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polity,politics, policies

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Universidade de São Paulo
Departamento de Ciência Política
Projeto de Pesquisa
2008/2010
Rogério Bastos Arantes
http://lattes.cnpq.br/6438633094553520 
Agosto de 2008
Resumo
O presente projeto tem como objetivo principal examinar as relações entre Constitucionalismo e
Democracia, em perspectiva comparada. Em linha de continuidade com estudos anteriores, conduzidos
em parceria com Cláudio Gonçalves Couto, este projeto apresenta os elementos teóricos principais que
orientam a pesquisa – especialmente a metodologia de análise constitucional que logramos desenvolver
nos últimos anos – bem como estabelece os objetivos mais específicos de investigação para o triênio
2008/2010. 
O eixo teórico principal e que articula as frentes de trabalho associadas ao projeto diz respeito aos
diferentes perfis constitucionais adotados pelas novas democracias e o papel específico desempenhado
pela constituição no funcionamento cotidiano de regimes democráticos, de suas instituições políticas e
judiciais. A perspectiva comparada tem ocupado lugar central nessa análise, e vem sendo desenvolvida
pari passu aos avanços obtidos nos planos da pesquisa empírica e do modelo teórico mais geral.
Cumpre destacar que o projeto tem sido apoiado pelo CNPq (por meio dos editais universais de 2003 e
2006), já propiciou experiencia de Iniciação Científica a 7 alunos de graduação (nos cursos de Ciências
Sociais, Relações Internacionais e Direito) e resultou em publicação de capítulos de livros e de artigos
em periódicos de ampla circulação. Um destes trabalhos recebeu da Associação Brasileira de Ciência
Política o prêmio “Olavo Brasil de Lima Junior” pelo melhor artigo de Ciência Política e Relações
Internacionais publicado no biênio 2006-2008.1
1Foi ele: COUTO, Cláudio G. & ARANTES, Rogério B. “Constituição, governo e democracia no Brasil”. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 21, n. 61, 2006. Outros títulos são: ARANTES, Rogério B. & COUTO,
Cláudio G.“Constitución o Políticas Públicas? Uma evaluación de los años FHC.” In Vicente PALERMO (comp.)
Política brasileña contemporánea. De Collor a Lula en años de transformación. Instituto Di Tella e Siglo XXI,
2003.ARANTES, Rogério Bastos. “Constitutionalism, the Expansion of Justice and the Judicialization of
Politics in Brazil”. In: Rachel SIEDER; Line SCHJOLDEN; Alan ANGELL. (Org.). The Judicialization of Politics in Latin
America. 1 ed. New York: Palgrave Macmillan, 2005, p. 231-262. ARANTES, Rogério B. & COUTO, Cláudio G.
“A Constituição sem fim” in Sérgio PRAÇA & Simone DINIZ, S. (orgs) Vinte anos de Constituição. São Paulo: Paulus,
2008.
2
1. Introdução e delimitação do modelo teórico: Polity, Politics e Policy.2
As relações entre constitucionalismo e democracia remontam ao pensamento político clássico e
sempre despertaram muita atenção entre os analistas políticos (Holmes, 1988b; Ackerman, 1988 e 1991;
Waldron; 1999). Sob regimes democráticos de feição liberal, as constituições adquiriram papel central
na organização do Estado e na limitação do poder político. No século XX, no bojo dos processos de
ampliação do Estado e de suas funções sociais, as constituições de perfil liberal-democrata também
sofreram modificações importantes e passaram a incorporar novas funções e novas metas relativas ao
funcionamento do Estado de Bem-Estar Social. Em que pesem esse longo desenvolvimento das
relações entre constitucionalismo e democracia e um amplo conhecimento jurídico e político já
existente sobre o mesmo, não chegamos a elaborar modelos teóricos mais precisos sobre as diferentes
dimensões do processo político e as relações recíprocas entre o nível constitucional, o jogo político
propriamente dito e a produção e implementação de políticas de governo. Esta seção se destina a
delimitar nosso tema de pesquisa, justamente a partir da formulação teórica de um modelo de análise
das constituições vis-à-vis as demais dimensões do sistema político.3 
Que papéis têm, nos regimes democráticos constitucionais, as regras do jogo político, a competição
pelo poder e as decisões concretas de governo? Embora cada uma destas dimensões seja parte constitutiva do
processo político na democracia, elas não têm o mesmo significado nem contribuem da mesma forma
para o funcionamento do regime democrático. Se quisermos, portanto, compreender corretamente a
dinâmica política real das democracias constitucionais, é indispensável verificar como regimes desse
tipo são capazes de distinguir e articular essas três dimensões do arcabouço institucional básico e da
dinâmica política.
Em primeiro lugar, é importante considerar que regimes democráticos se distinguem em geral
de regimes não democráticos pela presença de alguns elementos-chave, a saber: 
1. o jogo político transcorre de acordo com regras preestabelecidas;
2. as eleições são periódicas e ocorrem por meio de sufrágio universal;
3. os mandatos dos eleitos são limitados tanto temporalmente como no que diz respeito ao alcance de
suas decisões e ações;
4. a vontade majoritária da população prevalece nos limites das regras preestabelecidas;
5. a oposição é participante legítima do jogo e deve ter condições de chegar ao poder pelo voto
popular;
6. os governantes são responsáveis perante o eleitorado;
7. os direitos civis clássicos de liberdade negativa são garantidos.
2 O modelo teórico que orienta o presente projeto, nesta e nas seções seguintes, foi desenvolvido em co-autoria com Cláudio
Gonçalves Couto. Boa parte da proposta que aqui apresento será desenvolvida em parceria com o referido pesquisador.
3 Tal modelo vem sendo desenvolvido desde versões anteriores deste projeto de pesquisa e já foi apresentado e discutido em
encontros acadêmicos na área de ciência política, tendo integrado nossas publicações mais recentes (COUTO & ARANTES,
2003, 2006; ARANTES, 2005; COUTO 2005)
3
Estes elementos estabelecem regras básicas do jogo político democrático, conformando o que
há de essencial na estrutura constitucional de uma poliarquia. Na medida em que delineiam os contornos
básicos do regime são, em princípio, condições paramétricas estáveis para o exercício do jogo político, não se
confundido com este ou com seus resultados. Pelo fato de a estrutura constitucional conter tais
parâmetros, é de se esperar que ela esteja baseada num amplo consenso dentre os diversos atores políticos
(os jogadores), ao menos no que concerne a seus aspectos centrais; por outro lado, dado que se trata de
um acordo básico, um pacto entre atores poliárquicos, é possível esperar que os dispositivos por ele
estabelecidos tenham caráter não controverso, isto é, que não encerrem motivo de dúvida ou de disputa.
Fixados os termos consensuais dessa estrutura constitucional básica, o relacionamento concreto
entre atores políticos num regime democrático se dá em duas outras dimensões principais, mais visíveis
e perceptíveis no dia-a-dia das democracias do que a primeira:
1. a competição política;
2. a decisão sobre questões governamentais.
A competição política constitui o próprio jogo e nela estão implícitos os enfrentamentos, as
disputas, as negociações, os acordos e as coalizões. Trata-se da dimensão dinâmica da realidade política,
enquanto as condições paramétricas estáveis constituem a sua dimensão estática. Noutras palavras, o
jogo político diz respeito à ação (e à interação), ao passo que as condições paramétricas dizem respeito à
estrutura, no âmbito da qual ocorrem as ações (e interações). É também no âmbito desta competição
que se definem, nos limites das regras estabelecidas, os que ganham e os que perdem, os que ocuparão
os cargos públicos (eletivos ou não) e os que ficarão excluídos do poder, os aliados e os adversários etc.
No entanto, além deste jogoque leva à definição de quem governa e de como se governa, há
também a importante dimensão da tomada de decisões sobre as ações de governo, que constitui outra
esfera particular do regime democrático. Tais decisões são elas próprias um objetivo e uma decorrência – ao
mesmo tempo – do jogo político. Afinal, por que motivos competem os jogadores nas poliarquias?
Para ocupar postos de poder e influência, em primeiro lugar, mas para definir políticas públicas, em
segundo. Estas últimas, ao contrário das condições paramétricas estáveis, espera-se que sejam objeto de
disputa, e não de um amplo consenso; também é de se esperar que, da mesma forma, tenham caráter
controverso. Enquanto a primeira dimensão constitui a base para o jogo político, esta última representa
seus resultados concretos, produzidos em meio ao conflito e à controvérsia. E da mesma maneira como
este jogo se desenrola limitado pela estrutura constitucional, o alcance dos resultados também está
limitado por essa estrutura – o que não significa dizer que seja predeterminado por ela.4
4 Numa perspectiva mais filosófica e menos institucional do que a nossa, SARTORI analisa a questão do consenso na
democracia também em três níveis, do mais básico ao mais superficial: 1. o nível básico diz respeito ao consenso sobre
valores supremos (tais como a liberdade e a igualdade) que habitam a cultura política; 2. o nível procedimental de consenso
concerne às regras do jogo político; é indispensável ao funcionamento da democracia; e 3. o nível programático do processo
político, marcado pela discussão sobre governos específicos e suas políticas públicas, âmbito no qual o consenso, se houver,
está em permanente tensão e ajuste decorrentes do debate acerca das ações políticas concretas. Noutras palavras, o terceiro
nível está mais para o dissenso (que não ameaça o edifício institucional da democracia se o consenso procedimental estiver
consolidado) do que para o consenso. Cf. G. SARTORI (1994: 127-32). Stephen HOLMES (1988b), por sua vez, faz referência
aos “comprometimentos prévios” que são criados pelo ordenamento constitucional. 
4
À falta de termos apropriados e claramente diferenciados na língua portuguesa para distinguir
cada uma dessas três dimensões da realidade política, podemos – recorrendo ao inglês – chamá-los,
pela ordem em que foram apresentados acima, de polity, politics e policy. A polity corresponde à estrutura
paramétrica estável da política e que, supõe-se, deve ser a mais consensual possível entre os atores; a
politics é o próprio jogo político; a policy diz respeito às políticas públicas, ao resultado do jogo disputado
de acordo com as regras vigentes5. O quadro 1 resume a natureza e as características principais destas
três dimensões do processo político democrático.
Quadro 1
Natureza das dimensões ideais do processo político democrático
DIMENSÃO NATUREZA DENOMINAÇÃO
CARACTERÍSTICA
FORMAL
CARACTERÍSTICA
SUBSTANTIVA
Normatividade
Constitucional
Regras Gerais do
Jogo Político
(Estrutura)
Polity
Pacto entre os
diversos atores
políticos
Generalidade
Embates e
Coalizões Políticas Jogo Político Politics
Relacionamento
dinâmico entre os
atores políticos
Conflito e/ou
Cooperação
Normatividade
Governamental
Resultados do Jogo
Político
(Conjuntura)
Policy
Vitória/Derrota de
diferentes atores
políticos
Especificidade
Não trataremos aqui da dimensão dinâmica do processo democrático, a politics, para
concentrarmos nossas atenções na hierarquia normativa que distingue o pacto constitucional (polity) de
decisões governamentais (policy). 
As normas constitucionais definem a estrutura do sistema político, fixando suas condições gerais
de funcionamento. Por isto, caracterizam-se por maior generalidade, definindo os pressupostos básicos
do jogo político, assim como os limites deste e de seus resultados. Num regime poliárquico, o ideal seria que
tal normatividade decorresse de um pacto entre os atores políticos, sendo estipulada da forma mais
consensual possível. A exigência de consenso quanto a essa dimensão deveria ser alta justamente para
evitar que a Constituição, com seu caráter de maior permanência, refletisse a vitória isolada de alguns
setores da sociedade sobre outros, consagrando seus interesses particulares de forma perene e
colocando-os fora do alcance do jogo político futuro. A pactuação consensual de princípios
constitucionais implica na normatização dos interesses comuns aos diversos setores da sociedade, ou,
no máximo, dos interesses particulares inegociáveis, sem cuja garantia o convívio pacífico e a
competição política leal entre os diversos setores sociais e políticos seriam ameaçados6. Por definir
5 Decidimos recorrer a esta terminologia pelo fato de que a utilização de termos em português perderia em clareza e
precisão. Não há termo em nossa língua que seja equivalente a polity. Mesmo a expressão politéia, roubada ao grego, não é de
uso corrente e sequer consta dos principais dicionários. No que diz respeito a politics e policy, a palavra em português é a
mesma para ambas: política. Neste caso, precisaríamos falar o tempo todo em “política” como atividade, e em “política
pública”, ou “política governamental”, ou ainda em “políticas”. Por uma questão de economia de linguagem e clareza,
optamos pelos termos em inglês.
6 Qualquer ordenamento constitucional num regime político competitivo, ao fixar condições mínimas para a aceitação do
jogo pelos pactuantes, coloca certas questões fora do jogo político cotidiano. Stephen HOLMES (1988a) aponta essa questão
ao mencionar as chamadas gag rules (ou regras de silêncio) presentes num ordenamento constitucional. Ele faz referência
direta à questão da escravatura no regime constitucional norte-americano criado em 1787. Tratava-se de uma regra sobre a
5
somente parâmetros, princípios e limites do jogo político, normas constitucionais democráticas devem
ter caráter genérico, de modo que medidas específicas para sua efetivação sejam tomadas
conjunturalmente, tendo em vista as circunstâncias particulares com as quais lidam os governos. 
Condição básica do jogo político, resultantes de um pacto político entre elites concorrentes, as
normas constitucionais encarnam a própria estrutura do Estado, da polity. São, portanto, normas de
caráter soberano, em princípio não sujeitas à discussão cotidiana, decorrentes de um momento inaugural
constituinte, no qual se iniciam o sistema e o jogo políticos; em virtude disto, é de se esperar que sejam
protegidas contra modificações freqüentes. Tendo em vista tal finalidade, as regras decisórias que
balizam o processo de modificação da normatividade constitucional costumam ser mais exigentes:
quoruns ampliados de votação, prazos mais dilatados, poder de veto conferido a diversos atores
institucionais e até mesmo a vedação total a qualquer mudança pela legislatura ordinária mediante
simples emendas constitucionais, requerendo-se nesse caso a realização de uma nova Assembléia
Constituinte. Noutras palavras, o grau de consenso necessário a decisões de tipo constitucional é muito mais
amplo do que aquele aplicável às decisões da política governamental.
O governo age na conjuntura; sua ação baliza-se pela eficácia; suas decisões podem – sem maiores
problemas – constituir imposições da parte vitoriosa na disputa democrática (a maioria) sobre a parte
derrotada (a minoria), assim como podem ter caráter específico e sentido controverso. Tudo isto é possível,
desde que as decisões de governo não contrariem a normatividade constitucional. É da natureza do
próprio jogo democrático o perde-ganha político; ora um grupo obtém o controle sobre os postos
capazes de processardecisões governamentais, ora outro. As oscilações decorrentes deste processo
refletem-se diretamente sobre a formulação e implementação das políticas públicas (policies), que são
objetos da avaliação do eleitorado, o qual – com base num juízo sobre o desempenho do governo –
premia ou pune seus representantes nas eleições subseqüentes, por meio das escolhas eleitorais. Se a
alternância de grupos (partidos) no governo é uma condição do regime democrático, a variação das
políticas públicas (policies) é uma conseqüência prática inevitável (e desejável) desse princípio. A
possibilidade de que tal variação de policies ocorra é, portanto, pré-requisito de que a alternância de
grupos (partidos) no governo tenha efeitos práticos. Daí as menores exigências das regras decisórias
referentes à produção de a policies.7
qual sequer se poderia falar, com vistas a não destruir o regime instituído pelos founding fathers. Evidentemente, a existência
de tal regra não seria admissível numa democracia, mas mesmo regimes poliárquicos contêm as suas gag rules, ou, ao menos,
temas que não estão sujeitos à decisão majoritária cotidiana. O direito à propriedade privada é um exemplo disto.
7 Para uma abrangente discussão acerca do processo de emendamento constitucional, ver o volume organizado por Sanford
LEVINSON (1995).
6
2. Critérios de distinção de matérias constitucionais e não-constitucionais.
Formulação da Metodologia de Análise Constitucional.
Se nossos argumentos sobre as dimensões de polity, politics e policy estão corretos, seria possível
distinguir, no interior de uma constituição escrita, os aspectos fundamentais do ordenamento político
relativos à estrutura do Estado (polity) daqueles outros que, embora se refiram ao conteúdo material de
ações estatais prováveis ou desejáveis (policies), foram abrigados pelo texto constitucional e
assemelhados formalmente aos princípios da polity. 
Nossa intenção, nessa parte, é elaborar critérios objetivos que nos permitam classificar os
dispositivos constitucionais como polity ou policy. A tarefa exige boa dose de argumentação, dado que o
texto formal contempla sem distinção esses dois princípios e estabelecer uma hierarquização entre eles
é correr um risco considerável. 
Como se sabe, o constitucionalismo moderno se desenvolveu a partir do princípio liberal da
limitação do poder político vis à vis a liberdade civil e individual. De modo geral, os textos
constitucionais modernos preocuparam-se em estabelecer os princípios fundamentais do Estado ao
mesmo tempo que procuraram definir os limites da ação estatal da maneira mais rigorosa possível.
Poder e liberdade são considerados antitéticos na tradição liberal e essa oposição marcou decisivamente
o surgimento das primeiras constituições escritas do final do século XVIII. Contemporaneamente, o
conjunto de dispositivos constitucionais relacionados à regulação desse antagonismo vem sendo
difundido por meio das noções de Estado de Direito e Rule of Law. Posteriormente, com a ampliação do
sufrágio, as Cartas também passaram a ter de lidar com a realidade da incorporação de contingentes
cada vez maiores da população ao processo político. Desta forma, às duas noções anteriores
acrescentou-se a de Estado democrático.
Cremos que uma primeira classificação do texto constitucional, em termos de polity e policy,
deveria retornar às origens do constitucionalismo moderno e aos princípios liberais que marcaram a
refundação do Estado, bem como aos princípios democráticos que vieram em seguida, especialmente a
ampliação dos direitos de participação. Neste sentido, os seguintes critérios poderiam ser adotados para
identificar os dispositivos típicos da polity e, por exclusão, revelar aqueles que poderiam ser
considerados veículos de policy. Dentre os princípios de um regime liberal-democrático, formalizados
constitucionalmente, apenas seriam típicos da polity:
(1) As definições de Estado e Nação, tais como o regime republicano ou monárquico, a
organização federativa ou unitária, o exercício direto e/ou por via representativa do poder político pelo
povo, a noção de nacionalidade e a estrutura do aparato estatal.
(2) Os direitos individuais fundamentais caracterizados pelas condições básicas do exercício
da cidadania individual. Consideramos como princípios da polity, nessa primeira classificação geral, as
7
garantias da liberdade civil, que BERLIN (1981: 133-145) reuniu sob a expressão “liberdade negativa”
(proteção do cidadão contra a ação arbitrária do Estado) e os direitos políticos de participação
democrática. Note-se que esse critério minimalista afasta da definição constitucional da polity os direitos
substantivos, individuais e sociais, que normalmente vêm acompanhados de normas constitucionais
programáticas.
(3) As regras do jogo, que organizam os processos de: participação e competição políticas,
relacionamento entre e intrapoderes, interação entre níveis de governo e entre atores coletivos
reconhecidos pela Constituição como lidando com interesses de ordem pública. Tais regras estipulam:
(a) a divisão de prerrogativas e funções entre os atores institucionais, (b) as regras operacionais do
processo decisório governamental e (c) os tempos e prazos que balizam tais processos.
Os 3 critérios apontados acima partem da maior generalidade possível da polity (critério 1) e vão
ganhando especificidade até quase tocar, por duas vezes, o nível de policy. No critério 2, a menção à
cidadania poderia nos levar a incluir direitos constitucionais substantivos que costumam requerer policies
para tornar possível a sua efetivação. Todavia, nessa definição minimalista de polity, evitamos confundir
direitos individuais de proteção (contra o Estado e também contra outras pessoas) e de participação na
esfera política, com os direitos dependentes de promoção através de políticas governamentais. Segundo
essa classificação inicial, o primeiro tipo de direitos compõe a polity e, portanto, tem natureza
constitucional. O segundo tipo aproxima-se da categoria de policy, apesar de sua inclusão na Carta
conferir-lhe formalmente status constitucional. 
A definição operacional de polity também se aproxima da de policy quando, no critério 3 (as regras
do jogo), mencionamos as funções dos diversos entes governamentais. Note-se, todavia, que o critério 3
destina-se a catalogar artigos constitucionais que organizam processos – dentre eles o da divisão de
atribuições governamentais específicas entre os órgãos estatais – e não devem, portanto, ser
confundidos com aqueles dispositivos que estabelecem funções promocionais do Estado e que serão
classificados como policy. Nesse sentido, as funções de governo só serão classificadas como parte
componente da polity quando disserem respeito a questões de ordem procedimental, relacionadas à
distribuição horizontal de poder entre os diversos entes estatais, ao funcionamento interno desses mesmos
entes, à participação democrática dos cidadãos e à garantia de sua liberdade negativa. Nessa perspectiva,
funções passíveis de serem classificadas como polity provavelmente não serão aquelas que se referem a
obrigações positivas do Estado, mas aquelas inspiradas nos princípios liberal do governo limitado e
democrático do governo participativo. De outro lado, elas serão classificadas como policy justamente
quando impuserem essas obrigações positivas, ao estilo “direito do cidadão, dever do Estado”, numa
perspectiva vertical de relação entre o governo e a sociedade, em torno de direitos substantivos cuja
efetivação depende da implementação de políticas públicas.Entretanto, desde que MARSHALL (1967: cap.III) definiu a composição tripartite da cidadania
moderna em direitos civis, políticos e sociais e que os textos constitucionais da segunda metade do século
8
XX estabeleceram um amplo leque de obrigações sociais do Estado, tornou-se bastante difícil defender
um conceito de polity tão minimalista como o estabelecido acima. Em todos os países que recentemente
adotaram o figurino liberal-democrático, gamas importantes de direitos sociais foram mencionadas nos
capítulos constitucionais destinados aos direitos e garantias fundamentais. Nossas constituições atuais não se
restringem a estabelecer os limites necessários à vigência da “liberdade negativa” e tratam de avançar na
direção da igualdade, impondo obrigações positivas ao Estado. É verdade que a realização dessa
igualdade é obstada pelo direito também constitucional da propriedade privada, não sendo demais
lembrar que tal dispositivo é a pedra angular do Estado de Direito liberal. De qualquer forma,
considera-se um grande salto de cidadania a constitucionalização de direitos de igualdade material entre
os homens, mesmo que definições como “função social da propriedade” e “Estado Democrático de
Direito” comportem boa dose de contradição, refletida em tensões no interior do texto constitucional. 
Por estas razões e apesar de os conceitos de cidadania e polity não designarem a mesma coisa,
decidimos trabalhar com dois tipos de classificação: a minimalista, baseada nos três critérios acima, e
uma maximalista, que além dos três anteriores, incorporaria um quarto critério:
(4) Os direitos materiais orientados para o bem-estar e a igualdade, assim como as funções
estatais a eles associadas. Tais direitos e funções estatais não se confundem com os três critérios
anteriores, dado que não têm implicação direta sobre as definições de Estado e Nação, não constituem
direitos civis de proteção da liberdade nem direitos políticos de participação democrática, nem
configuram regras processuais da competição pelo poder ou das relações entre e intra-órgãos e níveis
governamentais. Todavia, não se trata aqui de fazer mera concessão a uma visão da constituição como
programa social de governo, mas de indicar que determinados direitos materiais podem sem
considerados condições básicas para o funcionamento adequado do regime democrático. Tais direitos têm
a importante função de promover a adesão ao pacto político democrático e suprimi-los poderia levar a
democracia ao colapso. Enquanto os direitos civis de liberdade e políticos de participação mencionados
no critério 2 podem ser considerados direitos operacionais indispensáveis à vida democrática, os direitos
materiais aqui mencionados podem ser considerados direitos condicionantes do jogo político nesses
regimes, na medida em que mantém a adesão social ao pacto político democrático8.
Por fim, independentemente do peso mais liberal-democrático ou mais igualitário das
constituições, seus textos devem estabelecer apenas os princípios fundamentais do ordenamento
político, não sendo conveniente que desçam a detalhes que sejam objeto da politics infraconstitucional
cotidiana, momento da confecção de policies. Ao constitucionalizar normas que poderiam ser temas do
jogo político ordinário, acaba-se por extrapolar justamente o seu caráter constitucional, conformador do
jogo, estipulando-se a priori e de forma rígida aquilo que seria passível de mudanças freqüentes; limitam-
se demasiadamente os resultados possíveis do próprio jogo, pois se constrange a liberdade dos atores
8 Estamos aqui tratando dos direitos sociais, mas também alguns outros direitos podem ser condicionantes. É o caso do
direito de propriedade, que não se enquadra na categoria de direito social de Marshall (e sim na de direito civil) mas se
constitui num condicionante óbvio para o funcionamento de quaisquer regimes políticos em sociedades capitalistas.
9
na politics cotidiana, tornando formalmente polity o que seria considerado policy em países dotados de
constituições mais enxutas. Tendo isto em vista, decidimos incluir dois outros critérios, secundários,
que deverão ser acionados na tarefa de classificar o texto constitucional..
(5) Critério de Generalidade. Deixarão de ser classificados como polity os dispositivos
constitucionais não genéricos (muito específicos). Embora de difícil definição, o limiar entre a
generalidade e a especificidade poderia ser determinado da seguinte forma: são específicos os artigos
derivados de princípios constitucionais superiores, mas cujo conteúdo pode sofrer alterações sem que
isso ponha em risco os dispositivos mais amplos sob os quais esses artigos estão abrigados. Essa talvez
seja uma maneira eficaz de distinguir polity de policy, uma vez que os textos constitucionais
contemporâneos tendem, metaforicamente, a assemelhar-se a árvores de cujo tronco vão saindo galhos
que se ramificam até os últimos detalhes. Nosso critério de generalidade poderia funcionar a exemplo
da poda, que corta pontas de galhos sem que isso ameace a vida da árvore: da mesma forma, existiriam
artigos constitucionais cuja retirada do texto constitucional não colocaria em risco o princípio
fundamental ao qual ele está associado. Isto será particularmente útil na desclassificação da condição de
polity dos dispositivos relacionados ao estabelecimento de regras do jogo, mas que por serem
demasiadamente detalhistas, especificando processos que deveriam ser objeto de norma
infraconstitucional, poderiam ser “podados” da constituição sem que a essencialidade do principio
superior fosse afetada.
(6) Critério de Controvérsia. Também deixarão de ser classificados como polity os dispositivos
cujo conteúdo for tipicamente objeto da controvérsia político-partidária cotidiana, dizendo respeito às
plataformas governamentais apresentadas pelos partidos em seu embate pelos postos de governo e não
se enquadrando, portanto, na condição de norma paramétrica da politics que caracteriza dispositivos de tipo
constitucional. Nesse sentido, via de regra não serão desclassificados como polity, pelo critério de
controvérsia, os dispositivos constitucionais que estabelecem regras procedimentais.
As razões pelas quais adotamos estes dois últimos critérios são as seguintes. No que diz respeito
à questão da generalidade, normas muito específicas deixam de constituir parâmetros de funcionamento
do sistema político, de desenrolar do jogo e de limitação do escopo das decisões, para se tornarem –
por antecipação – as próprias decisões que caberiam aos atores políticos; por conta disto, perdem seu
caráter constitucional. Ademais, é de se esperar que acabem por criar obstáculos à gestão política
conjuntural, na medida em que podem engessar a ação dos governantes e/ou dos atores sociais diante
de situações imprevistas, mudanças de condições sociais, novas tecnologias etc. Com isto, a
Constituição pode acabar se tornando não um instrumento que confira maior segurança à sociedade,
mas que a impeça de dar cabo de seus problemas em tempo hábil e com a precisão necessária, devido
ao congelamento constitucional de diversos assuntos.
O mesmo raciocínio se aplica à questão da controvérsia – com um agravante. A
constitucionalização de policies não apenas reduz demasiadamente a margem de manobra decisória dos
10
atores, mas o faz em detrimento da democracia. Isto porque acaba por restringir excessivamente – tendo em
vista o leque ideológico e de interesses de uma sociedade num dado momento histórico – a
possibilidade de que à alternância dos partidos e das lideranças no governocorresponda a uma
modificação das políticas públicas implementadas. Com isto, a competição democrática não é impedida
no plano eleitoral, mas tem seus efeitos em certa medida anulados ou restringidos no plano
governamental. Pode-se supor que é justamente para isto que servem as constituições – restringir a
ação dos governos. Mas a suposição é incorreta se não leva em conta o fato de que tal restrição, caso
seja demasiada, impede que a própria vontade popular se manifeste periodicamente por meio das ações
dos representantes eleitos. Mais do que isso, restringirá por demais o alcance das decisões políticas
majoritárias, incentivando e permitindo que minorias descontentes recorram à Justiça para escapar de
decisões legislativas ordinárias, pelo menos nos países que adotam algum tipo de controle
constitucional das leis. Noutras palavras, a vontade momentânea de uma maioria conjuntural impõe-se
no longo prazo às futuras maiorias, cerceando-lhes. 
Em suma, o critério da controvérsia aponta para o fato de que não é legítimo numa democracia
constitucionalizar questões que sejam controversas. A Constituição deve procurar definir (no limite do
possível) apenas o que é incontroverso: as condições básicas de funcionamento de um sistema político
competitivo. Sob este ponto de vista, o que for objeto de disputa deve ser resolvido na disputa, ou seja,
nos processo eleitoral e decisório, dentro dos marcos poliárquicos. O quadro 2 resume os critérios de
classificação do texto constitucional, relativos aos dois modelos possíveis desenvolvidos a partir do
esforço teórico dessa seção.
Quadro 2. Critérios de distinção de matérias constitucionais e 
não-constitucionais
Modelos de classificação
Minimalista
(liberal clássico)
Maximalista
(social)
(1) As definições de Estado e
Nação
(1) As definições de Estado e
Nação
Critérios substantivos (2) Os direitos individuais
fundamentais
(2) Os direitos individuais
fundamentais
(3) As regras do jogo (3) As regras do jogo
(4) Os direitos materiais e
funções estatais correlatas
Critérios formais/ (5) Generalidade (5) Generalidade
operacionais
(6) Controvérsia (6) Controvérsia
11
3. Primeiras aplicações da MAC e o problema constitucional brasileiro.
Em nossa pesquisa precedente (COUTO & ARANTES, 2003 e 2006; COUTO, 2005), partimos da
constatação de que um dos aspectos mais evidentes e controversos da democracia brasileira
contemporânea dizia respeito ao fato de que nossa Constituição, promulgada em outubro de 1988, não
havia adquirido com o passar do tempo as condições de estabilidade e permanência que habitualmente
caracterizam os textos constitucionais. Após sua promulgação o país permaneceu numa espécie de
agenda constituinte, como se o processo de reconstitucionalização não houvesse se encerrado em outubro
daquele ano. Desde então, a tomada de decisões e a implementação de políticas governamentais não
lograram adquirir uma rotina apenas infra-constitucional, pois os governos se viram obrigados a
desenvolver boa parte de sua produção normativa ainda no plano constitucional, por meio de
modificações, acréscimos e/ou supressões de dispositivos localizados na própria Carta. 
A hipótese mais usual acerca da permanência dessa agenda constituinte no Brasil pós-1988
(comprovada pela intensa atividade de reforma do texto constitucional nesse período) supõe que a
Constituição teria caducado logo após seu nascimento; isto é, o texto teria sofrido de um
envelhecimento súbito, como se tivesse mais a ver com o passado do que com o presente. Desde a
promulgação do texto constitucional, vozes dissonantes se levantaram contra a Carta, acusando-a de
constituir, no plano econômico, um obstáculo à modernização do país e, no plano político, um desastre
do ponto de vista da governabilidade. Tal descompasso seria especialmente perceptível diante da
agenda de reformas estruturais do Estado e do sistema econômico, que gradualmente foi-se impondo
como necessária para a desejada estabilização da economia e a retomada do desenvolvimento em novas
bases. Nesse sentido, o fato de a atividade governamental ter continuado a ocorrer no plano
constitucional seria conseqüência de uma incompatibilidade substancial entre o conteúdo da Carta de
1988 e os desafios que a nova realidade econômica e política, nacional e internacional, passou a nos
impor. Desse prisma, a Constituição escrita sob a égide da “remoção do entulho autoritário” do regime
militar pós-64 tornou-se ela mesma – e muito rapidamente – uma espécie de “entulho nacional-
desenvolvimentista”, que precisaria ser removido para permitir a implementação das chamadas
reformas orientadas para o mercado.
Nossas investigações nos levaram a um distanciamento dessa hipótese de incompatibilidade
substantiva, pois constatamos ser mais relevante uma outra dimensão do problema constitucional brasileiro.
Para além de eventuais anacronismos legados pela Constituição, verificamos um peculiar modus operandi
de produção normativa em nível constitucional, com conseqüências significativas para o
funcionamento da democracia brasileira. Segundo nossa hipótese geral, o problema tem, portanto, um
caráter mais formal do que substantivo, mais relacionado ao tipo de processo decisório e governamental
ensejado pelo arcabouço constitucional do que a um eventual anacronismo dos termos substantivos da
carta de 1988. Desse ponto de vista, o que menos importa é o conteúdo concreto das agendas de
12
governos específicos e mais a forma exigida para sua implementação, pois verificamos que
independentemente das políticas governamentais particulares, levadas à esquerda ou à direita, por
progressistas ou conservadores (ou qualquer outra denominação ideológica que se queira dar), a
atividade de governo no Brasil seguiu ocorrendo em grande medida no plano constitucional, como se
estivesse capturada por uma dinâmica constituinte permanente, incapaz de pôr um ponto final no
processo iniciado em 1988.
A hipótese específica da primeira versão do nosso projeto foi a seguinte: a Carta brasileira de
1988 se distingue por ter consagrado formalmente como norma constitucional diversos dispositivos
que apresentam, na verdade, características de políticas governamentais. Nesse sentido, a
constitucionalização de policies teria obrigado sucessivos governantes a buscar continuamente modificar
a Carta para poder implementar boa parte de suas plataformas de governo, algo especialmente difícil na
medida em que maiorias qualificadas são necessárias para tanto e não é nada fácil construí-las no
contexto institucional de um estado federativo e de um regime presidencialista multipartidário como o
brasileiro. 
Com base na Metodologia de Análise Constitucional (MAC) exposta no item 2 acima,
realizamos uma primeira análise da Constituição de 1988, procurando determinar em que medida seu
texto original continha dispositivos que pudessem ser classificados como de tipo constitucional – polity
- ou mais adequadamente como políticas públicas - policies.9 A versão original da Constituição de 1988
continha 245 artigos, mas uma vez decompostos os parágrafos, incisos e alíneas, estes artigos se
desdobraram em 1.627 dispositivos. Para efeitos da nossa primeira contabilidade do texto
constitucional, preferimos deixar de lado o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, pela sua
natureza específica de regra de transição. Depois de rigoroso exame de cada um dos 1.627 dispositivos
da Carta original e aplicação da MAC, concluímos que 30,5% deles dizem respeito seguramente apolicy
e 69,5% dizem respeito a normas de caráter constitucional – polity. Em outras palavras, quase 1/3 de
nossa reorganização constitucional em 1988 foi marcada pela elevação de políticas públicas ao plano
constitucional, com claros efeitos sobre o processo político posterior e a permanência de uma agenda
constituinte vinculando os sucessivos governos.
Por outro lado, quando analisamos a distribuição de dispositivos ao longo dos 9 títulos que
compõem a Constituição, constatamos que o título 4, “Da organização dos poderes”, é responsável por
quase 1/3 do total de dispositivos da carta, o que, sem dúvida, indica que o constituinte de 1988 teve
grande preocupação em estabelecer detalhadamente a dimensão horizontal e funcional do sistema
político brasileiro: composição, competências, prerrogativas e regras de funcionamento dos poderes
Executivo, Legislativo, Judiciário e órgãos auxiliares como o Ministério Público, a Advocacia-Geral da
União e outros. Em segundo lugar, vem o título 3, “Da organização do Estado”, que estabelece a
estrutura político-administrativa do país, com ênfase na dimensão vertical do federalismo, dos governos
9 Os resultados detalhados dessa primeira análise da Constituição de 1988 podem ser vistos em COUTO & ARANTES (2006)
13
subnacionais e de suas relações com a União. O peso relativo dos títulos 3 e 4 certamente explica
porque, aplicando os quatro critérios de polity formulados pela MAC, revelamos que 75,5% dos
dispositivos polity da Carta brasileira dizem respeito – exclusivamente ou em associação com outros – a
definições de “regras do jogo”, isto é, são dispositivos destinados a organizar os processos de participação
e competição políticas, o relacionamento entre e intrapoderes, a interação entre os entes da federação e
entre atores coletivos reconhecidos pela Constituição como lidando com interesses de caráter público.
Tais regras normalmente estabelecem a divisão de prerrogativas e funções entre os atores institucionais,
os mecanismos operacionais do processo decisório governamental e os tempos e prazos que balizam
tais processos. Quanto aos aspectos que poderíamos definir como ainda mais estruturais ou estáticos
do ordenamento constitucional – as “definições de Estado e Nação” –, estes ocuparam apenas 6,5% do
texto promulgado em 1988.
Uma primeira conclusão a extrair desse resultado é que, se a Constituição brasileira pode ser
considerada muito extensa, seu tamanho reflete o nível de constitucionalização de políticas públicas
pelo texto mas também o nível de detalhamento atingido pela Constituinte na definição dos
procedimentos que deveriam presidir o funcionamento da democracia vindoura, algo que certamente pode
ser explicado pelas preocupações da época em torno da liberalização e redemocratização do regime
político. Por outro lado, se Ulysses Guimarães alcunhou o texto como “Constituição Cidadã”, o
adjetivo perde força aos verificarmos que, quantitativamente, os componentes sociais, civis e políticos
da cidadania são incomparavelmente inferiores à dimensão das regras do jogo: apenas 5,7% dos
dispositivos constitucionais dizem respeito a direitos materiais orientados para o bem-estar e a
igualdade sociais e apenas 8,1% dizem respeito a direitos individuais de liberdade e de participação
política. Somados, os dispositivos “cidadãos” perfazem pouco mais de 13% da Carta de 1988.
Quanto a dispositivos de tipo policy, verificamos sua presença em todos os títulos da
Constituição, com exceção do título 1, relativo aos “Princípios Fundamentais” (de fato seria muito
curioso se ali viéssemos a encontrar políticas públicas constitucionalizadas). Em termos percentuais, os
títulos das “Disposições constitucionais gerais” e da “Ordem econômica e financeira” foram os que
apresentaram maior índice de dispositivos policy, com algo em torno de 70% do total. Na seqüência,
aparece o título da “Ordem social”, no qual cerca de 60% dos dispositivos definem princípios de policy e
não de polity. Nada menos do que 1/3 do título da “tributação e do orçamento” e até mesmo do título
dos “direitos e garantias fundamentais” não precisariam estar no texto constitucional, pois referem-se a
mecanismos de policy e não de polity. Por fim, mesmo os títulos que remontam às linhas básicas do
moderno constitucionalismo – “Da organização do Estado” e “Da organização dos poderes” –
revelaram a existência de dispositivos policy em seu interior: o primeiro com índice de 27% e o segundo
com índice de 10% do total de dispositivos.
A partir dessa caracterização geral da Carta de 1988, podemos avançar no sentido de mensurar
o impacto de seu perfil geral sobre o processo governamental, a elaboração legislativa e a produção de
14
políticas públicas, um dos objetivos centrais desse projeto. Em trabalho anterior (COUTO & ARANTES,
2003), havíamos aplicado a Metodologia de Análise Constitucional ao conjunto de emendas
constitucionais promulgadas durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso10 e
chegamos a resultados surpreendentes:
 Dos 482 dispositivos de emendas que modificaram ou aglutinaram novos elementos
constitucionais, nada menos do que 68,8% (332) diziam respeito a políticas públicas (policy) e apenas
31,2% (150) diziam respeito a princípios fundamentais (polity).
 Do total de dispositivos de emendas constitucionais, 60,8% eram aglutinadores, isto é, vieram
agregar novos aspectos à Constituição. Dentre os aglutinadores, nada menos do que 82,7%
diziam respeito a policy e apenas 17,9% vieram acrescentar mais polity à Carta.
 A conclusão geral a que chegamos naquele primeiro estudo foi: ao contrário do que se afirma
no debate público, nossa Constituição não foi mutilada pelas emendas constitucionais do
período FHC, mas, pelo contrário, cresceu nada menos do que 15,3%, graças a elas
(enquanto a taxa de modificação do texto original, por emendas desse mesmo período, foi a
metade desse valor: 8,8%). 
Em suma, o crescimento do texto constitucional no período FHC foi marcado pela
inclusão de novos dispositivos policy na Constituição, em proporção significativamente superior aos
dispositivos polity nela incluídos por meio de emendas. Tentar compreender porque isso aconteceu
segue sendo um desafio analítico e de pesquisa empírica. De qualquer forma, com a aplicação da MAC
à própria Constituição de 1988, pudemos verificar com maior precisão onde incidiram as emendas do
período FHC que visaram modificar aspectos do texto constitucional (se polity ou policy). O resultado se
encontra na tabela 1.
Tabela 1. Constituição e emendas constitucionais FHC
 
Tipo de dispositivo original
Sofreram
modificação
Não sofreram
modificação
Polity 92 1.039
Policy 68 428
Total 160 1.467
Embora o maior número de emendas modificadoras tenha incidido sobre dispositivos
polity do texto original, proporcionalmente é bem mais significativo o número de emendas sobre
dispositivos policy, se considerarmos o perfil geral da Constituição. O fato é que teste estatístico revelou
10 Ao longo de 20 anos de vigência da Constituição de 1988, 62 emendas constitucionais foram aprovadas, sendo 6 durante
o processo de Revisão de 1994 – as Emendas Constitucionais de Revisão – e outras 56 como Emendas Constitucionais
comuns. Destas últimas, 35 foram aprovadas somente durante o governo Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002
(4,375 emendas por ano) tendo sido, na sua maior parte, propostas de iniciativa do Poder Executivo e recaindo
majoritariamente sobre matérias que compunham uma agenda tipicamente governamental e não necessariamente constitucional.
Durante o governo Lula, outras21 emendas foram aprovadas até dezembro de 2007 (aproximadamente 4 emendas por ano).
15
a existência de uma associação entre policy constitucionalizada e emendas modificadoras. Em outras
palavras, as mudanças constitucionais do período FHC incidiram significativamente mais em
dispositivos policy do que em dispositivos polity, o que corrobora a hipótese com a qual estamos
trabalhando desde o início: a agenda política e governamental brasileira segue sendo uma agenda
constituinte não porque sucessivos presidentes quiseram mutilar princípios fundamentais ou por
qualquer outra razão exógena, mas porque a própria Carta os obrigou, em grande medida, a lidar com a
Constituição para implementar simples políticas públicas. Mais do que isso, o grande legado da era
FHC foi ter acrescentado 250 novos dispositivos policy ao ordenamento constitucional brasileiro.11 
4. Novos passos: comparação e teste de hipótese sobre “judicialização de
políticas públicas”.
Duas questões que de imediato se levantam, após a consideração do caso brasileiro, é se a Carta
de 1988 constitui uma regra ou uma exceção vis-a-vis outras Constituições e que impacto o perfil
revelado por nossa análise tem sobre o Judiciário e seu grau de intervenção no território das políticas
públicas. Nossos próximos passos de pesquisa estão voltados para a busca de respostas a estas duas
questões. A primeira nos conduzirá a trabalhar com a metodologia de análise constitucional em
perspectiva comparada. A segunda nos levará a testar a hipótese de que o perfil constitucional induz à
“judicialização das politicas públicas.”
No primeiro caso, se tomarmos como referência a análise comparativa de taxas de
emendamento constitucional realizada por LUTZ (1995), logo nos salta aos olhos a atipicidade de nossa
Lei Fundamental. O cálculo da taxa é bastante simples: divide-se o número de emendas constitucionais
pelo número de anos de vigência de uma Constituição. Dentre 29 países selecionados para o ano de
1992, a menor taxa de emendamento constitucional foi a do Japão, de 0,00 – indicando que nenhuma
emenda fora aprovada à Carta do pós-guerra, então com 47 anos. A mesma razão era encontrada para a
Nigéria, porém com uma Carta que durou apenas 5 anos. Pouco acima disso, com os menores valores,
figuravam Venezuela (0,04), Dinamarca (0,07), Austrália (0,09), França (0,12) e Estados Unidos (0,13).
11 Ao analisar o malogro da revisão constitucional de 1993/94, MELO (2002) afirma que ele se deu em virtude de uma
conjunção de fatores. A despeito dos aspectos que favoreciam a mudança constitucional (votação por maioria simples em
sessão unicameral do Congresso), “outras características, no entanto, tais como o monopólio, pelo Legislativo, da iniciativa
propositiva, a inexistência de policy advocates para as emendas e a simultaneidade de votações reduziam o potencial de
mudança por parte do governo. A análise sugere que esse potencial, que o arranjo institucional propiciava, foi anulado pelo
impacto devastador de fatores contextuais, tais como os constrangimentos eleitorais, a polarização da agenda pública e a
estrutura de incentivos com que se deparavam o Executivo e o Legislativo na conjuntura da CPI do orçamento. O
calendário eleitoral, como variável isolada, se constituiu no fator decisivo.” (MELO, 2002, 76) A análise de MELO é em si
reveladora de um aspecto fundamental do problema constitucional brasileiro: afinal, por que o sucesso ou o fracasso de um
processo de revisão constitucional deveria estar condicionado pelos interesses do “governo”, pela presença ou ausência de
“policy advocates”, pelo efeito negativo (“devastador”) de fatores “contextuais”, pela “conjuntura” política e pelo “calendário
eleitoral”, se não pelo fato de que essa Constituição é ela mesma uma Carta de dispositivos tipicamente governamentais? Isto
é, os fatores identificados por MELO para explicar o fracasso da revisão constitucional de 1993/94 são a própria confirmação
de que a Constituição criou um modus operandi de produção normativa que vincula interesses conjunturais, de governo e de
policy advocates, ao marco constitucional. Por essa razão nossa agenda política seguiu sendo uma agenda constituinte no pós-
1988.
16
Os maiores valores eram os de Áustria (7,00), Malásia (5,18), Suécia (4,72), México (2,94), Quênia
(2,72), Luxemburgo (1,80) e Papua Nova-Guiné (1,75).
Fazendo o cálculo da taxa de Lutz para o Brasil, chegamos a 3,17. Trata-se de um valor superior
ao dobro da média dos 29 países por ele estudados (1,48) o que colocaria o país num hipotético 4º
lugar, caso o inseríssimos na lista. Diante disto, a pergunta que poderíamos fazer é: que importância isto
tem? Para tentar responder a esta questão, levemos em conta algumas suposições teóricas de Lutz
(1995: 242):
“Our first working assumption has to do with the expected change that is faced by any
political system.
ASSUMPTION 1: Every political system needs to be altered over time as a result of some
combination of: (1) changes in the environment within which the political system operates (including
economics, technology, and demographics); (2) changes in the value system distributed across the
population; (3) unwanted or unexpected institutional effects; and (4) the cumulative effect of
decisions made by the legislature, executive, and judiciary.
A second assumption concerns the nature of a constitution.
ASSUMPTION 2: In political systems that are constitutional, in which constitutions are
taken seriously as limiting government and legitimating the decision-making process they describe,
important alterations in the operation of the political system need to be reflected in the constitution
 If these two assumptions are used as premises in a deductive process, they imply a conclusion
that stands as a further assumption.
ASSUMPTION 3: All constitutions require regular, periodic alteration, whether through
amendment, revision, or replacement.”
Pode-se inferir daí que as constituições pouco emendadas possivelmente não respondem às
mudanças do tempo ou, se o fazem, isto se dá pelo recurso a expedientes outros que não a mudança do
texto constitucional propriamente dito. Lutz aponta que nos casos em que é muito difícil o
emendamento constitucional pela legislatura, é provável que a alteração constitucional se dê mediante a
interpretação dos tribunais; é bem esse o caso dos Estados Unidos, aliás.
Entretanto, podemos nos questionar ainda se uma elevada taxa de mudanças constitucionais é
desejável. Lutz aponta que uma taxa “razoável” de emendas constitucionais situar-se-ia próxima à
média internacional. Considerando os casos elencados, ela oscilaria em torno de 1,5. O Brasil superaria
por larga margem o que Lutz apontaria como “razoável”. Mas por quê razões seria nossa constituição
tão emendada? Na forma de três proposições, Lutz (1995: 243-4) nos fornece sugestões a esse respeito:
PROPOSITION 1: The longer a constitution, the higher its amendment rate, and the
shorter a constitution, the lower its amendment rate.
(…)
PROPOSITION 2: The more difficult the amendment process, the lower the amendment
rate, and the easier the amendment process, the higher the amendment rate.
(…)
17
PROPOSITION 3: The more governmental functions dealt with in a constitution, the
longer it will be, and the higher rate of amendment it will have.
A constituição brasileira se adequa perfeitamente às três proposições de Lutz: ela é longa,
apresenta um processo de emendamento relativamente fácil e lida com muito do que poderíamos
chamar de “funções governamentais” – ou seja, policies.
Quanto a seu tamanho, para além do anedótico, a Carta de 1988 é realmente grande emtermos
comparados. Seu texto original possui 39.500 palavras (valor arredondado), o que o colocaria num
hipotético 8º lugar na lista de 29 países analisados por Lutz. Entretanto, como esse autor não considera
apenas os textos originais para seus cômputos, mas também os emendados, é provável que o texto
constitucional brasileiro fosse comparativamente maior frente à versão originária de seus congêneres.
Tendo isso em vista, se tomarmos como referência o texto constitucional brasileiro consolidado até a
emenda 49/2006, aferimos que possui 65.000 palavras. Considerando as Cartas analisadas por Lutz, é o
mesmo número da Constituição do Alabama, cuja taxa de emendamento é de 8,07 (a mais alta dentre as
constituições estaduais americanas)12 e, dentre as constituições nacionais, é menor apenas que as
Constituições da Índia (95.000 palavras, taxa de 1,49) e da Malásia (91.400, taxa de 5,18).
Quanto à facilidade de emendamento, no que concerne aos procedimentos requeridos, o texto
brasileiro figuraria como o terceiro de mais fácil modificação na lista de Lutz. Segundo um índice por
ele elaborado (que não cabe aqui pormenorizar) o Brasil apresentaria um índice de dificuldade de
emendamento de 1,5 – superior apenas aos apresentados por Áustria (0,80) e Suécia (1,00). Pouco acima
do Brasil figurariam Malásia (1,60), o Quênia (1,75) e Luxemburgo (1,80); os textos mais difíceis de
emendar seriam da Iugoslávia (5,60), EUA (5,10) e Austrália (4,70). O índice médio é de 3,26.
Confirmando as proposições, Áustria, Suécia e Malásia apresentam elevadas taxas de emendamento
constitucional (7,00; 4,72 e 5,18, respectivamente), o Quênia teria um valor pouco menor, mas ainda
acima da média, de 2,72, ao passo que os três últimos mencionados acima apresentam taxas muito
baixas de emendamento constitucional, de 0,75; 0,13 e 0,09, respectivamente13.
Finalmente, quanto à terceira proposição de Lutz, a quantidade de “funções governamentais”
com que lida uma constituição, o autor não nos oferece nenhuma análise empírica a respeito, embora
aponte o problema. E é justamente essa lacuna que este projeto pretende preencher. Em primeiro
lugar, falta na discussão do autor uma definição mais precisa do que se entende por “funções
governamentais”. As únicas referências feitas por LUTZ (1995: 246) ao assunto se dão num único
parágrafo de seu artigo, quando ele comenta que (1) as constituições estaduais norte-americanas teriam
crescido premidas pelo cada vez maior número de funções com que os estados lidam, com “o
12 A segunda mais extensa carta estadual norte-americana é a de Oklahoma, com 58.200 palavras, seguida das cartas da
Lousiana, com 47.300, e a do Missouri, com 39.300. Suas taxas de emendamento são, respectivamente, de 1,58; 1,69 e 1,61;
todas acima da média estadual norte-americana, de 1,23 (Lutz, 1995: 248-9).
13 Ressalve-se que alguns dos casos elencados por Lutz, como a Iugoslávia, são de países não-democráticos e, portanto,
parece-nos que sua análise fica prejudicada.
18
conseqüente crescimento da maquinaria governamental”. Ao lado disso, (2) os estados teriam sido cada
vez mais obrigados a responder a “problemas de grande magnitude associados à rápida urbanização,
desenvolvimento tecnológico, crescimento e mobilidade populacional, mudança econômica e
desenvolvimento, e o tratamento justo de grupos minoritários”, e teriam aumentado também (3) “a
pressão de interesses específicos por status constitucional; e (4) a desconfiança das legislaturas estaduais,
resultante de abusos passados, a qual resultou em detalhadas restrições sobre a atividade
governamental”.
Ao observar esses pontos, Lutz conclui (1995: 246-7):
“All of these factors tribute to the length of state constitutions, and it is argued that not only
do these pressures lead to many amendments, and thus greater length, but that greater length itself
leads to the accelerated need for amendment simply by providing so many targets for change. Thus,
the length becomes a surrogate measure for all of these other pressures to amend, and is a key causal
variable.”
Portanto, quanto mais uma constituição tem de lidar com políticas públicas, maior ela tende a
ser. Quanto maior ela é, mais tende a ser emendada. E quanto mais emendada for, maior ela fica,
tendendo a ser ainda mais emendada. Esta seria uma descrição acurada do processo pelo qual passa a
Constituição brasileira desde 1988. A questão que Lutz não respondeu e sobre a qual nós aqui
buscamos fornecer um modelo explicativo é: como definir o que, no interior de uma Carta
constitucional, são políticas públicas? E como, com base nessa definição, verificar se de fato uma
constituição com muitas políticas públicas torna-se maior e mais emendada? 
Na primeira etapa desta nossa pesquisa procuramos responder a esse problema numa análise
sobre a Carta brasileira de 1988. Todavia, para poder compreendê-lo melhor, seja para a formulação de
uma teoria política da Constituição e do emendamento constitucional, seja para uma compreensão mais
acurada dos problemas particulares suscitados pelo ordenamento constitucional brasileiro, torna-se
necessária a comparação. É preciso analisar textos constitucionais de outros países, distinguindo em seu
interior a presença de policy ou polity, para verificar em que medida o diferente balanço entre esses dois
elementos normativos no interior de uma Carta afeta, primeiro, a forma como um país é governado e,
segundo, a maneira como os atores políticos lidam com a Constituição. Caso nos atenhamos ao estudo
exclusivo da Constituição brasileira de 1988, corremos o risco de reificar esse texto sem conseguir
formular explicações universalizáveis e, conseqüentemente, válidas. Essa é a razão de nos lançarmos
agora à uma perspectiva comparada.
O segundo passo da pesquisa está direcionado à análise do impacto do perfil da constituição
sobre o processo decisório, especialmente o de tipo judicial. Nosso argumento principal é que a Carta
de 1988, por ter consagrado formalmente como norma constitucional diversos dispositivos de policy,
apresenta fortes implicações para o modus operandi do sistema político brasileiro. Esse perfil conduz a
três conseqüências importantes do ponto de vista do processo decisório e do funcionamento do
poderes. Em primeiro lugar, a constitucionalização de políticas públicas faz com que os sucessivos
19
governantes se vejam diante da necessidade de modificar o ordenamento constitucional para poder
implementar parte de suas plataformas de governo. Em segundo lugar, construir amplas maiorias
legislativas passa a ser condição básica para superar o engessamento prévio a que foi submetida a
agenda governamental pelo constituinte, algo especialmente difícil no contexto institucional de um
estado federativo e de um regime presidencialista multipartidário como o brasileiro. Por fim, mas não
menos importante, esse tipo especial de Constituição tem impacto significativo sobre o funcionamento
do sistema de justiça, na medida em que o Judiciário e especialmente seu órgão de cúpula – o Supremo
Tribunal Federal (STF) – passam a ser mais acionados para controlar a constitucionalidade das leis e
demais atos normativos, nem sempre relativos a princípios constitucionais fundamentais, mas
freqüentemente relativos a políticas públicas.
Nesta etapa da pesquisa, pretendemos desdobrar a metodologia de análise constitucional para o
exame das Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas pelo STF (são hoje mais de 4 mil) e verificar
a hipótese da judicialização das políticas públicas por meio do processo de revisão constitucional que
ocorre com asADIns. Nossa hipótese é que a combinação de uma Constituição fortemente dirigente –
que encerra um grande número de políticas públicas – e um sistema de controle direto da
constitucionalidade das leis de amplo acesso a atores sociais e políticos (Arantes, 2005) faz do caso
brasileiro um exemplo não só de constituição muito emendada (a partir de uma agenda governamental
que bem poderia ser considerada ordinária, à luz de critérios mais substantivos) como de intensa
participação do judiciário na política, na medida em que a constituição está carreada de políticas
públicas que por essa via acabam desaguando igualmente nos tribunais. 
No seu conhecido estudo comparativo envolvendo 36 democracias contemporâneas, Lijphart
(2003) demonstrou a existência de relação empírica entre rigidez constitucional e força da revisão
judicial, o que poderia ser explicado por duas razões: “uma delas é que tanto a rigidez quanto a revisão
judicial são recursos anti-majoritários, e que as constituições completamente flexíveis, com a ausência
de revisão judicial, permitem a regra irrestrita da maioria. A segunda razão é que elas também se ligam
logicamente, no sentido em que a revisão judicial só pode operar de forma efetiva se for apoiada pela
rigidez constitucional, e vice-versa.” Lijphart completa o argumento afirmando que numa combinação
de forte controle constitucional e constituição flexível, a maioria legislativa tenderá a reagir a
declarações de inconstitucionalidade com emendas à Constituição. E, inversamente, sob constituições
rígidas, mas não protegidas por mecanismos de controle constitucional, a maioria parlamentar poderá
aprovar leis de caráter constitucionalmente duvidoso. 
Portanto, com a constitucionalização de direitos cria-se de imediato um ponto de veto, embora
não se gere automaticamente um ator de veto (veto player), pois a vedação a que determinadas decisões
sejam implementadas não decorre diretamente da ação de qualquer ator político, mas sim da interdição
constitucional formal a que determinadas coisas sejam feitas. Contudo, ainda que não haja a
intervenção direta de outros atores políticos pelo fato da constituição prever certas vedações, o fato é
20
que para assegurar que os direitos constitucionais não serão solapados por decisões das autoridades
governamentais é necessária a intervenção de um ator em particular: o judiciário. Sem que haja um
controle de constitucionalidade capaz de assegurar que perderão efeito (ou serão anuladas) normas
legais ou atos administrativos em contradição com o que determina a constituição, pouca valia teria a
prescrição constitucional de direitos – ou de qualquer outra coisa. Tendo isso em vista, o veto point da
constitucionalização dos direitos ganha efetividade apenas quando o veto player representado pelos
tribunais entra em ação, exercendo o controle de constitucionalidade. E, vale lembrar, o judiciário
somente passa a agir depois que é provocado por alguém a deixar a condição de inércia que lhe é
própria. Para Taylor, inclusive, mais correto seria falar dos tribunais da seguinte forma: “by providing
veto points to select political actors, it gives them greater voice and leverage over policy than might
otherwise be the case, in some cases enabling them to act as veto players even when they might
otherwise be unable to do so elsewhere in the political system.” (Taylor, 2004, 154)
5. Objetivos específicos e resultados esperados (triênio 2008/2009).
Nos próximos três anos, minha intenção é desenvolver duas metas de investigação empírica
mais específicas, à luz do quadro teórico exposto acima: 
1. Análise do impacto do perfil constitucional sobre o processo de revisão judicial da
constitucionalidade das leis, pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de testar a hipótese da
“judicialização das políticas públicas; e
2. Análise comparada de processos de reformas constitucionais recentes em países selecionados
da América do Sul, e seus impactos sobre o funcionamento da democracia .
A análise específica da dimensão judicial do problema constitucional brasileiro nos permitirá
elaborar uma contribuição que reputamos original ao campo de estudos que se dedica à análise de
processos decisórios que envolvem mudanças constitucionais. Nossa idéia é construir um modelo
explicativo baseado em três variáveis, algo que a literatura ainda não logrou fazer: (1) a taxa de policies de
uma Constituição; (2) o grau de dificuldade de emendamento constitucional; e (3) a existência ou não
do controle constitucional das leis – a cargo do Judiciário ou de tribunais constitucionais – e o grau em
que é praticado pelos órgãos responsáveis. A consideração dessas três variáveis na análise dos diferentes
casos nacionais nos permitirá compreender, de forma comparativa, como em cada um dos países
estudados a constituição afeta a agenda governamental de políticas públicas e ao mesmo tempo é
afetada por esta. 
A análise comparada de processos de reformas constitucionais recentes em países selecionados
da América do Sul nos permitirá analisar seus impactos sobre o funcionamento da democracia nesses
21
países, em conexão com as questões de “estatidade” (stateness) que têm sido debatidas pela literatura
embalada pelo conceito de Estados Falidos (Fukuyama, 2005). Alguns países como Venezuela, Bolívia
e Equador têm passado por importantes processos de mudança constitucional, envolvendo diversas
dimensões da estatidade, mas parecem longe ainda de estabelecer um marco jurídico consensual nesse
plano normativo fundamental. Interessa-nos analisar estes processos, a partir da metodologia de análise
constitucional que desenvolvemos, e suas consequências para a maior ou menor institucionalização do
regime democrático nesses países.
6. Metodologia e Plano de Atividades.
O presente projeto poderá contar com a colaboração de outros pesquisadores, pois há espaço e
eu diria mesmo necessidade disso. Algumas atividades aqui previstas supõem a formação de uma
equipe mais ampla de investigadores. A pesquisa será realizada com base na seguinte metodologia e
plano de trabalho: 
6.1. Análise da bibliografia. 
Tendo em vista os objetivos principais do projeto, os seguintes tópicos deverão orientar a pesquisa
bibliográfica: 
6.1.1. Relações entre constitucionalismo e democracia (objetivos gerais)
6.1.2. Controle constitucional das leis e “judicialização da política” (objetivo específico 1)
6.1.3. Processo decisório e legislativo (objetivo específico 1)
6.1.4. Transições democráticas recentes, processos de elaboração constitucional e de construção
institucional (objetivo específico 2)
6.1.5. Regimes democráticos e questões de stateness em perspectiva comparada (objetivo específico
2)
6.2. Consolidação da Metodologia de Análise Constitucional.
A Metodologia de Análise Constitucional (MAC) tem nos permitido examinar o conteúdo de
uma constituição e verificar em que medida seus dispositivos correspondem a princípios
fundamentais (polity) ou a políticas públicas (policy). Informados pela teoria democrática e por
elementos fornecidos pelo constitucionalismo, formulamos critérios objetivos de classificação de
dispositivos constitucionais, e por meio deles temos avaliado qualitativa e quantitativamente os textos
constitucionais selecionados. Nosso desafio teórico e metodológico nessa próxima etapa do projeto
será desenvolver modelos que nos permitam analisar comparativamente diferentes modos de
funcionamento de democracias constitucionais, especialmente no que diz respeito 1) a processos de
mudança constitucional e 2) de “judicialização de políticas públicas” como decorrência da taxa depolicies existentes nas constituições e dos sistemas mais ou menos acessíveis de controle de
constitucionalidade das leis.
6.3. Pesquisa empírica e sistematização de dados.
6.3.1. Levantamento e sistematização em banco de dados das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade no período 1988-2007 (objetivo específico 1)
22
6.3.2. Seleção de países que passaram recentemente por processos de (re)construção institucional
e elaboraram novos textos constitucionais, com vistas à análise comparativa (objetivo
específico 2)
6.4. Reuniões de trabalho e seminários de discussão. 
Nossa intenção é formar uma equipe mais ampla de pesquisadores - com estudantes de
graduação e de pós-graduação, assim como de professores doutores – e caso tenhamos sucesso nesse
sentido, haverá pelo menos quatro tipos de reuniões e seminários, envolvendo os participantes: 
 
6.4.1. Reuniões para organização, avaliação e ajustes do trabalho de pesquisa. 
6.4.2. Reuniões para sistematização e análise do material empírico.
6.4.3. Seminários para debater problemas suscitados pela leitura da bibliografia. 
6.4.4. Seminário final, com a participação de convidados especialistas, para discussão dos
resultados da pesquisa.
6.5. Produção de artigos sobre os principais resultados desta etapa da pesquisa, a serem
encaminhados para publicação:
6.5.1. Constitucionalização e judicialização de políticas públicas.
6.5.2. Reformas constitucionais e institucionalização da democracia em perspectiva comparada. 
7. Cronograma geral da pesquisa
Considerando o período de 36 meses, é possível estabelecer o seguinte cronograma de
atividades (estão grafados em tom mais escuro os bimestres nos quais as atividades serão desenvolvidas
com maior intensidade, e em tons mais claros os bimestres em que serão empreendidas com menor
intensidade).
Mês/
Atividade 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36
Leitura e análise da
bibliografia
Pesquisa Empírica
Consolidação da MAC
Redação de Artigos
Reuniões de Trabalho
Seminários Internos da
Equipe
Seminário Final 
23
8. Bibliografia
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