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ECONOMIA BRASILEIRA AULA 2 Prof. Roberto Luiz Remonato 2 CONVERSA INICIAL Ascensão e queda da Primeira República Nesta aula, será analisado como foi o início e a evolução institucional da Primeira República brasileira. Para tanto, primeiramente, vamos analisar como se deu o processo de transição institucional após a Revolução de 1889 com o início do período republicano. Em seguida, iniciaremos um estudo mais detalhado dos principais governantes dos períodos conhecidos como República da Espada, a economia cafeeira, a República do Café-com-Leite, a Economia Cafeeira e, por fim, as origens do processo de industrialização. Após esta aula, o aluno estará capacitado a explicar como nossa República foi influenciada pelo estrangeirismo e pronto para analisar criticamente o pacto político entre Minas Gerais e São Paulo, realizando a conexão dos eventos políticos históricos com instituições contemporâneas e argumentando sobre o peso do café no cenário econômico brasileiro. TEMA 1 – O PROCESSO DE TRANSIÇÃO A República brasileira nasceu da mesma forma que se deu o processo da Independência em 1822. Isto é, sem a participação do povo e por meio da articulação de diferentes grupos influentes, cada qual com motivações claramente distintas para inflexão institucional que propunham, ocasionando que a República em seu início era carente de maturidade ideológica própria. Nesse sentido, os líderes do movimento tentaram aplicar no Brasil receitas que outras nações haviam desenvolvido para si, segundo as suas próprias histórias. Faoro (2009) cita que, da Europa eles trouxeram a ideologia do liberalismo econômico, uma posição antagônica àquela adotada pelo nosso vizinho do Norte, os Estados Unidos da América, que, como nós, eram uma nação nova. Os norte-americanos defendiam que um país em desenvolvimento precisava ter um período de políticas econômicas protecionistas antes de adotar um sistema institucional liberalista porque, segundo eles, sem um elemento de proteção, o crescimento da nação mais nova seria subjugado, pois ela seria muito frágil para conseguir enfrentar concorrências daqueles que já haviam se beneficiado do processo de amadurecimento no decorrer da história. O Brasil apostou no comércio sem barreiras, algo bem favorável aos interesses dos produtores de café, pois facilitava suas vendas internacionais, 3 embora isso fosse questionável para o fomento da manufatura brasileira. Da matriz norte-americana, os republicanos brasileiros buscaram a base para o nome do país, a estrutura constitucional e a primeira bandeira nacional. Com relação à matriz constitucional, a base utilizada ficou inalterada até 1930 (quando tivemos o golpe de 1930); já o nome Estados Unidos do Brasil somente foi mudado para República Federativa do Brasil em 1967 (pelos eventos do golpe militar de 1964). Seja como for, copiando, resgatando influências históricas ou até mesmo criando símbolos, importa para nós que, no dia 15 de novembro de 1889, iniciou-se uma nova fase para o país, cujo princípio recebeu duas alcunhas distintas: a da República da Espada (até 1891) e a da República do Café-com-leite (até 1930). Mal teve início a República e já tivemos alguns problemas, como veremos no tema que se segue. TEMA 2 – A REPÚBLICA DA ESPADA No começo da República aconteceu que a primeira eleição para presidente, segundo a Constituição, seria pelo voto direto, porém Marechal Deodoro, chefe provisório do Brasil no período pós-monarquia, resolveu que ele próprio deveria ser o presidente do Brasil. Para garantir que seu desejo se realizasse, impôs que a primeira eleição fosse por voto indireto e, a partir daí, fez uso de força militar para assegurar sua vitória, pois, caso não ganhasse, deixou bem claro que fecharia o Congresso Nacional. Em seu governo, o marechal alagoano Deodoro da Fonseca precisou enfrentar vários problemas gerados pelo fim da escravidão ao término do período imperial, entre eles, a questão da falta de liquidez que se fez sentir pelo crescimento da mão de obra assalariada. Faltava moeda nos bancos para atender às necessidades dos proprietários de terras para a realização de pagamentos dos imigrantes que haviam substituído o trabalho escravo. Isso também gerava falta de dinheiro para fomentar as transações urbanas e a industrialização do país. A emissão de novas moedas naquela época, pela linha do pensamento ortodoxo, era condicionada pela quantidade de ouro que o país tinha; portanto, para imprimir mais moeda, era preciso dispor de mais ouro ou de moeda equivalente a ouro. Todavia, existia uma linha não ortodoxa entre os governistas que defendia a emissão da moeda fiduciária (de confiança), pois, segundo seus paradigmas, essa iniciativa fomentaria o desenvolvimento ao atender à demanda da população por 4 papel-dinheiro. Os ortodoxos eram os metalistas, e os da moeda fiduciária, os papelistas. Deodoro precisava se entender com as correntes econômicas metalistas e a dos papelistas, e optou pelos argumentos dos papelistas, os quais eram representados por seu Ministro da Fazenda, o já ilustre Rui Barbosa, que, assim, mandou emitir mais papel moeda, resultando em um problema para a economia. A ideia de Rui Barbosa era muito boa; segundo sua lógica, o aumento da liquidez resolveria os problemas dos salários agrícolas e, ainda, fomentaria a industrialização do país. No entanto, o jogo político aliado ao comportamento oportunista de certos membros da sociedade minou a nobre intenção de Rui Barbosa. A euforia e o descontrole do crédito foram de tal proporção que a crise econômica gerada custou o cargo de ministro de Rui Barbosa e, igualmente, enfraqueceu a imagem de Deodoro no cenário político. Desprovido de traquejo político, tentava conduzir o país por meio da força e, com isso, em vez de alcançar vitórias, acabou conquistando desafetos no governo e isolamento político. Diante disso, o Marechal Deodoro da Fonseca, que, em 1889, fora tido como herói do Brasil por destituir Dom Pedro II do poder, precisou renunciar! No dia 23 de novembro de 1891, mediante a renúncia de Deodoro, tomou posse o vice-presidente, o Marechal Floriano Peixoto. Como Deodoro tinha ficado à frente do governo por menos de dois anos, Floriano deveria convocar uma nova eleição. Mesmo contra a Constituição, Floriano resolveu que iria ficar até o término do mandato de Deodoro. Sua decisão dividiu o exército, com alguns o apoiando e outros não. Nesse cenário, era difícil uma empresa planejar as ações em uma nação com tantas incertezas, fosse pelo ambiente econômico que demonstrava sinais explícitos de descontrole, fosse pelos líderes que desrespeitavam abertamente a Constituição que tinham jurado defender, fosse pelas Forças Armadas, que tinham tantos atritos internos que chegavam ao ponto de ameaçar a sociedade, entre outros. Para pacificar a crise política na Região Sul, veio Prudente de Moraes (1894- 1898) e, para a crise econômica brasileira, Campos Sales (1898-1902), ambos eleitos pelo voto direto, com o que se deu o início da República do Café-com-leite. TEMA 3 – A REPÚBLICA DO CAFÉ-COM-LEITE A segunda fase da Primeira República, a do Café-com-leite – assim denominada por causa da força política de São Paulo (café) e de Minas Gerais (leite) 5 – iniciou-se com Prudente de Morais, que precisou enfrentar alguns problemas de invasão estrangeira no território brasileiro, todos resolvidos com o emprego de instrumentos diplomáticos internacionais (arbitragem). Resumidamente, ele gerenciou as crises econômicas e diplomáticas, diferentemente do papel mais ativo que teria seu sucessor, Campos Sales. Campos Sales teve a seu favor um cenário de maior tranquilidade na questão das revoltas internas e externas. Sua primeira preocupação foi alcançar o equilíbrio financeiroperdido com o encilhamento e acalmar os credores internacionais. Fez isso renegociando a dívida do Brasil no exterior e dando novas garantias, assumindo o compromisso de aplicação de políticas mais ortodoxas na condução econômica: (I) queda real do valor salarial, (II) aumento da carga tributária e (III) redução das despesas do governo. Para aplicar tais políticas, precisava do apoio de Minas Gerais, que, além de sua importância econômica, também tinha a expressiva representação política no país. A moeda de troca do dirigente do país para o apoio da elite mineira foi a alternância do governo federal entre os indicados pelos paulistas e os indicados pelos mineiros. O próximo presidente, o paulista Rodrigues Alves, foi o primeiro presidente alavancado pela máquina política da Republica do Café-com-leite. Ele assumiu o governo em um contexto economicamente favorável, graças tanto às medidas tomadas por seu antecessor quanto ao bom momento do cenário internacional para o café e para a borracha, produtos que conferiam ao Brasil a posição de maior produtor mundial, respectivamente, com 75% e 97% de todo o volume produzido. Dadas as liberdades financeiras, ocupou-se com a reurbanização da cidade do Rio de Janeiro, principalmente do centro, o que levou à retirada das classes proletárias do centro da capital e a migração de mão de obra para as obras de restruturação da capital acabaram, indiretamente, promovendo o surgimento das atuais favelas do Rio. Chegando ao término de seu governo e cumprindo o acordo selado por Campos Sales, indicou para sucessão o candidato apresentado por Minas, seu vice, o advogado Afonso Pena. Nesta época (1906), o Brasil produziu cerca de 21mi de sacas de um total mundial de 25mi. A supersafra brasileira derrubou os preços internacionais. O que não seria de todo mal se o café não tivesse, naquela época, uma demanda inelástica ao preço. 6 Saiba mais Elasticidade é um indicador do nível de sensibilidade de um produto; aqui, especificamente, trata do impacto das variações do preço de venda na demanda. Esse indicador é uma razão entre o valor da variação percentual da quantidade de venda (a demanda) em relação à variação percentual do preço, como demonstra a fórmula: > 1 indica que, quando há uma unidade de variação no preço, isso gera uma variação na quantidade maior que 1%; ou seja, a quantidade demandada é elástica ao preço (a quantidade estica quando há variação no preço). < 1) indica inelasticidade da demanda (a quantidade demandada não estica tanto quando temos variação no preço). Para você ter uma ideia do tamanho do impacto, o problema da queda do preço do café não era apenas uma questão de interesse da oligarquia cafeeira, era muito mais que isso, tratava-se de um assunto de interesse nacional. Como exemplo da inelasticidade do café, observou-se que a quantidade per capita de consumo de café nos EUA, um dos nossos maiores clientes naquela época, praticamente se manteve inalterada nos períodos antes, durante e depois da crise financeira de 1929. Esse dado é interessante, pois, nesse intervalo de tempo, o preço do café havia caído e subido, e a renda média dos norte-americanos tinha aumentado e diminuído; ainda, haviam se formado cenários muito favoráveis ao aumento do consumo da bebida, em que eram verificados renda alta e preço baixo. Contudo, as pessoas não beberam mais ou menos café só porque ele ficou mais barato ou mais caro e, tampouco, porque elas estavam mais ricas ou mais pobres. Portanto, tudo indicava que realmente o café era, no início do século XX, um produto com demanda inelástica ao preço e, sendo assim, uma questão delicada para o governo federal. No governo seguinte, de Hermes da Fonseca (1910), novos empréstimos foram contraídos pelo Brasil no exterior a fim de garantir o controle dos preços do café e investimentos na infraestrutura brasileira – como linhas telegráficas e férreas. Nessa época, no lugar das inversões de capital em tecnologias que aconteciam na Europa, o que se viu no Brasil foi a promoção de uma cultura em extensão de terras, as quais eram mantidas pelo uso intensivo de mão de obra. 7 O Brasil teve excedentes de produção de café em todos os anos de 1926 a 1930. As maiores diferenças entre a produção e a exportação ocorreram em 1927 e 1929, pois em cada um desses anos foram mais de 14 milhões de sacas de excedente. Ao fazer uma média do que foi exportado no período, obtém-se o valor de 14,5 milhões de sacas. Isso significa que apenas os excedentes de produção já atenderiam a dois anos de exportação. Em 1927 e 1929, a produção foi o dobro do que se precisava. Portanto, as contínuas supersafras e os persistentes volumes de estoque eram um grande problema para o Brasil em um cenário de crise financeira. TEMA 4 – A ECONOMIA CAFEEIRA Segundo Lacerda, Rego e Marques (2010, p. 32), o grande volume de imigrantes europeus que vieram para o Brasil a partir da década de 1870 resolveu o problema de mão de obra e estabilizou o mercado de trabalho. Havia vastas regiões do Estado de São Paulo que estavam desocupadas e com a expansão de uma rede ferroviária acontecendo à medida que havia necessidade de se ocuparem terras novas para cultivo. Desta maneira, a cultura do café não enfrentou nenhuma crise mais séria de falta de mão de obra, tampouco de falta de terra. Os mesmos autores citam que métodos produtivos rudimentares eram perfeitamente adequados, sem reclamar nenhuma mudança que exigisse absorção de recursos de capital para o prosseguimento dessa empresa, cuja aplicação mais lucrativa encontrava-se na esfera comercial. Visto que a formação da lavoura e a produção de café necessitavam de financiamento, coube ao comerciante ocupar o espaço deixado pela inexistência de vínculos diretos entre o fazendeiro e os bancos. (Lacerda; Rego; Marques, 2010, p. 32) O mecanismo de financiamento da produção nas lavouras de café, na visão de Lacerda, Rego e Marques (2010, p. 32), tinha um vínculo profundo na comercialização. Os comerciantes eram os que financiavam a lavoura e, dessa maneira, assumiam um papel de protagonistas, pois os fazendeiros de café dependiam desta figura para realizar seus lucros com a venda do produto e obter os recursos financeiros necessários à produção. Ainda segundo Lacerda, Rego e Marques (2010, p. 38, 41-42), com a expansão da lavoura e o consequente aumento do volume de negócios, as somas emprestadas cresceram e passaram a exigir garantias mais sólidas. A introdução do trabalho livre nas fazendas paulistas desencadeou um mecanismo expansionista sem precedentes na lavoura e, como consequência, revelou-se mais claramente a insuficiência do sistema de financiamento. A utilização em massa do trabalho assalariado representou a primeira fase de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. 8 A formação do mercado de trabalho assalariado adquiriu um ritmo mais intenso no país depois da falência definitiva do sistema escravista. A abolição da escravatura em 1888 e uma série de cataclismos sociais e econômicos no último quartil daquele século resultaram no aumento do número de pessoas que não tinham fontes de rendimentos permanentes para sua subsistência e, muitas vezes, nem sequer domicílio. Foi precisamente nessa época que surgiram, no Rio de Janeiro e em algumas outras cidades do Brasil, as favelas. A necessidade de importação de imigrantes, apesar da existência de tanta mão de obra nativa desocupada, deu-se pelo fato de que os milhões de habitantes locais pauperizados, ao longo domínio do sistema escravista e de outros sistemas arcaicos, pela exploração impiedosa e pela opressão social das camadas dos despossuídos, tanto os escravos quanto os pobres livres sofreram durante várias gerações, que foram mutiladas moral, psicológica e fisicamente. Além disso, o primitivismo dos seus hábitos de trabalho,que se combinava frequentemente com a deficiência física, assim como tradições e costumes que lhes foram inculcados, criavam sérios obstáculos à exploração capitalista da mão de obra nacional. Os fazendeiros de café de São Paulo e os industriais principiantes do Rio de Janeiro e de São Paulo, durante muito tempo, preferiam admitir operários-imigrantes que já haviam “cursado uma escola de trabalho assalariado”, habituados a mais disciplina e autonomia, embora seus salários fossem mais elevados. Em contrapartida, no tocante aos escravos, o que aconteceu foi que a sua libertação não os transformou em operários assalariados, mas apenas proporcionou a criação de algumas condições necessárias para isso. Apenas os filhos e netos dos escravos se tornaram, no futuro, assalariados, mas ao custo de uma adaptação ao novo modelo capitalista de produção. Lacerda, Rego e Marques (2010, p. 44) citam que na periferia e dentro das principais zonas de produção agrícola existiam grandes maciços de terras que não pertenciam a ninguém ou tinham sido abandonados, o que abria à população indigente livre, que crescia cada vez mais, possibilidades de obter meios de subsistência. Portanto, embora a maioria das pessoas livres não possuísse os meios de produção, não estava destituída totalmente dos meios de existência, o que deu condições para transformar uma parte da população rural indigente em camponesa. Esses processos resultaram na formação de dois sistemas econômicos: um de economias “semifeudais” e de pequenas economias camponesas, que concorriam na utilização do excesso de mão de obra com o outro sistema, verdadeiramente capitalista. TEMA 5 – AS ORIGENS DA INDÚSTRIA Em seu livro intitulado Economia brasileira, Lacerda, Rego e Marques (2010) apregoam que 9 no Brasil, a economia capitalista e as “outras economias” que se desenvolviam paralelamente absorviam apenas uma parte da mão de obra, lançada para o mercado devido ao superpovoamento agrícola e à deterioração das formas econômicas anteriores. Foi precisamente isso que criou condições para a reprodução da pior espécie das formas pré- capitalistas de exploração, adiando por muito tempo sua deterioração e decomposição definitiva, como atesta o exemplo da utilização de trabalho forçado em massa na Amazônia durante o ciclo da borracha, a partir do fim do século XIX. Centenas de milhares de pessoas recrutadas entre a população desempregada dos estados nordestinos foram praticamente reduzidas à condição de escravos, para se verem novamente desempregadas às vésperas da Primeira Guerra Mundial em razão da crise no mercado internacional. Resultaram, portanto, muito instáveis e passageiras também essas formas “novas” de organização da produção que surgiram depois do desmoronamento do sistema escravista Os mesmos autores enfatizam que o governo republicano que chegou ao poder intensificou a emissão de papel-moeda e concedeu maior autonomia e responsabilidades aos bancos privados. Durante um prazo curto, o total de recursos financeiros em circulação mais que duplicou. Teve início um processo inflacionário acompanhado de especulação nas bolsas de valores, criadas no fim do século XIX, em São Paulo e outras grandes cidades. Os investimentos estrangeiros, cujo afluxo aumentou consideravelmente a partir de meados do século XIX, também foram encaminhados, sobretudo, para a infraestrutura. No período de 1860 a 1889, por exemplo, foram concedidas licenças para a abertura de 137 companhias estrangeiras, 111 das quais eram inglesas. A maioria esmagadora das empresas foi criada na esfera financeira (bancos, companhias de seguros e de serviços, estradas de ferro, navegação, transportes urbanos, abastecimento de gás). (Lacerda; Rego; Marques, 2010, p. 48) Os fatos vistos na aula anterior – a ruina da estrutura pré-capitalista, a abolição dos escravos e a consequente imigração europeia em massa – levaram ao surgimento de um mercado de mão de obra assalariada que, por sua vez, provocou o nascimento, no último quarto do século XIX, dos primeiros focos de produção industrial Brasil. Segundo Lacerda, Rego e Marques (2010, p. 60), “até a década de 1930, o desenvolvimento capitalista do país tivera um caráter esporádico, dadas as condições de domínio do latifúndio semifeudal e as formas capitalistas inferiores”. Segundo os mesmos autores, o sistema de relações econômicas externas conservava o aspecto colonial e o afluxo de empréstimos e investimentos no início do século XIX contribuíra, sobretudo, para a consolidação da economia tradicional, isto é, pré-capitalista ou capitalista primitiva, e dos grupos sociais ligados àquele sistema. [...] A partir do último quarto do século XIX, houve um importante crescimento das camadas médias da população das cidades, em razão da aceleração da urbanização, da ampliação do aparelho de Estado, da formação do exército profissional moderno, da criação do sistema de educação, dentre outras razões. Alguns representantes dessas camadas, em particular os oficiais do exército, haviam desempenhado um importante papel nos movimentos que conduziram à abolição da escravatura e ao 10 estabelecimento do regime republicano. Na década de 1920, os elementos democráticos pequeno-burgueses, sobretudo os jovens oficiais, organizaram uma série de insurreições armadas contra o governo, o qual exprimia os interesses da oligarquia. (Lacerda; Rego; Marques, 2010, p. 60) Os autores concluem que dos primórdios do sistema brasileiro de fazendas no século XVI até as vésperas do surto cafeeiro, a despeito de algumas experiências hesitantes, a forma dominante de organização do trabalho havia sido a escravidão. No momento em que aumentou a demanda dos países centrais e foi instalada uma rede de ferrovias que tornou possível a expansão das lavouras, não era mais possível manter a escravatura. Ocorreu um radical rompimento com o passado, quando os paulistas desenvolveram o singular sistema de colonato, seguindo uma receita virtualmente original, e criaram seu programa de imigração. Entre os fazendeiros no cume e os camponeses nativos e ex-escravos no fundo da estrutura social rural, emergiu uma nova categoria social — os trabalhadores imigrantes. Em retrospecto, fica claro que a solução dos fazendeiros de café para suas necessidades de força de trabalho, ao tempo da abolição e nas décadas seguintes, trouxe para São Paulo um imenso influxo de capital humano. Como força de trabalho agrícola e depois industrial, coprodutores para mercados locais e para exportação, como consumidores de bens e serviços, como pais de novas gerações de brasileiros, os imigrantes forneceram a base social para a ascensão de São Paulo à preeminência entre as regiões do Brasil. (Lacerda; Rego; Marques, 2010, p. 60) NA PRÁTICA Desde o período colonial até a Primeira República, podemos perceber uma preocupação nas políticas praticadas pelos governantes do Brasil para com os produtos agrícolas. Como a economia pode interpretar tal comportamento? Primeiramente, é necessário entender que, no período inicial da colonização até o ano de 1776, a economia como ciência ainda não existia. A visão que prevalecia nesse período era a do mercantilista: pregava-se que a riqueza nas transações comerciais somente seria obtida com saldos positivos no fluxo de metais. Seguindo essa linha lógica, Portugal considerava que, por ser a metrópole, precisava ganhar sempre nas transações com o Brasil, o que significava, pela ótica mercantilista, que devia comprar barato os produtos da colônia e vender caro os insumos de que esta última necessitasse. Assim, não era interessante para o governo português que o Brasil se desenvolvesse na área da manufatura, pois isso reduziria sua vantagem em relação à colônia agrícola. A partir de 1776, com o surgimento da obra A riqueza das nações, de Adam Smith, o modelo para o comércio internacional passou a ser o das “vantagensabsolutas”, segundo o qual o país deveria ser exportador daquilo que era mais 11 eficiente e, por sua vez, importar dos demais países integralmente todos os ativos em que detinha menor vantagem, isto é, não deveria se preocupar em produzi-los internamente. Isso aconteceria com o propósito de os países se especializarem naquilo em que eram melhores. No caso do Brasil, o país se especializaria na produção agrícola. A partir do século XIX, o modelo das vantagens comparativas de David Ricardo (1988) passou a prevalecer no paradigma econômico. Segundo este, os países deveriam fomentar a produção dos bens em que fossem mais produtivos – no caso brasileiro, produtos agrícolas (por exemplo, café e açúcar) – para ofertá-los no mercado internacional. Essa ação geraria, então, divisas para compra dos produtos externos e suprimento do mercado nacional naquilo em que eram menos competitivos. No entanto, os países não deveriam deixar de produzir tais itens, uma vez que o próprio mercado encontraria o equilíbrio entre o volume que deveria ser importado e produzido internamente. Podemos dizer que essa foi a linha da Primeira República, com seus surtos industriais, muitos dos quais sem a participação do governo para fomentar ou mesmo bloquear as iniciativas demonstradas pelo mercado. Não podemos afirmar, no entanto, que foram essas teorias que determinaram as decisões dos governantes das citadas épocas, mas elas eram a pauta de diversos debates nesses respectivos tempos. Por isso, tenha certeza de que muitos pensavam sobre o que foi dito. Tarefa Responda: 1. Que marcas a colonização deixou no Brasil? 2. Por que a cultura do café revelou-se adequada ao Brasil, tendo sido, durante décadas, o carro-chefe da economia brasileira? 3. Como funcionava o sistema de financiamento da produção cafeeira? Quais eram suas limitações? 4. Como foi equacionado o problema da inadequação da população nativa ao trabalho nas lavouras de café? FINALIZANDO Nesta aula apresentamos o início da República e seu amadurecimento entre o período da Espada e o fim da Política do Café-com-leite. Durante os 41 anos de 12 existência da Primeira República, quase todos os governos foram exercidos em meio a revoltas civis, confrontos com partições militares e crises econômicas (principalmente pelos excessos da produção cafeeira). A partir de Campos Sales, um acordo com Minas Gerais e São Paulo foi elaborado para garantir a permanência de políticos aliados no governo para a manutenção dos interesses institucionais desenhados pelas lideranças da época. Observou-se que as decisões tomadas, em geral, não eram necessariamente para atender aos anseios da elite agrária, mas, sim, para proteger a economia brasileira como um todo. 13 REFERÊNCIAS ABREU, M. de P. (Org.). A ordem do progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. CYSNE, R. P. (Org.). Plano real ano a ano. Rio de Janeiro: FGV, 1998. FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 4. ed. São Paulo: Globo, 2009. LACERDA, A. C.; RÊGO, J. M.; MARQUES, R. M. Economia brasileira. 4. ed. SP: Saraiva, 2010. MARIANO, J. Introdução à economia brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005. PIRES, M. C. Economia brasileira – da Colônia ao Governo Lula. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. SILVA, E. Formação econômica do Brasil. Curitiba: InterSaberes, 2016. SOUZA, J. M. Economia brasileira. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2012.
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