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Hjelmslev, Louis - Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem

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Cole!rffo Estudos
Dirigida por J. GUinsburg
ConseIho Editorial: Anatol Rosenfeld (1912-1973). Anita Novinsky.
Ar<lCY Amaral, Augusto de Campos, Boris Schnaiderman, CarIos Qui-
Iherme Mota, Celso Later,Dante Moreira Leite, Gita K. Guinsburg.
Haroldo de Camp.OS, Leyla Perrone-Moises, Lucio Games Machado.
Maria de Lourdes Santos Machado, Modesto Carone Netto, PauIo
EmHio Salles Gomes, Regina Schnaiderman, Robert N.V.C. Nicol,
Rosa R. Krausz, SilbatoMagaldi, Sergia Miceli, Willi Bolle e Zulmira
Ribeiro Tavares.
Equipe de realiza!rRo - Tradu~ao: J. Teixeira Coelho Netto; Revisao:
Mary Amazonas Leite de Barros; Produ!rao: Llicio GomesMachado;
Capa: Moyses Baumstem.
Louis Hjel~slev
PROLEGOMENOS A UMA
TEORIA DALINGUAGEM
~\l~
~ ~ EDITORA PERSPECTIVA~/\~
Titulo do original ingl&:
Prolegomena to a TheQry of r
- UFC BIBlIOTECA CENTR~l
M 9 731
11 / iI / 71 L.lit
© 1961 by the Regents of the University of WISCOnsin
Direitos em lingua portuguesa reservados a
EDITORA PERSPECITVA SA.
Av. Brigadeiro Luis AnWnio, 3025
Telefone: 288-8388
. '01401 ._. Sio Paulo - Jb'aSil
1975
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1
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Su-mario
Sincretismo: .. .. .- .. .. .-~- .. ~ .. -.. .. .. e,. -. '. ... .. .. .. ...... eo .. .. .. .. .. .. ..
Prefacio iCI-
Fun~o e Soma ....:....................;...................
Fun~oes- - ' ' ..
VII
1.
7
11
13 .
15
19
23
25
27
33
39
47
53
65
79
85
89
93
99. ..
Estudo da Linguagem e Teoria da Linguagem
Teoria da Linguagem e Humanismo .
Teoria da Linguagem e Empirismo .
Teoria da Linguagem e Indu~ao 0 0 • 0 • 0 •
Teoria da Linguagem e Realidade 0 •
Objetivo da Teoria da Linguagem .
Perspectivas d-a Teoria da Linguagem .. 0 •••••
o Sistema de Defini~es . 0 • • • 0 • 0 • 0 0 0 0 • 0 • 0 ••
Principio da Ananse . 0 0 0 0 • .0 '0 • • • • 0 0 • • .0 o· 0 •
Forma da AD.8lise 0 0 • 0 •• 0 •• 0 •• 0 0 ••••• 0 00 ••
CataIise
Signos e Figuras ...0 0 • • • 0 • • • • 0 0 0 • • 0 0 • 0 • 0 •
Expressao e Conteudo .. 0 0 0 0 • 00 • 0 • • • • • 0 0 • •
Invariantes e Variantes ... 0 0 0 00 0 0 •• 0 0 0 0 0 • • •
Es U L o .. ., tie. quema e 0 so . tngmscos o' 0 .. 0 • • • 0 • 0 0 • • • •
Variantes no Esquema Lingiiistico .....•. 0 • 0
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20.
21.
22.
23.
Grandezas da Amilise .
Linguagem e Nao-Linguagem .
Semi6ticas Conotativas de Metassemi6ticas .
Perspectiva Final .
Registro Alfabetico dos Termos Definidos .
Defini~oes . 11 ... ... • • .. • • fI 11 11 • .. 11 • • .. 11 11 .. • • Ill: _0 • .. ..
Indice Geral .
103
109
121
131
135
137
143
jj
1j
I
I
I
l,
I
I
I
.1
Prefacio
A edi~ao brasileira dos Prolegomenos a uma teoria da
linguagem representa, no campo da Ciencia em geral e no
dos estudos lingUfsticos, em particular, urn empreendimento
de alta relevancia. Alem do carater revolucionario contido
no seu corpo de doutrina, essa obra e, talvez, 0 melhoI
exemplo de que possamos dispor, a esta altura do seculo:XX,
de uma sistematiza~ao cientlfica cujo rigor atinge as raizes
do poetico. Dai a oportunidade da presente tradu~ao, no
momento em que come~am a surgir - nem sempre muito
bem orientados - trabalhos de maior folego dentro desse
domfniono pais. Nao importa que, na opiniao de muitos,
a tradu~ao venha corn atraso; 0 que inlporta e que ela se
publica neste momento em que se faz mais necessaria.
Jamais sera suficientemente salientada a complexidade
dos Prolegomenos. A presente tradu~ao nao implica,pois,
uma vulgariza~ao das id6ias de Hjelmslev junto a um
grande publico, roas possibilita aos· especialistas e aos
estudantes universitarios da area de Ciencias Humanas
estabelecer urn.debate roais amplo. em tomo dos princfpios
fundamentaisda Glossematica. .
o criador dessa teoria lingilistica, Louis Hjelmslev,
nasceu em 1899 na cidade de Copenhague em cuja
universidade realizou estudos de Filologia Comparativa,
vindo, posteriormente, a aperfei~arseus conhecimentos
lingiifsticosem diversas universidades europeias. Em 1931
fundou0 Cfrculo LingUlstico de Copenhague e em 1939,
r • .----'_- ~_~ ~~ ~_._..... - .",--'-_.-- . .0-_-- _ ......=--,-~ • __~_~~_ ~ ---- ---
VIII PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
com a colabora~o de Viggo Bq6ndal, criOll as Acta
Linguistica (AL ) , orgao em que publicou vanos· artigos e
editoriais. Nos seus primeiros trabalhos e marcante a
influencia dos formalistas russos, de Sapir e, sobretudo, de
Saussure, inspirador primeiro de algumas das ideias centrais
da Glossematica, teoria que, junto corn Uldall, ja vinha
desenvolvendo desde 1931. Os resultados desse trabalho
aparecem em 1943 na obra Omkring sprogteoriens grund-
laeggelse, que agora surge em portugues .corn 0 titulo de
Prolegomenos a uma teoria da linguagem. Em 1937,
Hjelmslev assume as fun~oes de titular da Cadeira de
Lingiiistica Comparada da Universidade de Copenhague e
nessa mesma cidade veio a falecer em 1965.
A bibliografia das publica~oes de HjeImslev pode· ser
datada a partir de 1922. Ela demonstra que seu Autor
possuia uma gama de preocupa~5es extremamente variada,
cornose comprova em numerosos· amgos e ensaios publica-
dos no decorrer de tOOta e seis anos.· Mas a sua contribui~ao
principal para a constitui~ao da modema ciencia semi6tica
se deve aos Prolegomenos, cuja Ieitura convem seja com-
pleIrientada corn a coletanea de ensaios que. 0 . proprio
Hjelmslev organizou, dando-lhe 0 titulo de Ensaios. Lin-
gilisticos.
A Glossematica, na.medida em que a lingua e concebida
como uma combinatoria, atribui, como acertadamente re-
conhece Oswald Ducrot, urn valO! central a certas proprie..
dades fonnais das rela~6es que constituem essa combinat6ria.
Tal pressuposto levou Hjelmslev ao entendimento da Lin..
·giiistica coma uma. especie de algebra, dentro da qual contam,
para a defini~ao de estrutura, as rela~es formais entre os
elementos enao a materialidade dos elementos relacionados.
A concordancia desse postulado corn a afirma~ao saussu-
riana de que "a lingua e uma forma, nao uma substancia",
nao e casual; pode-se mesmo defmir a Glossematica, de
modo generalizante, como uma reformula~o coerentizadora
das principais dicotomias da teoria lingiifstica elaborada por
Saussure. Um exemplo frisante disso e dado pela reelabo-
ra~ao .que Hjelmslev faz do modelo do signa proposto por
Saussure, ao explicitar os pIanos do significante e do signi-
ficado em quatro estratos, dois. de substancia e dois de
forma. Na Glossematica, 0 signa se instituicomo uma
fun~o contraida entre dois funtivos fonnais, 0 do plana da
expressao e 0 do pIano do conteudo. Desse POnta de vista,
as unidades da lingua nao sac nem os sons nem os signi- .
ficados, que sao em si meras substancias extralingiiisticas,·
mas, sim, os relata que os fonnalizam semioticamente. Tal
concep~aoe a melhor dernonstra~o do acerto da intuil;ao
PREFACIO IX
- -"~-, I
I
1
saussuriana aeerea da natureza da lingua como uma forma,
nao uma substancia; HjeImslev se enearregou de levar ate
as Ultimas conseqiiencias esse postulado basico, responsaveI,
sem duvida, pela rigorosa organicidade da sua doutrina. A
reformula~ao glossematiea, porem, nao se· fez sem conse-
qiiencias ja que eIa culminou num modelo de lingua que
se afasta num ponto crucial do modelo saussuriano. Assim.,
enquanto para Saussure, a langue era urn. sistema de signos.
para HjelmsIev, a lingua e urn sistema de figuras (nao-
signos), que, ao se combinarem, produzem signos.
Disso tude deeorrem duas conseqiiencias basicas: de
um lado, ° estudo das rela~6es que instauram essa combi-
"nat6ria se transfonna no proprio objeto imediato da Lin-
giifstica; de outro, essa visao funcional inclui a existencia de
mecanismos subjacentesdinanncos. No estruturalismo chls-
sico, cujo mentor cS 0 autor do Curso de Linguistica Geral,
o modelo do signa pode gerar, como de fato tem gerado,
a no~ao erronea do signo como uma entidade fechada,
pre-construlda, e estatica. 0 modelo glossematico, em con-
traposi~ao, concebe essa entidade como uma unidade de
configura9iio; em virtude disso, a forma do conteudo de
um signo e indiferente as dimensoes do pIano da expressao
que 0 manifesta. :£ verdade que esse mesmo entendimento
basico do signa era 0 de Saussure tal .coma se pode" ver nos
papeis ultimamente publicados, principalmente os qnegiram
em tome do problema dos anagramas; mas cS verdade,· tam-
bern, que, ao que· saibamos; semeIhantes ideias sac 0 fruto
de uma medita~aosobre textos, sintomaticamente" poeticos,
Ievada a· cabo no espa~o de varios anos, nao se podendo
afinnar com exatidao que elas estivessem suficientemente
amadurecidas a epoca· da gesta~ao do Curso de LingUIstica
Geral. A medida que se tomem melhor conhecidos os me-
ditos dispersos de Saussure, estarnos firmementeconvencidos
de que acabara por se impor a necessidade derevisao da
imagemde urn Saussure pioneiro da lingiifstica frasal para
que se reconhe~" nele, ao lado e alem: disso, a imagem de
urn. Saussure pioneiro da lingllistica transfrasal _. essa mo
falada quao mal com,preendida lingilistica textual de nossos
dias, cujos fundamentos repousam precisamente nessa dinami-
cidade inerente a n~6 das rela~es funcionais assentadas
pela Glossematica.
o particular interesse que 0 estudo do texto, como nive]
lingilistico superior a frase, suscita em nossos dias estriba
no modelo relacional do signa fotmulado pela Glossematica,
mas nio na dire~ao do modelo do signo semdntico ~ ja
intufdo pelos fonnalistas russos aa estudar a linguagem lite-
raria e a linguagem einematograflca. Ao conceber 0 sentido
coma substAncia semantica, a Glossematica descartava, na
,
X PROLEGOMENOS AUMA TEORIA DA LINGUAGEM
primeira etapa da suaformaliza~ao, representada pelos
Prolegomenos, a possibilidade da eonstru~ao de urn modelo
do signo semantico, que so se insinuani em estudos poste-
riores do mesmo Hjelmslev, numa etapa em que ele se da
conta de que a substancia pode ser incluida no ambito da
Lingiiistiea como algo semiotieamente formaIizavel. Nesse
instante, precisamente, nasce a reivindica~ao de uma seman-
tiea estrutural, reivindica9ao essa que eonstitui 0 .titulo de
urn. de seus mais notaveis ensaios "Pour une semantique
structurale", de 1957.
A esta altura do seculo pode-se aquilatar melhor da
importancia dos Prolegomenos, de Hjelmslev, quando 0 foca-
Iizamos, assim, na sua eondi~ao de mediador entre 0 pio-
neirismo genial de Saussure e 0 estruturalismo vanguardista
de Greimas; os tres formam como que uma tradi9ao pautada
em referencias mutuas.
Sao Paulo, maio de 1975, ana do d6cimo
aniversario da morte de Louis Hjelmslev.
Eduardo Peiiuela Cafiizal
Edward Lopes
·r
1. Estudo da Linguagem
e Teoria daLinguagem
A linguagem - a fala humana - e uma inesgotavel
riqueza de mUltiplos valores. A linguagem e inseparavel
dohomem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem
e <> instrumento gra~as ao qual 0 homem modela seu pen-
samento, seus sentimentos, suas emo~5es, seus esfor~os, sua
vontade e seus at08, 0 instrumento gra~as ao qual ele in-
flueneia e e influeneiado, a base Ultima e mais profunda da
sociedade humana. Mas e tambem 0 reeurso Ultimo e
indispensavel do homem, seu rerugio nas horas solitlirias
em que 0 esp1rlto luta corn a existencia, e quando 0 con-
flito se resolve no monologo do poeta e na medita~ao do
pensador. Antes mesmo doprimeiro despertar denossa
consciencia, as palavras ja ressoavam a nossa volta, pronras
para envolver os primeiros germes fnigeis de nosso pensa-
menta e a nos aeompanhar inseparavelmente atraves da
vida; desde as mais humildes ocupa~6es da vida quotidiana
aos momentosmais sublimes e mais intimas dos quais a
vida de todos os .dias retira, gra~as as lembran~as enear-
nadas pela linguagem, for~ e calor. A linguagem nao e
urn simples acompanhante, mas sim urn fio profundamente
tecido oa trama do pensamento; para 0 individuo, ela e
o tesouro damemoria e a consciencia.vigilante· transmitida
de pai para fI1ho. Para 0 bem e para 0 mal, a fala e a
marea da persanalidade, da terra natal e da na~aa, a titulo
de nobreza da humanidade. 0 desenvolvimento da lingua-
gem esta tan inextricavelmente ligadoaa dapersonalidade
de cadaindividuo, da terra natal,da iJ.a~ao, da humanidade,
da propria vida, que e passivel indagar-se se ela nao passa
2 PROLEGOMENOS A UMA TEORIADA LINGUAGEM
de urn simples refLexo ou se ela nao e tudo isso: a propria
fontedo desenvolvimento dessas coisas.
:B por isso que a linguagem cativou 0 homem enquanto
objeto de deslumbramento e de descri~ao, na poesia e na
ciencia. A ciencia foi levada aver na linguagem seqiien-
cias de sons e de movimentos expressivos, suscetiveis de
uma descri~ao exata, ffsica e fisio16gica, e cuja disposi~ao
forma signos que traduzem os fatos da consciencia. Pro-
curou-se, atraves de interpreta~6es psicologicase logicas,
reconhecer nesses. signos as flutua~6es da psique e a cons-
tfulcia do pensamento: as primeiras na evolu~ao e na vida
caprichosa da Ilngua; a segunda, em seus pr6prios signos,
,dentre os quais distinguiu-se a palavra e a frase, imagens con-
cretas do conceito e do juizo. A linguagem, como sistema de
signos, devia fornecer a chave do sistema conceitual e a da
natureza psfquica do homem. A linguagem, coma institui9ao
social supra-individual, devia contribuir para a caracteriza~o
da na~ao; a linguagem, corn suas flutua~oes e sua evolu~ao,
,devia abrir caminho ao conhecimento do estilo da persona-
Iidade e ao conhecimento das longfnquas vicissitudes das
gera90es desaparecidas. A Iinguagem ganhava assim uma
posi~ao-chave que iria abrir perspectivas em muitas dire-
90es.
Assim considerada, e mesmo quando e objeto da cien-
cia, a linguagem deixa de ser urn fim em si mesma e toma-se
urn meio: meio de urn conhecimento cujo objeto principal
reside fora da propria linguagem, ainda que seja o· Unico
caminho para chegar ate esse conhecimento, e que se ins-
pira em fatos estranhos a este. Ela se toma, entao, 0 meio
de urn. conhecimento transcendental - no sentido pr6prio,
etimo16gico do termo - e DaD 0 fim de urn conhecimento
imanente. :B assim que a descri~ao ffsica e fisiologica dos
sons da Iinguagem corre 0 risco de cair no ffsico e no
fisio16gico puros,e que a descri~ao psico16gica e 16gica dos
signos .- isto e, das paIavras e das frases - reduz-se facil-
mente a uma psicologia~ uma J6gica e uma 6ntologia'puras~
perdendo de vista, corn jsso, seu ponto de partida lingiHstico.
A hist6ria 0 confirma. E ainda quenao fosse esse 0 caso,
os fenomenos ffsicos, fisio16gicos, psico16gicos e 16gicos. en-
quanto tais nao constituem a propria linguagem, mas .sim _
apenas aspectos aela exteriores, fragmentarios, .escolhidos
como objetos de estudo nao tanto porque interessam a
linguagem quanta porque abrern dominios aos quaisesta
permite chegar. Encontra-se a mesma atitude quando, ba- .
seando-se em tais descri95es, a pesquisa lingii~sticaatribui-se
como objeto a compreensao da sociedade humana e a re-
constitui~ao das rela~oes pr6-hist6ricas entre pavos e na~pes.
"
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ESTUDO DA LINGUAGEM E TEORIA DA LlNGUAGEM 3
Isto e dito nao para diminuir 0 valor de tais pontos
de, vista nern de tais ernpreendimentos, rnas sim corn Q obje-
tivo de chamar a aten9ao para urn perigo, 0 perigo que
consiste em apressar-se demasiado na dire9ao do objetivo
fixado pela pesquisa e, corn isso, negligenciar a propria
linguagem, que e 0 meio de atingir esse objetivo. Na rea-
lidade, 0 perigo reside no fato de que a .linguagem quer
ser ignorada: e seu destino natural 0 de ser um meio e
nao urn fim, e e s6 artificiaImente que a pesquisa pede ser
dirigida para 0 pr6priomeio do conhecimento.- Isso e
vaIido na vida quotidiana, onde normalmente a linguagem
nao atravessa -0 umbra! da consciencia; mas isto e iguaI-
mente verdadeiro na pesquisa cientffica. Ha ja algum tempo
se compreendeu que, ao Iado da filologia, que deseja en-
contrar no estudo da lingua e dos textos 0 meio de atingir
uma consciencia literaria e historica, ha Iugar para uma
Iingiifstica que se constitua no proprio objetivo desse estudo.
Mas, do projeto a sua realiza9ao 0 caminho era bem longo.
Mais' uma vez, a linguagem deveria desapontar seus admira-
dores cientfficos, pais a historia e a compara9ao genetica
das lfnguas, que se tomaram 0 objeto essencial da lingiiistica
tradicional, nao se atribuiam nem par objetivo nem por
resuItado 0 conhecimento da natureza da linguagem, a qual
naopassava de urn meio para chegar-se ao estudo das
sociedades e aD estudo dos contatos entre os povos nas
epocas hist6rica e pre-historica. Mas, aqui tambem 0 que
se tem e filologia. Sem duvida acredita-se, quando se trata
da tecnica intema de compara9ao das Iinguas, estar lidando
corn a propria lingua, mas isto e ilusao. Nao e a pr6pria
lingua, mas seus disiecta membra, que nao permitem apreen-
der a totalidade que e a Ifngua; urn tal metodo alcan9'a as
contribui90eS fisicas e fisio16gicas, psico16gicas e 16gicas, so-
cio16gicas e hist6ricas da lingua, mas nao a pr6pria lingua.
A fim de construir uma' lingiiistica deve-se proceder
de outro modo. Esta nao deve ser nem uma simples cien-
cia auxiliar, nem uma ciencia derivada. Essa lingilistica
deve procurar apreender a linguagem nao como um conglo-
merado 'de fatos nao lingiifsticos (fisicos, fisio16gicos, psico-
16gicos, 16gicos, socioI6gicos) ,mas sim como urn todo que
se basta a si mesmo, uma estrutura sui generis. :a s6 deste
modo que a linguaenqllanto tal podera ser submetida a urn
tratamento cientfficoe deixar de nos mistificar ac escapar
a nossa observa9ao.
A importancia deste modo deproceder sera avaliada
a longo praza nas repercussoes que obtiver sobre os diversos
pontos de vista transcendentais, sabre as ftlologias e sobre
a assim chamada lingillstica tradicional. Os resultados
desta nova lingiHstica permitiriam, entre outros, estabelecer
.
4 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
uma base homogenea de comparac;ao das linguas ao fazer
desaparecer 0 particularismo na criagao dos conceitos (par-
ticularismo este que e 0 principal escolho da filologia) e
. apenas esta base e que tomara passivel uma lingliistica
genetica racional. Quer se identifique a estrutura da lin-
guagem corn a da existencia ou que se veja nela apenas
urn reflexo desta, mais ou rnenos deformado, a curtoprazo
e atraves de sua contribuigao a epistemologia geral que a
lingiiistica revelara, de modo inconteste, sua importancia.
o trabalho preliminar de uma tal lingiiistica consiste
em construir uma teoria da linguagern que formule e des-
cubra as prernissas dessa Iinguagem, que indique seus
metodos e fixe seus caminhos.
o presente estudo constitui os prolegomenos de uma
tal teoria.
o estudo da Iinguagem, corn seus objetivos multiplos
e essencialmente transcendentais, tern muitos adeptos. A
teoria dalinguagem que se quer exclusivamente imanente,
pe10 contrmo, quase nao os tern. A respeito desta colo-
cagao, nao se deve confundir teoria da linguagem corn
filosofia da linguagem. Como qualquer outra discipIina
cientffica, 0 estudo da linguagem conheceu, no decorrer de
sua hist6ria, tentativas fiIos6ficas que procuravam justificar
seus metodos de pesquisa; 0 interesse atribuido, nestes ulti-
mos anos, aos fundamentos da ciencia e tal que certas
escolas de lingiiistica transcendental acreditam mesrno ter
encontrado os sistemas de axiomas sabre os quais se baseia
esse estudo 1• Todavia, e extremarnente raro que essas es-
pecula<;oes da filosofia da linguagem atinjam uma tal precisao
e que sejamefetuadas· numa esca]a arnpla, de modo siste-
matico, por pesquisadores que tenham urn conhecimento
suficiente da lingliistica eda epistemologia. Na maior
parte do tempo,tais especu]agoes sac subjetivas, e e por
isso que nenhuma delas, salvo talvez quando de uma moda
passageira, cODseguiu reunir a s"Ua volta urn grande Dlimero
de defensores. Portanto, e impossivel tra~ar 0 desenvol-
vimento da teoria da linguagern e escrever suahist6ria:
falta...Jhe acontinuidade. Por causadisso, todo esforc;o no
senlido deAormularnmateoriada linguagem viu-se desa-
.creditadoe·.cOnsiderado como uma _va filosofia, um diletan-
tismo matizado de apriorismo. Essa condena~ao, _alias,
parece justificada .pois, nesse dominio, diletahtismoeaprio-
rismotem prevalecido a tal ponto que e muitas vezes dificil,
do exterior, distinguir 0 verdadeiro do falso. 0 presente
1. BLOOMFIELD, Leonard. "A set of postulates for the science of langua-
ge" (Language n, 1926, pp. 153-164). BWLER, Karl. Sprachtheorie, Iena,
1934. Idem, "Die Axiomatik der Sprachwissenchaften" (Kantatudien XXXVIII,
1933, pp. 19-90).
ESTUDO DA LINGUAGEM E TEORIA DA LINGUAGEM 5
estudo gostaria de contribuir para que se reconhecesse que
tais caracteristicas DaO sac necessariamente inerentes a toda
tentativa de lan9ar as bases de uma teoria da linguagem.
Sera mais facil chegar a ela se houver urn esfor90 por esque-"
cer 0 passado e de fazer tabula Tasa de tudo aquilo que nada
fomeceu de positivo e que pudesse ser utilizado. Em
grande parte nos apoiaremos no material recolhido pela pes-
quisa IingiHstica anterior, material este que, reinterpretado,
constituini 0 essencial da teoria da linguagem. Aderimos
explicitamente ao passado em certos pontos a respeito dos
quais sabemos que outros conseguiram resultados positivos
antes de nos.. Urn timeo te6rico merece ser citado como
pioneiro indiseutfvel: 0 sui~o Ferdinand de Saussure 2.
Urn trabalho muito importante, preparatorio da teoria
da linguagern aqui exposta, foi realizado em colabora~ao
eom alguns rnembros do Circulo Lingtiistieo de Copenhague,
particularmente corn H. J. Uldall, entre 1934 e 1939.
Algumas diseussoes na Sociedade de Filosofia e de Psicolo-
gia de Copenhague, hem como muitas trocas de pontos de
vista eom J~rgen J~rgensen e Edgar Tranekjaer Rasrnussen,
foram-nos extremamente preciosas no desenvolvimento de
nossa teoria. No entanto, 0 autor declara-se 0 tinieo res-
ponsavel poresta obra.
2. SAUSSURE, Ferdinarid de. Cout's de linguistique generale. Paris, Ch.
Bally le AIb. Sechehaye, 1916; 2. ed. 1922, 3. ed. 1931, 1949.
,
2. Teoria da
Linguagem e Humanismo
Uma teoria que proeUIa a estrutura espeeffiea da lin-
guagem eom a ajuda de urn sistema de premissas exc1usiva-
mente formais deve necessariamente, ao mesmo tempo em
que leva em eonta asflutua~6es e as mudan~as da fala,
recusar atribuir a .tais mudan~s um papel preponderante;
deve procurar uma constancia que nao esteja enraizada
numa "realidade" extralingUfstica; uma constancia que fa~a
com que toda lingua seja linguagem, seja qual for a lfngua,
e que uma determinada lingua permane~a identica a si mesma
atraves de suas manifesta~6es mais diversas; uma constancia
que, uma vez encontrada e descrita, se deixe projetar sobre
a "realidade" ambiente seja qual for a natureza desta (flsica,
fisio16gica, psico16gi:ca, 16gica, ontol6gica) de modo que esta
. l'realidade" se ordene aD redor do centrode referencia que
e a linguagem, nao mais como um conglomerado, mas soo,
como urn todo organizado que tern a estrutura lingilistica
como princfpio dominante.
A proeura de uma tal constanciaconcentrica e global
sechocara inevitavelmente corn uma certa tradi~ao huma-
nista que, sob diversas formas, ate agora predominou na
lingilistica. Em sua forma extremada, esta tradi9ao nega
a priori a existencia da constancia ea legitimidade e sua
proeura. Esta .. tradi9ao quer que os fenomenos· humanos,
.contrariamente aDs fenomenos da natureza, sejam singulares,
individuais, nao podendo portanto nemser submetidos, coma
os danatureza, a metodosexatos, nem ser generalizados.
Por conseguinte, urn outra metodo. deveria ser aplicado ao
..
8 PROLEGOMENOS A UMA TEORIADA LINGUAGEM
domfnio das disciplinas humanas ; SO se poderia utilizar a
descri~ao, 0 que seria aproximar-se mais da poesia do que
da ciencia, e, de qualquer forma, seria necessario Iimitar-se
a uma apresenta~ao discursiva dos fenomenos sem· nunca
os interpretar de modo sistematico. Esta tese foi erigida
em doutrina no domfnio da historia, e parece ser a base da
hist6rla em sua forma tradicional. Do mesmo modo a
Iiteratura e as artes, domfnios eminentemente humanistas,
so produziram descri~es diacronicas e na maior parte do
tempo subtrafram-se a amilise sistematica. Em certos do-
minios, e verdade, pode-se distinguir uma tendencia para
a sistematiza~ao; mas tanto a hist6ria quanto as ciencias
humanas em seu conjunto parecem estar ainda longe de
reconhecer a Iegitimidade e a possibilidade de urn metodo
cientifico.
Em todo caso, parece legitimo propor a priori a hip6-
tese de que a todo processo corresponde urn sistema que
permite analisa-Io e descreve-Io atraves de um numero res-
trito de premissas. Deve ser possiveI considerar todo
processo como composto por um numero Iimitado de ele-
mentos que constantemente reaparecem em novas combina-
c;5es. Baseando-se na an31ise do processo, deveria ser
possivel reagrupar esses elementos em classes, sendo cada
cIasse definida pela homogeneidade de suas possibiIidades
combinatorias, e a partir dessa cIassificac;ao preliminar de-
veria ser igualmente possfvelestabeIecer urn c8.lculo geraI
exaustivo das combinac;6es possfveis. Assim entendida, a -
hist6ria superaria o. estadio primitivo da simples descric;ao
e se constituiria em ciencia sistematica, exata, generaliza-
dora: sua teoria permitiria predizer todos os eventos pos-
sfveis (isto e, todas as combina<;6es posslveis de elementos)
e as condic;5es de realizac;ao de tais eventos.
Parece inconteshivel que enquanto as ciencias humanas
.nao assumirem uma tal teoria como hip6tese de trabalho
negligenciaraoa mais importante de suas tarefas, que e a
de procurar constituir 0 humanismo em objeto de ciencia.
Deveriaser compreendido que se deve, na descri~ao dos
fenomenos humanos,· escolher entre poetica e ciencia; ou,
melhor, entre apenas 0 tratamento poetico de urn lado e,
do outro, a atitude poetica e a atitude cientffica compreendi-
das como duas formas coordenadas de descri~ao; deveria
ser entendido tambem que, nesse ponto, a escolha depende
de uma verificac;ao da tese sobre a existencia do sistema que
subentende 0 processo.
A priori, a linguagem parece ser urn domfnio no qual
a verifica~ao dessa tese poderia dar resultados positivos.
Uma descri~ao puramente discursiva dos eventos lingiilsticos
TEORIA DA LINGUAGEM E HUMANISMO 9
tern poucas possibilidades de despertar grande interesse; e
deste modo sempre se sentiu a necessidade de urn ponto de
vista suplementar e sistematizador: corn efeito, atraves do
processo tal como ele se realiza no texto, procura-se urn.
sistema fonoI6gico, urn sistema semantico e um sistema gra-
matical. Mas a lingilistica, cultivada ate agora pelos fil61o-
gos hurnanistas que se determinarn objetivos transcendentais
e que repudiarn qualquer sistematica, nern. expIicitou a.s
premissas nem procurou urn princfpio homogeneo de ami-
Iise, e corn isto a lingilistica permaneceu irnprecisa e subje-
tiva, sub~e~da pela estetica e peIa rnetaffsica, para nao
mencionar os inumeros casos em que eIa se entrincheirou
numa simples descri~ao aned6tica.
o objetivo da teoria da Iinguagern e verificar a tese
da existencia de urn sistema subjacente ao processo, e a
tese de uma constancia que subentende as f1utua~es, e
aplicar esse sistema a urn objeto que parece prestar-se a isso
de modo particular. Os argumentos que se poderiam
adiantar contra semelhante tentativa do dominio do humano,
invocando que a vida espiritual do homem e os fenomenos
que a constituem nao poderiam ser objeto de uma anaIise
cientffica sem que se mate· essa vida e que, por conseguinte,
o proprio objeto da anaIise se subtraia a observa~ao, sac
apenas argumentos aprioristicos que .nao podem desviar a
ciencia de seu empreendimento. Se este fracassar -.- nao
no detalhe de sua execu~ao, mas em seu proprio priricfpio
- asobj~es humanistas serao entao legitimas, e os
objetos humanos. daf por diante so poderao ser submetidos
a urn. tratamento subjetivo e estetico. Em compensa~ao,
se essa experiencia for bem sucedida, de modo que seu
princfpio se mostre aplicaveI, as obje~oes cairao por si
niesmas, e tentativas al13.logas deverao ser entaD efetuadas
em outras ciencias· humanas.
3. Teoria da
Linguagem e Empirismo
Uma teoria, para ser a mais simples possfvel, s6 deve
elaborar a partir das premissas que sejam necessariamente
exigidas por seu objeto. Alem do mais, para permanecer
fiel a seu objetivo, ela deve, em suas aplica~es, conduzir
a resultados· conformes aos "dados da experiencia", reais ou
que assim se presumam.
Essa e uma exigencia metodo16gica com a qual toda
teoria se ve confrontada, e cujo sentido cabe aepistemologia
pesquisar. Nao pretendemos, aqui, abordar esse problema.
Cremos satisfazer as exigencias acima esbo~adas a respeito
do assbn chamado empirismo ao adotar esse princfpio, que
prima sobre todos os outros e pelo qual a teoria da lingua-
gem ja se distingue nitidamente de todos os empreendimentos
da filosofia da Iinguagem:
Adescri~ao deve ser MO cantraditoria~ e~iva e
fao simples quanta possivel. Aexigencia da Mo contradi-
~iio· prevalece sobre a da ·descrifao exaustiva~ e· a exig2ncia
do descrifao exaustiva prevalece sabre:a, exig2ncia de sim-
. plicidade.
Assumimos 0 risco ·de denominar esseprincfpio de
princtpio do empirismo, mas estamos preparadospara aban-
donar esse termo se a epistemologia, examinando-o, consi-
dera.-Io impr6prio. Trata-se apenas de uma .questio de
terminologia que nao afeta em nada a manuten~o do prin-
cipio..
r
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.\
tt .
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4. Teoria da
Linguagem e Indut;ao
A assen;ao de nossoprincfpio do empmsmo nao nos
toma, de modo algum, escravos do metodo· indutivo, se se
entender por isso a exigencia de uma passagem gradual do
particular para 0 geral, ou de urn objeto limitado para outro
que 0 seja menos. Encontramo-nos novamente diante de
termos cuja anilise e detenninac;ao cabem a epistemologia,
mas que, mais tarde, teremos ocasiao de utilizarnum sen-
tido mais precise do queaquele que aqui Ihes podemos
atiibuir. Ha, ainda aqui, urn. problema termino16gi.co que
teremos de resolver corn a colaborac;ao daepistemologia.
Mas, porenquanto, trata-se apenasde detenninar nossa
posic;aofrente a lingilistica anterior. Esta se caracteriza
tipicamente pela elaborac;ao de uma hierarquia de conceitos
que vai dos sons- particularesao fonema (c1asse de sons),
dos fonemas particularesas eategorias de fonemas, dos di-
versosseniidosa significac;iio geral ou fundamental e, enfim,
as categorias deSignifica~es. Tern-se ohabito, na lingiils-
tiea, de nestecaso falarem indUfiio. :£posslvel defini-la .
em poueas palavras eomo a passagem do componente para
a classe e nao da classe para 0 eomponente: :a urn movi-
mento que sintetiza ao inves de analisar, que generaliza ao
inves de especificar.
A experienc1a poe em evidencia os inconvenientes de
urn tal metodo. Este eonduz inevitavelmente a extrac;ao de
coneeitos hipostasiados como sendo reais. Esse realismo
(no sentido medieval do termo) nao fomeee uma base
utilizavel para a compara~ao, dadoque os eonceitos assim
14 PROLEGOMENOS· A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
t
It
obtidos nao tern valor geral eso se aplicam a urn determi-
nado estagio de uma dada lingua. .A terminologia tradi-
cional cornpleta mostra 0 fracasso desse realisrno: as
classifica~6es da gramatica indutiva, tais coma "genitivo",
"perfeito", "subjuntivo","passivo" etc., sac exernplos nota-
veis desse fato. Nenhum desses termos, em sua acep~ao
corrente, e suscetivel de uma defini9ao geral. Genitivo,
perfeito, subjuntivo e passivo abarcam fenomenos inteira-
mente diferentes em duas linguas como, por exemplo, °
latim e 0 grego. Todos os conceitos da lingiiistiea tradicio-
nal, sem exce~ao alguma, estao neste mesmo easo. A
indu~ao, neste campo, nao leva das flutua96es aeonstaneia,
mas apenas das flutua~6es ao acidental. Em Ultima anaIise,
o metodo indutivo entra em conflito eom ° principio de
empirisrno que formulamos: ele nao permite que se realize
uma descri~ao nao contraditoria e simples.
Se se pretende partir dos dados supostos da experien-
cia, e exatamente 0 procedimento inverso que se imp5e.
Se e possive! falar em dados (colocamos essa frase no
condicional por raz6es epistemo16gicas) , esses dados sao,
para 0 ·lingilista, 0 texto em sua totalidade absoluta e nao
analisada. 0 unico procedimento possivel para isolar 0
sistema que esse texto subentende e urna amilise que con-
sidera 0 texto coma uma classe analisavel em componentes;
estes componentes sao, par sua vez, considerados coma
classes analisaveis em componentes, e assim por diante ate
a exaustao das possibiIidades de ancilise. :e possivel defi-
nir rapidamente esse procedimento como sendo uma passa-
gem da classe ao cornponente, e nao como no procedimento
contrmo. E urn movimento que analisa e espec~ica e nao
urn movirnento que sintetiza e generaliza, 0 contrano do
empreendimento indutivo tal como 0 conhece a lingiiistica
tradicional. A lingilistica contemporanea, que ilustra essa
oposi93.0, designou esse procedimento, e outros que lhe sac
,mais ou menos anaIogos, com 0 termo dedu9iio. Sabe-se,
por experiencia, .que· esse termo choea os epistem6logos,
mas mesmo assim 0 conservamos na esperancra de provar,
posteriormente, que esta contradi~ao terminol6gica nada
tern de insuperavel.
5. Teoria da
Linguagem e Realidade
Corn a terminologia que escolhemos pudemos caracte-
rizar 0 metodo da teoria da linguagem como sendo neces-
sariamente empfrico e dedutivo, e desse modo pudemos
lan~ar luz sobrea questao fundamental das rela~6es entre
a teoria da Iinguagem e aquilo a que se denomina "os dados
da experiencia". No entanto, resta ainda esc1arecer esta
mesma questao a partir de urn outro ponto de vista, isto e,
resta procurar 0 sentido unilateral ou recfproco das influen-
cias pOsslveis entre a teoria e seu objeto (ou seus objetos).
Formulando 0 problema de urn modo simplista, tendencioso
e voluntariamente ingenuo: cS 0 objeto que determina e afeta
a teoria ou e a teoria que determina e afeta seu objeto?
Mais uma vez temos de recusar 0 problemapuramente
epistemol6gico em seu conjunto; ater-nos-ernos aqui ao
unico aspecto sob 0 qual ele se nos coloca. Sabemos
muito bem que 0 termo teona, mal empregado e desacredi-
tado, pode ser compreendido de· diversas maneiras. Entre
outras coisas, pode designar um sistema de hip6teses. Neste
sentido, freqiientemente utilizado. em nossos dias, e fora de
duvida que a rela~ao de influencia entre a teoria e seu
objeto cS unilateral: cS 0 objeto que afeta e determin,a a
teoria, e nao 0 inverso. A hip6tese, depois de confrontada
com 0 objeto, Pede revelar-se verdadeira ou ·falsa.. Ja
deveria ser evidente que,de n08s,1 parte, empregamos a
termo teorm num sentida diferente. Dais fatores tern, aqui,
igual· importancia:
16 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
1. A teoria, em si mesma, nao d~pende da experien-
cia. Em si mesma, nada ha que indica que tera ou nao
apliea~oes relaeionadas corn os dados da experieneia. Em
si mesma, ela nao impliea nenhum postulado de existencia.
Ela eonstitui aquilo que se denominou de sistema dedutivo
puro, no sentido em que e a teoria, e ela apenas, que, a
partir das premissas por ela enunciadas, permite 0 ealculo
das possibilidades que resultam destas premissas.
2. 0 tearieo sabe, por experiencia, que eertas pre-
missas enunciadas na teoria preenchem as eondi90es neees-
sarias para que esta se aplique a certos dados da experiencia.
Estas premissas sac tao gerais quanto possivel e podem ser,
assim, aplicaveis a urn grande numero de dados da
." .
expenencIa.
A fim de caraeterizar estes dois fatores, diremos que
a teoria, no primeiro easo, e arbitraria, e no segundo, ade-
qUada (ou conforme a seu objetivo). Pareee necessario
. ineorporar estes dois fatores na elabora~ao de toda teoria.
Todavia, daquilo que foi exposto decorre que os dados da
experieneia TIunea podem confirmar ou contrariar a validade
da propria teoria, mas sim, apenas, sua aplicabilidade.
A teoria permite que se deduzam teoremas que devem
ter todos a forma da implicaC;ao (no sentido 16gico desse
.termo) ou poder serem transpostos para uma forma con-
dicional dessa relaC;ao. Urn tal teorema enuncia simples-
mente que, se uma. condic;ao for preenchida, pode-se
concluir pela verdade da proposiC;ao. A aplicaC;ao·da· teoria
mostrara se a condiC;ao e preenchida no easo considerado.
A teoriae os teoremas que dela sac deduzidos per-
mitem, por sua vez, .el~borar hip6teses (entre as quais, as
leis) cuja validade, eontrariamente a da teoria, depende
exclusivamente de sua verifica~ao.
Os termos axioma e postulado. nao foram aqui men-
cionados. Deixamos para a epistemologia 0 trabalho de
decidirse nossa teoriaexige que proposi~oes desse tipo
estejam na base das premissas que explicitamente enuncia-
mos. As premissas da teoria da linguagem remontam tan
longe que tais axiomas pressupostos teriamuma tal gene-
raUdade que nenhum deles poderia ser especffico a teoria da
linguagem . em oposiyao a outras teorias. :e que nosso
objetivo e justamenteo de remontar tan longe quanto
possiveI na dire9ao dos principios fundamentais, sem corn
iS80 ultrapassar aquilo que nos pareee diretamente utilizavel
para a teoria da linguagem. Esta atitude nos obriga a in-
vadir 0 dominio da epistemologia, tal como 0 fizemos nos
TEORIA DA LINGUAGEM E REALIDADE 17
t
panigrafos anteriores. Isto na convicC;ao de que nenhuma
teoria cientffica pode ser elaborada sem uma colaborac;ao
ativa com a epistemologia.
A teoria da linguagem, portanto, define assim sobera-
namente seu objeto ao estabelecer suas premissas atraves
de urn procedimento simultaneamente arbitnirio e adequado.
A teoria consiste num caIculo cujas premissas sac em numero
tan restrito e sac Hio gerais quanto possivel e que, na
medida em que tais premissas sao espedficas a tal teoria,
nao parecem ser de natureza axiomatica. Este caIculo
permite prever possibilidades, mas de modo algum se
pronuncia a respeito da realizaC;ao destas. Deste ponto
de vista, se relacionarmos a teoria da linguagem com a rea-
lidade, a resposta a questao que consiste em saber se 0
objeto determina e afeta a teoria, ou se e ° contrano, e
dupla: em virtude de seu can~.ter arbitr3rio, a teoria ea-rea-
lista; em virtude de seu caniter adequado, ela e realista
(atribuindo a este termo seu sentido modemo e nao, coma
mais acima, seu sentido medieval).
·--, ~I
I
j
-........ -........ , ~ ,.".. --
6.0bjetivo da
Teoria da Linguagem
:£ passivel dizer, portanto, que um]l teoria - no
sentidoem que entendemos esse termo - tem por objetivo
elaborar urn procedimento por meio do qual se possa des-
crever, nio contraditoriamente e exaustivamente, objetos
dados de uma suposta natureza. Uma tal descri~io permite
:" aquilo que se tem por habito denominar reconhecimentoou
j compreensio do objeto em questao; do mesmo modo po-
l demos dizer, sem corrermos 0 risco de errar ou de sermosI obscuros, que a teoria tem por objetivo indicar urn metodo
de reconhecimento ou de compreensio de urn. dado objeto.
Deste modo, a teoria nao pode limitar-se a dar-nos meios
de reconbecer urn determinado objeto; eIa deve, alem dis~o,
ser concebida de modo a permitir a identifica~o de todos
os objetosconcebfveisda mesma suposta" natureza que 0
objeto dado.Uma teoria deve ser geraI, no sentido em
queela deve pOr a nossa disposi~ao urn. instrumental que
nos permita reconhecer nao apenas urn dado objeto ou
objetos ja submetidos a nossa experiencia como tambem
tOO0808 objeto8 posslveis da mesma natureza supo8ta.
Armamo-nos corn a teoriapara nos: depararmosnaoapenas
corn todas as eventualidades jaconhecidas, ma8 corn qual-
quereventualidade.
A" tepria da linguagem se interessa peIo texto, e seu
objetivo ~.". indicar umprocedimento que" permita 0 reco-
nhecimento .de urn" dado texto por meio de uma descri~ao
nao contradit6ria" e exaustiva do mesmo. Masela deve
tambem mostrar como e posslveI, do mesmo modo, reco-
~ ,_" - • ._ ......... __ .'-.:---_.'-... _., ... '.,,It.-. '\-.-::l;, .... ;~,"',~.oI"II_~.....
20 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
nhecer qualquer outro texto da mesma natureza suposta,
fomecendo-nos instrumentos utiIizaveis para tais textos.
Exigimos da teoria da linguagem, por exemplo, que
ela pennita descrever nao contraditoriamente e exaustiva-
. mente nao apenas todos os textos dinamarqueses existentes
come tambem todos os textos dinamarqueses possiveis e
concebiveis - mesmo os textos de amanha, mesmo aqueIes
que pertencem a urn futuro nao definido - na medida
em que forem da mesma suposta natureza dos textos ate
aqui considerados. A teoria da linguagem satisfaz esta
exigencia ao basear-se nos textos dinamarqueses que existem;
a extensao e a quantidade destes sao tais que esta teoria,
de fato, tern de contentar-se com uma sele¥Ro desses textos.
Ora, gral;as a nossos instrumentos te6ricos, essa simples se-
lel;ao de textos permite constituir urn fundo de conheci-
mentas que por sua vez podeni ser aplicado a outros textos.
Estes conhecimentos dizem respeito, naturalmente, aos pro-
cessos ou textos de que foram extraidos; mas nao reside
.nesse panto. seu interesse unico e essencial: tais conheci-
mentos dizem respeito tambem ao sistema ou lingua a partir
da qual se elabora a estrutura de todos os textos de uma
mesma suposta natureza, e que nos permite construir novas
textos. Gra~as aos conhecimentos lingliisticos assim obti-
dos, poderemos elaborar, para uma mesma lingua, todos os
textos concebiveis ou teoricamente posslveis.
Todavia, nao basta que a teoria da linguagem permita
descrever e elaborar todos os textos possiveis de uma dada
lingua; e necessario ainda que, sabre a base" dos conheci-
mentos que a teoria da Iinguagem em geral contem, .essa
teoria possa fazer a mesma coisaem relal;ao a.todos os
textos de quaIquer outra Hngua. Ainda uma vez 0 te6rieo
.da Iinguagem s6 pode satisfazer essa exigencia se tomar
por ponto de partida uma sele~ao restrita de textos que
pertellcem a diferentes Ifnguas. Percorrer todos os textos
existentese, naturaImente, humanamente impossiveI, e sena
deresto inutil uma vez que a teoria tambem deve ser vaIida
para textos que ainda· nao estao reaIizados. 0 lingilista,
como quaIquer outro· te6rieo, deve portanto ter a preeaul;ao
de prever todas as possibilidades· concebfveis, incIuindo-se
aqui aqueles .que· san ainda deseonhecidas e as que nao
estao realizadas. Deve admiti-Ias na teoria de tal modo
. que esta se apIique a textos e a Iinguas que ele ainda nao
eneontrou, e dos quais talvezalguns nunta- se realizem.
Somente deste modo e que ele pode estabelecer uma teoria
da Iinguagem cuja aplicabilidade sejacerta.
Essa ea razao pela quale necessario -assegurar a apli-
eabilidade da teoria, e cada aplica~ao necessariamente a
pressup6e. Mas e da maior importancia nao eonfundir a
.~ -I
1
I
j
\
l
i
,
,
,
~
I
j.
i
~, ""'.... .. -
OBJETIVO DA TEORIA DA LINGUAGEM 21
teoria corn suas aplica~5es ou corn 0 metodo pnitico de
apIica~ao. A teoria conduzira a urn. procedimento, mas
urn "procedirnento de descoberta" (pratico) DaO sera ex-
poste nesta obra que, em termos estritos, nao apresenta
a teoria sob uma forma sistematiea, mas apenas seus pro-
legomenos.
Em virtude de sua adequa9ao, a teoria da linguagem
realiza urn trabalho empmco; em virtude de seu carater
arbitnirio, realiza urn trabalho de caIculo. Baseando-se em
certos fatos da experiencia - necessariamente limitados,
embora seja uti! que sejam taG variados quanto possiveI -
o tearico empreende, num campo preciso, 0 caIeulo de
todas as possibilidades. Ele baliza arbitrariamente esse
campo isolando propriedades comuns a todos os objetos a
respeito dos quais se esta de acordo em denomina-Ios de
lfnguas, a fim de, em seguida, generalizar essas propriedades
e estabelece-Ias par defini~ao. A partir desse momento
ele decidiu - de urn modo arbitnirio mas adequado -
quais sao os objetos aos quais a teoria pode ser aplicada e
quais aqueles aos quais ele nao 0 pode ser. Todos os
objetos assim definidos sac entao submetidos a urn caIculo
geraI que preve todos os casos conceblveis. Esse caIculo,
deduzido a partir da defini9aO apresentada._ e independente-
mente de qualquer referencia a experiencia, fomeee ° ins-
trumental que permite descrever ou reconhecer urn dado
texto e a lingua sobre a qual ele esta elaborado. A teoria
da linguagern nao pode ser nem verificada, nern confirmada,
nem invalidada atraves do recurso aos textos e as Hnguas
de que trata. Ela so admite urn controle: a nao-contradi-
9ao e a exaustividade do caIculo.
Se 0 caleulo permite estabelecer diversos procedimentos
possiveis que conduzem todos a uma descri9ao nao contra-
dit6ria e exaustiva de urn texto e de uma lingua quaisquer,
deve-se escolher entre esses procedimentosaquele que per-
mitir a descri~ao mais simples. Se varios procedimentos
permitem descri90es cujosresultados tern. 0 mesmo grau
de simpIicidade, deve-se escolher aquele que toma 0 caminho
mais simples. Chamaremos esse principio, que.e deduzido
de nosso princfpio de empirismo, de principio de simplici-
. dade.
Eo unico principio que permite afirmar que tal solu-
9ao nao contradit6riae exaustiva e correta e que tal outra
nao 0 e. };: considerada correta aquela que melhor satisfaz
o principio de simplicidade.
Portanto, e passivel decidir sabre 0 valor da teoria da
linguagem e de suas aplica~oes verificando se 0 resultado
obtido, na medida em que responde as exigencias da
22 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
nao-contradi~ao e da exaustividade, e ao mesmo tempo 0
mais simples possIve!.
Assim, e apenas em rela~ao ao "principio de empiris-
mo" que eIa enunciou que a teoria da linguagem deve ser
julgada. Segue-se que e possIveI imaginar vanas teorias
da linguagem que se aproximam do ideal formulado nesse
principio. Apenas uma deIas deve ser a teoria definitiva,
e toda teoria da Iinguagem apresentada sob uma forma con-
creta aspira a ser exatamente isso. Ora, a teoria da lingua-
gem, coma disciplina, nao se define par sua realiza~ao· con-
creta; deste modo, e igualmente possivel e desejaveI Ye-la
progredir atraves da elaboracao de novas reaIizac6es con-
cretas que se aproximam cada vez mais de seu principio
fundamental.
Nos prolegomenos a teoria, 0 que nos interessa e 0
lado realista desta teoria, a melhor maneira de satisfazer
a exigencia da apIicabilidade. Para isso, sera necessaria
isolar os tra~os constitutivos de toda estrutura lingillstica e
examinar as conseqUencias 16gicas do estabelecimento destes
em d~fini~es.
7. Perspectivas
da Teoria da Linguagem
•
Evitando a atitude transcendental que prevaleceu ate
aqui, a teoria da Iinguagern procura urn conhecimento
imanente da lingua enquanto estrutura especffica que se
baseia apenas em si mesmo (cf. Cap. 1). Procurando uma
constancia no proprio interior da lingua e DaO fora dela
(cf. Cap. 2), a teoria precede inicialmente a uma limita~o
necessaria, mas apenas· nas provisorias, de seu objeto.
Limitac;ao que nao consiste nunca em suprimir nem mesmo
um Unico dos fatores essenciais desta totaIidade global que
e a linguagem.Trata-se apenas de dividir os problemas
e de partir do simples para chegar ao complexo, como 0
exigem a segunda e a terceira regras de Descartes. Nossa
Iimitac;ao resulta simplesmente da necessidade de separar
antes de comparar e do princfpio inevitavel da amllise (cf.
Cap. 4).
A limitac;ao pode ser considerada justificada se mais
tarde permitir uma ampliaC;ao da perspectiva atraves de uma
projec;ao da estrutura descoberta sobre os fenomenos que
lhe sac vizinhos,' de modo tal que sejam explicados de ma-
neira satisfatoria a luz da propria estrutura; e se, apos a
anaIise, a totalidade global da linguagem, sua vida e sua
realidade, podem de novo ser consideradas sinteticarnente,
nao mais como urn· conglomerado acidental de fata rnas
coma urn todo organizado ao redor de urn principio diretor,
e na medida em que se chega a esse ponto que a teoria
pode ser considerada satisfat6ria. A prova disso consiste em
investigar em que medida a teoria corresponde a exigencia
24 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
da descri~ao exaustiva, conforme nosso princfpio de empi-
rismo. Essa prova deve ser feita extraindo-se todas as con-
sequencias gerais do principio estrutural que se escolheu.
E segundo esse principio que a teoria permite a amplia-
~ao das perspectivas. A forma que isto assumini in con-
creto dependera do tipo de objetos que de infcio decidirmos
considerar. Escolheremos partir das premissas da lingiiistica
tradicional, e construiremos inicialmente nossa teoria a
partir da llngua falada dita natural, e apenas dela. A partir
desta primeira perspectiva, os clrculos irao se ampliando
ate que as ultimas consequencias sejam extraldas. A pers-
pectiva sera ampliada vanas vezes, atraves do que aqueles
aspectos excluidos da primeira considera~ao sac novamente
introduzidos e assumem seu lugar num novo conjunto.
8.0 Sistema de Definicoes
. .
A teoria da linguagem, cuja tarefa principal eexpIicitar
- remontando 0 mais longe possivel - as premissas cien-
tificas da lingiiistica, estabelece, corn essa finalidade, um
sistema de defini~6es. :£ necessaria exigir da teoria que
ela evite tanto quanto passIvel toda metafisica, isto e, que
o numero dessas premissas implicitas deve ser reduzido ao
minima. Portanto, os conceitos que ela emprega devem
ser definidos, e as defini~6es propostas devem, por sua vez,
tanto quanto possivel, repousar sobre conceitos definidos.
Na pratica, isso equivale a dizer que e preciso levar as
defini~6es Hio longe quanto possivel, e introduzir por toda
parte definicr6es preliminares antes das que as pressup6em.
~ uti! atribuir as defini~oes que pressupoem outras
defini~oes, e a partir das quais outras defini~oes sac pres-
supostas, urn carater ao mesmo tempo exp]fcito e rigorosa-
mente formal. Elas se distinguem das definicroes realistas
que a lingillstica ate agora procurou formular· na medida
em que ela se interessou por esse empreendiniento. Nao
se trata, de modo algum, nas definir;oes formais da teoria,
de esgotar a compreensao da natureza dos objetos, nem
mesrno de precisar sua extensao, mas apenas .dedetermi-
na-los corn relar;ao· a outros objetos igualmente:.definidos ou
pressupostos enquanto conceitos fundamentais.
Alem das definir;oes formais, as vezes e necessario,
em razao do procedimento de descrir;ao, introduzir, no
decorrer da descri~ao, defini~oes operacionais que represen-
tarn urn papel apenas provis6rio. .Trata-se, de·Urn Jado, de
26 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
definigao que, num eshldio mais avangado, se transformadio
em definig6es formais e, de outro lado, de defini~6es pu-
ramente operacionais cujos conceitos definidos nao estarao
no sistema de definic;6es formais.
Este modo de proceder atraves de definic;6es extensivas
parece dever contribuir para libertar a teoria da linguagem
de axiomas especfficos (cf. Cap. 5). Parece-nos que, em
toda ciencia, a introduc;ao de uma estrategia apropriada de
definic;oes permite restringir 0 numero de axiomas e as vezes
mesmo reduzi-Io a zero. Uma tendencia seria para elimi-
nar as premissas Imp1.fcitas conduz a substituir os postulados
seja par definic;6es, seja por proposic;6es condicionais colo-
cadas teoricamente que fazem desaparecer os postulados
enquanta tais. Parece que, na maioria dos casos, os pos-
tulados puramente existenciais podem ser substitufdos par
teoremas na forma de condic;6es.
9. Principio da Analise
Partindo do texto como dado e procurando indicar 0
caminho para uma descri~ao nao contradit6ria e exaustiva
deste texto atraves de uma ananse - uma passagem dedutiva
de classe para componente e componente de componente
(cf. Caps. 4 e 6) - e necessario que os niveis mais pro-
fundos do sistema de defini~es da teoria da linguagem
(cf. Cap. 8) tratem do principio desta amilise, determinando
sua natureza e os conceitos que dela participam. :a exata-
mente esses primeiros niveis do sistema de defini~6es que
abordaremos quando come~armos a refletir sabre a pracedi-
mento que a teoria da linguagem devera escalher para levar
a cabo sua tarefa.
Como a escolha de uma base de amilise depende de
sua adequa~ao (em rela~ao as tres exigencias contidas no
principio de empirismo), esta esealha variara .conforme os
textos. Portanto, nao pode ser fixada como universal, mas
apenas por urn calculo geral que leva em considera~ao todas
as possibiIidades concebiveis. 0 pr6prio principio da
. amilise, no qual e apenas no qualestamos interessados no
momento, apresenta, pelo contnlrio, aquilo que e universal.
Mas este deve ser conforme .as exigencias .do principio
deempirismo, e no easo e a exigencia de exaustividade que
apresenta 0 maior interessepratico. Deve-se proceder de
modo tal que 0 resultado da amilise seja exaustivo (no sen-
tido mais ample do termo) , e que nao "introduzamos de
"inicio ummetodo que nos impe~a de registrar osfatores que,
atraves de uma ontra anaIise, seriam postos em evidencia
28 PROLEG~MENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
coma pertencentes ao objeto~ que constitui a materia da
lingilistica. Em suma, 0 princfpio da anaIise deve ser ade-
quado.
Segundo 0 reaIismo ingenuo, a anaIise provavelmente
deveria reduzir-se a decupagem de urn dado objeto em
partes, portanto em novos objetos, a seguir divididos estes
em partes, portanto ainda em novos objetos,e assim por
diante. Mas, mesmo neste caso, 0 realismo ingenuo teria
de eseolher entre varias decupagens posslveis. Sera reeo-
nhecido, portanto, sem dificuldades, que no fundo 0 essen-
cial nao e dividfr um objeto em partes, mas sim adaptar
a anaIise de modo que ela seja eonforme as dependeneias
mutuas que existem entre essas partes, permitindo-nos
prestar eontas dessas dependeneias de modo satisfat6rio.
Esse e 0 unico modo de assegurar a adequac;ao desta analise
e dela fazer, segundo a teoria metaffsica do conhecimento,
um reflexo da "natureza" do objeto e de suas partes.
As conseqiiencias dessa constatac;3.o sac essenciais para
que se compreenda 0 principio de anaIise: tanto quanto
suas partes, 0 objeto examinado so existe em virtude desses
relacionamentos ou dessas dependencias; a totalidade do
objeto examinado e apenas a soma dessas dependeneias, e
cada uma· de suas partes define-se apenas pelos relaciona-
mentos que existem 1) entre ela e outras partes coorde-
nadas, 2) entre a totalidaqe e as partes do grau seguinte,
3) entre 0 eonjunto dos relacionamentos e das dependencias
e essas partes. Os "objetos" do realismo ingenuo redu-
zem-se, enUio, a pontos de intersecgao desses feixes de rela-
cionamentos; issosignifica que apenas eles permitem uma
descric;ao dos objetos que nao podem ser cientificamente
definidos eeompreendidos a nao ser desse modo. Os
relacionamentos ou as dependencias que 0 realismo ingenue
considera secundarios e como pressupostos dos objetos tor-
.Q.am-se, para nos, esseneiais: sac a condi~ao necessaria para
que existam pontos de intersecc;3.o.o reconhecimento de fato de que uma totalidade nao
seeompoe de objetos,mas sim de dependencias, e que nao
e sua substancia mas sim os relacionamentos intemos e ex-
temosque tern. umaexistenciacientffica nao e novo, par
certo. No entanto, em lingiilstica parece ser. Postular
objetos como sendo outra cois~ que nao termosde relacio-
namentos e introduzir um axioma superfIuo e umahiptStese
metafisica do qual a lingiilstica tenl de se libertar.
E fato que pesquisas lingliisticas recentes estao a ponto
de reconhecer certos fatas que com a eondi~ao de serem
estudados a fundo, deveriam eonduzir logicamente a esta
concep~ao. Desde Ferdinand deSaussure, freqiientemente
PRINCIPIO DA ANALYSE 29
tern-se sustentado que existia entre certos fatos de uma
lingua uma interdependencia tal que uma lingua dada nao
pode apresentarum desses fatos sem apresentar tamb6m
o outro. Esta id6ia e justa, sem dtivida nenhuma, ainda
que frequentemente tenha sido levada longe demais e explo-
rada de modo abusivo. Tudo parece indicar que Saussure
reconhece a prioridade das dependencias na lingua. Por
toda parte ele procura relacionamentos, e afirma que a
lingua e forma, e nao substancia.
Neste ponto de nosso estudo devemos evitar cair Dum
drcUIo vicioso.. Se se pretende, por exempIo, que 0 subs-
tantivoe 0 adjetivo, ou a vogal e a consoante, pressupoem-se
mutuamente, de modo que uma lingua nao pode ter subs-
tantivos sem ter tambem adjetivos e reciprocamente, e que
ela nao pode ter .vogais .sem ter tambem consoantes e reci-
procamente - proposic;5es que, de nossa parte, acreditamos
poder afirmar coma teoremas - essas proposic;6es poderao
ser verdadeiras ou falsas segundo as defmic;oes adotadas para
os conceitos de substantivo, adjetivo, vogal e consoante.
Assim, encontramO-nos aqui num terreno diffcil; ma~.
estas dificuIdades sac agravadas peIo fato de que os casos'
de dependencias mutuas,ou interdependencias, aos quais nos
ativemos ate aqui, extraem sua existencia do sistema da
lingua e nao de seu processo (cf. Cap. 2), e eexatamente
esse tipo de dependencias e nao outros que procuramos.
Alem das interdependencias, e necessario prever dependen-
cias unilaterais em que urn dos termos pressupoe 0 outra,
mas nao 0 contfClrio, e ainda dependencias mais frouxas
onde os dais termos naa se pressupoem mutuamente, PO-
dendo nao obstante figurar juntos (no processo ou no sis-
tema) por oposiC;ao a termosque sac incompativeis e que
se excluem mutuamente.
A partir do momento em que se admite a existencia
dessas diversas possibilidades, impoe-se a exigencia de uma
!terminologia adequada. Adotaremos provisoriamente ter-
mos operacionais para as possibilidades aqui consideradas.
As dependencias recfprocas,em que os dois termos se
pressupoem mutuamente,serao, para.no's, interdependencias.
As dependencias unilaterais, em que urn dos termos pres-
supoe ooutro, mas nao 0 contrario, serao chamadas deter-
miMfoes. Finalmente, as dependencias mais frouxas, em
que os dois termos estao num reIacionamento reciproco
sem que urn pressuponha 0 outro, serao chamadas conste-
la~oes.
A partirdaqui, podemos distinguir as tres especies
de dependenciasconforme entrem num processo ou?~
sistema.Denominaremos solidariedade a interdependencla
r -.---- ..
30 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
entre termos num processo, e complementaridade 1 a depen-
dencia entre termos num sistema. A determina~ao entre
termos num processo sera chamada selet;iio, e entre termos
num sistema, especificat;iio. As constela~6es serao deno-
minadas combinat;oes num processo e autonomias num
sistema.
E uti! dispor assim de tres jogos de termos, 0 primeiro
para 0 processo, 0 segundo para 0 sistema e 0 terceiro
valendo indiferentemente para 0 processo e 0 sistema. Corn
efeito, ha casos em que urn mesmo conjunto de termos
pode ser considerado tanto coma processo quanto como
sistema unicamente em virtude do ponto de vista que se
adotar. A teoria e urn exemplo: pode-se· considerar a
hierarquia das defini96es coma urn processo em que e
enunciada, escrita ou lida uma defini9ao, depois uma outra
e assim· par diante, ou entao como UID sistema que poten-
cialmente subentende urn processo possivel. Ha determi-
na~ao entre as defini~5es uma vez que aquelas que devem
preceder outras sao pressupostas pelas que as seguem, rnas
que a recfproca nao e verdadeira. Se a hierarquia das
defini~6es e vista como urn processo, ha selec;ao entre as
defini~5es; se, pelo contrario, econsiderada como um 8i8-
tema, entre elas ha especifica9ao.
. Vma vez que aquilo por que nos interessamos no
momento e aamilise de urn texto, e 0 processo queretera
~ nossa aten~ao, e nao 0 sistema. E faci1 encontrar solida-
riedades nos textos de uma dada lingua. Deste modo, nas
~ Iinguas que melhor conhecemos, muito freqiientemente ha
solidaiiedade entre .os morfemas de diversas categorias no
~. interior de uma mesma"forma gramatical" 2, de modo que
~ urn morfema de uma categoria se ve all sempre acompa-
nhado por urn morfema da outra categoria, e reciproca-
• mente. 0 substantivo Iatino semprecomporta urn. morfema
de. caso e um morfema· de nUmero, e urn nunca. e encon-~ trado semooutro. Os .casos de sele~ao, entretanto, sao
~ mais notaveis. Alguns SaD conhecidos, ha rnuito tempo,
sob 0 nome de recc;ao, ainda que este conceito continue
~ mal definido. Pode haver selec;ao entre uma preposi~ao
~ e seu objeto: assim, entre sine e 0 ablativo, corn sine pres-
supondo a existencia de urn ablativo no texto, enquanto
~ que 0 inverso nao e verdadeiro. Em outros casos ha com- ...
binac;ao, tal como, em latim, entre ab e 0 ablativo, que tern~ uma coexistencia possIvel rnas nao necessaria. Esta possi-
t bilidade de coexistencia os distingue, por exemplo, de ad
1. Os _ relacionamentos entre substantivo e. adjetivo e entre vogal e
consoante sao, portanto, exemplos de complementaridade.
2. 0 termo morfema restringe"se nesteJivro aQ uso no sentido de
elemento~ inflexionais considerados como elementcS" do conteudo.
."
,- . .
~'---~- ~ - -."---'"---'-'---,"-- ----_---.:.:
PRINctPIO DA ANA-USE 31
e do ablativo, que se excluem mutuamente. Se a coexisten-
cia de ab e do ablativo nao e necessaria, e porque ab pode
tambem funcionar como prefixo de verba. De urn ponto
de vista diferente, que tem urn carater universal e flaO
particular a urna dada lingua, pode haver uma solidariedade
entre uma preposi~ao e seu objeto no sentido de que 0
objeto de uma preposi~ao nao pode existir sem a preposi~ao,
nem esta (como sine) sem 0 objeto.
A lingilistica tradicional so tratou tais dependencias de
modo sistematico na medida em que elas existiam entre
duas ou mais palavras e nao no interior de urna unica
palavra. Esta atitude esta relacionada corn a divisao da
gramatica em morfologia e em sintaxe, divisao esta cuja
necessidade a lingiiIstica sustenton desde a Antiguidade.
Concordando, em rela~ao a este ponto, corn certas tenden-
cias recentes, logo nos veremos levados a abandonar essa
tese por ser inadequada. Se se levar esta tese a seu ponto
limite - 0 que foi feito algumas vezes - a morfologia so
se prestaria a uma descri~aa do sistema e a sintaxe apenas a
descri~ao do processo. Nao e inuti1levar esta distin~ao ate
sua conseqiiencia logica, pois isto poe em evidencia 0 para-
doxo: se esse fosse 0 caso, logicamente so se poderia registrar
as dependencias que dependem do processo na sintaxe, e
DaO logologia, isto e, entre as palavras de urna mesma frase,
mas nao no interior de uma unica palavra e nem entre suas
partes. Ye-se de oode provem 0 interesse exclusivo atribuido
aos fenomenos de rec~ao.
No entanto, nao ha necessidade de renunciar a todas
as concep~oes tradicionais para ver que existr., no interior
da palavra, dependencias anaIogas as que as paIavras con-
traem entre si na frase, dependencias suscetfveis de urna
anaIise e de uma descri~ao da mesma natureza.A estrutura
de urna lingua pode ser tal que urn mesino radical pede
aparecer corn e sem sufixo de deriva~ao. Ha, entao, sele-
~ao entre 0 sufixo e 0 radical. Deum ponto de vista mais
universal ou mais geral, ha sem.pre sele~o neste caso, uma
vez que urn sufixo pressupoe necessariamente urn radical e .
nao 0 contrano.Mesmo osconceitos· da Iingiifstica tra-
dicionalexigem em Ultima ~n;llise. urna defini~ao baseada
na sele~ao, defini~ao do mesmo tipo daquela que pennite
distinguir· entre proposi~aoprincipal e ptoposi~ao subordi-
nada. Ja demos urn exemplo disso ao mostrar· que no
interior da desinencia da palavra e entre seus componentes
encontram;'se igualmente dependenciasda mesma natureza.
:B evidente que, nas condi~6es estruturais dadas, a solidarie-
dade entre os motfemas nominais pode ser substituida por
urna sele~ao ou por uma combina~o. Urn substantivo, por
exemplo, pede apresentar ou nao um morfema de_ compara-
32 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
<;ao, 0 que significa que os morfemas de compara~o nao
sao solidarios dos rnorfemas casuais como 0 sao os
morfemas de numero, mas pressup6em unilateralmente sua
coexistencia. Ai ha, portanto, sele~ao. Vma combina~ao
aparece quando, ao inves de considerar, como no exemplo
anterior, cada paradigma de morfema (0 dos casos e 0
dos numeros) como uma totalidade, considera-se cada caso
e cada numero separadamente: entre urn caso particular,
por exemplo 0 acusativo, e urn numero particular, por exem-
plo 0 plural, existe combina~ao. S6 ha solidariedade entre
os paradigmas tomados em seu conjunto. Pade-se de-
compor a silaba segundo 0 rnesrno principio. Em certas
condi90es estruturais (realizadas em inurneras linguas co-
nhecidas), pode-se dividir a sllaba em uma parte central
(vogal ou consoante sonora), e uma parte marginal (con-
soante ou consoante nao-sonora) gra~as ao fato de que uma
parte marginal pressup6e a coexistencia textual de uma parte
central, e nao 0 contrario. Esse ainda eurn caso de sele9ao.
Esse principio esta de fato presente na defini9ao das vogais e
. das consoantes que, ja caida em desuso nos tratados erudi-
tos, sobrevive ainda mais ou menos no ensino primano e
remonta, sem duvida, a Antiguidade.
Dever-se-ia, portanto, considerar coma certo que um
texto e uma qualquer de suas partes sao analisaveis em
partes definidas par dependencias desta natureza. O. prin-
cipio daanaIise consistira, por conseguinte, no reconheci-
mento dessas dependencias: as partes definidas pela anaIise
so .devem serconsideradas coma pontos de intersec~ao dos
feixes dos relacionamentos. Portanto, nao se pode em-
preender a analise antes que essas dependencias sejam
descritasem seus tipos principais, uma vez que a base da
analise deve serescolhida, em cada caso particular, conforme
os relacionamentospertinentes, e s6 se pode c proceder a
esta decisaocom a condi~ao de saber quais sac os relacio-
namentos a serem descritos a fim de que a descri9iio seja
exaustiva. .
)
\
I
I.
10. Forma daAnalise
A amUise consiste, portanto, efetivamente, no registro
de certas dependencias ou· certos relacionamentos entre
termos que, conforme 0 usa consagrado, chamaremos de
partes·do texto, e que existem exatameilte em virtude desses
relacionamentos e unicamente em virtude deles. 0 fate de
serem esses termos denominados partes, e de 0 procedi-
mento todo ser chamado de amilise se deve ao fato de
que tambem ha relacionamentos entreesses termos e a
totalidade {isto e, 0 texto} na qual se diz que eles entram,
relacionamentos estes que a anilise deve igualm.~nteregis­
trar. 0 fator particular que caracteriza a dependencia entre
a· totalidade e· as partes, que a diferencia de umadependen-
cia entre a totalidade e outras totalidades e que faz corn
.que os objetosdescobertos (as partes) possam ser conside-
radoscomo interiores e nao exteriores a totalidade (isto e,
o texto) parece ser a. homogeneidade da dependencia: tadas
as partes coordenadas resultam apenas da .anaIise de uma
totalidade que depende dessa totalidade de urn modo homo-
geneo. Esta homogeneidade caracteriza tambem a depen-
dencia entre as partes; analisando, por exemplo, urn texto
emproposi90es, das quais se distinguem duas especies
(definidas por uma dependencia especffica recfproca), a
principal e a subordinada, sempre nos veremos - corn a
condi9aO de nao levar adiante a anaIise - na presenc;a da
mesma dependencia entre aprincipale a subordinada, sejam
quais forem as proposi90es consideradas; 0 mesmo acontece
quanto ao relacionamento entre urn tema e seu sufixo de
I
34 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
deriva<;ao, entre a parte central e a parte marginal de uma
sflaba, e quanto a todos os outros casos.
Utilizaremos este criterio a fim de estabelecer e con-
servar uma defini<;ao metodologica unlvoca da anaIise. A
ana!ise, em sua defini<;ao formal, sera portanto a descric;ao
de urn objeto atraves das dependencias homogeneas de
outros objetos em rela<;ao ao primeiro e das dependencias
entre eles reciprocamente. Denominar-se-a classe 0 objeto
submetido a anaIise, e componentes dessa classe os objetos
que sac registrados por uma unica analise como dependendo
uns dos· outros e da classe de modo homogeneo.
Nesta primeira amostra restrita do sistema de defini<;5es
adotado pela teoria, a defini<;ao do cornponente pressup6e
a da classe, e a defini<;ao da cIasse pressupoe a da anaIise.
A definic;ao da analise pressupoe apenas termos ou concei-
tos que nao sao, eles, definidos no sistema de definic;6es
especffico da teoria, e que colocamos como indefiniveis:
descrirQo, objeto, dependencia, homogeneidade.
Denominar-se-a de hierarquia uma classe de classes, e
sabemos que teremos de distinguir entre duas especies de
hierarquias: os processos e os sistemas. Poderernos nos
aproximar do usa habitual adotando designac;6es especiais
para cIasse ecompanente, conforme forem extraidos de um
processo ou de urn sistema. Num. processo Iingilistico 1,
as classes serao_denominadas cadeias e os cornponentes
partes 2. Num sistema IingiHstico, as classes sedio deno-
minadas paradigmas e os componentes membros. Corres-
pondendo. a distin<;ao entre partes .e membros, e quando
for litilespecificar, poderemos chamar de divisao a amilise
de .um processo de articulariio aamilise de urn sistema.
A primeira tarefa da anaIise, portanto, consiste em
efetuar uma divisao do processo. 0 texto e uma cadeia
e todas as partes (proposic;5es, palavras, sllabas etc.) tam-
bem sao cadeias, corn exce~ao das· partes irredutiveis que
nao podem ser submetidas a anaIise.
A exigencia de exaustividade impede que se fique
apenas numa simples divisao do texto; rnas as partes que
ela disceme deverao ser, por sua vez, divididas, e assim
par diante ate 0 esgotamento da divisao. Definimos
a anaIise de tal modo que nada indica, na definiC;ao, se ela
e simples ou continuada; uma amilise (e, portanto, tambem
uma divisao) assim definida pode conter uma, duas, ou
varias anaIises; 0 conceito de anaIise (ou de divisao) e
urn "conceito-sanfona". Alem do mais, pode-se agora con-
1., Na forma Ultima. e mais geral, dessas duas defini9i5es. a palavra
lingUfS'Uca sera substituida por semiDtica. Para a distin~ao entre uma lingua
e uma semi6tica, ver. Cap. 21.
2. On elos.
I
FORMA DA ANALISE 35
siderar que a descri~ao do objeto dado (i8to e, 0 texto)
nao se esgota corn uma divisao continuada mesmo qUE
levada a cabo, a partir de uma tinica base de amilise, mas
que se pode ampliar a descri~ao, isto e, registrar novas
dependencias atraves de novas divisoes efetuadas a partir
de outras bases de anaIise. Falaremos entao em complexo
de analises~ ou complexo de divisaes~ isto e, de classe de
analises (ou divisoes) de uma unica e mesma classe (ou
cadeia) .
A amilise exaustiva do texto teni entao a forma de
urn procedimento que se compoe de uma divisao continuada
ou de urn complexo de divisoesno qual cada opera~ao
consistini em uma simples divisao minima. Cada opera~ao
que este procedimento comporta pressuponi as opera<;oes
anteriores e sera pressuposta pelas opera<;6es seguintes. 0
mesmo acontecera se 0 procedimento adotado for urn com-
plexo de divis5es: cada divisao levada ate 0 fim e
pressuposta por outras divisoes, e/ou pressup6e, por sua
vez, outras divisoes. Entre os cornponentes do procedi-
mento ha detenninac;ao, de tal modo que os componentes
seguintes sempre pressupoem os anteriores, mas nao 0
inverso. Tal como a detennina~o entre as definic;6es
(cf. Cap. 9), a determina~ao entre as operag6es pode ser
considerada seja como uma selegao, seja como uma especi-
fica~ao. Chamaremos de deduriio uma tal totalidade de
procedimento, e definiremos fonnalmente a dedu~ao com!J
uma amilise continuada ou urn complexo de amilises corn
detennina<;aoentre as anaIises quedela participam.
Vma dedu<;ao e, portanto, urn certo tipo de procedi-
mento diferente do da indu~o. Definiremos urna oper{lfiio
coma uma descriC;ao que esta de acordo corn 0 prindpio
de empirismo, e urn procedimento coma uma classe de ope-
rac;6es de mutua detenninac;ao. (Tais defini<;6es fazem da
operarao e do procedimento "conceitos-sanfona",talcomo
a analise acima mencionada.) A partir. da!, urn procedi-
mento pode entaD consistir ou em anaIises e ser uma dedu-
gao ou entao, pelo contrario, consistir em sfnteses e ser ulna
induriio~ Por sintese, entendemos a descrigao de objetos
enquanto componentes de uma cIasse (a sfntese, como a
anaIise, toma-se entaD urn "conceito-sanfona") e por in-
dUfiio, uma sfntese continuada corn determinac;ao entre as
sfnteses que dela participam. Se 0 procedimento adotado
cornporta tanto a anaIise quanto a sfnteset 0 relacionamento
de pressuposic;ao existente entre· elas aparecera sempre
como uma detenninagao onde a sintese pressupoe a amlIise,
e nao 0 contnlrio. Isto resulta naturalmente do fato de
que 0 dado imediato e uma totalidade nao analisada (0
texto, cf. Cap. 4). Segue-se que urn procedimento pura-
36 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
mente indutivo (mas que comportaria necessariamente de-
du~oes implicitas) nao poderia satisfazer a exigencia de
exaustividade que participa do principio de empirisma.
Portanto, ha uma justifica~ao formal do metodo dedutivo
defendido no Cap. 4. De resto, nada disto impede que a
hierarquia seja a seguir percorrida na dire~ao oposta, 0
que nao produzira novas resultados mas que pode fomecer
urn angulo novo que as vezes sera util adotar para os
mesmos resultantes.
Pareceu-nos nao haver aqui razao suficiente para mo-
dificar a terminologia que esta agora a ponto de ser aceita
em Iingtiistica. Os fundamentos formais de nossa termino-
logia e dos conceitos que propusemos poderiam muito
bem se Iigar ao uso cansagrado pela epistemologia. Nossas
defini~6es nada tern que contradiga ou impe~a 0 usa da
palavra dedufQO no sentido de "conc1usao 16gica". Pare-
ce-nos possive! dizer que proposi~6es que decorrem de
outras proposic;6es resultarn destas por anaIise 3: em cada
nivel do procedimento, asproposic;oes deduzidas sao objetos
que dependem uns dos outros de modo homogeneo, tal
como eles dependem da proposi~ao pressuposta. ~ certo
que isto e muito diferente das concepc;6es habituais da
no~ao deanaIise. Mas 0 que justamente pretendemos foi,
utiIizando defini~6es formais, evitar formular postulados
sobre a natureza dos objetos; portanto, nada postuIarnos
sabre a natureza ou a essencia da anaIise fora daquilo que
esta contido em sua defini~ao. Se ° termo indu9ao e em-
pregado para designar urn tipo particular de conclusao 16gica
que permite a passagem de certas proposic;6es para outras
- ° que faz da indu~ao, segundo a terminologia 16gica,
uma especie de dedu~ao - 0 termo ambiguo indufiio e
entaD 'empregado numa acep~ao inteiramente diferente
daquela que visamos. Levadoa cabo, 0 rnetodo de defi-
ni~aopoderia suprimir 0 incomodo causado por esta ambi-
giiidade.
Ate aqui, empregamos os termos componente, parte e
membro opondo-os, respectivamente, a classe, cadeia e pa-
radigma. Mas utilizaremos componente, parte e membro
apenas para designar as resultantes de uma anaIise simples
(cf., acima, a defini~ao do termo componente).. Numa
anaIisecontinuada, falarernos em· derivados. Portanto, uma
hierarquia e uma classe corn seus derivados. Se admitimos
que, num determinado momento, urn texto e anaIisado em
gropos de silabas, que sao entaD analisados em sflabas, que
por sua vez sao analisadas em partes de silabas, num tal
casoas silabas serao derivados dos gropos de silabas, e as
3. Voltaremos a este ponto no Cap. 18.
FORMA DA ANA.LISE 37
partes de silabas sedio derivados dos grupos de silabas e
das silabas. Por outro lado, as partes de silabas serao
componentes (partes) de sfiabas porem nao gropos de
sfiabas, e as silabas serao componentes (partes) dos gropos
de silabas mas de nenhuma outra resultante da amilise.
Traduzindo isto em defini~5es: por derivados de uma classe
entenderemos seus componentes e os componentes-de-com-
ponentes no interior de uma unica e mesma deduC;ao.
Acrescentemos de imediato que nos propomos a dizer que
a classe compreende seus derivados e que os derivados
entram na classe. Por grau dos derivados entenderemos 0
numero de classes atraves das quais eles dependem de sua
classe comum mais baixa; se este numero for zero, serao
derivados de primeiro grau; se 0 numero for 1, serao
derivados de segundo grau, e assim por diante. No exemplo
ja utilizado onde gropos de silabas sac pensados como ana-
Iisados em silabas, e estas em partes de sfiabas, as silabas
serao portanto derivados de primeiro grau dos gropos de
silabas, enquanto que as partes de silabas serao derivados
de primeiro grau das sflabas e derivados de segundo grau
dos gropos de silabas. Derivado de primeiro grau e com-
ponente sao, portanto, termos equivalentes.
11. Funcoes
.
Uma dependencia que preenche as condi~5es de uma
amiIise sera denominada funfiio. Deste modo, diremos que
ha fun9ao entre uma classe e seus componentes (entre uma
cadeia e suaspartes, entre uma paradigma e seus membros),
do mesmo modo como ha fun~ao mutua entre os compo-
nentes (partes e membros). Serao denominados funtivos
de urna funeao os termos entre os quais esta existe, enten-
dendo-se por funtivo urn objeto que tern uma fun9aO em
rela9ao a outros objetos. Diz-se que um funtivo contrai sua
fun~ao. Das defini~oes resulta que tambem funeoes podem
ser funtivos, uma vez que pode haver funeao entre fun90es.
Deste modo, existe uma funeao entre a funeao que as partes
contraem entre si e a funeao contraida entre a cadeia e suas
partes. Urn funtivo que nao for tambem uma fun~ao sera
denominado grandeza. No caso que ja consideramos, os
groPQs de silabas, as silabas e as partes das silabas serao
grandezas.
Adotamos aqui 0 termo funfiio num sentido que se situa
a meio caminho entre seu sentido 16gico,..matematico e seu
sentido etimol6gico, tendoeste Ultimo representadoum papel
consideravel em todas as ciencias, incluindo-se aqui a lin-
giiistica. 0 sentido em que 0 t6mamos esta formalmente
mais proximo do primeiro, sem corn isso ser-lhe identico.
E exatamente de urn ripo assim de conceito intermedhirioque
necessitamos na lingilistica. Poderemos dizer que uma gran-
deza no interior de urn texto ou de urn sistema tern determi-
nadas fun~es e,com isso, aproXimarmo-nos~o emprego
,
40 PROLEG6MENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
logico-matematico desse termo, comele exprimindo: pri-
rneiramente, que a grandeza considerada mantem dependen-
cias ou rela~6es corn outras grandezas, de modo que certas
grandezas pressupoern outras e, segundo, que pando em
causa 0 sentido etimologico do termo, esta grandeza funcio-
na de uma determinada maneira, representa urn papel parti-
cular, ocupa urn "lugar" precise na cadeia. Num sentido,
pode-se dizer que a acepyao

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