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ISSN: 1983-8379 
 
 
DARANDINA revisteletrônica – Programa de Pós-Graduação em Letras / UFJF – volume 2 – número 1 
 
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“Nem todas as crianças vingam”: Relação social em "Pai contra mãe" 
 
José Vilian Mangueira1 
 
 
Resumo: 
O presente trabalho desenvolve uma leitura de "Pai contra mãe", dando destaque à representação 
social contida no texto. Procuramos destacar as relações sociais que as personagens mantêm, partindo das 
ideias que Roberto Schwarz desenvolve sobre a obra de Machado. Através do Panorama social do conto, 
analisa-se o contexto escravocrata brasileiro que legitimava a barbárie como mantedora de uma "ordem" e 
fazia homens "livres" lutarem pela sobrevivência, tirando o seu sustento da vida alheia. 
 
Palavras-chave: Conto brasileiro; Literatura e sociedade; Machado de Assis. 
 
 
 
 
Introdução: 
"Pai Contra Mãe", de Machado de Assis, é a história de Cândido Neves, um homem 
sem posses, que não se liga a emprego fixo e que sobrevive de pegar escravos fugidos. 
Casado com Clara, moça também pobre que vive, juntamente com sua Tia Mônica, do ofício 
de costureira, Cândido passa por privações e necessidades em toda a narrativa. Quando o 
ofício de pegar escravos fugidos não lhe dá mais lucro, devido à concorrência e à diminuição 
do número de negros rebelados, ele se vê em uma situação difícil. Há agora, mais do que 
antes, carência de tudo: faltam carne e feijão e o aluguel está três meses atrasado. E, para 
agravar a sua condição, Clara fica grávida. Seria mais uma pessoa para alimentar. Tia 
Mônica sugere que, quando a criança nascer, seja levada à Roda dos Enjeitados, espécie de 
orfanato da época. O pai não gosta da ideia da tia, mas, depois que esta lhe pinta o destino da 
criança, aceita tudo. Um dia depois do nascimento, o menino é enrolado e levado pelo 
próprio pai à Roda dos Enjeitados. Mas, no meio do caminho, aparece na frente de Cândido 
Neves uma escrava fugida, pela qual se dava alta recompensa. É a chance que Cândido 
esperava para mudar o destino do filho. Deixando o menino em uma farmácia, o pai sai ao 
encalço da negra. Prende-a, amarra-a e, ignorando as suas súplicas, leva-a até o seu dono. Na 
porta deste, a escrava, que estava grávida, aborta. Apático a isso, Cândido Neves retira-se da 
porta do senhor, levando a garantia de que o seu filho voltaria para casa. 
 
1 Professor de Literatura da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e Doutorando em Letras 
pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 
 
ISSN: 1983-8379 
 
 
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O conto faz parte do livro Relíquia de Casa Velha, publicado em 1906, e segundo 
estudiosos da obra de Machado, como José Guilherme Merquior, "Pai Contra Mãe" está 
inserido dentro dos contos anedóticos do escritor carioca (Cf. MERQUIOR, 1996, p. 236-
237). O exame psicológico dos personagens é deixado de lado para dar lugar aos 
acontecimentos que os envolvem. Sendo assim, não importa ao narrador analisar os 
sentimentos e as ações dos personagens, mas a relação que estes criam entre si. A história de 
Candinho, personagem central da narrativa, resume-se à história de uma escrava fugida: 
"Cândido Neves - em família Candinho - é a pessoa a quem se lida a história de uma fuga" 
(ASSIS, 1982, p. 200). 
É graças a esse primeiro plano que os acontecimentos têm no texto que o narrador 
abre a história com a descrição de castigos e punições sofridos pelos escravos quando estes 
fugiam. Só depois de apresentar ao leitor esse universo escravocrata que já não existe mais, 
é que o narrador põe Cândido Neves na narrativa. Os dois, Cândido e o universo 
escravocrata, irão interagir ao longo do conto, criando, no final, a luta pela sobrevivência, 
tema central do texto. 
1. Dos personagens: 
Apesar de vermos essa superioridade dos acontecimentos sobre os personagens, 
queremos chamar atenção para pistas deixadas ao longo do conto que dão subsídios para 
traçarmos um perfil do personagem principal. 
Cândido Neves apresenta dois tipos de comportamentos. Diante de alguém superior 
ou igual a ele na escala social, porta-se de acordo com a semântica do seu nome: 
mansamente. É assim com a sua família, que o chama de Candinho, acentuando ainda mais 
essa característica do personagem; e também com Tia Mônica e sua mulher. Quando Tia 
Mônica adverte-o de alguma coisa ou cobra-lhe algo, como no momento em que ela exige 
que ele busque um emprego fixo, Cândido não se exaspera. Apesar de sentir-se ferido, age 
de maneira calma: "Cândido Neves, logo que soube daquela advertência, foi ter com a tia, 
não áspero, mas muito menos manso do que de costuma, e lhe perguntou se já algum dia 
deixaria de comer" (ASSIS, 1982, p. 201). 
Em toda a história, apenas em um momento ele perde o controle e põe para fora a 
raiva que sentia de tia Mônica. É quando esta tenta persuadi-lo a levar o filho à Roda dos 
 
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Enjeitados: "Cândido arregalou os olhos para a tia, e acabou dando um murro na mesa de 
jantar" (ASSIS, 1982, p. 202). Mas esse fato é algo isolado no texto; o recorrente é que a 
semântica do nome case com o comportamento do personagem. Com a mansidão que lhe é 
característica, ele age com o dono da casa onde morava, quando este vem cobrar-lhe o 
aluguel. O homem fala duramente com ele, mas Cândido não ousa responder no mesmo tom: 
"Ao vê-lo, ninguém diria que era o proprietário; mas a palavra supria o que faltava ao gesto, 
e o pobre Cândido Neves preferia calar a retorquir." (ASSIS, 1982, p. 203). 
Mas, diante de alguém socialmente inferior a ele, como o escravo, seu 
comportamento muda. Deixa de lado a sua mansidão, e mostra que é superior a este, usando 
de sua força para subjugá-lo. Com o escravo ele briga, "nem sempre saía sem sangue, as 
unhas e os dentes do outro também trabalhavam" (ASSIS, 1982, p. 202); mas acaba 
vencendo-o. Esse segundo comportamento do personagem demonstra que a sua mansidão é 
aparente, e que, na verdade, o que possui é uma falta de vontade de lutar pelos seus direitos 
com aqueles que estão no mesmo nível que ele ou são a ele superiores. O que pesa mais a 
Cândido é o seu sentimento de inferioridade, que desaparece diante do escravo. Isso prova 
que o nome do personagem serve para contrastar com o seu comportamento brutal do final 
do conto. 
Para o leitor de Machado, é fácil constatar que a ficção machadiana explora muito a 
semântica dos nomes das ruas onde as histórias acontecem. É o que sucede em "Pai contra 
mãe". As duas primeiras ruas mencionadas na narrativa são a do Parto e a da Ajuda, onde 
supostamente a escrava Arminda parecia andar. A primeira rua não aparecerá mais, mas a 
segunda terá papel fundamental na trama. De início, é nela que Cândido obtém de um 
farmacêutico uma vaga informação da negra fugida. Ao levar o seu filho à Roda dos 
Enjeitados, Cândido toma a direção da Rua dos Bardonos, entra na Rua da Guarda Velha, 
passando por um beco que liga esta à Rua da Ajuda. Eis que justamente neste ponto do 
caminho, Cândido vê o auxílio que precisava para livrar o seu filho da Roda dos Enjeitados. 
Analisando-se o uso desta rua no conto, podem-se formular duas leituras. A primeira, vista 
sob os olhos do pai, condiz com a semântica do topônimo. Cândido Neves, que vagou pela 
cidade tentando encontrar um socorro para o filho, encontra-o justamente na Rua da Ajuda. 
Mas a segunda leitura, tomando a posição da mãe, põe em conflito o nome da rua com a 
 
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ação prática que nela ocorre. Depois de presa por Cândido, Arminda troca de posição com 
este, ficando, agora, necessitada de ajuda. Mas, ao contrário daquele, ela não encontra 
auxílio algum para si ou para o filho que trazia no ventre. Isso porque: "Quem passava ou 
estava à porta de alguma loja compreendia o que era o naturalmente não acudia" (ASSIS, 
1982, p. 204). 
É nessa segunda leitura que o jogo com o topônimo ganha um valor maior na 
história. Diferente da primeira leitura, ele serve para criar um efeito irônico entre o nome da 
rua e o desespero solitário da mãe-escrava, que se vê arrastada para o castigo. Assim, a ajuda 
que aparece a um, será o desespero do outro. Esse tirar de um para dar ao outro mostra a 
falta de condição de sobrevivência do pobre no Brasil da escravidão. A oportunidade de 
viver é tão pouca que é necessário matar o próximo para seguir vivendo. 
Até Cândido cruzar a Rua da Ajuda, a narrativa leva o leitor a crer que o filho de 
Cândido Neves vai ser deixado na Roda dos Enjeitados. Até mesmo o próprio pai aceita tal 
final para o filho: "Hei de entregá-lo o mais tarde que puder" (ASSIS, 1982, p. 204). Esta 
atitude de passividade prova que Cândido aceita a sua condição social. Mas a peripécia 
narrativa, bem ao gosto de Machado de Assis, põe em frente de Candinho, em plena Rua da 
Ajuda, uma escrava fugida. É nela que o pai encontra a salvação do filho. Incapaz de lutar 
com alguém mais poderoso do que ele, mesmo para defender a vida do filho, diante da 
escrava ele encontra forças para propagar a sua espécie. Como um animal diante da presa, 
Cândido luta com a escrava Arminda até que esta se entregue, recolhendo-se à sua condição 
de inferioridade. Alfredo Bosi (1982, p. 437 – 457) aponta dois níveis de análise para essa 
luta: um natural, um pai e uma mãe lutando por seus filhos, outro social, uma escrava 
buscando a liberdade e um caçador de negros fugidos à procura de sua caça. Dando ênfase a 
uma ou à outra leitura, percebe-se que o que predomina entre os personagens principais do 
conto é a vontade de continuar existindo, mesmo que seja através de um descendente. O 
conto acaba retratando a miserável condição das duas parcelas mais pobres da sociedade 
brasileira da época da escravidão. 
Com relação à mãe, consciente de sua condição de propriedade alheia, a escrava não 
busca ajuda para livrar-se de Candinho. Seu primeiro escudo é o filho que traz na barriga: 
"Estou grávida, meu senhor." (ASSIS, 1982, p. 204). Cândido não se importa com tal fato. 
 
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Com último recurso, ela oferece a si mesma como escrava: "(...) eu serei sua escrava, vou 
servi-lo pelo tempo que quiser." (ASSIS, 1982, p. 204). 
Mas Cândido Neves não aceita a proposta da mãe, pois a sua condição social não 
permite tal excesso, e ter Arminda como escrava não ajudaria em nada a mudar a situação do 
filho dele. Insensível ao desespero da negra, Candinho arrasta a sua presa até a casa do 
senhor que pagaria por ela. E ali a escrava aborta, sob os gritos do seu dono. Cândido Neves 
assiste a tudo sem a menor piedade. É nesse momento que o personagem se revela por 
inteiro. A máscara de mansidão que ele usava cai, deixando ver o seu verdadeiro rosto: 
impiedoso, pois não sente a menor compaixão pela escrava; aproveitador, faz uso de alguém 
mais fraco para se beneficiar; egoísta, seu único pensamento enquanto entrega a escrava ao 
dono é resolver a situação do próprio filho. 
No final do conto, Cândido passa de vítima da sociedade, que não lhe dá 
oportunidade nem de constituir uma família, a algoz de uma pobre escrava fugida. Mas não 
se pode julgá-lo por essa transformação. A culpa não é totalmente sua. O sistema em que ele 
está vivendo é que tem maior culpa. Sem saída digna para escapar à sua miséria, ele se 
submete à lei natural da sobrevivência que regia o Brasil: só se consegue viver tirando o 
sustento da dor alheia. A frase final do personagem corrobora esta lei e serve para livrar 
Cândido de qualquer culpa pela morte do filho da escrava: "Nem todas as crianças vingam, 
bateu-lhe o coração" (ASSIS, 1982, p. 205). 
2. Classe contra classe: 
Em "Pai contra mãe", Machado de Assis registra a barbárie da escravidão e a luta 
pela sobrevivência no Brasil do Império. Além disso, mostra a relação social das três classes 
de população que constituíam o Brasil da época: o latifundiário (senhor); o homem "livre", 
mas pobre; e o escravo. 
O texto inicia-se com a descrição de alguns aparelhos de castigos a que os escravos 
eram submetidos: o ferro ao pescoço, o ferro ao pé, a máscara de folhas-de-flandres. A 
descrição é carregada de ironia, deixando o leitor ver apenas a funcionalidade de tais 
instrumentos: "A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhe tapar a 
boca." (ASSIS, 1982, p.200); "O ferro ao pescoço era aplicado aos fujões [...] escravos que 
 
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fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado." 
(ASSIS, 1982, p. 200). 
Em tudo isso, escapa ao narrador o relato do sofrimento dos escravos quando 
submetidos a tais torturas. Mas, dentro do conto, isso é irrelevante, uma vez que estas 
práticas grotescas eram justificadas como mantedoras da "ordem social e humana". É nesse 
mascaramento do brutal que reside a ironia do texto, conferindo ao narrador o sentimento da 
parte dirigente da sociedade do sistema escravocrata do Império brasileiro: toda essa 
brutalidade não passava de pura necessidade por parte dos poderosos; algo que deveria 
acontecer para que a ordem social, por eles estabelecida, fosse mantida e nada saísse do 
eixo. Agindo assim, o narrador traz para o texto a ideologia dos escravocratas; mas a sua 
narrativa acaba, como acontece em Memórias Póstumas de Brás Cubas, denegrindo a 
camada social dominante, fazendo com que o leitor, diante de tanta crueldade, tenha uma 
posição de indignação. Fazendo uso do pensamento e das ações dos senhores, o narrador se 
distancia de um posicionamento crítico individual, deixando para o leitor a função de julgar 
o que está no texto. 
Em seguida, aparece a fuga dos escravos que, no texto, é justificada porque "nem 
todos [escravos] gostavam da escravidão" (ASSIS, 1982, p. 200). Cinicamente, é atribuída 
ao escravo a culpa da fuga, ignorando, mas uma vez, os maus tratos a que eles eram 
sujeitados. O narrador é tão irônico ao descrever a relação escravo-senhor que põe no texto a 
argumentação supostamente usada por muitos ao justificar a brutalidade do proprietário de 
escravos: este, o senhor, quando "ocasionalmente" (o uso do advérbio acentua ainda mais a 
ironia) batia em seus negros, não fazia por maldade, pois "o mesmo dono não era mau". As 
pancadas, assim como os instrumentos de tortura, serviam para manter a ordem, criada pelos 
senhores, que os escravos procuravam desarranjar. Ao leitor desatento e desconhecedor da 
obra de Machado de Assis, a fala do narrador pode parecer que advoga a favor dos 
escravocratas. Mas a sua função verdadeira é de reprovação das práticas cruéis da escravidão 
e do cinismo da sociedade brasileira que fingia não ver tanta barbárie. 
Com isso, o narrador mostra, como aponta Roberto Schwarz (1982, p.16), que a 
relação escravo-senhor é de total dominação deste sobre aquele. E não poderia ser diferente, 
pois os escravos não passavam de simples propriedades dos latifundiários. Tem-se, então, 
 
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traçada em poucas linhas, a relação entre senhor e escravo, e a descrição do cenário 
brasileiro em que a história se passa. Essa primeira parte serve para introduzir a ação do 
conto e para situar o leitor no campo ideológico que permeava a sociedade do Brasil da 
escravidão. Está reservado à terceira classe da população o seguinte passo da narrativa. 
Esta terceira classe, "nem proprietário nem proletário" (cf. SCHWARZ, 1982, p. 16), 
constituía o maior número de brasileiros daquela época. Desprovidos de bens materiais 
próprios, esses brasileiros dependiam, direta ou indiretamente, do favor para ter uma vida 
melhor. Eles ocupavam uma posição intermediária entre o senhor e o escravo: estavam 
degraus abaixo na escala social, se comparados aos senhores latifundiários; e alguns poucos 
degraus acima, se comparados aos escravos. É na figura deste homem juridicamente "livre", 
mas dependente socialmente, que o narrador se detém. Seu modo de vida, sua condição 
social e suas relações com as outras duas classes sociais do Império brasileiro é que são o 
ponto chave do conto. 
Representada por Cândido Neves, essa terceira classe surge no conto para conter a 
vontade do escravo de quebrar a ordem social estabelecida pela camada dominante, 
formando, logo de início, uma parceria com o senhor, que será o beneficiário maior dessa 
associação. 
Como consequência da vontade do escravo de quebrar a ordem do regime 
escravocrata, surge uma nova forma de ganhar dinheiro: capturar negros fugidos. Embora 
não seja "nobre", esse ofício servia para pôr "ordem à desordem". Sendo assim, conferia a 
quem nele se aventurasse o papel de homem ligado à lei. Mas nem todos queriam se meter 
em tal ofício. Apenas aqueles que eram levados pela pobreza, pela necessidade de um 
achego, pela inaptidão para outros trabalhos, pelo acaso, e algumas vezes pelo gosto de 
servir também, ainda que por outra via, aceitavam tal empreitada. Cândido Neves encaixa-se 
em dois dos casos citados. 
No início do conto, Cândido envereda-se na caça de escravos fugidos por não 
conseguir se habituar a outros serviços. Há o caso de um emprego que lhe ferira o orgulho 
por ter que servir a muitos. Era, então, caixeiro de armarinho: "Com algum esforço entrou de 
caixeiro para um armarinho. A obrigação, porém, de atender e servir a todos feria-o na corda 
 
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do orgulho, e ao cabo de cinco semanas estava na rua por sua vontade" (ASSIS, 1982, p. 
200). 
Interpretando a passagem, podemos inferir que feria o orgulho de Cândido Neves a 
obrigação de servir a escravos e senhores, concomitantemente, uma vez que os dois, 
principalmente os primeiros, frequentavam o armarinho para comprar. Ora, servir a um 
escravo era querer demais de um homem branco, mesmo que esse homem fosse tão 
miserável quanto aquele. Como se achava socialmente melhor do que o negro, o homem 
"livre", mas pobre, não admite uma relação de proximidade com o escravo. Orgulhoso de 
sua cor, ele procura ao máximo mostrar-se superior ao negro. Essa é a primeira razão que 
leva Candinho a abandonar o emprego. A segunda é que, servindo aos senhores de escravos, 
sem ter diretamente das mãos destes um retorno por seus serviços, ele estaria igualando-se 
ao escravo, que trabalha sem receber dos senhores o pagamento pelo seu suor. Isso também 
não agradava a Cândido. Tal situação é demasiadamente indigna. Resta, então, para Cândido 
Neves, um último serviço, que o livraria desse embaraço social (mesmo que este serviço não 
seja "nobre"): pegar negros fujões. 
Mas, ao optar por caçar escravos fugidos, não estaria ele servindo a alguém? 
Evidente que sim. Mas há duas grandes diferenças entre os dois trabalhos. Primeiro porque, 
como caçador de negros, Cândido Neves não tinha que cumprir as ordens de um chefe e nem 
precisava estar longas horas dedicadas aos serviços. Como afirma o texto, "Só exigia força, 
olho vivo, paciência, coragem e um pedaço de corda." (ASSIS, 1982, p. 202). Ele agia 
quando quisesse ou quando a necessidade o obrigasse. E, segundo, ele achava-se agora em 
uma condição social mais elevada do que alguns. De certa forma, servia a alguém, ao senhor 
de escravos, mesmo sem um compromisso formal, em troca de favores. Mas era superior aos 
escravos, pois recebia por seus serviços diretamente da mão do senhor. Sobre essa relação de 
favor na sociedade brasileira da época, Schwarz afirma: "No contexto brasileiro o favor 
assegurava às duas partes, e especial à mais fraca, de que nenhuma é escrava" (1982, p.18) . 
A vida de Cândido Neves é miserável. Sem um emprego certo que lhe assegure a sua 
sobrevivência e a de sua família, ele se vê impelido à penúria. É apresentado pobre ao leitor: 
("Cândido Neves [...] cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos 
fugidos..." (ASSIS, 1982, p. 200)), e assim continuará até o fim da narrativa, que se fecha 
 
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sem abrir nenhuma porta por onde ele possa escapar à sua condição social. Na ótica do 
narrador, a sua pobreza é vista não como fruto do sistema social em que está inserido, mas 
como consequência do "caiporismo2" do personagem, ou seja, da sua má sorte, do seu azar: 
"Tinha um defeito grave este homem, não agendava emprego nem ofício, carecia 
estabilidade, é o que ele chamava caiporismo." (ASSIS, 1982, p. 200). 
Essa afirmação, atribuída ao personagem pelo narrador, condiz com toda a atmosfera 
do Império brasileiro que o conto vem retratando: se Cândido é pobre e está sujeito a um 
emprego que não é "nobre", é porque ele não buscou alcançar algo melhor. Ora, se nem 
escravos fugidos para Cândido apanhar havia mais, o que dizer de empregos dignos dentro 
de uma sociedade onde a escravidão dominava e a ascensão social através do trabalho era 
impossível? Pensar em emprego digno para Candinho significava desconhecer o regime 
social em que estava mergulhado o Brasil da época: "A escravidão não consente, em parte 
alguma, classes operárias propriamente ditas, nem é compatível com o regime de salário e a 
dignidade pessoal do artífice" (NABUCO, apud BOSI, 1982). Passivo a sua condição 
social, só resta a Candinho, como última válvula de escape, atribuir ao "caiporismo" a falta 
de oportunidade para mudar a sua vida. 
Mesmo pobre e dependente da ajuda de um senhor, Cândido Neves mantém uma 
relação de dominação com os escravos. Ele é sempre superior àqueles. O primeiro fator que 
lhe dá essa superioridade é a cor. Embora não haja, no texto, uma descrição do personagem, 
tem-se, através do seu nome e sobrenome, a constatação de que ele é branco. CÂNDIDO 
significa, além de sincero, ingênuo e inocente, alvo. Seu sobrenome, NEVES, possui o 
mesmo radical de neve, reforçando a "pureza de raça" do personagem. Sendo assim, temos 
um homem pobre, mas branco-branco, ou seja, branquíssimo. O segundo fator é a liberdade 
jurídica que Cândido possui. Ao contrário do escravo, Candinho tem livre-arbítrio, podendo 
dar a sua vida a direção que lhe convém. Esses dois fatores o aproximariam do senhor; assim 
como, conferem-lhe o direito de "[...] usar do escravo, não diretamente, pois não pode 
comprá-lo, mas por vias transversas, entregando-o à fúria do senhor, delatando-o ou 
capturando-o quando se rebela e foge" (BOSI, 1982, p.455). 
 
2 Sobre o tema do "caiporismo" (a má sorte, o azar, a constante infelicidade) vê D'Onofrio (1979). 
 
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Considerações finais: 
Neste conto, está retratada a situação de penúria em que vivia o escravo; a falta de 
perspectiva que assolava o homem sem posses; e o poderio que o senhor ou latifundiário 
exercia sobre os dois primeiros. A luta que os desvalidos travam pela sobrevivência, seja 
através da fuga (escravo), seja através da disputa pelo direito de ter um filho (Cândido e 
Arminda), é ignorada pelo abastado. No texto, assim como na realidade brasileira da época, 
predomina a lei do mais forte: o senhor dominava o escravo, que era um objeto seu, 
dominava o homem "livre", através da força do seu dinheiro, e este homem "livre" dominava 
o escravo, subjugando-o pela sua força social e física: "[...] preto fugido sabe que comigo 
não brinca, quase nenhum resiste, muitos entregam-se logo" (ASSIS, 1982, p. 202). 
Ao negro, parte mais fraca da população, cabia apenas aceitar as ordens do "Sistema 
Social e Humano" que regiam o Brasil escravocrata; e, se assim não fizesse, estaria sujeito 
aos mais duros castigos. 
Em "Pai contra mãe", Machado de Assis, como acontece em grande parte de sua 
obra, está envolvido com os conflitos sociais de sua época. No conto, o narrador machadiano 
expõe os aspectos desumanos do desenvolvimento social do Brasil, que, na busca do melhor 
para os poderosos, mata um ser humano para dar lugar a outro, e retrata o comportamento do 
homem, Cândido e Arminda, nos conflitos com uma sociedade que legítima a violência 
como algo mantedor da "ordem". 
 
Referências: 
ASSIS, M. de. "Pai contra mãe". In: BOSI, A.. Machado de Assis. São Paulo: Ática, 1982, 
p. 200 - 205. 
BOSI, A.. "A mascara e a fenda". In:______. Machado de Assis. São Paulo: Ática, 1982, p. 
437 - 457. 
MERQUIOR. J. G.. De Anchieta a Euclides: Breve história da Literatura Brasileira. 3ª ed. 
Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. 
D´ONOFRIO, S.. "A ironia do destino no conto Machadiano". In: D´ONOFRIO, Salvatore.. 
Conto brasileiro: quatro leituras. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 11 - 38. 
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas. 3ª ed. São Paulo: Duas Cidades, 1988. 
 
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Abstract: 
 This work aims to discuss the social representation in "Pai contra mãe", a short-story by Machado de 
Assis. It tries to focus on the characters’ social relation, using some ideas from R. Schwarz’s studies about 
Machado de Assis’ works. Paying attention to the social setting, this article presents an analysis of the 
Brazilian slavery social context to show how a barbaric system was used to maintain a social order and to make 
free men taking their own chance to living using somebody else’s life. 
 
Key-words: Brazilian short-story; Literature and society; Machado de Assis.

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