um contrato por adesão volta-se ao estipulante: a interpretação lhe é contrária, prestigiando sempre o aderente, que não teve poder de negociação no ato de celebração do contrato. Proteção do aderente no plano da formação do contrato de adesão. O art. 47, CDC, é mais amplo, pois estabeleceque as cláusulas contratuais serão interpretadas sempre de maneira mais favorável ao consumidor, independente de obscuridade ou ambigüidade da cláusula. Abusividade das cláusulas Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Proteção do aderente no plano do conteúdo negocial. O estipulante, por ter o poder de estabelecer unilateralmente as cláusulas contratuais, não pode impor ao aderente renúncia antecipada de direito decorrente das características essenciais do negócio que está celebrando. A jurisprudência brasileira tem levado à nulidade cláusulas que contrariem não só o conceito de natureza, mas ainda a finalidade econômica do contrato, principalmente quando tal renúncia atinja o cerne mesmo daquele pacto. A lógica de tais decisões não se limita às relações de consumo, ainda que este tenha sido o seu cenário original; afinal, como já visto, o art. 422 também prescreve a necessidade de se preservar a boa-fé objetiva no âmbito dos contratos paritários. (TEPEDINO, Gustavo (org). Código civil comentado: à luz da Constituição Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 31.) As cláusulas abusivas são nulas (nulidade absoluta); isso não significa, porém, que necessariamente haverá nulidade de todo o contrato. 2.3. ESTIPULAÇÕES CONTRATUAIS EM RELAÇÃO A TERCEIROS 2.3.1. Estipulação em favor de terceiros Vem a ser um contrato estabelecido entre duas pessoas, em que uma (estipulante) convenciona com outra (promitente) certa vantagem patrimonial em proveito de terceiro (beneficiário), alheio a formação do vínculo contratual (Ex. Seguro, Acordo Judicial, constituição de renda). A estipulação em favor de terceiro consiste numa das poucas exceções ao princípio da relatividade dos contratos. Os códigos modernos passaram a discipliná-la a partir do momento que passou a configurar contratos como de seguro de vida, constituição de renda, como também, transporte de objetos para terceiros. Porém, há controvérsias quanto a sua natureza jurídica. Por sua vez, a tendência majoritária é considerá-la como contrato. São necessários três requisitos para que se configure a estipulação em favor de terceiro: 1) requisito subjetivo – obrigatoriamente três pessoas na relação jurídica, o estipulante, o promitente e o beneficiário. É imprescindível que o terceiro beneficiário seja estranho ao contrato. 2) requisito objetivo – liceidade e possibilidade do objeto, vantagem patrimonial (gratuita ou não) que beneficie terceira pessoa, alheia à convenção. 3) requisito formal – forma livre, contrato consensual. 26 Princípio da relatividade dos efeitos contratuais: os contratos geram efeitos apenas entre as partes, nos limites impostos pela lei e pelo exercício da autonomia privada. A regra geral é, portanto, que os contratos produzem efeitos tão-somente aos contratantes, excluindo todos aqueles alheios à avença. No entanto, situações há em que os efeitos do contrato alcançarão terceiros, tornando-os interessados na relação contratual. Tais efeitos podem lhes ser benéficos ou prejudiciais. Quando maléficos (contrato em prejuízo de terceiros), pode o terceiro interessado opor-se, por legitimação ordinária ou extraordinária, para resguardar seus direitos. Ex: evicção. É possível, porém, que os efeitos sejam em benefício do terceiro interessado, situação em que há estipulação em favor de terceiro. Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação. Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não inovar nos termos do art. 438. Roberto Senise Lisboa: a estipulação em favor de terceiro é o negócio jurídico por meio do qual se ajusta uma vantagem pecuniária em prol da pessoa que não o celebra, mas se restringe a colher seus benefícios. (Manual de Direito civil: contratos e declarações unilaterais: teoria geral e espécies. Vol. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 251.) A gratuidade da relação entre o estipulante e o terceiro interessado (beneficiário), bem como entre o beneficiário e o promitente é característica fundamental da estipulação em favor de terceiro, de modo que é inadmissível a exigência de contraprestação por parte do terceiro interessado para que possa este receber os benefícios pactuados. A gratuidade, no entanto, não obsta a aposição de encargo ao terceiro. Compensação: como os efeitos contratuais recairão sobre terceiros, não pode haver compensação entre o promitente e o estipulante. Todavia, há que ser considerada a possibilidade de compensação entre promitente e beneficiário. Legitimação: deve ser observado eventual impedimento de o benefício ser recebido pelo beneficiário diretamente do estipulante. Art. 437. Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-lhe a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor. O terceiro interessado pode aceitar ou recusar o benefício que recebe. Uma vez aceitando, deve se submeter às regras contratuais. Ao direito de exigir o cumprimento da obrigação estipulada, concorrem, regra geral, o estipulante e o beneficiário. Entretanto, pode o estipulante determinar que tal direito seja exclusivo do beneficiário ? nessa circunstância, o estipulante não pode mais praticar qualquer ato que importe em perda ou diminuição do direito subjetivo do terceiro interessado em receber o benefício ajustado. Há, pois, dois momentos na estipulação em favor de terceiro: a) Antes da aceitação do beneficiário. Nesta fase, o estipulante pode revogar a qualquer tempo o benefício. b) Depois da aceitação do beneficiário. Nesta fase, a estipulação torna-se irretratável, excetuando somente a situação descrita no art. 438. 27 Art. 438. O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato, indepedentemente da sua anuência e da do outro contratante. Parágrafo único. A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição de última vontade. A possibilidade de substituição revela o caráter dispositivo da irretratabilidade da estipulação. Todavia, a substituição deve ser expressa. 2.3.2. Promessa de fato de terceiro Conceito: Duas pessoas maiores e capazes e aptas a criar direitos e obrigações, que ajustam um negócio tendo por objeto a prestação de um fato, que deverá ser cumprido por outra pessoa, que deverá consentir com a obrigação pactuada. Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar. Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens. Art. 440. Nenhuma obrigação haverá para quem se comprometer por outrem, se este, depois de se ter obrigado, faltar à prestação. A promessa de fato de terceiro é fonte de uma obrigação de fazer, qual seja, fazer com que uma pessoa integre relação jurídica com outra. Em outras palavras, o devedor tem a obrigação de convencer que terceiro celebre negócio jurídico (facere) com o credor. O adimplemento dessa obrigação, portanto, ocorre com a formação da relação jurídica entre o terceiro e o credor (da relação originária), motivo pelo qual o devedor (aquele que prometeu fato de terceiro) não se compromete com o cumprimento do negócio celebrado com o terceiro. Ex: Um promotor de eventos promete ao dono de uma casa de shows trazer um artista para cantar
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