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INTRODUÇÃO À PSICOPEDAGOGIA Autores: Márcia Souto Maior Mourão Sá Bertha de Borje Reis do Valle Cristina Maria Carvalho Delou Eloiza da Silva Gomes de Oliveira Fernando Gouvêa Henriete C. Sousa e Mello Ida Beatriz Mazzillo Mário Lúcio de Lima Nogueira Suely Pereira da Silva Rosa Ano: 2008 Caracterização da Psicopedagogia Falar sobre Psicopedagogia é, hoje em dia, uma tarefa difícil, pois, por ser ela uma ciência muito nova e ter sua área de atuação inserida na confluência da Psicologia e da Pedagogia, apresenta múltiplas facetas, não possuindo, ainda, paradigmas operacionais totalmente estabelecidos, estando na busca de sua própria identidade enquanto área diferenciada de conhecimento, linha de pesquisa em Educação e em Psicologia, bem como atividades terapêuticas e/ou preventivas. Por essas razões é comum observarmos psicopedagogos que atuam em instituições educacionais ficarem em dúvida de como conduzir suas atividades no contato com a comunidade escolar, priorizando, muitas vezes, a adoção de uma prática quase exclusivamente terapêutica individualizada com alunos que apresentam visíveis problemas de aprendizagem já instalados, em detrimento da utilização de uma prática preventiva institucional, visando evitar o aparecimento de novos distúrbios de aprendizagem. Ao buscar-se a melhor metodologia a ser utilizada pelo psicopedagogo em sua atuação fica-nos, também, a dúvida de como agir com “problemas ou distúrbios de aprendizagem”, pois face à complexidade do ser humano, uma determinada patologia pode ter múltiplas causas e estas, em virtude da pulverização do conhecimento profissional em múltiplas especialidades, só poderiam ser “tratadas” sob a ótica da interdisciplinaridade, ou seja, com a atuação conjunta de diversos profissionais de áreas diferentes. Mas, poderíamos nos perguntar, em uma reali- dade escolar como a nossa, isto seria factível? A Psicopedagogia tem se desenvolvido como uma forma de vinculação entre a Pedagogia e a Psicologia, e pode ser entendida a partir de pressupostos teóricos elaborados em países de língua francesa. Nestes países, usa-se o termo Psicopedagogia em lugar de Psicologia da Educação, no sentido de que, neste caso, a Psicologia liga-se à Educação como uma ciência auxiliar na compreensão do processo pedagógico. A afirmação de que a Psicopedagogia, historicamente, surgiu na fronteira en- tre a Psicologia e a Pedagogia merece maior atenção. Kiguel (1987) aventa outra possibilidade quanto ao surgimento da Psicopedagogia ao mencionar as tentativas de explicação para o fracasso escolar por outras vias que não a pedagógica e a psicológica. Afirma que “os fatores etiológicos utilizados para explicar índices alarmantes do fracasso escolar envolviam quase que exclusivamente fatores individuais como desnutrição, problemas neurológicos, psicológicos etc.”, acrescentando que “no Brasil, particularmente durante a década de 70, foi amplamente difundido o rótulo de Disfunção Cerebral Mínima para as crianças que apresentavam, como sintoma proeminente, distúrbios na escolaridade” (BOSSA, 1994, p. 7). Estudando o indivíduo que aprende no seu aspecto normal e patológico, a Psicopedagogia é a área que dá uma consideração especial ao aspecto psicológico deste indivíduo, mas sendo uma área aplicada, deverá ir além da práxis, desenvolvendo pesquisas de base e criando um campo de conhecimento próprio. Atualmente, volta-se para uma realidade tipicamente educacional, que são certos fenômenos – relativos à não-aprendizagem – que ocorrem dentro do âmbito familiar, escolar e comunitário, que podem ser remediáveis e prevenidos. Acreditamos que, para o desenvolvimento desta ação tanto preventiva quanto terapêutica, será necessária a sistematização de uma série de pressupostos teóricos próprios. “Penso que a Psicopedagogia, como área de aplicação, antecede o status de área de estudos, a qual tem procurado sistematizar um corpo teórico próprio, definir o seu objeto de estudo, delimitar seu campo de atuação” (BOSSA, 1994, p. 6). Entretanto, justifica-se que a Psicopedagogia não tenha, ainda, desenvolvido o seu corpo teórico específico, de vez que é uma área nova em todo o mundo e que seu florescimento ainda está na dependência do desenvolvimento não só da Psicologia e da Pedagogia, mas também de áreas mais específicas de conhecimento, como a Neuropsicologia e a Psicolinguística, entre outras. Apesar de todas as dificuldades, parece-nos que podemos definir a Psicope- dagogia utilizando-nos de dois autores brasileiros. Para Rubinstein (1987, p. 103), [...] num primeiro momento a Psicopedagogia esteve voltada para a busca e o desenvolvimento de metodologias que melhor atendessem aos portadores de dificuldades, tendo como objetivo fazer a reeducação ou a remediação e desta forma promover o desaparecimento do sintoma. E, ainda, a partir do momento em que o foco de atenção passa a ser a compreensão do processo de aprendizagem e a relação que o aprendiz estabelece com a mesma, o objeto da psicopedagogia passa a ser mais abrangente: a metodologia é apenas um aspecto no processo terapêutico, e o principal objetivo é a investigação de etiologia da dificuldade de aprendizagem, bem como a compreensão do processamento da aprendizagem, considerando todas as variáveis que intervêm neste processo. Do ponto de vista de Weiss (1991, p. 6), “a Psicopedagogia busca a melhoria das relações com a aprendizagem, assim como a melhor qualidade na construção da própria aprendizagem de alunos e educadores”. As afirmações de Rubinstein e Weiss em relação ao objeto de estudo da Psicopedagogia sugerem que há um certo consenso quanto ao fato de que ela deve ocupar-se em estudar a aprendizagem humana; porém, é uma ilusão pensar que tal consenso nos conduza a um único caminho. O tema da aprendizagem apresenta tamanha complexidade que tem a dimensão da própria natureza humana e precisaríamos de um outro curso só para conseguir tratá-lo. É importante, no entanto, ressaltar que a concepção de aprendizagem é resultado de uma visão de homem, e é em razão desta que se estabelece toda a teoria e a prática psicopedagógica. Segundo nos diz Visca (1987), a Psicopedagogia, que inicialmente foi uma ação subsidiária da Medicina e da Psicologia, perfilou-se como um conhecimento independente e complementar possuída de um objeto de estudo – o processo de aprendizagem – e de recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios. Alguns ramos de estudo, como você já deve ter notado, desenvolvem-se em outros países e, até, por vezes, demoram um pouco a chegar ao Brasil. Hoje, porém, com a rapidez dos processos de comunicação, a disseminação de informações é mais rápida e a Psicopedagogia no Brasil tem se desenvolvido bem nos últimos anos. Vamos apresentar a você, agora, uma visão da Psicopedagogia no Brasil. A Psicopedagogia no Brasil A Psicopedagogia no Brasil hoje é uma área que estuda e lida com o pro- cesso de aprendizagem e suas dificuldades, e que, em sua ação profissional, deve englobar vários campos do conhecimento, integrando-os e sintetizando-os. O modelo teórico e prático resultante desta visão é fortemente influenciado pelos modelos europeu e argentino. Segundo nos diz Mery (1985), os Centros Psicopedagógicos, primeira forma de atuação da Psicopedagogia, foram fundados na Europa a partir da segunda metade do século XX, e objetivavam, como já vimos, atender pessoas que apresentavam dificuldades de aprendizagem, apesar de serem inteligentes, por meio da integração de conhecimentos pedagógicos e psicanalíticos. Nos Estados Unidos, o mesmo movimento acontecia, enfatizando mais osconhecimentos médicos e dando um caráter mais organicista a esta preocupação com as dificuldades de aprendizagem. O movimento europeu acabou por originar a Psicopedagogia, enquanto que o movimento americano proliferou a crença de que os problemas de aprendizagem possuíam causas orgânicas e precisavam de atendimento especializado, influenciando parte do movimento da Psicologia Escolar que, até bem pouco tempo, segundo Bossa (1994), determinou a forma de tratamento dada ao fracasso escolar. A corrente européia influenciou a Argentina, que passou a cuidar de pessoas com dificuldade de aprendizagem, realizando um trabalho de reeducação. Mais tarde, este acabou sendo o objeto de estudo que contava com os conhecimentos da Psicanálise e da Psicologia Genética, além de todo o conhecimento, particularmente os de linguagem e de psicomotricidade, que eram utilizados para melhorar a compreensão das referidas dificuldades. O Brasil recebeu, via Argentina, influências tanto americanas quanto européias na formação da identidade de nossa psicopedagogia. Os conhecimentos transmitidos por diversos profissionais argentinos, por meio de cursos realizados particularmente no sul do país, muito contribuíram para a construção do nosso conhecimento psicopedagógico. A formação de nossos psicopedagogos é feita por meio de cursos de pós-graduação lato sensu, diferentemente do que ocorre na Argentina, onde esta for- mação é realizada por curso de graduação com duração de cinco anos. Esta questão da formação, da maneira como se dá no nosso país, suscita uma discussão em que vantagens e desvantagens são levantadas. De um lado, o fato da nossa formação em Psicopedagogia envolver diversificados profissionais que atuam na área educacional acentua o caráter interdisciplinar desta área de estudo. De outro, em razão da presença de profissionais diversos, o psicopedagogo enfrenta dificul- dades em construir uma identidade própria. Ao avaliarmos as dificuldades impostas pela complexidade do próprio objeto de estudo da Psicopedagogia, a sua recente existência enquanto área de estudos, as suas origens teóricas e a questão da formação no Brasil, constatamos que a busca de uma identidade implica, por esse aspecto, um processo árduo. Por outra parte, entretanto, os profissionais brasileiros envolvidos nessa busca estão mobilizados por um grande desejo de contribuir para tal processo permanente de construção. Apesar da diferença de formação, devemos considerar o fato de que as práticas, em ambos, Brasil e Argentina, assemelham-se em muitos pontos, visto que o referencial teórico adotado pelos brasileiros, como vimos, está fortemente mar- cado por influências argentinas. Os aspectos em que a nossa forma de atuação difere daquela dos argentinos são decorrentes, principalmente, das condições de formação. No Brasil, é preciso repetir: Psicopedagogia é especialização, curso de aperfeiçoamento. Já a formação em nível de graduação, como ocorre na Argentina, proporciona evidentemente um conhecimento bem mais sólido da matéria, do saber psicopedagógico e, consequentemente, uma prática mais consistente. Não devemos esquecer, no entanto, que são inúmeras as variáveis em jogo quando se fala na questão da formação e, para a realidade brasileira, nossa modalidade de formação psicopedagógica possibilita uma maior interatividade entre os diversos profissionais envolvidos na prática educacional, não abrindo espaço para discussões que se limitam a dividir desempenhos de educadores e outros especialistas, de forma que a uns seja atribuído o direito de lidar com o afetivo e com a dinâmica da personalidade, e a outros a tarefa de trabalhar com os aspectos pedagógicos, considerando-os apenas como procedimentos didáticos para o desenvolvimento cognitivo. A atuação do psicopedagogo – uma reflexão O que nos parece importante refletir ao final de nossa aula é que todos – psicopedagogos ou educadores – saibam perceber o fenômeno “aprendizagem” de forma mais ampla e que sejam sensíveis para captar e considerar as relações significativas que o aluno busca no meio (suas necessidades) para a sua auto- realização. Desta forma, consideramos o trabalho psicopedagógico com características terapêuticas quando leva o indivíduo a construir e reorganizar a sua própria personalidade, o seu “ser no mundo”. Mas, não podemos deixar de acrescentar que a atuação do psicopedagogo tem suas fronteiras, diferenciando-se de uma “psicoterapia”, quando delimita seu espaço com a preocupação pedagógica de propiciar ao aluno a melhor utilização da linguagem e a elaboração cognitiva das informações específicas, com a finalidade de que este indivíduo possa concretizar e satisfazer as suas necessidades, atuando no mundo em que vive. Existe, ainda, um longo caminho a percorrer para fazermos a história da Psicopedagogia. Como deve ter ficado claro para você, esta ciência está dando seus passos iniciais, mas ao utilizar-se dos fundamentos já estabelecidos por outras ciências como base para sua formulação teórico-prática, estes passos apresentam-se fortes e resolutos, com o propósito de firmar-se no campo científico e profissional como uma atividade que congrega os fenômenos da Educação. Referências 1. BOSSA, N. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artes Mé- dicas, 1994. 2. KIGUEL, S. M. Abordagem psicopedagógica da aprendizagem. In: SCOZ, B. et al. Psicopedagogia: o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. 3. RUBINSTEIN, E. A intervenção psicopedagógica clínica. In: SCOZ, B. J. L. et al. Psicopedagogia: o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. 4. VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica: Epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes médicas,1987. 5. . Psicopedagogia: novas contribuições. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. 6. WEISS, M. L. L. Considerações sobre a Instrumentação do Psicopedagogo no Diagnóstico. In: SCOZ, B. J. L. et al. Psicopedagogia: o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. 7. . Considerações sobre a instrumentação do psicopedagogo no diagnóstico. In: Scoz, B. J. L. et al. Psicopedagogia: o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. 8. MERY, J. Pedagogia Curativa Escolar e Psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985
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