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AS CPI’S, A MINORIA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Prof. Dr. Giovani Corralo1 O Estado Democrático de Direito, evolução histórica e teórica do Estado de Direito, retrata, no caso brasileiro, um Estado comprometido com os direitos fundamentais consignados no texto constitucional e com uma efetiva participação da população no exercício dos poderes estatais. Além disso, requer a observância dos limites impostos e dos poderes conferidos a cada uma das funções estatais nas suas pertinentes relações de controle e complementaridade. Não obstante a existência de modelos históricos de organização e rígida separação entre os poderes constituídos, como é o caso da França pós- revolução francesa, hodiernamente vige, nas democracias contemporâneas, uma inequívoca compreensão acerca da impossibilidade fática de uma separação absoluta das funções legiferantes, judicativas e administrativas. Há uma relação de complementaridade entre tais funções, as quais se devem acrescer a função de controle, capitaneado pelos poderes Ministério Público e Tribunal de Contas. Aliás, Louis Althusser já alertara o mundo acadêmico acerca dessas distorcidas interpretações da clássica obra L’Esprit des Lois de Montesquieu. Dentre as precípuas funções do parlamente encontram-se a função legiferante e a função fiscalizadora. A primeira, consubstanciada na construção das espécies legislativas previstas no art. 59 do texto constitucional. A segunda, efetivada mediante os poderosos instrumentos elencados na Constituição (art. 50, 49 IV, 52 III, 71 par. 1º, 70 a 75, dentre outros), dos quais se destaca a constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI. 1 Giovani Corralo é especialista em Direito Municipal pela UFRGS; Mestre e Doutor em Direito do Estado pela UFPR; Coordenador da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo; autor de vários artigos e obras, das quais se ressalta a última: O Poder Legislativo Municipal: aportes teóricos e práticos para a compreensão e o exercício da função parlamentar nas Câmaras de Vereadores, Editora Malheiros; acesse o site www.giovanicorralo.com.br A Constituição Brasileira, no seu art. 58, par. 3º, apresenta os requisitos para a criação de CPI: a) requerimento de um terço dos parlamentares; b) fato determinado; c) prazo certo. A determinação do fato conduz à impossibilidade de investigações que pretendam efetivar uma verdadeira devassa, ou seja, é preciso que existam provas ou indícios de irregularidades que fundamentem a investigação a ser levada a cabo. Tem que haver um foco, sob pena de inobservância desse requisito. O prazo certo, por sua vez, impede investigações que se prolonguem indefinidamente, o que poderia conduzir a um desvio dos fins investigatórios para fins políticos-eleiçoeiros. Tais imperativos se robustecem diante dos poderes próprios das autoridades judiciais que são conferidos às CPI’s, razão pela qual o seu uso somente se justifica na presença dos requisitos elencados no art. 58 da Constituição. A questão que exsurge é acerca do número de um terço de assinaturas dos parlamentares: não há uma ofensa ao princípio democrático da maioria? Os parlamentos funcionam sob a égide da maioria nos mais diversos processos de tomadas de decisões, seja para a aprovação de espécies legislativas, seja para as demais deliberações do plenário. Este princípio da maioria se concretiza em três variáveis: maioria simples (maioria dos presentes), maioria absoluta (maioria do total de parlamentares) e maioria qualificada (dois terços ou três quintos). Entretanto, a constituição de CPI configura-se na única exceção ao princípio da maioria que vige nas Casas Legislativas. É o único momento em que as minorias se sobrepõem à maioria. Trata-se de um empoderamento às minorias conferido pela Constituição Federal, visando uma maior transparência e controle das funções estatais. Em razão de tais considerações que o do disposto no par. 3º do art. 58 se constitui num verdadeiro princípio constitucional e, enquanto tal, inderrogável por Estados, Distrito Federal e Municípios. Trata-se de uma norma de repetição obrigatória por todos os entes da Federação, que não podem dispor de maneira diferente em suas Constituições e Leis Orgânicas, sob pena de inconstitucionalidade material. Aliás, abundam decisões jurisprudenciais nesse sentido nos tribunais pátrios. A observância do princípio da minoria na constituição de CPI, ao invés de afrontar o princípio democrático subjacente ao Estado Democrático de Direito brasileiro, constitui-se num imperativo que observa os contornos legais deste Estado e que fortalece a transparência e as relações de controle entre as funções estatais, configurando-se num poderoso instrumento de controle entre as funções estatais.
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