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D. Riff 1 Estratigrafia e Tempo geológico A Estratigrafia é a disciplina da Geologia que trata do estudo das rochas estratificadas, sua descrição, interpretação e relações mútuas. A estratigrafia clássica assenta-se sobre o tripé Litoestratigrafia, Bioestratigrafia e Cronoestratigrafia. A classificação e nomenclatura formal dos estratos segue critérios que, no Brasil, estão discernidos no Código Brasileiro de Nomenclatura Estratigráfica (Petri, et al., 1986. Revista Brasileira de Geociências, São Paulo. 16 (4): 372-376). Um dos conceitos mais importantes na estratigrafia é o de fácies. Podemos distinguir partes de uma determinada unidade estratigráfica que exibam caracteres diferentes de outras partes da unidade, como a presença de fósseis, icnofósseis, estruturas sedimentares (estratificação cruzada, p. ex.), espessura, geometria e paleocorrentes. Ao fazê-lo, estamos reconhecendo diferentes fácies. Sua análise é fundamental para o reconhecimento da sucessão lateral de camadas e para a interpretação paleoambiental. Litoestratigrafia Estuda e organiza os estratos baseando-se em seus caracteres litológicos, como o tipo de rocha (arenitos, calcários, basaltos, etc.), cor, textura, composição mineral e granulometria. Os pacotes de rocha assim discernidos são denominados unidades litoestratigráficas. Assim, as unidades litoestratigráficas são unidades reais e concretas, definidos por caracteres observáveis e não por inferências. A unidade litoestratigráfica fundamental na descrição e interpretação da geologia de uma região é a Formação (ex: Formação Santana), havendo ainda as unidades de maior hierarquia: Grupo (formado pela associação de formações; ex: Grupo Bauru), que pode ser dividido em Sub-grupo ou agrupado com outros grupos num Super-grupo; e as unidades de menor hierarquia: Membro (parte de uma formação) e Camada (parte de uma formação ou de um membro). Além dessas unidades, utilizam-se as categorias Complexo (para uma associação de rochas de várias classes), Suíte (para rochas magmáticas ou D. Riff 2 metamórficas de alto grau, equivalente ao grupo) e Corpo (subdivisão da suíte, equivalente à formação). As diferentes unidades litoestratigráficas são separadas verticalmente por contatos do tipo conformidade (gradacionais e diástema), nos quais a deposição foi praticamente contínua, e inconformidade (discordância angular, desconformidade, paraconformidade e não-conformidade), nas quais há um considerável hiato na deposição (Fig. 1). Lateralmente são separadas por contatos laterais do tipo cunha, interdigitado e gradacional (Fig. 2) . Figura 1- A) Contato do tipo conformidade gradacional. B) Contato do tipo conformidade diástema. A linha em negrito representa o contato do tipo diástema entre um pacote de folhelhos inferior e um pacote de calcários superior. No contato diástema não há um considerável hiato de deposição como há na inconformidade, mas a mudança de litologia não é gradativa como em A. C) Contatos do tipo inconformidade. A B D. Riff 3 Figura 1- continuação. Discordância angular- contato entre pacotes de rochas sedimentares cujos estratos diferem em ângulo, separados uma superfície erosiva (hiato). Desconformidade- contato entre pacotes de rochas sedimentares com estratos paralelos, separados por uma superfície erosiva (hiato) Paraconformidade- contato entre pacotes de rochas sedimentares com estratos paralelos entre os quais não há uma superfície erosiva. O hiato na deposição é identificado através da litologia ou do conteúdo fossilífero. Não-conformidade- contato entre um pacote de rochas sedimentares e um corpo magmático ou metamórfico marcado por uma superfície erosiva (hiato) C D. Riff 4 Figura 2- Contatos laterais do tipo: A) cunha; B) interdigitado; C) gradacional. Bioestratigrafia Visa o reconhecimento e organização dos estratos em unidades baseadas no conteúdo, distribuição, freqüência e/ou associação dos fósseis nela contidos, contemporâneos à acumulação do sedimento. As unidades bioestratigráficas são denominadas biozonas. Seus limites são geralmente determinados pelo aparecimento e desaparecimento de determinado táxon e são denominados biohorizontes. O intervalo total de tempo representado por uma biozona é denominado duração, amplitude, alcance ou biocron. Um conjunto de estratos pode ser dividido em diferentes biozonas de acordo com o táxon utilizado, não sendo seus limites necessariamente coincidentes (p. ex: para uma mesma sucessão de estratos, uma biozona de foraminíferos e outra de pólens). As biozonas podem ser agrupadas em superzonas ou divididas em subzonas e zônulas. Camadas estéreis são denominadas inter-zona (se entre duas biozonas ) e intrazona (se dentro de uma biozona). As biozonas são designadas pelo nome do seu fóssil característico (ex: biozona Coilopoceras) D. Riff 5 Existem diversos tipos de biozonas, sendo os mais utilizados: Cenozona- caracteriza-se pela associação de fósseis sem considerar a distribuição individual dos táxons envolvidos. Possuem grande valor em correlações locais. Zona de amplitude- conjunto de estratos reconhecidos pela amplitude total (horizontal e vertical) de qualquer táxon selecionado. A zona de amplitude expressa a máxima extensão estratigráfica e geográfica, podendo expressar também o ambiente de deposição se os fósseis forem autóctones. A superposição de zonas de amplitude determina a zona de amplitude coincidente. Zona de apogeu ou epíbole- conjunto de estratos que contém a máxima diversidade ou freqüência de um táxon. D. Riff 6 Zona de intervalo- o conjunto de estratos entre dois biohorizontes quaisquer. As unidades bioestratigráficas são independentes das litoestratigráficas, podendo ser mais restritas ou mais abrangentes que estas. No caso dos fósseis que ocorrem associados a certa litologia por terem sido condicionados pelo ambiente de deposição, podemos estabelecer apenas uma ecoestratigrafia, pois os níveis de aparecimento e desaparecimento dos táxons não refletem necessariamente seu tempo de existência. Os táxons utilizados na determinação de biozonas são denominados fósseis-guia e serão tão mais informativos para correlação e datação relativa quanto maior for sua distribuição espacial, menor for sua amplitude temporal, forem abundantes, facilmente identificáveis e de ocorrência independente do tipo de rocha. Microfósseis como os de organismos planctônicos, pólens e esporos são os que melhor preenchem esses requisitos. Cronoestratigrafia Visa a organização dos estratos de rocha em unidades que correspondem a intervalos de tempo geológico e que sirvam como um sistema de referência para o registro da história geológica. Idealmente, as rochas de referência para o tempo geológico são unidades isócronas, havendo dois tipos fundamentais: Unidades Cronoestratigráficas- são camadas reais de rocha selecionadas para servir como referência (ou estratótipo) para todas as rochas formadas durante o mesmo intervalo de tempo. D. Riff 7 Unidades Geocronológicas- são divisões imateriais do tempo baseadas nas unidades cronoestratigráficas. Para evitar confusões, imagine as unidades cronoestratigráficas como o fluxo de areia de uma ampulheta e as unidades geocronológicas como o tempo que esse fluxo representa. Os limites das unidades cronoestratigráficas são definidos por fósseis-guia ou pelas propriedades físicas da rocha (como a polaridade magnética ou sua idade absoluta). A princípio, as unidades cronoestratigráficas podem ser reconhecidas mundialmente mas, na prática, seu uso depende da presença de características diagnósticas do intervalo de tempo (fósseis ou elementos passíveis de datação). As unidades cronoestratigráficas e suas correspondentes unidades geocronológias são listadas na tabela abaixo: Unidades Cronoestratigráficas Unidades Geocronológicas Eonotema Ëon (ex: Fanerozóico) EratemaEra (ex.: Mesozóico) Sistema Período (ex.: Jurássico) Série Época (ex.: Oligoceno) Andar (ex: Andar Alagoas) Idade (ex.: Aptiano) Cronozona Cron Assim, um éon é representado pelas rochas que constituem um eonotema, uma era por um eratema, um período por um sistema, época por uma série, idade por um andar e cron por uma cronozona. Quando nos referimos ao sistema Jurássico, p. ex., estamos nos referindo a todas as rochas no mundo depositadas durante o período Jurássico. Os adjetivos Inferior, Médio e Superior são tradicionalmente usados para as Séries e subdivisões das unidades cronoestratigráficas (pois são rochas). Esses termos não devem ser empregados para as Épocas e subdivisões das unidades geocronológicas (tempo), mas substituídos por Inicial, Médio e Tardio (ou os prefixos Eo-, Meso- e Neo-). Os D. Riff 8 nomes dados aos Eonotema/Éon, Eratema/Era e Sistema/Período são coincidentes, e o nome de uma Série, Andar ou Cronozona são nomes locais. A Coluna de Tempo Geológico A construção de um esquema de referência tempo-estratigrafia passou por dois estágios fundamentais: 1) a relação tempo-estrato através do princípio da superposição, uso de fósseis e, mais recentemente, isótopos radioativos e 2) a correlação dessas seções locais para o estabelecimento de uma escala global. Este procedimento tem sido bem sucedido para o Fanerozóico, devido principalmente ao controle possibilitado pelo registro fóssil, enquanto que para as camadas pré-cambrianas, mesmo as subdivisões amplas propostas são arbitrárias ou não são totalmente aceitas. A coluna não foi proposta por um geólogo apenas nem desenvolvida a partir de uma pesquisa específica, mas construída gradualmente desde 200 anos por geólogos trabalhando independentemente em vários países (principalmente europeus). Atualmente as revisões e aperfeiçoamentos da coluna devem ser submetidos à Comissão internacional de Estratigrafia da União Internacional de Geociências (IUGS). Datação absoluta O uso da superposição e dos fósseis para datar rochas é um tipo de datação relativa, uma vez que podemos dizer apenas se determinado estrato é mais velho, mais recente ou contemporâneo que outro e situá-lo (com fósseis- guia) nas unidades geocronológicas. Para precisar a idade de um estrato (dizer há quantos anos foi formado), devemos recorrer à datação radioativa, ou absoluta. O princípio básico desta técnica é que elementos radioativos (como urânio) decaem a uma taxa constante, originando outros elementos (chamados filhos) e, conhecendo esta taxa, a proporção entre elementos parentais e filhos de uma amostra dará a idade desta amostra. Os principais métodos de datação absoluta são dados na tabela abaixo. D. Riff 9 Nuclídio parental Nuclídio filho Meia- vida (em anos) Alcance útil (em anos passados) Materiais passíveis de datação Carbono-14 Nitrogênio-14 5.730 < 40.000 Madeiras, conchas, CaCO3, carvão Protactínio-231 Actínio-227 33.000 < 150.000 Sedimentos marinhos, corais de aragonita Tório-230 Rádio-223 83.000 < 250.000 sedimentos marinhos, corais de aragonita Urânio-235 T = (ττlog 2) x log (1 + N2/N1) ττ==meia-vida Chumbo-207 713 milhões > 5 milhões Monazita, zircão, uranita, pitchblenda Urânio-234 Tório-230 27.000 < 65 milhões cinzas vulcânicas, zircão, apatita Urânio-238 Chumbo-206 4,5 bilhões > 60 milhões monazita, zircão, uranita, pitchblenda Potássio-40 Argônio-40 1.250 milhões > 100.000 Muscovita, biotita, hornblenda, glauconita, sanidina, rochas ígneas Rubídio-87 Estrôncio-87 48.800 milhões > 5 milhões Muscovita, biotita, lepidolita, microclina, glauconita, sanidina, rochas metamórficas Quase todos os métodos de datação radioativa não são aplicáveis para datar rochas sedimentares, pois sua aplicação nessas rochas dirá quando o mineral foi formado, e não quando foi depositado no pacote que se tornará rocha sedimentar. Infelizmente, os métodos de datação direta de sedimentos são D. Riff 10 restritos e ainda sujeitos a erros consideráveis. Assim, a datação de rochas sedimentares depende da datação de rochas intercaladas ou restos contemporâneos misturados aos sedimentos, sendo os meios mais usados listados na tabela abaixo. Tipos de rocha Relação estratigráfica Confiabilidade rochas vulcânicas extrudidas intercalada com rochas sedimentares Dá a idade mínima e máxima dos sedimentos intercalados intrudidas em rochas sedimentares Dá a idade mínima para a rocha sedimentar rochas plutônicas abaixo de rochas sedimentares Dá a idade máxima das camadas acima constituintes da rocha a ser datada Dá a idade mínima para as rochas sedimentares metamorfoseadas rochas sedimentares metamorfoseadas situada abaixo rochas sedimentares não- metamorfoseadas Dá a idade máxima das camadas acima rochas sedimentares contendo restos orgânicos ou cinzas vulcânicas contemporâneos Dá a idade real da rochas sedimentares rochas sedimentares contendo minerais autigênicos como glauconita Dá a idade mínima das rochas sedimentares D. Riff 11 Estratigrafia de Seqüências Apesar de ser uma atividade vital para o conhecimento da história geológica, a estratigrafia clássica tinha como objetivo central descrever e empilhar as rochas sem maiores preocupações com a gênese dos estratos ou o mecanismo controlador da deposição. Esse paradigma é subjetivo o suficiente para permitir que diferentes colunas estratigráficas existissem para uma mesma área (a Bacia do Paraná, p. ex., chegou a ter, até 1974, 25 colunas estratigráficas diferentes propostas). A moderna estratigrafia de seqüências têm como objetivo principal o reconhecimento do papel de cada fator influente na sedimentação (clima, tectônica, nível do mar) e, portanto, entender o mecanismo, ciclicidade e as causas das seqüências de deposição. Este é um objetivo difícil de alcançar observando-se afloramentos e perfurações isolados mas, com o advento da sísmica de alta resolução, o reconhecimento e mapeamento de seqüências em diferentes ordens de grandeza, uma análise muito mais contextual (ou holística) é possível. O modelo original da estratigrafia de seqüências foi idealizado a partir de análises de fácies depositadas ao longo do ciclo de variações do nível do mar, sendo as fácies de mar baixo, de transgressão e de mar alto associados em respectivos tratos de sistemas, cada um constituído por parasseqüências, geradas por variações menores e separadas por superfícies de inundação marinha. Como a variação do nível do mar têm influência global, as parasseqüências podem ser mais facilmente correlacionadas mundialmente. A aplicação da estratigrafia de seqüências à Paleontologia é de suma importância por apontar a ocorrência de um controle estratigráfico sobre a distribuição dos fósseis. Se o desaparecimento de um táxon, p. ex., ocorrer dentro de uma parasseqüência, deve estar representando sua extinção de fato, mas se o desaparecimento ocorrer no limite de uma parasseqüência, pode estar registrando apenas um tendenciamento faciológico, e não uma extinção verdadeira. A estratigrafia de seqüências na análise de fósseis permitiu observar o padrão esperado pelo modelo do equilíbrio pontuado: ao analisar uma seção do D. Riff 12 paleozóico superior dos Estados Unidos, notou-se que as faunas revelaram-se estáveis por períodos muito longos e rapidamente passaram por grandes modificações morfológicas e ecológicas, sendo os níveis onde isso ocorreu coincidente com os limites das parasseqüências (que registram mudanças ambientais). Por dar máxima importância a um critério fundamental como o contexto ambiental de deposição no estudo dos estratos e por seu poder de previsão, a Estratigrafia de Seqüências está para as Geociências como a Sistemática Filogenética está para a Biologia.
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