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Carlos Alexandre Azevedo Campos

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REVISTA DE
DIREITO ADMINISTRATIVO
CONTEMPORÂNEO
Ano2. vai. 7. abr./2014
Coordenação Geral
MARÇAL JUSTEI'l FIlHO
Coordenação Executiva
MONICA SPUlA JUSTEN
CONSELHO EDITORIAL
Adilson Abreu Dallari, Alexandre Santos de:Aragão, Almiro do Couto e Silva, Carlos Ari Sundfeld; Cesar A. Guimarães
Pereira, Clemerson Merlin Cleve, Clóvis Beznos, Diogo Figueiredo Moreira Neto, Eduardo Talamini, Egon Bockmann
Moreira. Fernando Menezes de Almeida, Fernão Justen de Oliveira, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto,
Gustavo Binenhojm, JesséTorres Pereira Júnior, Juarez Freitas, Mareio Cammarosano. Maria Sylvia ZaneUa Di Pietro,
Odete:Medauar, Paulo Modesto, Pedro Paulo de Almeida Dutra, Romeu-Felipe Bacellar Filho, Sérgio Ferraz
ISSN 2317-7349
REVISTA DE
DIREITO ADMINISTRATIVO
CONTEMPORÂNEO
Ano 2. vaI. 7. abr./2014
Coordenação Geral
MARÇAL JUSTEN FILHO
THOMSON REUTERS
REVISTADOS
TRIBUNAIS'.
1 .. INTRODUÇÃO
THE PRDTECTIDN DF LEGITIMATE EXPECTAnDNS IN THE JURISPRUDENCE
DF THE BRAZIl/AN SUPREME CDURT
PROTEÇÃO DA CONFIANÇA LEGíTIMA NA JURISPRUDÊNCIA
DO SUPREMO TRI8UNAL FEDERAL
ABSTRACT: This paper inquires the application of
the protection af legitimate expectations principie
by the Supremo Tribunol Federal, d~cribing and
evaluating the cases in which the Court scrutinized
individual expectations against contradictory
conducts made by public authorities.
KEYWORDS: Protection of legitimate expectations
_ Rule of law - legal security - Supremo' Tribunal
Federa'.
A Carta da Republica de. 1988 promoveu transformações jurídicas, polllicas,
institucionais, sociais e culturais na medida em que foi sendo absorvida pela so-
ciedade brasileira c concretizada pelos poderes constituídos. Dentre as inovações
operadas no campo da metodologia, situa-se a prática de se pensar e decidir a partir
de princípios constimcionais explíciLOSe implícitos. Certa reita, o Min. Eros Grau,
em julgamento sobre a aplicação do princípio da não culpabilidade penal em maté-
ria eleitoral, disse deter-se, algumas vezes, perplexo, indagando a si mesmo "como
lerá sido possível aos nossoS juízes definir normas de decisão nos anos anteriores
à década de noventa, quando ainda a distinção entre princfpios e regras não havia
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Elaboração teórica - 3. Concretização do principio pelo SlF: 3.1 Ma-
téria previdenciária; 3.2 Matéria administrativa; 3.3 Matéria eleitoral; 3.4 Matéria tributária - 4.
Conclusões.
CARLOS AlEXANDRE DE AzEVEDO CAMPOS
Mestre e Doutorando em Direito Público pela UERJ.Professor na Ucam/FOC.
Membro da ABDF/IFA/SBDT. Assessor de Ministro do STF.
RESUMO: O presente artigo investiga a concretização
do principio da proteção da confiança legítima pelo
Supremo Tribunal Ftderal, descreve.ndo e avaliando
as hipóteses em que o Tribunal escruti,nou expec-
tativas dos individuos em face de comportamentos
contraditórios do Poder Público.
PAlAVRAS-CHAVE: Proteção da confiança legítima -
Estado de Direito - Segurança jurídica - Supremo
Tribunal Federal.
ÁREA DO DIREITO: Administrativo
sido popularizada".l Entre excessos e omissões, a prática judicial, destacadamente
a do STF,2tem sido marcada por esse (não tão) novo modo de produzir normas de
decisão.
Entre os princípios que ocupam nossas novas reflexões e'premissas teóricas,
encontra-se o da proteção da confiança legítima. Hoje, reconhecido em diferentes
países e mesmo no dir.eito comunitário,3 o .marco hisrórico.de aplicação do prin-
cípio é a decisão do Tribunal Administrativo Federal da Alemanha, de meados da
década de 50, na qual foi confirmado ato do Tribunal Revisor de Berlim em ma-
téria de Direito Administrativo, que validou pensão de viúva, concedida de modo
contrário à lei, "com fundamento nO princípio da confiança".4 O princípio surgiu,
portanto, presente tensão interna do sobreprincípio do Estado de Direito: entre a
segurança jurídica, sob a perspectiva individual,' e a legalidade. Abriu-se, assim,
a possibilidade excepcional da manutenção de situações ilícitas em homenagem à
dimensão subjetiva da segurança jurídica.
Não obstante o potencial para figurar em grande número de conflitos, o seu uso
expresso pelo Supremo ainda não se aprese~ta muito frequente. Embora seja marcan-
te quanto à segurança jurídica, a jurisprudência do Tribunal é ainda incipiente no de-
senvolvimento especifico do principio da proteção da confiança. A humilde pretensão
deste trabalho é descrever alguns dos casos em que se verificou a aplicação expressa
do princípio pelo STF, envolvidos conflitos em matéria previdenciária, administrativa,
eleitoral e tributária. O texto é dividido em mUros três tópkos, além desta introdução:
no (2), desenvolverei uma elaboração teórica do r.rincípio; o (3) é reservado à concre-
tização da proteção da confiança pelo Supre~o. Por fim (4), conclusões.
2. ELABORAÇÃO TEÓRICA
Os atos estatais geram diretrizes para os indivíduos que, acreditando na validade e
correção dessas, pautam condutas no sentido indicado. Vigente verdadeiro Estado de
1. STF,Pleno, ADPF 144mF, j. 06.08.2008, reI. Min. Celso de Mello, DJ 26.02.2010.
2. Para uma crítica do abuso dos princípios pela doutrina e pelo Supremo, NEVES,Marcelo.
Entre Hidra e Hércules. Principios e regras constitucionais. São Paulo; Martins Fomes, 2013.
p. 171-228.
3. TAK1S,Tridimas. The General PrincipIes of EU Law. 2. ed. New York Oxford University
Press, 2008. p. 251-297.
4. Sobre as premissas fáticas e jurídicas do caso, MAuRER,Hartmut. Elementos de direito admi-
nistrativo alemão. Porto Alegre: Safe, 2000. p. 70-71; ARAÚJO,Valler Shuenquener. O princi-
pio da proteção da confiança. Uma nova forma de tutela do cidadão diante do Estado. Niterói:
Impetus, 2009. p. 136-142.
5. NABAIS,José Casalta Nabais. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina,
~0~4 ..p. 395: "(...) ~ idéia ~e protecção da confiança não é senão o princípio da segura~ça
Jundlca na perspectIva do mdIVíduo".
Direito, essas condutas devem ser tuteladas em face de atos contraditórios do Poder
Público que "traiam" as expectativas criadas pelas orientações anteriores. Esta tarefa
imunizante é cumprida pelo princípio da proteção da confiança legítima. Segundo
Almiro do Couto e Silva, o princípio "(a) impõe ao Estado limitações na liberdade de
alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatá-
rios, mesmo quando ilegais, ou (b) atribuir-lhe consequências patrimoniais por essas
alteraçoes, sempre em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados
ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo razoa-
velmente supor que seriam mantidos".6 No mesmo sentido, afirma Soren Schonberg:
"A liberdade de uma autoridade pública agir no interesse público é limitada na
medida em que cause dano a particulares. Se uma autoridade pública i!1duziu uma
pessoa a confiar em seus argumentos ou em sua conduta, compreendendo-se que
tal confiança era uma possibilidade real, ela'estã sob um dever prima fade de agir
de modo que a confiança não seja danosa ao administrado". 7
A proteção da confiança corresponde, em um Estado de Direito, ã perspectiva
subjetiva da segurança jurídica, dialogando com o princípio da boa-fé objetiva.'
Para Humberto Ávila, ambos "estabelecem o dever de buscar um ideal de estabili-
dade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade na atuação do Poder Público",
sendo "limitações implícitas, decorrentes dos sobreprincípios do Estado de Direito
e da segurança jurídica, sendo todas' elas limitações materiais, na medida em que
impõem ao Poder Público a adoção de comportamentos necessários à preservação
ou busca dos ideais de estabilidade e previsibilidade normativa".9
Os agentes estatais não devem realizar determinado ato se este representar uma
conduta contraditória com o seu anterior comportamento que, ao tempo, influiu,
objetivamente, o comportamento dos destinatários(Nullí conceditur venire contra
factum propríum), ou se omissão continuada criar um ambiente de confiança a pon-
to de se apresentar previsível que o ato anterior não seria desfeito ou modificado,
de modo que, inadvertidamente, a alteração retardada representa intolerável desle.
aldade (Verwirkung).lO O princípio colide com a legalidade estrita em favor de ex-
6. COUTO E SILVA,Almiro. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito
público brasileiro e o direito da administração pública de anuliu seus próprios atos ad-
ministrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União
(Lei 9.784/1999). Revista Eletrônica de Direito do Estado - ReDE. n. 2. 2005.
7. 5cHONBERG,Soren. Legitimare Expectatiorls inAdministrative Law.New York: Oxford Univer-
sity Press, 2000. p. 10.
8. COUTO ESILVA,Almiro. Op. dI.: "Por certo, boa fé, segurança jurídica e proteção à confiança
são ideias que pertencem à mesma constelação de valores".
9. ÁVilA, Humberto. Sistema constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 311.
10. Sobre a aplicação da Verwirkung no Direito Privado (traduzida como suppressio), MENEZES
CORDEIRO,Antonio Manoel da Rocha c. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001.
pectativas legítimas, relativizando a legalidade no caso concreto visando a realização
da segurança jurídica.
Deve ser destacada a elaboração feita por Karl Larenz que, refletindo sobre "prin-
cípios de Direito Justo", afirmou possuir a tutela da confiança" elementos de ética
jurídica ao lado daqueles de segurança, e que estes elementos não podem atuar de
modo separado na busca da justiça do caso concreto, As expectativas dos indiví-
duos, presente estado de confiança, devem ser tuteladas também como medida de
justiça - não apenas de justiça retrospectiva, mas de justiça prospectiva, de equi-
dade. Segundo o autor alemão, o ordenamento juridico deve proteger a confiança
vinculada ao comportamento de outrem e isso por que poder confiar "é condição
fundamental para uma pacífica vida coletiva e cooperação entre os homens, portan-
to, da paz jurídica".u A lição vale tanto para as relações entre particulares quanto
entre os individuas e o Poder Público.
A referência a "Poder Público" significa que o principio, ainda que de modo não
uni(orme,12 vincula a atuação dos três Poderes - Executivo, Legislativo e Judiciá-
rio: limita a revisão dos próprios atos pela Administração Pública, ainda que sob o
prisma da legalidade;13 restringe a margem de conformação do legislador quanto à
confecção de leis retroativas e lhe impõe clareza e constância;14 obstaculiza viradas
jurisprudenciais que venham a surpreender os jurisdicionados, prática muito co-
mum em litígios tributários. 15Como dito por Valter Shuenquener, o princípio, sen-
do de estrutura constitucional, obriga a "todos os tipos de manifestação do poder
p. 797 e ss. O professor Díez-Picazo traduziu o termo para a língua espanhola como "el
retraso desleal" no Prólogo de WIEACKER,Franz. El principio general de la buena fé. Madrid:
Civitas, 1982. p. 21-22. Sobre a supressio no Direito Administrativo, OTERO,Paulo. Legali-
dade e Administração Publica. O sentido da vinculação administrativa à jurididdade. Coim~
bra: Almedina, 2011. p. 920-927.
11. LARENZ,Karl. Derecho justo. Fundamentos de etica juridica. Madrid: Civitas, 1985. p. 90-98.
12. ARAÚJO,Valter Shuenquener. Op. cit., p. 165.
13. COUTOE SilVA,Almiro. Op. cit.; BINENBOJM,Gustavo. Uma teoria do direito administrativo.
Direitos fundamentais, democracia e constítucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
p. 173-191; THOMAS,Robert. Legitimate Expectarions and Proportionality in Administrarive
Law. Portland: Hart Publishing, 2000. p. 41: "O princípiO significa que expectativas gera-
das como resultado da conduta administrativa pode ter consequências jurídicas".
14. PUIGCERVER,Vicente Fenellós. EI Estatuto dei contribuyente. Valencia: Erliciones TRO, 1998.
p. 90 e ss.; NABA1S,josêCasalta. Op. cit., p. 394 e 55.;NOVAIS,Jorge Reis. Os princípios cons-
titucionais estruturantes da republica portuguesa. Coimbra: Coimbra Ed., 2004. p. 263-269.
15. BARROSO,Luís Roberto. Mudança da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em
malêria tributária. Segurança jurídica e modulação dos efeitos temporais das decisões
judiciais. Revista de Direito do Estado. n. 2. p. 261-288. Rio de Janeiro: Renovar, 2006;
DERZI,Misabel Abreu Machado. A imprevisibilidade das decisões judiciais e suas con~
sequências. In: PIRES,Adilson Rodrigues; TORRES,Helena Taveira. Princípios de direito
estatal", de modo que, "cada um à sua maneira, todos os poderes de uma república
devem respeitar a confiança do particular" .16
Por certo que não é qualquer "confiança" que merece ser tutelada. Importan-
te observarem-se condições que devem ser satisfeitas para operação do princípio.
Deve estar presente uma cadeia de situações jurídicas implicadas entre si, ligadas
or um vínculo de causalidade: (i) primeiro, uma situação objetiva do Poder Públi-
~o, que consiste no comportamento inspirador das expectativas d~ individuo; (ü)
em seguida, uma situação jurídica subjetiva do indivíduo que CO~SISt~.na confi~nça
legítima provocada pelas ações do Poder Público; por decorrêucla, (111)uma sltua-
çào jurídica objetiva do individuo que é a conduta realizada segundo a confiança;
(iv) por fim, a nova situação juridica objetiva do Poder Púbhco, contradltona com
a primeira, violadora da expectativa legítimaY
No àmbito desta cadeia, o princípio da proteção da confiança atua prestigiando
"fi " 18 . .a situação subjetiva do particular, que não pode ser uma cou ança cega, lmUTIl-
zando sua situação objetiva - a conduta pautada na confiança - contra as mudanças
imprevisiveis da situaçào objetiva do Poder Público, impedindo que essas a:tera-
ções venham a surtir efeitos prejudiciais às condutas dos ind.ivíduos. A .observancla
adequada das implicações entre essas situações deve ser uda co~o ~nstrumento
de aplicaçãO racional do principio, de modo que se alcance o eqmhbno adequado
entre a segurança do cidadào e a liberdade decisória do Poder Púbhco - trata-se da
exigência de investigação adequada acerca da presença do estado ou base de confian-
ça e sua implicaçãO para a conduta individual questi?nada.
Essas premissas teóricas vêm sendo desenvolvidas pelo Supremo ainda de forma
incipiente. Nos casos concretos, o Tribunal tem buscado identificar o es~do de
confiança suficiente a justificar a manutenção de situações jurídicas, consolIdadas
com o tempo, ainda que contrárias à ordem jurídica. A análi~e dos casos j~lgados
revelará, contudo, que o Tribunal ainda deve aprofundar maIS o de~envo~vn~ento
específico do princípio de modo a satisfazer, em plenitude, exigênCIas propnas de
segurança jurídica. .
3, CONCRETIZAÇÃO DO PRINCiPIO PELO STF
Como dito antes, o Supremo ainda não desenvolveu, significativamente, o uso
expresso do princípio da proteção da confiança legítima. Em diferentes casos, o
financeiro e tributário. Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de
Janeiro: Renovar, 2006. p. 961-992.
16. ARAÚJO,Valter Shuenquener. Op. cit., p. 165-166.
17. Sobre a relação de causalidade e outros requisitos de aplicação do princípio, ÁVilA,
Humberto. Op. cit., 2004, p. 475-476.
18. ARAÚJO,Valter Shuenquener. Op. cit., p. 90.
Tribun.al raciocinou de modo implícito com o princípio, mas a aplicação explí-
cita ~inda aguarda maior atenção. São poucos os' Ministros, e em poucos casos,
que têm procurado fundamentar seus votos, envolvidos conflitos entre legalidade!
constitucionalidade e segurança jurídica, com as possibilidades do princípio e suas
justificativas teóricas. Destes poucos casos, destacam-se processos relacionados a
matérias previdenciária, 'administrativa, eleitoral e tributária.
3.1 Matéria previdenciária
A primeira referência expressa ao princípio deu-se em voto vencedordo Min.
Gilmar Mendes em litígio previdenciário. Na espécie, o Tribunal de Contas da União
havia cancelado o pagamento de pensão especial concedida - e registrada pelo pró-
prio Tribunal - há 18 anos, sob o fundamento de a mesma ter sido deferida sem
respaldo legal- a pensão era decorrente de adoção de menor por escritura pública
em época que já vigorava a exigência legal de autorização judicial. A beneficiária
impetrou mandado de segurança alegando violação ao devido processo legal e a
dlTeltO adquIndo. A relatora, Min. Ellen Gracie, denegou a ordem por não vis-
lumbrar, além de violência ao devido processo, existência de direito adquirido em
decorrência do longo tempo transcorrido de recebimento do benefício, destacando
a forma irregular e ilegal da concessão.
O Min. Gilmar Mendes, redator do acórdão, no que foi acompanhado pelos
demais Ministros, deferiu a ordem por ente!lder ter sido inobservado o devido pro-
cesso legal, ausente a possibilidade de defesa pela beneficiária no ãmbito do Tri-
bunal de Contas, determinando nova apreciação administrativa com respeito ao
contraditório e à ampla defesa. Disse, além do mais, estar impressionado com o
cancelamento de uma pensão concedida, e registrada pela própria Corte de Contas,
há 18 anos. O Ministro assentou que o caso permitiria a aplicação do princípio da
proteção da confiança, "pedra angular do Estado de Direito", de modo a impedir o
próprio desfazimento do ato de registro da pensão. Todavia, por não ter sido for-
mulado pedido neste sentido, ele reconheceu não ser adequada tutela da espécie.19
Desta forma, o raciocínio empregado não passou de obiter dictum.
Desde então, o argumento da proteção da confiança legítima foi empregado, em
alguns processos, como limite ao dever-poder dos Tribunais de Contas em contro-
lar os atos de concessão e de registro de aposentadorias a servidores públicos e de
pensões, reforçando a aplicação do arl. 54 da Lei 9.784/1999, segundo o qual "o
direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efei-
tos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que
foram praticados, salvo comprovada má-fé", e potencializando a exigência cons-
19. STF, MS 24.268IMG, Pleno, j. 05.02.2004, reI. Min. Ellen Gracie, acórdão redigido pelo
Min. Gilmar Mendes, DJ 17.09.2004.
titucional da ampla defesa e do contraditório ante o transcurso deste prazo legal.
Deve-se advertir, no entanto, que a jurisprudência ainda oscila quanto a estes pon-
tos, mormente, tendo em c0I1;taa distinção entre a hipótese de o Tribunal de Con-
tas.controlar a legalidade da concessão de aposentadorias e pensões para efeito de
aperfeiçoar o ato com o registro, e aquela em que o Tribunal anula aposentadorias
ou pensões que ele mesmo já havia julgado válidas.
O Supremo tem o entendimento de não serem obrigatórios, corno regra geral, a
ampla defesa e o contraditório na primeira hipótese, ou seja, no processo de contro-
le, pelas Cortes de Contas, dos atos de concessão inicial de aposentadoria, reforma
e pensão. Para o Supremo, a concessão dos benefícios encerra ato complexo que
se aperfeiçoa com o registro pelos Tribunais de Contas, etapa final que configura
relação apenas entre o Tribunal e a Administração.Pública.20 A dispensa do contra-
ditório e da ampla defesa alcançaria, inclusive, a fase de julgamento de recurso, pro-
posto no prazo legal; ainda que implicasse reconsideração do ato de registro.21 Sob
os mesmos fundamentos, o Supremo assentou não transcorrer o prazo decadencial,
estabelecido no art. 54 da Lei 9.784/1999, entre a data da concessão e a do registro.21
Todavia, o Supremo flexibilizou, em parte, esse entendimento e o fez em atenção
ã proteção da confiança legítima. No MS 25.116/DF, estava em jogo decisão em que
Tribunal de Contas da União, sem o contraditório do interessado, julgou ilegal a
concessão e negou o registro de aposentadoria por entender indevido o .cômputo
de tempo relativo a serviço prestado sem contrato formal e sem o recolhimento de
contribuições previdenciárias. O Min. Ayres Britto, relator da ação, destacou que
este Julgamento apenas se deu passados quase seis anos da concessão, o que exigia,
segundo suas palavras, "questionamento acerca da incidência dos princípios da
segurança juridica e da lealdade (que outros designam por proteção da confiança
dos administrados)".
Citando lições de Canotillo e de Almiro do Couto e Silva acerca do princípio
da proteção da' confiança, e ressaltando o "status constitucional da segurança jurí-
dica" e da "proteção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana", Britto
afirmou que situações jurídicas subjetivas em face do Poder Público, dependentes
de manifestação estatal, não podem ter a formalização sujeita a tempo que "desbor~
de das pautas elementares de razoabilidade". Caso isso ocorra, a participação do
cidadão no processo decisório deverá ser plenamente assegurada. Assim, fixou o
20. Cf. Súmula Vinculante 3, de 30.05.2007.
21. STF,MS 24.728IRj, P1eno,j. 03.08.2005, reI. Mio. Gilmar Mendes, DJ 09.09.2005.
22. STF,MS 25.552/DF, Pleno, j. 03.08.2005, reI. Min. Cármen Lúcia, DJ 09.09.2005; STF,MS
25.072/DF, Pleoo,j. 07.02.2007, reL Mio. Marco Aurélio, acórdão redigido pelo Mio. Eros
Grau, DJ 27.04.2007; STF,MS 25.409/DF, Pleno,j. 15.03.2007, reI. Min. Sepúlveda Perten~
ce, Df 18.05.2007.
24.
25.
prazo de cinco anos, definido por integração sist~mico-analógica, contado da data
da entrada do processo administrativo no Tribunal de Contas, para que este possa
verificar a legalidade da concessão da aposentadoria sem que .deva oferecer o con-
traditório. e a ampla defesa. Passado o prazo, surgiria o "direito líquido e certo do
interessado para figurar nesse tipo de.relação jundica".
Os Ministros Celso de Mello e Cezar Peluso, eSteultimo.expressamente pautado
no principio da proteção da confiança e da boa-fé do administrado, deram passo
maIS largo para defender a decadência do ato de controle da concessão da apo-
sentadoria ante o lapso de seis anos. Para Cezar Peluso, frustrar a expectativa do
beneficlãno, no caso concreto, "insultaria os principias da segurança jUlidica e da
boa-fé" e importaria em "restabelecer, na matéria, a concepção de poder absoluto
da Estado". A maiaria do Plenário não foi tão longe e seguiu o voto do Min. Ayres
Brtlla para anular a decisão do Tribunal de Contas e determinar nova apreciação,
desta feita, com respeito ao contraditório e ã ampla defesa.23
Não é controvertido, no Supremo, que o prazo decadencial previsto no ano 54
da Lei 9.784/1999, aplica-se em face de ato do Tribunal de Contas anulatório do
registro de aposentadoria e pensão que o próprio já houvesse deferido" Neste
caso, segundo o Supremo, o ato complexo já havia se aperfeiçoado e o beneffcio
ingressado no patrimônio juridico do individuo. Contudo, como mostram os pre-
cedentes acima, o argumento da segurança jurídica, em sua faceta subjeliva de
proteção da confiança, embora tenha servido para legitimar a imposição da ampla
defesa ~ do contraditório quando ultrapassado o prazo de cinco anos entre os atos
de concessão e registro, ainda não foi suficiente para alterar o entendimento quanto
ã decadência, na linha defendida pelo Min. Cezar Peluso. Talvez, seja agora o mo.
menta deste próximo passo, a ser dado a panir da compreensão mais aprofundada
do ãmbito de incidência do principio em detrimento de formulações puramente
dogmáticas acerca da natureza dos atos administrativos complexos.2'
3.2 Matéria administrativa
Outro campo em que o principio tem sido utilizado pelo Supremo é o das
contratações e admissões pela AdministraçãO Pública. No MS 22.3571OF," julgado
23. STF,MS 25.116/DF, Pleno,j. 08.09.2010, reI. Min. Arres Brillo, Dl 10.02.2011. Outros jul-
gados no mesmo sentldo: STF,MS 25.403/DF, Pleno,j. 15.09.2010, reI.Min. Ayres Britto,
Dl 10.02.2011; STF, MS 26.053/DF, Pleno,j. 18.11.2010, reI. Min. Ricardo LewandowskiDl 23.02.2011. '
STF, MS 25.552/DF, Pleno,j. 03.08.2005, reI. Min. Cármen Lúcia, Dl 09.09.2005.
Sobre ess~possibilidade, PO.MOO, Rodrigo Goulart de Freitas. Segurança jurídica e prazo
decadenCial do ano 54 da Lei 9.784/1999 nos atos sujeitos a registro pelo TeU. Revista de
Direito Administrativo Contcmpon21lco vol. 3. ano 1. p. 106-108. São Paulo: Ed. RT,2013.
26. STF,MS 22.357/DF, Pleno.j. 27.05.2004, reI.Min. Gilmar Mendes, DJ 05.11.2004.
I.
I
I,
I
I,
I,
i
em 2004, o Tribunal concedeu a ordem, com fundamento nos princípios da pro-
teção da confiança legítima, da segurança jurídica e da boa-fé, para manter como
válidas contratações de empregados pela empresa pública lnfraero sem concurso
publico. Na espécie, estava envolvido acórdão do Tribunal de Contas da União
de 1993, determinando à empresa a regularizaçãO das contratações, feitas entr~
1990 e 1991, de 366 funcionários sem concurso publico. O Min. Gilmar Mendes
relator, observou que a Corte de Contas, em julgamento. de 1991, havia apena~
recomendado a observância do princípio do concurso público para futuras ad-
missões, o que imponou em convalidação das contratações pretéritas. Daí que,
nova determinação, datada de 1993, no sentido do dever de revisão daquelas con-
tratações sob pena de nulidade, ter implicado, segundo Gilmar Mendes, violação
ã confiança legitima.
Para O Ministro, tendo em conta a controvérsia à época sobre o alcance do art.
37,1 e n, da Carta, ás empresas publicas e sociedades de economia mista, a ma-
nifestação primeira do Tribunal de Contas e o fato de a apreciação de mérito do
mandado de segurança ocorrer mais de 10 anos depois das contratações, deveria
'ser pri,~legiada a "estabilidade das situações criadas administrativamente" e afas-
tada a nulidade das admissões. Os demais ministros seguiram o voto do relator,
podendo ser extraldo dos debates a ideia de que as circunstâncias excepcionais do
caso geraram um estado de confiança suficiente a justificar a manutenção das con-
tratações ainda que feitas de forma contrária ã ordem jundica e ao precedente do
próprio Supremo."
Caso análogo foi julgado no MS26.2531OF,28relator Min. Marco Aurélio, quan-
do o Supremo concluiu não ser posslvel ao Tribunal de Contas da União anular atos
de ascensão funcional de funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégra-
fos - ECT sem concurso publico, tendo em vista ter aprovado, há mais de cinco
anos, as contas da empresa publica quando já constavam os atos questionados. O
Tribunal assentou que, transcorrido tal prazo, era de se aplicar a decadência previs-
ta no art. 54 da Lei 9.784/1999. Em julgado posterior, utilizando este precedente,
o Min. Cezar Peluso assentou serem "tais ascensões funcionais (. ..) atos perfeitos,
que já não podliaml ser alcançados pela revisão do Tribunal de Contas, após o
quinquênio legal previsto na Lei 9.784/1999 (art. 54), por força da decadência,
nem, ademais, sem ofensa aos subprineípios da confiança e da segurança jurídica,
corno, em casos idênticos, já vinha reconhecendo esta Cone". 29
27. No MS 21.322/DF, reI.Min. Paulo Brossard,j. 03.12.1992", o Pleno assentou que as empre-
sas públicas c as sociedades de economia mista estão sujeitas à obrigalOricdadede COnlra-"
lar pessoal mediante concurso publico.
28. STF,MS 26.253/DF, Pleno, j. 06.09.2007, reI. Min. Mareo Aurélio. Dl 07.03.2008.
29. STE MS 26.6281DF, Pleno, j. 17.12.2007, Tel. Min. Cezar Peluso, DJ 22.02.2008.
Litígio paradigmático foi resolvido na Ação Cível Originária 79, relator Min.
Cezar Peluso, julgada em 15.03.2012. Estava em jogo pedido da União para decla-
rar nulos títulos de concessão de domínio de terras públicas, outorgados para fins de
colonização, relativos a áreas superiores a 10 mil hectares, circunstância que ense-
java prévia autorização do Senado Federal nos termos do art. 156, @ 2.", da Carta
de 1946, vigente à época dos negócios jUJ."ídicos._O relato_r_reconheceu o vício de
inconstitucionalidade originário .em razão de a alienação ter alcançado, realmen-
te, áreas superiores aos limites constitucionais que autorizavam a concessão sem
prévia autorização legislativa. Não obstante, o Min. Cezar Peluso apontou que o
reconhecimento do :vício não poderia implicar a nulidade dos títulos em respeito
aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.
O relator advertiu que a controvérsia não poderia ser resolvida "apenas no cam-
po da estrita legalidade". Destacando terem ocorrido 3S concessões há mais de meio
século, Peluso observou que, presentes situações de fato que perduraram por longo
tempo, sobretudo quando oriu"ndas de atos administrativos, a aplicação das re-
gras stncta sensu deve "reverencia[r] os princípios ou subprincípios da segurança
jurídica e da proteção da confiança", o que significava, para a solução do caso, o
reconhecimento da inconstitucionalidade dos títulos sem a pronúncia da nulidade.
Segundo o raciocínio desenvolvido pelo relator, a compreensão dos princípios da
segurança jurídica e da proteção da confiança, somada às circunstâncias que com-
punham o contexto do litígio, implicaram a "vinculação da Administração Pública
às suas próprias-práticas, ainda quando, ilegais na origem". Para o Ministro: "O
Estado de Direito é sobremodo o Estado. da confiança". E arrematou:
"O fato é que, adote-se esta ou aquela nomenclatura para designar a estratégia
jurídica, o que tem decidido esta Corte é que, por vezes, o princípio da possibilidade
ou necessidade de anulamento é substituido pelo da impossibilidade, em homena-
gem ã segurança jurídica, ã boa-fé e ã confiança legitima".
A maioria presente no Pleno seguiu a posição defendida pelo relator, tendo os
Ministros Ricardo Lewandowi, Ayres Britto e Marco Aurélio discordado. O Min.
Lewandowski afirmou tratar-se de "VÍcio de origem absolutamente insanável",
Ayres Britto defendeu que as consequências da inconstitucionalidade, tendo em
yista as situações consolidadas, deveriam ser equacionadas pela própria Adminis-
tração Pública, enquanto o Min. Marco Aurélio enfatizou a supremacia da Consti-
tuição e a impossibilidade de flexibilizar seus comandos mesmo presente possível
afronta à segurança jurídica.
Esse mesmo tipo de conflito constitucional está presente em uma das controvér-
sias mais complexas da atualidade - aquela que envolve a efetivação de substituto
como titular de serventia extrajudicial vaga, após a vigência da Constituição de
1988, sem concurso público. Também nestes casos, a solução passa pela tensão
entre o dever de aplicação estrita de regras constitucionais e a observância à se-
gurança jurídica e à proteção da confiança diante de situações jurídicas, oriundas
de atos administrativos, consolidadas pelo passar do tempo, embora contrárias à
ordem constitucional.
Em diferentes circunstâncias, por atos do Conselho Nacional de justiça, essas
Investiduras têm sido desconstituídas por alegação de afronta ao art. 236, ª 3.0,
da CF, afirmada a indispensabilidade do concurso. A controvérsia maior está em
saber se é aplicada, na espécie, a regra da decadência do art. 54 da Lei 9.874/1999,
considerando que, invariavelmente, as decisões do Conselho são tomadas mais
de cinco anos - na maior parte das vezes, muito mais - depois dos atos de nomea-
ção. O Supremo tem afirmado que a decadência não se aplica nestas hipóteses em
razão da "flagrante inconstitucionalidade" manifesta~a pelos provimentos sem
concurso público.
No MS 28.279/DF,30 relatora Min. Ellen Gracie, julgado em 16.12.2010, foi im-
pugnado acõrdão do Conselho Nacional de Justiça, proferido em 2009, por meio
do qual o õrgão de controle desconstituiu ato de 1993, do TJPR, no qual constou
a investidura do impetrante, substituto, no cargo de titular da Serventia Distrital
de Cruzeiro do Sul, cuja vacância ocorrera no mesmo ano, portanto, após a entra-
da em vigor da Constituição de 1988. Apontando ter a decisão do Conselho sido
formalizada há mais de1S anos contados de sua nomeação, o impetrante alegou
a ocorréncia da decadéncia, nos termos do art. 54 da Lei 9.874/1999, restando
extinta a possibílidade de revisão da investidura ainda que contrária ao texto da
Constituição.
A relatora, tendo em conta a autoaplicabilidade do @ 3." do art. 236 da Carta,
assentou que "situações flagrantemente inconstitucionais como o provimento de
serventia extrajudicial sem a devida submissão a concurso público não podem e
não devem ser superadas pela simples incidência do que dispõe o art. 54 da Lei
9.784/1999, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Fe-
deral". Para Ellen Gracie, a circunstância de a vacância, preenchida pelo impetran-
te, ter surgido após a Carta de 1988, não autoriza cogitar-se de direito adquirido
em razão da exigência expressa, pelo S 3.° do art. 236, de "realização de concurso
público de provas e títulos para o ingresso na atividade notarial e de registro". De
acordo com este raciocínio, os substitutos, investidos na titular~dade das serventias
após a Constituição de 1988 sem concurso público, não poderiam ter expectativas
legítimas quanto à definitividade do cargo, independente do tempo em que estives-
sem no exercício do ofício por delegaçãO administrativa. Para a relatora, falta-lhes
base de confiança ante o disposto no aludido preceito constitucional.
A maioria votou neste sentido, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de
Mello e Cezar Peluso. Marco Aurélio aduziu que, passados mais de 15 anos, o CNj
não pode desfazer ato administrativo em respeito à segurança jurídica, "princípio
30. STF,MS 28.2791DF, Pleno, reI. Min. Ellen Gracie, j. 16.12.2010, DJ 29.04.2011.
ínsito em um Estado Democrático de Direito". Disse que n~.mmesmo a regra ex-
pressa do concurso público pode afastar, no caso julgado, "o princípio maior, explí-
cito e implícito na Carta da República, que é o da segurança'!. ,Cezar Peluso asseve-
rou que deveria ser observada a regra da decadência do art. 54 da Lei 9.784/1999,
que constitui, segundo argumentou, autolimitação da Administração Pública para
dcsconstituir situaçõeS consolidadas, salvo cornpr6vada' má-fé. Ao encerrar o voto,
foi categórico do porquê da invalidade do ato do CNJ:
"Não preciso alongar-me, porque já o fizeram os dois votos dos Ministros Mar-
co Aurélio e Celso de Mello, mas é em atenção a esse valor fundamental da vida
humana, que é a segurança, para permitir que a ação humana - como dizia Lopes
de Ofiate, 'seja fiel a si mesma', e sem a qual nenhum homem pode viver, é que o
Estado se limita quanto a poder desconstituir siruações que já fazem parte desta
vida e, portanto, do próprio destino pessoal do cidadão".
Em diversas decisões monocráticas, o Min. Celso de Mello, apreciando pedidos
de substitutos que foram investidos na titularidade das serventias há mais de 10,
15, 20 e 25 anos da prolaçãOdos atos do CNJ destituindo-os, assentou que deveria
prevalecer o respeito aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confian-
ça ante o transcurso de tão longos prazos:31
"Entendo, em juízo de estrita delibação, que se reveste de plausibilidade jurí-
dica a pretensão que a ora impetrante formulou nesta sede processual. Impressio-
na-me, ao menos para efeito de fonnulação de um juízo de caráter estritamente
delibatório, a alegação de ofensa ao postulado da segurança jurídica. Cabe ter
presente, em face do contexto ora em exame, que a situação que a impetrante pre-
tende preservar, ao menos até final julgamento desta ação mandamental, perdura
há mais de 25 (vinte e cínco) anos! A !luência d'e tão longo período de tempo
culmina por consolidar justas expectativas no espírito dos administrados (ou dos
servidores públicos ou, ainda, dos de1egatários de serviços públicos) e, também,
por incutir, neles, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados,
não se justificando - ante a aparência de direito que legitimamente resulta de tais
circunstâncias - a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se manti-
nham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado,
e o Poder Público, de outro. .
Cumpre observar, neste ponto, que esse entendimento - que reconhece que o
decurso do tempo pode constituir, ainda que excepcionalmente, fator de legiti-'
31. Cí. MC no MS 29.562/PE, j. 09.11.2010, Dl 16.11.2010; MC no MS 29.575/DF, j.
09.11.2010, Dl 16.11.2010; MCno MS29.493/DF,j. 09.11.2010, Dl 16.11.2010; MCno
MS29.573/DF, j. 09.11.2010, Dl 16.11.2010; MCno MS29.575/DF, j. 09.11.2010, Dl
16.11.2010; MCnoMS29.426/DF,j. 04.11.2010, Dl 10.11.2010; MCnoMS28.963/DF,j.
21.10.2010, Dl 27.10.2010; MCnoMS29.1581DF,j. 20.10.2010, Dl 27.10.2010.
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mação e de estabilização de determinadas situações jurídicas - encontra apoio no
magistério da doutrina (...)".
O equívoco do Pleno, manifestado no precedente acima descrito, foi o de vincu-
lar a possibilidade de operar-se a decadência, prevista no art. 54 da Lei 9.874/1999,
à constitucionalidade da situação juridica questionada. O propósito do legislador
ordinário, ao contrário do concluído pela maioria, foi justamente o de proteger
essas situações, considerado o transcurso do prazo estabelecido, mesmo que con-
trárias à ordem jurtdica. Esta distinção, revelada na premissa "flagrante inconstitu-
cionalidade" como óbice à operação da decadência, não foi feita pelo legislador e
nem este concedeu a oportunidade para tal juízo. Como ensinou Almiro do Couto
e Silva, estabelecida a decadência como regra na aludida Lei 9.874, "não há que se
fazer qualquer ponderação entre o princípio da legalidade e o da segurança jurídi-
ca", pois o ;'legislador ordinário é que efetuou essa ponderaçãO, decidindo-se pela
prevalência da segurança jurídica". 32
Satisfeitos os requisitos previstos na lei - o transcurso do prazo de cinco anos e
a inexistência de comprovada má-fé dos destinatários -; e somente estes, opera-se,
de imediato e inexoravelmente, a decadência do direito à anulação, seja por autotu-
tela, seja por via judicial. Dal que, em meio ãs dezenas de mandados de segurança
versando a matéria e pendentes de solução definitiva peJo Supremo, é de se esperar
que o Tribunal reveja a posição assentada no MS 28.279/DF e aplique o art. 54 da
Lei 9.874/1999. Presentes situações consolidadas há 10, 15, 20 e até 25 anos, c
ausente má-fé por parte dos interessados que foram investidos na titularidade das
serventias por atos de delegação administrativa devidamente formalizados, o Su-
premo deve agir conforme fez nos precedentes da Infraero c do Correios, quando
convalidou admissões e ascensões funcionais de pessoal sem concurso público em
homenagem à confiança legítima.
Deve prevalecer a ideia de que, "por efeito conjugado do tempo e da tutela da
confiança", o não exercício por tão longo prazo da possibilidade de anular esses
atos de investidura constituiu "aexpressão de urnfactum proprium" e implicou "um
efeito preclusivo ou extintivo da respectiva competência revogatória".13 O exercício
dessa competência, nestes casos, tendo em conta a estabilidade alcançada pela si-
tuação juridica envolvida, mais se assemelha àquela "intolerável deslealdade" que
o instituto da suppressio visa combater. Espera-se que os votos vencidos tornem-
'-se vencedores e que o Tribunal, compreendendo adequadamente os fundamentos
da proteção da confiança legitima, aplique a regra da decadência do art. 54 da Lei
9.874/1999, até por que são casos como este que constituem a razão de ser da pre-
visão legal do instituto.
32. CoUTO E SILVA.Almiro. Op. ciL.
33. OTERO.Paulo. Op. cit.. p. 921.
3.3 Matéria eleitoral
No campo eleitoral, o princípio foi aplicado como fundamento para modular
os efeitos da mudança de jurisprudência em favor da perda dó""mandato parlalpcn-tar na hipótese de "infidelidade partidária". Em decisão controvertida, o Supremo
garantiu o direito de o ..partidq polítíço pre,seryar.3 yaga J~gislativa ocupada por
candidato eleito sob sua legenda quando de desfiliaçâo e transferência para outro
partido. O man~ato seria do partido, não do parlamentar.34 Para a Corte, dentro do
sistema de representação proporcional para a eleição de deputados e vereadores, o
eleitor exerce sua liberdade de escolha apenas entre os candidatos registrados pelo
partido politico, de modo que o destinatário do voto é o partido que viabiliza a
candidatura eleitoral. O candidato eleito, por sua vez, vincula-se ao programa e ao
ideário do partido pelo qual foi eleito e abandoná-lo significa, em última análise,
afastar-se da escolha feita pelo eleitor. A fidelidade partidária seria, então, corolário
lógico-jurídico do sistema constitucional vigente.
A decisáo, com reflexos profundos sobre a composição das bancadas legisla-
tivas, representou mudança de orientação do Tribunal,35 o que levou ao debate
sobre a possibilidade de modulação temporal dos efeitos da decisão haja vista os
parlamentares t~rem se comportado da forma impugnada por acreditarem na legiti-
midade de suas condutas consoante as decisões anteriores do Supremo. Segundo as
palavras do relator de um dos processos, Min. Celso de Mello, presente "substan-
cial revisão de padrões jurisprudenciais, com a consequente ruptura de paradigma
dela resultante", deve ser considerada "a necessidade de respeito, pelo Estado, da
exigência da segurança jurídica".
Para Celso de Mello, o entendimento anterior configurava "um dado objetivo"
a gerar a expectativa de legitimidade das migrações partidárias, de modo que, "em
respeito à ética do Direito" e "a confiança dos cidadãos nas ações do Estado", de-
veria prevalecer a proposta de prospectar os efeitos da decisão. A maioria dos Mi-
nistros concordou com a modulação. Vale a leitura de parte da ementa do acórdão
do MS 26.603/DF, que sintetiza bem a posição da Corte quanto ã necessidade de
proteção da confiança: .
"- Os postulados da segurança jurídica e da proteção da confiança, enquanto
expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado
conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, inclusi-
ve as de direito público, sempre que se registre alteração. substancial de diretrizes
34. STF, MS 26.602IDF, Pleno, j. 04.10.2006, 'e!. Min. Em, Gmu, DJ 17.10.2008; STF,MS
26.603/DF, Pleno,j. 04.10.2006, reL Min. Celso de Mello, Dl 19.12.2008; STF,MS 26.604/
DF, Pleno, j. 04.10.2006, reI. Min. Cármen Lúcia, Dl 03.10.2008. Depois, cf. ADln 3.999/
DF,j. 12.11.2008, reI. Min.joaquim Barbosa, Dl 17.04.2009.
35. STF,MS 20.927/DF, Pleno,j. 11.10.1989, rel. Min. Moreira Alves, Dl 15.04.1994.
hermenêuticas, impondo-se à observância de qualquer dos Poderes do Estado e,
desse modo, permitindo preservar situações já consolidadas no passado e anterio-
res aos marcos temporais definidos pelC?próprio Tribunal. Doutrina. Precedentes.
- A ruptura de paradigma resultante de substancial revisão de padrões juris-
prudenciais, com o reconhecimento do caráter partidário do mandato eletivo pro-
porcional, impõe, em respeito à .exigência de segurança jurídica e ao princípio da
proteção da confiança dos cidadãos, que se defina o momento a partir do qual terá
aplicabilidade a nova diretriz hermenêutica".
O princ~pio voltou a ser utilizado em matéria eleitoral como reforço argumen-
tativo para justificar o muito aguardado voto desempate do Min. Luiz Fux no caso
da aplicação da anterioridade eleitoral à denominada Lei da Ficha Limpa, tendo em
vista as eleições de 2010. O Supremo enfrentou questionamentos sobre o início de
vigéncia da LC 135/2010, lei de iniciativa popular por meio da qual foram criadas
novas e rígidas hipóteses de inelegibilidade pelo prazo de 8 anos, como a cassação
de mandato anterior, renúncia ao cargo eletivo para não ser cassado, ou condena-
ção, por órgão judicial colegiado e antes do trânsito em julgado, por alguns crimes
que a lei menciona.
A Corte teve que definir o destino dos mais de oito milhões de votos dados aos
candidatos nas eleições de 2010 que tiveram os registros indeferidos em razão da
Lei da Ficha Limpa. A questão era definir se a lei, publicada em 07.06.2010, po-
deria ser aplicada de imediato nas eleições do mesmo ano, a despeito da regra da
anterioridade eleitoral do art. 16 da CF O primeiro julgado de mérito foi sobre o
candidato Jáder Barbalho, "eleito" Senador pelo Pará com 1.799.762 votos, mas
com o registro indeferido por ter renunciado ao mandato anterior para evitar pro-
cesso de cassação. O julgamento terminou empatado em razão de a Corte estar des-
falcada de um membro, tendo sido mantida a decisão do TSE que havia impedido
o registro. 36
Em 03.03.2011, o Min. Luiz Fux tomou posse e a Corte estava entãocomple-
ta. O tema voltou à pauta 20 dias depois e o "11.0 voto", mesmo contra a opinião
pública, foi pela anterioridade, definindo que a lei não poderia ser aplicada para o
ano de 2010.31 Na acertada decisão, o ministro privilegiou o art. 16 da Carta apesar
de enfatizar ser a lei questionada "um dos mais belos espetáculos democráticos
experimentados após a Carta de 1988". Fux enfatizou que a regra da anterioridade
funda-se na necessidade de se evitarem surpresas quanto ao processo eleitoral, de
modo que a aplicação imediata da lei implicaria violação à confiança, valor que
contribui "para a duração de um sistema político" e em cuja ausência "qualquer
sociedade entra em colapso". O princípio deve voltar à baila em caso de eventual
36. STF,RE 631.102IPA, Pleno,j. 27.10.2010, reI. Min. Joaquim Barbosa, Dl 20.06.2011.
37. STF,RE 633.703, Pleno,j. 23.03.2011, reI. Min. Gilmar Mendes, DJ 18.11.2011.
3.4 Matéria tributária
de~isão. do Supremo que julgue inconstitucional o financiamento de campanhas
eleltOr~I~ por empres~s, tendo em vista a inevitável controvérsia sobre a vigência
da decIsao para as eleIções presidenciais de 2014.
~~ ~atéria tributária. o princípio possui campo bastante extenso de aplicação:38
prOlb,çao de leis retroativas (art. ISO, I, da CF); anterioridade geral e nonagesimal
(art. ISO, II e UI, da CF); irreversibilidade do ato de lançamento por modificação
dos cntenos de mterpretação (art. 146 do CTN) e por erro de direito ou de valo-
raçãodos fatos (art. 149, VIII, do CTN); o caráter vinculante das informações das
autortdades financeiras feitas aos obrigados tributários (art. 100, parágrafo único,
do CTN); 39 a proibição de revogação de isenções onerosas (art. 178 do CTN).40Al A
positivação de situações que suscitam o princípio acarreta, sem dúvida, que muitas
da .soluções de conflitqs envolvendo a segurança do contribuinte sejam levadas a
efeIto por referência a essas regras, sem necessitar de maior desenvolvimento teóri-
co do princípio, o que se mostra correto do ponto de vista metodológico.
No SIF, o debateem tomo da aplicação do princípio tem surgido em meio ãs al-
terações da jurisprudência do Tribunal em questões tributárias e como funda~ento
para prospectar os efeitos das decisões (prospective overruling).42 Trata-se da busca
por potencializar a modulação mesmo para as hipóteses de pura e simples alteração
de interpretação sem declaração de inconstitucionalidade, exatamente como ocor-
reu no caso da "infidelidade partidária". Dois casos relevantíssimos ilustram bem o
estágio da discussão e revelam que dificuldades não apresentadas no aludido caso
eleitoral, se fizeram bastante presentes em desfavor dos contribuintes.
O tema foi levantado quando da modificação de orientação relativa à possibili-
dade de os contribuintes de IPI apropriarem-se de créditos na aquisição de maté-
rias-primas, insumos e produtos intermediários não tributados, sujeitos à isenção
ou alíquota zero do imposto. No RE 212.4841RS, julgado em 05.03.1998, o Pleno
do Supremo reconheceuo direito ao crédito na hipótese de isenção, tendo ocorri-
do o trânsito em julgado em 10 de dezembro do mesmo ano.43 Nove anos depois,
nos RE 353.657/PR e RE 370.6821SC,44 presente julgamento relativo a insumos e
matérias-primas não tributadas e sujeitas à alíquota zero, o Supremo negou o direi-
to. Ante a proximidade das teses, os novos precedentes vêm s~ndo utilizados para
solucionar a controvérsia envolvida a hipótese. de isenção.
Nesses recursos, apreciados em 2007, o Min. Ricardo Lewandowski suscitou
questão de ordem no sentido de modular os efeitos da decisão, propondo a eficácia
ex nunc da nova interpretação ante a circunstância de alteração da jurisprudên-
cia que havia sido assentada naquele julgado de 1998. Consoante asseverou, "em
homenagem não apenas ao princípio da segurança jurídica, mas também aos pos-
tulados da lealdade, da boa-fé e da confiança legítima, sobre os quais se assenta o
próprio Estado Democrático de Direito", os efeitos prospectivos se impunham. Os
demais Ministros não concordaram, seja porque afirmaram que apenas no caso de
declaração de inconstitucionalidade a modulação se faz possível, seja porque não
identificaram, ante a ausência de posição consolidada da Corte, base de confiança
suficiente para tanto.
É certo que não havia, realmente, decisões transitadas em julgado relativas ao
direito de crédito quanto a insumos n~o tributados e sujeitos à alíquota zero, au-
sente, portanto, estado de confiança para a modulação nestes específicos casos.
Todavia, estes novos precedentes implicaram, sem dúvida, superação do enten-
dimento também quanto ao crédito na hipótese de isenção e, para esta parcela da
controvérsia, havia decisão do Pleno favorável aos contribuintes e transitada em
julgado em 1998, de modo que, para os que se enquadravam nesta dimensão do
americano, TRIBE,LaurenccH. Amcrican Constítutional Law. 13. ed. NewYork:NewYork
Foundation Press, 2000. p. 218-227.
43. STF,RE 212.484. Pleno, reI.Min.lImar Galvão,acórdão redigido peloMin. Nelsonjobim,
Dl 27.11.1998.
44. STF,RE 353.657/PR,Pleno, reI. Min.MarcoAurélio, DJ06.03.2008;STF,RE370.682/PR,
Pleno, reI.Min. UmarGalvão,acórdão redigidopelo Min.GilmarMendes,DJ 18.12.2007.
Parauma visão teóricado princípio emmatéria tributária, DEllAVALLE, Eugenio.Aifidamento
e.c~rtezza dei ~iri~to tributaria. Milão: Giuffre, 2001; RIBEIRO,RicardoLodi.A segurança ju-
ndrca do cont~bumte (le~alidade, não surpresa e proteção à confiança legitima). Rio de janei-
ro; ~um_enju~, ~008.;AVIlA,Humberto. Segurançajuridica. Entre permanência, mudança e
realrzaçao no dIreito tnbutário. São Paulo: Malheiros, 2011; TORRES,Heleno Taveira.Direito
constitucional tributário e segurança jurídica. SãoPaulo; Ed. RT,2011.'
Relativo a :xpe~tativas causadas p~r uma resposta a processo de consulta, cf. STF,RE
131.741,2. T.,). 09.04.1996, reI. Mm. Marco Aurélio, Dl 24.05.1996:
"~ributário - C?n~ulta - ~ndenizaçãopor danos causados. Ocorrendo resposta a consulta
feItapelo co.n.tnbumtee vmdo a administração pública, via o fisco, a evoluir, impõe-se-Ihe
a responsabIlIdadepor danos provocados pela observãncia do primitivo enfoque".
STF,RE 186.264-5, 2.' T, reI. Min. Marco Aurélio, Dl 17.04.1998; STF,RE 218.160-3, L'
T., reI.Min. MoreiraAlves,DJ06.03.1998.
Sobreoutras hipóteses de aplicação:DERZI,MisabelAbreuMachado.Buena fe en el derecho
tributario. In: PISTONE,Pasquale; TORRES,Helena Taveira (coords.) Estudios de derccho tri-
butário constitucional e internacional. Homenaje latinoamericana a Victor Uckmar Eu. ' . enos
A~res:~baco, 2005. p. 268; TORRES,Ricardo Lobo. Valores e princípios constitucionais
tnbmános. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Rio de janeiro; Renovar,
2005. vol. 2, p. 571.
Para uma abordagem teórica da prática no direito tributário, GARVIANOVOACésar. El
principio de seguridad juridica en mataia tributaria. Madrid; Marcial Pous' 2000
204-215. Sobre a gênese da pmspcctive overruling e seus altos e baixos no dir~ito no'rt~~
39.
38.
40.
41.
42.
"LV''>''''' LlL •...•"'LI'V "L."'''''''>".,..",VV ••.•U,V'I:'VlrUnf\I~t:V ,(..V ,.,. - IICUl"1\... I
tema, pode ser afirmada a presença de base de confiança a justificar a modulação.
Não ob.stante, o Tribunal não tem admitido prospectar os efeitos do novo enten-
dimento mesmo em se tratando de pedido relativo a insumos e matérias-primas
isentas, não distinguindo as circunstâncias acima apontadas, o que significa falha
em identificar o estado de confiança onde ele efe~iv~meI)te_~xiste.45
A questão voltou a ser discutida, em 17.09.2008, uo caso da revogação da isen-
ção da Cofins no tocante ãs sociedades de profissão regulamentada - RE 377.457/
PRo46A questão de fundo era saber se uma lei ordinária poderia revogar o benefício
que fora instituído por lei complementar. Quando deste julgamento, vigorava o
Verbete 276, da Súmula do STJ, de 14.05.2003, que reconhecia a impossibilidade
de modificação da espécie. Em sentido diametralmente contrário, àquela altura,
o Supremo possuía jurisprudência pacífica quanto ã viabilidade de lei ordinária
modificar a disciplina das contribuições de seguridade social cnjas materialidades
são definidas na própria Constituição, o que se aplica à Cofins. Ao julgar o aludido
extraordinário, a maioria do Pleno reportou-se a esta jurisprudência para assentar
a legitimidade da revogação questionada. O Superior Tribunal veio, inclusive, a
cancelar o mencionado Verbete dois meses depois deste julgamento.
Uma vez mais, foi pedida a modulação, desta feita tendo P9r base de confiança
a jurisprudência não do Supremo, mas do Superior Tribunal. Presentes 10 Minis-
tros, em um prirp.eiro momento, 7 negaram o pedido, principalmente, utilizando as
palavras do Min. C;:ezarPeluso, por não verem "densidade jurídica que justificasse
uma confiança dos contribuintes a respeito dessa tese". O Min. Celso de Mello foi
o terceiro a aceitar a modulação e, em seu voto, apontou manifestações do Supre-
mo no sentido de reconhecer que a palavra final era do ST] ante a natureza infra-
constitucional da matéria, e que isso só foi alterado em fevereiro de 2006, com o
julgamento do AgRg no RE 451. 988/RS, relator Min. Sepúlveda Pertence, no qual o
Supremo passou a afirmar sua competência para resolver o litígioY
Os argumentos de Celso de Mello impressionaram os Mins. Ricardo Lewando-
wski e Ayres Britto, que alteraram seus votos para aceitar a modulação. Em suma,
segundo os que a admitiram, os precedentes do ST] poderiam servir de elemen-
to objetivo para configurar expectativas legítimas .em razão dos pronunciamentos
de Ministros do Supremo quanto à natureza infraconstitucional da matéria. Com
as mudanças de votos, chegou-se a um empate - 5 a 5 -, vindo a modulação a
ser negada por não ter sido alcançado o quórum de 2/3 exigido no art. 27 da Lei
45.
46.
47.
STF,AgRg no RE 444.267/RS, 2.a T., reI. Min. Gilmar Mendes, DJ 28.02.2008; STF,AgRg
no RE 550.218/SP, 2.a T., reL Min. Gilmar Mendes, Dj28.05.2009.
STF,RE 377.457IPR, Pleno, reI. Min. Gilmar Mendes, Dj19.12.2008.
STF, AgRg no RE 451.988/RS, l.a T., j. 21.02.2006, rel. Min. Sepúlveda Pertence DJ
17.03.2006. '
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9.868/1999. A decisão foi embargada, tendo sido reiterado o pedido de modulação
sob o argumento da dispensa do quórum em razão -de a circunstância envolver
mudança de interpretação e não declaração de inconstitucionalidade, e formulado
pleito de apreciação pelo lI.' julgador - no caso, a Min. Rosa Weber - a fim de
desempatar a disputa.
No Julgamento destes embargos, o debate. envolverá, portanto, o quórum ne-
cessário para modular e se havia ou não, no caso concreto, estado de confiança a
legitimar o pedido de modulação. Quanto ao primeiro ponto, o Tribunal decidirá
se a prospectividade em razão de pura e simples modificação de interpretação ê di-versa daquela por declaração de inconstitucionalidade, expressamente prevista no
art. 27 da Lei 9.868/1999, para o efeito de dispensar o quórum de 2/3 e a ponto de
justificar a elaboração de regras próprias. No tocante ao segundo ponto, será uma
grande oportunidade para o Tribunal fixar critérios, a serem observados em casos
futuros, para identificação da base de confiança necessária e suficiente à modula-
ção, devendo ser levada em conta e a sério a exigência de tratar a todos de forma
igualitária, sejam parlamentares, sejam contribuintes. A racionalidade do Direito
requer esse aprofundamento.
4. CONCLUSÕES
O tratadista espanhol, Jesús Gonzales Pêrez, resume que o princípio da con-
fiança "permite manter os efeitos de determinadas situações ilegais, manutenção
que se justifica pela proteção que merece o particular que confiou legitimamente
na estabilidade da situação criada pela Administração". Visando assegurar "certeza
nas relações com o Poder Público", o princípio busca assegurar a estabilidade de
"determinadas situações, ainda que não sejam de todo conforme ao Direito, quan-
do presente confiança em sua legitimidade"." Identificada a base de confiança, o
princípio opera em face de situações consolidadas no tempo que, em sua origem,
não foram constituídas de acordo com a ordem jurídica - ele legitima situações
que, de outro modo, deveriam ser tidas por ilegais ou inconstitucionais.
Essa determinação, realizadora de comandos do Estado de Direito e da seguran-
ça jurídica, vem sendo gradualmente reconhecida e aplicada pelo STf Contudo,
faz parte da evolução interpretativa esperada, que o Tribunal (i) rechace a possibi-
lidade de os Tribunais de Contas atuarem sem prazo determinado para o controle
da legalidade e registro de aposentadorias e pensões; (ii) impeça que o CNJ torne
sem efeito investiduras, devidamente formalizadas, de substitutos na titularid~de
de serventias extrajudiciais ocórridas há mais de 10, 15, 20 e até 25 anos, por
48. GONZÁLEZPEREz,jesús.El principio general de la bucnafe Cl1 cl derecho administrativo. 5. ed.
Madrid: Civitas, 2009. p. 73 e 76.
não terem sido precedidas de concurso público: (iii) racionalize os critérios para
modulação temporal de suas decisõe? .que importem virada de jurisprudência, de
modo que não trate, de forma desigual, classes diferentes de jurisdicionados. Essas
providências, na llnha do que fora defendido por Karl Larenz, farão do princípio
da proteção da confiança não apenas medida de segurança jurídica, mas de um
"Direito Justo ".
PESQUISAS DO EDITORIAL
Veja também Doutrina
• Ainda o principio da confiança nos pronunciamentos jurisdicionais, de Leonardo Oliveira
Soares - RePro 218/183 (DTR\2013\2498);
• A nova força obrigatória dos contratos e o principio da confiança no ordenamento jurídico
brasileiro: análise comparada entre o CDC e o CC/2002, de Marília Zanchet - ROC 58/116
(DTR\2006\255l; e
.• A proteção das expectativas legítimas derivadas das situações de confiança: elemen-
. tos formadore.s do principio da confiança e seus efeitos, de Gerson Luiz Cados Branco -
ROPriv 12/169 (DTR\2002\459).
Bens Públicos e Intervenção
Administrativa na Propriedade
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