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201665021819 OAB2FASE DIR CONST AULA 04 MAT APOIO

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CERS – Direito Constitucional 
Aula 4. 
Profª. Flavia Bahia 
TEORIA DO PODER CONSTITUINTE 
HISTÓRICO 
No século XVIII, a França era cenário de uma sociedade completamente estratificada, dividida em três Estados. 
O 1o (primeiro) e o 2o (segundo) Estados, juntos, formavam o clero e a nobreza e representavam 2% (dois por 
cento) da população francesa. O 3o (terceiro) Estado era formado pela burguesia alta, média, baixa, proletariado 
e desempregados e totalizava os restantes 98% (noventa e oito por cento) da população francesa. 
Nesse país, marcado pelo autoritarismo e completo desrespeito aos direitos fundamentais da população, o clero 
e a nobreza comandavam as decisões políticas fundamentais em nome de todo o povo francês e o 3 o (terceiro) 
Estado ficava à margem de toda possibilidade de manifestação política importante para o país. 
Nos idos de 1788, o Abade Emmanuel Joseph de Sieyés distribuiu um panfleto, na França, intitulado Qu’est-ce 
que le Tiers État?, ou seja, “O que é o Terceiro Estado?”, que expressava as reivindicações da burguesia contra 
os privilégios e o absolutismo, incentivando o nascimento de um sentimento político na população discriminada 
no sentido de lutar pela sua posição na tomada das decisões políticas fundamentais da França. Esse documento, 
conforme a doutrina, foi lançado pouco tempo antes da Revolução Francesa de 1789.1 
Nesse manifesto estava presente a necessidade de restauração da legitimidade da tomada das decisões políticas 
na França, com a substituição do Estado absolutista e dominador, para um Estado fundado pela vontade da 
Nação.2 Daí nasceu a consagração de que a Constituição (a lei fundamental do Estado) deve nascer da vontade 
de todos, inspirando a convocação da Assembleia Nacional Constituinte para elaboração da Declaração de Di-
reitos francesa de 1791.3 
Pode-se concluir que a teoria de Sieyés foi importante para coroar o processo de resgate da legitimidade política 
e a despersonalização do poder, fundamento do Estado Constitucional moderno. O nascimento de uma Consti-
tuição com raízes populares marca, portanto, a Teoria do Poder Constituinte Originário. 
Importante destacarmos que não é possível confundir o Poder Constituinte com a Teoria do Poder Constituinte. 
O primeiro acompanha o homem desde os primórdios da história, pois não há Estado sem uma força política, 
centro das decisões. Já o segundo representa o surgimento das Constituições modernas que expressam o Poder 
Político fincado no texto constitucional. 
 
1 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 8. ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional no 56/2007. 
São Paulo: Saraiva, 2008, p. 45-46. 
2 Segundo Bulos, ob. cit., p. 46-47, para Sieyès, “Povo e nação não se confundiam. O povo seria o conjunto de 
pessoas reunidas e submetidas a um poder. A nação seria mais do que conjunto; seria a encarnação dos interesses 
dos indivíduos como um todo, na sua generalidade e permanência. Generalidade, no sentido de o poder soberano 
não se limitar, em seu exercício, a nenhuma parcela de indivíduos posto que a soberania pertence à comunidade 
inteira. Permanência, se se considerar o interesse permanente das gerações futuras, que não pode ficar renegado 
ao interesse transitório de um grupo de indivíduos”. 
3 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 146. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
• Poder de direito (ou poder jurídico) 
• Poder de fato 
• Poder político 
Segundo o Abade de Sieyés e os demais jusnaturalistas, o poder constituinte teria como fonte principal os valores 
que são superiores às leis escritas, ou seja, o direito natural, e, nesse sentido, seria um poder de direito. É como 
se a Constituição não fosse verdadeiramente formar direitos, e sim consolidar, em documento escrito, direitos 
que já foram formados antes da própria existência da lei, os direitos advindos do poder natural, do poder divino, 
a liberdade, a igualdade, a ideia da vida etc. 
Os juspositivistas, como Hans Kelsen, dentre outros, entendiam que o poder constituinte se legitimava nele pró-
prio e que não havia nenhum alicerce prévio efetivo, seja em direito natural ou em direito positivo anterior. Com 
isso, o poder constituinte seria um poder de fato. 
Segundo Paulo Bonavides,4 o poder constituinte, em sua origem, é poder de direito, mas na sua aplicação seria 
um poder de fato, ou seja, seu nascimento é baseado nos valores de direito natural, mas na sua aplicação ele é 
um poder de fato, é um poder que não se discute, importante para o Estado e que deve ser cumprido pelos 
cidadãos sem questionamentos. 
 
CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE 
Com o desenvolvimento da Teoria do Poder Constituinte ao longo da história do Direito Constitucional, o poder 
criador, originário, defendido por Sieyès, passou a ser analisado sob outros ângulos. Considerando-se que Cons-
tituição sem mecanismo de reforma é antidireito, e ainda com o surgimento do federalismo americano em 1787, 
que tem como principal vetor a autonomia dos Estados-membros com a sua auto-organização por meio de uma 
Constituição, a doutrina refletiu sobre outras necessárias manifestações do poder constituinte, derivadas do poder 
inicial. 
Daí por que o poder constituinte pode ser conceituado, em síntese, como: o poder que fundamenta a criação de 
uma nova Constituição, a reforma desse texto constitucional e, nos Estados federativos, o poder que legitima a 
auto-organização dos Estados-membros por meio de suas próprias Constituições, bem como as respectivas re-
formas dos textos estaduais. 
Como nos Estados Unitários não há divisão geográfica do poder político, podemos concluir que o poder consti-
tuinte na sua manifestação de criação das Constituições Estaduais só está presente nos Estados Federativos. 
Lammêgo Bulos explica que, do ponto de vista material, sempre existiu e sempre existirá o poder constituinte 
para criar, estabelecer e estruturar a Constituição, entretanto, em uma análise eminentemente formal, o poder 
constituinte é algo novo, cuja formulação provém de Sieyès, que com originalidade, conseguiu exprimir a filosofia 
e o conteúdo desse poder, dissociando-o dos poderes constituídos.5 
 
4 BONAVIDES, Paulo. Ob. cit., p. 149. 
5 Bulos, Lammêgo Uadi. Constituição Federal Anotada. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 47. 
 
 
 
 
 
 
 
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TITULARIDADE X EXERCÍCIO 
Analisando o poder constituinte à luz da Constituição de 1988, encontramos a sua titularidade e o exercício no 
art. 1o, parágrafo único,6 por meio do qual podemos afirmar que o titular do poder não se confunde sempre com 
o seu exercente. 
De acordo com o dispositivo constitucional citado, a titularidade do poder está nas mãos do povo, mas a exterio-
rização desse poder pode ser direta ou indiretamente exercida pelo povo. 
Movidos por seus direitos políticos, o povo toma decisões políticas diretas quando participa de plebiscito, de 
referendo, ajuíza ação popular, participa de projetos de lei populares, etc. Em suma, quando o povo toma decisões 
políticas sem necessidade de intermediações, sem representação, diz-se que o exercício do poder está sendo 
realizado de forma direta. Por sua vez, o exercício indireto é realizado pelos nossos representantes, que recebem 
o voto para, em nosso nome, tomar as decisões políticas fundamentais para o nosso país. Esse dispositivo cons-
titucional, expressa a base democrática brasileira com um modelo de democraciasemidireta ou participativa. 
Em sua obra clássica, Qu´est-ce que le Tiers État?, o abade de Sieyès sustentou que o Poder Constituinte reside 
na vontade da Nação, o que não se confunde com o Povo. Segundo explica Uadi Lammêgo Bulos, o povo seria 
o conjunto de pessoas reunidas e submetidas a um poder, e a nação seria mais do que o conjunto; seria a 
encarnação dos indivíduos como um todo, na sua generalidade e permanência. Generalidade, pois o poder não 
estaria limitado, em seu exercício, a nenhuma parcela de indivíduos, posto que a soberania pertence à comuni-
dade inteira. Permanência, no sentido de se considerar o interesse permanente das gerações futuras, que não 
poderá ficar renegado ao interesse transitório de um grupo de indivíduos.7 
 
PODERES CONSTITUÍDOS 
O poder de tomada de decisões políticas fundamentais é uno e indivisível, entretanto, para evitar a concentração 
de poder, sua manifestação se dá por meio das funções legislativa, executiva e judiciária.8 
Essas manifestações do poder são consagradas como poderes constituídos porque foram desenhados pela von-
tade da Constituição, fruto do poder constituinte originário. Com isso, os trabalhos legislativo, executivo e judici-
ário estão subordinados ao texto constitucional. Como exemplos dessa sujeição dos Poderes à Constituição, 
poderíamos concluir: se o legislador elabora leis contrárias à Constituição, o juiz deverá declará-las inconstituci-
onais (ex.: art. 102, I, “a”, da CF/88); se o chefe do Executivo descumpre a Constituição, deverá ser processado 
na forma do art. 85 da CF/88. 
 
ESPÉCIES DE PODER CONSTITUINTE 
Com base no conceito acima exposto, poderíamos dividir o Poder Constituinte em três manifestações: o poder 
originário (poder criador, de 1o grau, genuíno) e suas manifestações derivadas (de 2o grau, poder instituído, cons-
tituído ou remanescente); o poder reformador com base no art. 60 da CF/88 (realizando a alteração formal do 
 
6 Art. 1o, parágrafo único, da CF/88: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes 
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. 
7 BULOS, Lammêgo Uadi. Constituição Federal Anotada. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 47. 
8 Art. 2o da CF/88: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o 
Judiciário”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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texto da Constituição); e o poder decorrente, de acordo com o art. 11 do ADCT (que permitirá, nos Estados 
federativos, a elaboração e reforma das Constituições Estaduais). 
 
O Poder Constituinte Originário 
O poder constituinte originário é o poder criador, o poder institucionalizador de uma Constituição central. Podemos 
dizer que a sua última manifestação no Brasil foi realizada no dia 5 de outubro de 1988, quando da promulgação 
da nossa atual Constituição. 
É claro que se desenha um modelo ideal de um poder constituinte originário sempre pautado na vontade popular. 
Mas, aqui no país, nem sempre isso foi possível, diante da nossa história conturbada de ditadura e pseudodemo-
cracias. Então é possível se dizer que o poder constituinte originário se manifestou no Brasil por meio de todas 
as Constituições, de 1824 a 1988.9 
Por sua vez, em suas manifestações posteriores, o Poder Constituinte Originário se exterioriza de maneira deri-
vada, dando ensejo ao Poder Constituinte Derivado, com as suas espécies, Reformador e Decorrente. 
 
O Poder Constituinte Derivado Reformador 
É o que possibilita a reforma formal da Constituição. No texto da atual Lei Maior é exteriorizado por meio das 
espécies normativas: emendas revisionais (art. 3o do ADCT) e emendas constitucionais (art. 60 da CF/88). 
 
O Poder Constituinte Derivado Decorrente 
É o que permite, nos Estados federativos, a auto-organização dos Estados-membros na forma dos arts. 25 da 
CF/88 e 11 do ADCT. Frise-se que essa manifestação de poder é peculiar aos Estados federativos diante da auto-
nomia dos entes que os compõem, não existindo, em regra geral, nos Estados unitários, que não possuem Consti-
tuições Estaduais. 
Levando-se em consideração que, no Brasil, o Distrito Federal e os Municípios também fazem parte da nossa 
Federação, qual seria o poder que fundamenta a elaboração de uma Lei Orgânica do Distrito Federal e de uma 
Lei Orgânica de Município brasileiro? 
Apesar da controvérsia na doutrina, podemos dizer que a Lei Orgânica do Município é uma manifestação consti-
tuída do Poder Legislativo municipal e não é considerada fruto de poder constituinte derivado decorrente. Quanto 
à Lei Orgânica distrital, o entendimento majoritário tem sido o de a reconhecer como manifestação de poder 
constituinte derivado decorrente, tendo em vista que retira fundamento jurídico de validade diretamente da Cons-
tituição da República e que tem força normativa equivalente a da Constituição Estadual (servindo, inclusive, como 
parâmetro de constitucionalidade estadual). 
Não há que se falar em poder constituinte decorrente nos territórios, tendo em vista que são descentralizações 
políticas administrativas da União Federal e não possuem autonomia. 
 
9 Com a ressalva ao texto da EC no 1/69, fruto do poder reformador. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
O poder constituinte originário tem como principais características, as de ser: 
• Inicial 
• Ilimitado 
• Incondicionado 
• Permanente 
É inicial, pois inaugura uma nova ordem jurídica, rompendo com o ordenamento jurídico anterior, dando ensejo à 
importância de se analisar o que acontecerá com o ordenamento anterior constitucional e infraconstitucional. É 
ilimitado, pois não está de modo algum limitado pelo direito positivo anterior e, também, incondicionado, pois não 
tem que se submeter a nenhuma forma prefixada para sua manifestação. Nesse sentido, pode surgir de uma 
revolução, de um golpe, de um plebiscito ou de um referendo. Seria permanente por continuar existindo mesmo 
após concluir a sua obra, ou seja, não se esgotaria com a criação da nova Constituição. 
Alguns autores ainda acrescentam que é um poder autônomo, por caber apenas ao seu titular a escolha do 
conteúdo a ser consagrado na Constituição. Nesse contexto, mostra-se relevante a decisão do Supremo Tribunal 
Federal no bojo da ADI nº 815/DF. No seu julgamento, o tribunal entendeu não existir hierarquia entre as normas 
constitucionais originárias. Isto é, não seria possível que o STF, na sua tarefa de zelar pela guarda da Constituição 
Federal, declarasse que determinadas normas promulgadas pelo constituinte originário eram eivadas de incons-
titucionalidade, por terem conteúdo incompatível com o das demais normas constitucionais. Deste modo, o con-
trole de constitucionalidade mostra-se possível, tão somente, em face do poder constituinte derivado.10 
Os adeptos da teoria jusnaturalista afirmam que este poder seria ilimitado pelo direito positivo já que não é neces-
sária a observância de qualquer regra anterior à nova constituinte, entretanto, existiriam limitações instituídas pelo 
direito natural. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho: (...) Todas correntes estão de acordo em reconhecer que ele 
é ilimitado em face do Direito positivo (no caso a Constituição vigente até sua manifestação). A este caráter os 
positivistas designam soberano, dentro da concepção de que, não sendo limitado pelo Direito positivo, o Poder 
Constituinte não sofre qualquer limitação de direito, visto que para essa escola de Direito somente é Direito quando 
positivo. Os adeptos do jusnaturalismo o chamam de autônomo, para sublinhar que,não limitado pelo Direito posi-
tivo, o Poder Constituinte deve sujeitar-se ao Direito natural.11 
Nesse mesmo sentido, Jorge Miranda distingue três categorias de limitações materiais (ou substanciais) possí-
veis: transcendentes, imanentes e heterônomos.12 
Os limites transcendentes são os que se prendem aos direitos fundamentais, interligados com a dignidade da 
pessoa humana, advindos do direito natural. Com base nesses limites, é possível se estabelecer o princípio da 
vedação ao retrocesso (“efeito cliquet”), o qual impede retrocessos na seara de direitos fundamentais já consoli-
dados. Exemplo: instituir na atual Constituição a proibição do voto feminino, presente no constitucionalismo bra-
sileiro desde 1934. 
Já os limites imanentes são impostos ao Poder Constituinte no que tange à estrutura principal do Estado, à sua 
soberania e forma. 
 
10 STF, ADI nº 815/DF, Plenário, Rel. Min. Moreira Alves, j. 28.03.96, DJ 10.05.96. 
 
11 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 23. 
12 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 2000. t. II. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Os limites heterônimos estão relacionados com o direito internacional, ou seja, às relações internacionais esta-
belecidas pelo país, bem como aos princípios, tratados e regras e demais obrigações que devem ser respeitadas. 
 
CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO 
O poder constituinte derivado, por sua vez, possui as seguintes características principais: 
• Subordinado 
• Condicionado 
• Limitado 
 
É subordinado, pois as suas manifestações (reformadora e decorrente) encontram fundamento de validade na 
Constituição Federal e devem respeitá-la, sob pena de declaração de inconstitucionalidade. A exteriorização das 
espécies normativas baseadas nesse poder (emendas e normas constitucionais estaduais) deve ser realizada, 
em razão de seu condicionamento, em harmonia com a Constituição Federal e as suas limitações se fazem 
presentes de acordo com as normas que devem ser obedecidas para sua elaboração, bem como ao conteúdo, 
que não pode desrespeitar o do texto constitucional principal. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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