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2016 1 ÉTICA Introdução à Filosofia Prática LEH

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL 
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ÉTICA 
 
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA PRÁTICA: 
Temas, Conceitos, Problemas e Teorias. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Dr. Luís Evandro Hinrichsen 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PORTO ALEGRE / 2015 
 
 
2 
 
INTRODUÇÃO 
 
 O que é isto Filosofia (Φιλοσοφία)? Encontramos na língua grega o sentido original e originário 
da palavra Filosofia. Trata-se de termo composto por Filos (Amizade) e Sofia (Sabedoria)1. Designa a 
atitude de amor de quem busca tornar-se amigo da Sabedoria. Segundo Martin Heidegger, foi o pré-
socrático Heráclito de Éfeso quem inventou a palavra Filosofia2, inaugurando nova atitude, teórica e 
ética. Para Heráclito, tornar-se amigo daquilo que é Sábio [O ‘Um que é tudo’ – Realidade – Ser] exigiria 
atitude inusitada: ver além das aparências, desconfiar dos sentidos e operar com a razão. Para além 
do fenômeno, encontraremos o lógos, a razão daquilo que se mostra à consciência3. A teoria [o ver da 
razão sobre os fenômenos] solicitaria postura ética consequente, pois o conhecer implicaria em 
transformação pessoal. Nos seus primórdios, a Filosofia foi concebida, enfim, como teoria e atitude 
ética, envolvendo e comprometendo a totalidade da vida. 
 Se a Filosofia é tentativa permanente de indagar e compreender o sentido abrangente da 
realidade, portanto, compete ao filósofo a permanente crítica das convicções ou crenças silenciosas 
que sustentam nossas compreensões de mundo. É tarefa de quem ingressa na Filosofia, indagar pelo 
sentido de todas as coisas. Cada ser humano é convidado a perguntar pelo significado de tudo aquilo 
que é – na tentativa de ultrapassar a ingenuidade e chegar à visão judicativa ou crítica. Afirmamos, por 
isso, que a Filosofia é uma ciência de rigor, enquanto crítica radical de teorias, conceitos e práticas. A 
ciência de rigor4, exercício radical, dirige seu olhar às raízes dos fenômenos, descobrindo ou 
desvelando o ser das coisas como verdade [não permanece na superfície, mas se dirige aos 
fundamentos]5. 
 
1 Para fins de etimologia, vale registrar que Philosophia ou Filosofia (Cr. Dicionário etimológico Latino-Português Saraiva. RJ, 
BH: Garnier, p. 894), indica um sistema de ideias. Já, no Dicionário de Grego-Português / Português-Grego (PEREIRA, S.J. Isidro. 
Porto: Apostolado da Imprensa, p.614), Philosophia sinaliza amor à Ciência, estudo metódico, ciência das coisas, e tal na 
direção do amor à Sabedoria conforme podemos decompor da palavra. 
2 A Tradição, entretanto, atribui a paternidade do termo a Pitágoras, que, por sua vez, haveria designado o caráter 
contemplativo e avaliativo da Filosofia. Por exemplo, numa Olimpíada alguns competem por louros e prestígio, outros buscam 
lucrar com o evento. O filósofo, entretanto, deseja, tão-somente, contemplar e avaliar as diversas disputas atléticas ou 
literárias transcorridas. Destacamos, entretanto, que a interpretação de Heidegger é, pensamos, interessante, plausível e 
conforme os fragmentos de Heráclito que interpretou. 
3 Ver HEIDEGGER, Martin. O que é isto Filosofia [Qu’est-ce La Philosophie]. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 
p.13-31. 
4 Expressão cunhada por Edmund Husserl. 
5 Cf. HUSSERL, Edmund. A Filosofia como ciência de rigor. Coimbra: Atlântida. Segundo Edmund Husserl (p.1-2): “Desde os 
seus inícios a Filosofia pretendeu ser ciência de rigor propriamente suscetível de satisfazer às supremas necessidades teóricas, 
e de possibilitar uma vida ético-religiosa regulada por normas puramente racionais. Se foi com intensidade ora maior, ora 
menor, que esta pretensão se afirmou, nunca se chegou a renunciar completamente a ela – nem sequer quando ameaçaram 
degenerar os interesses e as aptidões votadas à teoria pura, ou quando as potências religiosas suprimiram a liberdade de 
investigação teórica. [...] A mestra cuja vocação é ensinar a obra eterna da humanidade, nem sequer sabe ensinar 
objetivamente. Kant costumava dizer que não se podia ensinar a Filosofia, mas, apenas, Filosofar. [...] O ensino e o estudo 
podem ir até onde chega a verdadeira ciência, e o sentido é o mesmo por toda a parte. Pois o estudo científico não é nunca 
a recepção passivas de matérias alheias ao espírito, a sua base é sempre de auto-atividade, a reprodução íntima, dedutiva e 
indutiva, das intenções racionais dos espíritos criadores. A Filosofia não pode aprender-se porque nela não existem 
semelhantes intelecções objetivamente compreendidas e fundamentadas, e, o que significa o mesmo, pois, ela carece ainda 
3 
 
O filósofo sabe que indaga o incontornável6, que suas respostas são provisórias. Todavia, no 
meditar, reflete sobre o sentido – pensa –, pois é capaz de, no silêncio, acolher o Ser. No filosofar, 
permanecendo junto às coisas, exercendo a reverência do pensamento, no processo de revelação-
ocultamento, acolhe o que é – decifrando e testemunhando o significado das coisas, de si mesmo, do 
outro, do sagrado, da existência. 
O que é isto Filosofia? Podemos, preliminarmente, afirmar que Filosofia é visão responsável 
ou crítica, na medita em que, renunciando à parcialidade, é abrangente e criteriosa 7. 
 Se a Filosofia é visão abrangente ou crítica, quais são os momentos de quem ingressa ou realiza 
o filosofar? Podemos caracterizar, didaticamente, em três momentos [interligados] o processo do 
filosofar8. 
 1º Momento – Des-orientação: para filosofar é preciso romper com as nossas ingenuidades, 
por mais difícil que seja. É necessário experimentar a crise originada de nossa despreocupação para 
com o mundo. Quando nos damos conta de que as coisas não são bem assim como pensávamos, 
quando questionamos nossas crenças silenciosas [pré-conceitos ou pré-juízos] entramos em crise. 
Quem vive a crise, a des-instalação, pode, finalmente, perguntar. No perguntar se encontra a gênese 
do exercício da Filosofia. Somente quem pergunta radicalmente pelo sentido de todas as coisas, pode 
conceber as razões que sustentam nossa visão de realidade. 
 
dos problemas e métodos e teorias bem definidas nos seus conceitos e plenamente esclarecidas no seu significado”. Para 
Husserl, efetivamente, a Filosofia é Ciência de rigor, pois dirige-se às raízes dos problemas e dos fenômenos. Contudo, difere 
do objetivismo presente nas ciências empírico naturais e humanas de sua época. Por isso, cumpre à Filosofia, no dirigir-se às 
raízes do ser oculto nos fenômenos, indicar a ideia que sustenta esse fenômeno no mostra-se à consciência cognoscente. A 
fenomenologia, enquanto Filosofia e método, competiria, segundo Husserl, estabelecer os fundamentos de nova ciência do 
espírito, retornando, desse modo, à sua vocação delineada na Grécia quando de seu nascimento. Por isso, competiria à 
Ciência de Rigor, ultrapassando o ingênuo objetivismo nas ciências empíricas de seu tempo (final do século XIX e primeiros 
decênios do século XX), descrever, desde o exame dos fenômenos que se mostram à consciência, as ideias (eidos) que 
sustentam esses fenômenos. Para tanto, deveríamos, valorizando a História da Filosofia, partir dos problemas pensados ao 
longo dessa história e não da simples repetição das teorias elaboradas. Edmund Husserl nos convida a reaprender a 
perguntar, a perguntar radicalmente, a realizar uma autêntica Filosofia filosofante que permita recuperar o mundo da vida 
[Lebenswelt] – ocultado pelas representações arbitrárias das ciências mecanicistas, majoritária no seu contexto. 
6 Existem perguntas que, para as quais, poderemos fornecer, apenas, respostas parciais, em construção, que nunca serão 
esgotadas pelo pensar, mas que devem ser realizadas,isto se desejamos atualizar nossa humanidade. Não podemos desviar 
nossa atenção dessas perguntas, precisamos, ao contrário – corajosamente – enfrentá-las. Cada ser humano necessita, deste 
modo, lidar com o incontornável na procura de sentido, significado à sua vida ou à existência humana posta em tela segundo 
exigências da reflexão. 
7 Cf. MARÍAS, Julián. A Visão Responsável. In: Antropologia Metafísica. São Paulo: Duas Cidades, 1971. p.9-14. Sentencia 
Marías (p.13): “A Filosofia aparece, pois, como uma forma radical de nascimento, como um desgarramento da placenta 
original que é a sociedade tradicional, para viver a intempérie e – de modo que até então nunca se dera – a partir de si 
mesmo. O Decisivo é que a verdade filosófica não consiste somente no momento da ἀλήθεια [Alétheia], descobrimento ou 
patenteamento e, portanto, visão, requer ao mesmo tempo a garantia ou posse da realidade vista; a Filosofia é descobrir e 
ver, tornar manifesto; se uma Filosofia não for visual, deixa de ser Filosofia – ou é Filosofia dos outros –, porém não basta 
ver, é preciso, ademais, ‘dar conta’ disso que se vê, dar razão de suas conexões. Por isso, há algum tempo, propus a definição 
de Filosofia: a visão responsável. Isto aconteceu em Mileto, na Ásia Menor, em fins do século VII ou talvez no começo do 
século VI antes de Cristo; seria, porém, um erro crer que simplesmente ‘aconteceu’: continua acontecendo sempre que 
alguém nasce à Filosofia, sempre que a Filosofia volta a existir. E o mais grave é que a Filosofia consiste no fato desse doloroso 
nascimento não ocorrer apenas no princípio: deve renovar-se a cada instante, isso é o que significa ‘dar razão’. Filosofar é 
estar nascendo à verdade, é não poder dormir”. 
8 Ibidem. 
4 
 
 2º Momento – Des-cobrimento: mas, não basta perguntar, é necessário patentear a verdade, 
ver aquilo que se mostra/ocultando. Des-cobrir ou des-velar é retirar o véu que impossibilita perceber 
as coisas na transparência delas mesmas, é vencer os impedimentos que barram nosso contato com a 
realidade, é superar as amarras das crenças silenciosas. O momento do des-cobrimento é ocasião de 
retirar o velo que oculta e encobre a realidade. Implica em sair da caverna, desvelando o ser que se 
manifesta, revelando-o como verdade ou sentido. 
 3º Momento – Dar razão: contudo, não basta ver, dar-se conta, des-cobrir o ser como verdade. 
É necessário assegurar a posse efetiva da descoberta. A Filosofia exige, além do dar-se conta, dar-
conta, fornecer as razões da visão adquirida. O pensamento é convidado a justificar, demonstrar o 
descoberto, garantindo a posse da verdade conquistada. Nenhuma afirmação, em Filosofia, é gratuita. 
O ser, compreendido como verdade [no mostrar-se e velar-se das coisas], exige a elaboração teórica. 
Se nenhuma afirmação é gratuita em Filosofia, cumpre definir conceitos articulando-os, é importante 
justificar com argumentos a visão conquistada. Na ágora9 dos debates, somos convocados a dar razões 
de nossa descoberta. A teoria, portanto, procura, através de sólida argumentação, convencer nossos 
pares [ou interlocutores] da validade de nossa descoberta. 
 Desejamos, nos estudos e diálogos envolvendo Ética, indagar sobre importantes questões, 
exercitando, portanto, a nossa capacidade investigativa, perguntando – radicalmente – e justificando 
nossas posições. Os problemas éticos e morais, por sua importância e complexidade, exigem atenção, 
estudo rigoroso, capacidade de acolher, aptidão em argumentar. Auguramos, especialmente, 
reaprender a perguntar, a dialogar, a esclarecer nossos conceitos. Aspiramos argumentar em favor de 
nossas posições – através das sínteses teóricas formuladas, provisórias, mas possíveis. Intencionamos, 
sobretudo, ligar teoria e vida através de atitude hermenêutica que possa qualificar nossas existências. 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 Os antigos gregos, nas suas cidade-estado [polis], realizam debates na ágora [praça pública]. Debates sobre todos temas e 
problemas, dos políticos aos éticos, dos oratórios aos filosóficos. Para os gregos antigos o espaço público era extremamente 
importante, diria, muito mais significativo do que o espaço privado, pois, viver é conviver. E poder participar das coisas da 
polis distinguia os cidadãos. Qual é, hoje, nossa ágora [praça pública dos debates]? A sala de aula? A Universidade? O 
espaço da Web? As praças públicas? A Mídia? Os parlamentos? Participo, efetiva e responsavelmente, dos debates 
importante e vitais de meu tempo? Argumento em favor de minhas posições? São questões que precisamos pensar e 
repensar. 
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Texto Complementar 
01 
 
SERENIDADE 
[Gelassenheit] 
 
Sobre o uso prudente dos utensílios técnicos 
 
Martin Heidegger no texto Serenidade, publicado em 195910, discute o impacto da técnica moderna 
sobre nossas vidas. Através do pensar, exercício humano por excelência, visitamos o mundo e significamos 
nossas existências. Entretanto, vivemos época na qual, somos, muitas vezes, pobres-em-pensamento, ficamos, 
facilmente, sem-pensamentos11. Qual é a causa da indigência de pensamento? Tomamos conhecimento de tudo 
pelo caminho mais rápido e mais econômico, mas, rapidamente tudo é olvidado12. 
Na aurora do século XXI, cidadãos de um mundo globalizado em vias de mundialização, deslumbrados 
com as conquistas das ciências aplicadas, saturados de informação, entretanto, usualmente, pobres de 
conhecimento13, transitamos fascinados pelo hipertexto e, encantados por imagens contidas em milhões de 
megapixels – já não habitamos o mundo, mas sua representação virtual14. 
O homem atual está, pois, em fuga do pensamento15, entrementes, paradoxalmente, nega essa fuga. 
Dirá, com plena razão, que vivemos num período de realizações formidáveis, avanços sequer sonhados pelos 
homens que nos antecederam. São tantas as pesquisas em andamento, são tantas as descobertas e aplicações 
que, apaixonadamente, somos tentados a negar a fuga do pensamento. Sem dúvida, esse dispêndio de 
sagacidade e reflexão, foi muito útil. Entretanto, não é o pensamento operativo que negamos. O pensamento 
que calcula, capaz de medir e projetar, apto em dominar preditivamente as forças ocultas da natureza – 
transformando todas as coisas em objetos úteis e mercantilizáveis – é cotidianamente louvado. Todavia, não é a 
única forma de pensar. Existe outro tipo de pensamento, o pensamento que medita e indaga pelo sentido das 
 
10 Ver HEIDEGGER, Martin. Serenidade. Lisboa: Instituo Piaget, 2000 (Verlag,Günter Neske Pfullingen, 1959). Trata-se de 
oração proferida pelo filósofo suevo por ocasião de homenagem ao seu conterrâneo, o músico Conradin Kreutzer. No referido 
texto Heidegger avalia o impacto da Técnica moderna sobre nossas vidas, denunciando uma fuga do pensamento, mas, ao 
mesmo tempo, indicando caminhos para lidarmos adequadamente com os ‘utensílios técnicos’. 
11 Cf. ibidem, p.11. 
12 Ibidem, p.11. 
13 Todos os dias somos estimulados por informações veiculadas por diferentes mídias e, até mesmo, nos exercícios escolares. 
Entrementes, incontáveis vezes, não analisamos essas informações, não indagamos sobre sua origem, não realizamos a crítica 
dos conceitos, não investigamos como os fenômenos veiculados são interpretados. Ora, é preciso destacar: informação não 
é conhecimento. O conhecimento é exercício crítico de investigação, exigente, reflexivo. Exercício que convida ao estudo, à 
solidão, ao trabalho interpretativo e ao debate intersubjetivo – segundo argumentos validados coerentemente. 
Necessitamos, portanto, transitar da sociedade da informação à sociedade do conhecimento. A revolução informática nos 
garantiu acesso à informação, mas como trabalhá-la, como torná-la conhecimento significativo,operativo, transformador? 
Nessa tarefa, contamos, apenas, com o esforço pessoal e intersubjetivo do pensamento reflexivo, sem o qual estaremos 
caminhando na direção da automação e não da autonomia, da autarquia e da comum responsabilidade. 
14 Num tempo acelerado pelas mediações tecnológicas, de admiráveis avanços informáticos, já não vivemos no tempo da 
presença [kairós] e na gratuita acolhida do mundo e dos outros [ser-no-mundo-com]. A partir dessa constatação, 
legitimamente, podemos indagar: quem, de fato, somos? O resultado da adição dos papéis sociais que representamos num 
tempo que nos consome? Por que executamos tantas tarefas? Vivemos no tempo acelerado do relógio eletrônico ou no 
tempo da presença? O que significa habitar o mundo? Por que a habitação do mundo reivindica o cuidado e o cultivo desse 
mesmo mundo? Por que a técnica impede o contato com o mundo e, desse modo, a responsabilidade? 
15 Cf. Op. Cit., 2000, p. 12. 
6 
 
teorias, conceitos e práticas. O pensamento negligenciado, portanto, não é o pensamento que calcula, mas o 
pensamento que medita. 
 Existem, pois, duas formas de pensamento, igualmente importantes: o pensamento que medita e o 
pensamento que calcula. Contudo, o pensamento que calcula, efetivamente, não exerce a atividade do 
pensamento em caráter estrito, pois não pergunta pelo sentido, não permanece junto às coisas, acolhendo-as 
em sua manifestação originária. O pensamento que calcula, ao representar esquematicamente as coisas, as 
esvazia de conteúdo, obstaculizando, assim, a relação do homem com o mundo. Esse pensamento útil e 
operativo, sobretudo, é incapaz de pensar a si mesmo, de indagar a si mesmo. 
 Lá, onde o pensamento que calcula encontra seus limites e contradições, brota o pensamento que medita. 
O pensamento que medita é um pensamento que reflete, que busca dar conta das razões do existir. O 
pensamento que medita habita o mundo, acolhe o significado e pergunta, incessantemente, pelo significado de 
todas as coisas. 
 Experimentamos um des-enraizamento, pois, destituídos da capacidade de pensar autenticamente, 
transferimos à técnica a tarefa de habitar o mundo responsavelmente. Na era atômica, acreditamos que a ciência 
[ou seja, a moderna ciência da natureza] é um caminho para uma vida mais feliz do homem16. Mas, onde se 
assenta tal afirmação? Na pretensão de que, através do domínio de todas as regiões do ser pela ciência, 
controlaremos a vida e criaremos condições para resolver todos os enigmas e males que afligem o ser humano. 
 Nesse sentido, o poder oculto da técnica moderna, determina a relação do homem com tudo aquilo que 
existe. A natureza, transformada num único posto de abastecimento gigantesco, está a serviço da técnica e 
indústria moderna17. Exemplo da operatividade e capacidade de intervenção do pensamento que calcula, é o 
domínio da energia atômica18. Mas, o que realmente nos preocupa? Diante da bomba atômica, que poderia um 
dia varrer a vida humana da face da terra, é motivo de atenção nosso despreparo para lidar com a quantidade 
gigantesca de informações e possibilidades proporcionada pelos avanços tecnológicos. 
 No entanto, o que é mais inquietante, não é o fato de o mundo se tornar cada vez mais técnico. 
Extremamente preocupante é o fato de o homem não estar preparado para essa transformação do mundo, é o 
fato de ainda não conseguirmos, através do pensamento que medita, lidar com aquilo que está a emergir19. O 
pensamento que medita exige que não permaneçamos presos [unilateralmente] a uma representação; que não 
continuemos a correr em sentido único na direção dessa representação [do mundo e do homem] justificadora 
do poder do pensamento instrumental. O pensamento que medida exige que perguntemos pelo sentido da 
técnica e sobre a legitimidade de sua onipresença em nossas vidas. Afinal, se não podemos viver com a técnica 
e, paradoxalmente, não podemos viver sem ela, como devemos pensar um modo de relação adequado com os 
objetos técnicos? 
 
16 Cf. HEIDEGER, 2000, p. 18. 
17 Ibidem, p.19. 
18 Lembremos da utilização da Bomba atômica sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, ato que encerrou a segunda guerra 
mundial. 
19 Op. Cit., p.21. 
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 Podemos utilizar os objetos técnicos, mas, ao utilizá-los, permanecer livres deles. Podemos utilizar os 
objetos técnicos tal como devem ser utilizados. Podemos utilizá-los com liberdade, sem nos tornarmos seus 
escravos. Podemos dizer sim e não aos objetos técnicos, impedindo que nos absorvam20 e desconstituam nossa 
relação responsável com o mundo. Se dissermos sim e não aos objetos técnicos, usando-os prudentemente, 
nossa relação com o mundo tornar-se-á tranquila. Deixemos os objetos técnicos entrarem em nosso mundo 
cotidiano e, ao mesmo tempo, os deixemos fora, ou seja, permitamos repousarem em si mesmos. 
 A atitude frente os objetos técnicos [dizer sim e não] – denominemos serenidade para com as coisas21. 
Todavia, se ainda não compreendemos o poder oculto da técnica, é necessário indagar pelo sentido do fazer 
técnico e aprender a lidar inteligentemente com os utensílios técnicos22. A serenidade em relação às coisas e a 
abertura ao mistério asseguram perspectiva de novo enraizamento, que permitirá existir com responsabilidade, 
que evitará transferirmos à técnica – nossa comum tarefa habitar o mundo. 
 Permanece, entretanto, um perigo. No que consiste tal perigo? De acreditarmos que o único pensamento 
legítimo, capaz de responder às questões humanas, é o pensamento que calcula. Contudo, em todos os lugares, 
convidemos à reflexão, pois somente o pensamento que medita é capaz de dar conta do sentido, inclusive do 
significado, implicitamente aceito, de que a técnica moderna é o único lenitivo aos problemas do homem. 
Exerçamos, então, o pensamento na sua essência, insistindo e pergunta pelo sentido radical de todas as coisas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
20 HEIDEGGER, 2000, p. 23-24. 
21 Ibidem, p.24. 
22 Cumpre destacar que Heidegger, gradativamente, percebe que o poder da técnica é superior ao poder do Dasein 
histórico [homem] em desconstituí-lo. Mas, é tarefa intransferível realizar o ato de pensar, insistir e renovadamente 
perguntar. 
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1 NOTAS INTRODUTÓRIAS À ÉTICA 
 
 
 Ao iniciarmos nosso curso de Ética, é conveniente estabelecer os conceitos fundamentais da 
disciplina, realizando distinções e oportunizando esclarecimentos básicos. Afinal, o que é Ética? Que 
relações há entre Ética e Moral? Quais são as diferenças entre os problemas éticos e os problemas 
morais? O que são dilemas éticos? De que modo os dilemas éticos incidem sobre a vida profissional? 
Existe progresso moral? Como a reflexão ética compreende a tensão entre autonomia e heteronomia 
moral? Por que é importante refletir sobre os problemas éticos fundamentais? 
 A reflexão ética é, de fato, exercício rigoroso, intransferível e enriquecedor, capaz de doar 
significados à existência humana. Especialmente em nosso tempo, quando indagamos pelo mínimo 
valorativo, quando perguntamos pela possibilidade de convivência penetrada pela paz e justiça, tal 
exercício reflexivo se revela vital. 
 
1.1 O que é Ética? 
 
 A Ética, situada no plano da Filosofia prática23, examina o agir humano. Poderíamos definir 
Ética, em consequência, como a ciência do agir humano. À Ética, segundo Aristóteles, competiria 
pensar o agir humano e o sentido ou finalidades da existência do homem. Ética deriva de Ethos, 
indicando o caráter de uma pessoa ou de um povo. Cada povo, assim como cada pessoa, teria seu 
ethos,seu modo próprio de ser. Aristóteles, no entanto, define Ética como ciência, ou seja, define-a 
como exercício rigoroso que investiga o agir humano. De que agir [ações] estamos falando? De agir 
específico, qualificado, nascido da reflexão e da deliberação, capaz de afetar a vida do agente e, 
 
23 Segundo Aristóteles (Metafísica I, 1,2 e Ética a Nicomâco VI), as ciências podem ser classificadas considerando seu 
objeto e grau de universalidade. Às ciências poéticas [arte ou técnica] é reservada a tarefa da produção dos bens 
necessários à vida humana [abrigo, alimento, saúde, bens culturais, etc.]. À Filosofia Prática [que examina o agir 
humano: práxis] compete refletir sobre a vida individual [Ética] e a vida na cidade [Política], indicando os critérios 
pelos quais atingiremos o máximo de realização humana, consideradas todas as possibilidades de vida feliz na 
perspectiva da realização do bem individual e do bem comum. As Ciências Teóricas, gratuitas, dividem-se em 
particulares [aquelas que examinam aspectos particulares do ser: como a biologia, a física, a psicologia e a 
matemática] e a Filosofia Primeira, saber abrangente que investiga os primeiros princípios da realidade. Se as 
Ciências Poéticas e a Filosofia Prática são conhecimentos aplicados, entretanto, as Ciências Teóricas são exercício 
gratuito de investigação. As Ciências Teóricas, destacamos, tratariam de aspectos particulares do ser [Ciências 
Particulares] ou do ser enquanto ser [Filosofia Primeira]. Segundo Aristóteles, participam em maior grau da 
natureza da Sabedoria – objeto da investigação das Ciências – os conhecimentos mais universais e gratuitos. 
Assim, teríamos a seguinte classificação, ascendente, quanto ao grau de dignidade e importância das ciências: 
Ciências Poéticas, Filosofia Prática, Ciências teórico-particulares e Filosofia Primeira [Metafísica]. Em nossa 
concepção, a Filosofia Prática [Política e Ética] – conhecimento aplicado – é exercício filosófico pleno, ação 
reflexiva de primeira grandeza. A Ética, reflexão prática, consequentemente, é pleno exercício filosófico, reflexão 
indispensável, Filosofia em sentido maior. 
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sobretudo, a vida de outras pessoas. Determinar a natureza de tal agir confrontando-o com os fins da 
vida humana, seria a tarefa da Ética. 
 
1.2 Ética e Moral: aproximações e definições 
 
 Podemos, igualmente, definir Ética como ciência da moral, ou melhor, como teoria ou ciência 
do comportamento moral dos homens em sociedade24. A Ética, enquanto teoria, pretende ser 
conhecimento rigoroso sobre o comportamento qualificável como moral. Moral25, por sua vez, deriva 
de mos, mores: costume, costumes [uso, caráter, comportamento]. Por moral, entendemos o 
conjunto de normas aceito e vivido por indivíduos concretos em determinada sociedade. O objeto da 
Ética é, por conseguinte, o comportamento caracterizado como moral26, ou seja, nascido da reflexão 
e da consciência, orientado por normas admitidas e realizadas livremente por indivíduos que 
compartilham suas vidas em determinada sociedade. É conveniente recordar: esse comportamento, 
caracterizado por moral, afeta a vida de outras pessoas. Na realização da moral, salientamos, o grau 
de autonomia e liberdade varia entre indivíduos, culturas e épocas da história. Entretanto, quanto 
maior o grau de autonomia presente na vida moral dos indivíduos e sociedades, tanto mais qualificada 
e plena será essa dimensão da existência. 
 
 
 
24 Cf. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 22. ed. RJ: Civilização Brasileira, 2002. p. 23. 
25 Mos, mores é a tentativa de os latinos traduzirem ethos, daí as palavras ethikós e moralis [Cf. SARAIVA, F.R. dos Santos. 
Novíssimo Dicionário Latino-Português. Rio de Janeiro: Garnier, 1993. p.435/754]. Aquilo que a tradição grega denominava 
ética, portanto, passou a ser designado pelos latinos por moral. Ética [do grego ethos] indica: costume, condução de vida, 
regras de comportamento, caráter de uma pessoa ou de um povo. Moral [do latim mos, mores] designa: costumes, conduta 
de vida, regras de comportamento, remete ao agir humano. Ética e Moral, em consequência, numa primeira compreensão, 
podem ser consideradas sinônimas, pois as palavras coincidem na indicação de comportamento justificado por normas. 
Entrementes, embora as línguas ocidentais tenham usado esses vocábulos como sinônimos, é interessante diferenciá-los. 
Nessa perspectiva, convencionamos, considerando a evolução do uso das palavras, indicar por Ética a dimensão teórica, 
reservando a palavra Moral para sinalizar a instância dos costumes e normas. Em nosso estudo, destacamos, por questões 
metodológicas e epistemológicas [em acordo com a tradição inaugurada por Aristóteles], por Ética indicaremos o momento 
teórico e por Moral a dimensão normativa e os costumes. 
26 Se o objeto da Ética é o comportamento moral, é conveniente entendê-lo. a) Em primeiro lugar, os animais, altamente 
especializados, estão rigidamente ligados ao meio ambiente. O ser humano, ao contrário, plástico [moldável] recebe da 
cultura uma segunda natureza que permitirá sua sobrevivência. Essa segunda natureza, a cultura, situa o homem no mundo, 
destacando-o do cosmos. Ser gregário, racional e portador de linguagem, o homem buscará na cultura respostas às diferentes 
necessidades. Nessa direção, precisará descobrir, interiorizar e realizar normas, pois sua plasticidade, seu comportamento 
não-fixado instintivamente, ao mesmo tempo que lhe abre ao mundo, exige novo suporte. Esse processo de interiorização 
das normas é mediado pela educação, realizando as várias etapas de socialização incorporadoras do indivíduo ao tecido 
social. Os animais, destacamos, recebem do rígido aparato instintivo a direção do seu comportamento. O homem, frisamos, 
encontrará na moral [nas normas] efetiva orientação e adequada compensação cultural. b) Em segundo lugar, somente 
poderá ser caracterizável como moral, o ato que, tendo realizado ou não a norma, afeta positiva ou negativamente a vida de 
outras pessoas. c) Em terceiro lugar, a ação moral supõe a capacidade de antecipar os resultados, nascendo de livre 
deliberação, sendo avaliável segundo suas consequências. d) Em quarto lugar, o comportamento moral supõe a capacidade 
de resistir à coerção externa ou interna na direção do agir voluntário. e) Em quinto lugar, à voluntariedade segue-se 
racionalidade compartilhável intersubjetivamente, capaz de conceber e reivindicar a norma, adequando-a, realizando-a, 
avaliando-a. A Ética procurará compreender e significar o comportamento que denominamos pela expressão moral. 
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1.3 Problemas éticos e problemas morais 
 
 Efetuada a distinção entre Ética e Moral, podemos esclarecer e diferenciar o âmbito dos 
problemas morais e dos problemas éticos. Enquanto os problemas morais são factuais, práticos, 
concretos; os problemas éticos são gerais e teóricos. 
 O indivíduo, agente moral, procura auxílio nas normas morais, pois, cotidianamente vê-se 
desafiado pelos dilemas do dever e de sua realização. O agente ético precisará indagar sobre o modo 
de aplicação da norma em cada situação. Se a norma, em sua universalidade, é precioso auxílio, 
todavia, como aplicá-la nos casos singulares e nos diferentes contextos? Como realizá-la, 
salvaguardando o bem dos indivíduos envolvidos em cada situação? A norma, em sua generalidade, 
em conclusão, precisa ser adequada às singulares exigências que a reivindicam. Destarte, poderá 
orientar a ação na direção do bem visado, permitindo posterior avaliação das consequências positivas 
ou negativas alcançadas através da ação. Os problemas morais, assim sendo, tratam dos conflitos 
inerentes à vida moral, vida essencialmente práxica. 
 Dizíamos que os problemas éticos são gerais eteóricos. Quais são, então, os problemas 
tratados pela Ética? Competirá à Ética estudar o comportamento moral, indicando seus elementos 
constituintes, explicitando as teorias que podem garantir sua racionalidade, justificando sua 
possibilidade. Cumprirá a Ética julgar os códigos morais e suas normas, indagando sobre sua 
aplicabilidade, questionando sua realização. A Ética perguntará pelos critérios da avaliação moral, 
investigando a contribuição das diversas escolas éticas. Estudará a relação entre a vida moral e seus 
fundamentos antropológicos, questionando a ligação entre valor e norma, indagando sobre a dialética 
entre indivíduo27 e sociedade28. Questionará a relação entre liberdade e obrigatoriedade29. Sobretudo, 
a Ética avaliará o conteúdo de racionalidade da norma, sua exequibilidade e alcance. A norma [em seu 
caráter incondicional] realmente se justifica? Através de quais procedimentos a norma poderá ser 
convenientemente adequada e prudentemente realizada? Cabe à Ética, finalmente, a tarefa de 
fornecer, argumentativamente, as razões de possibilidade do mínimo ético30, capaz de orientar a vida 
 
27 Dimensão subjetiva da vida moral. 
28 Dimensão objetiva da vida moral. 
29 Quais são as condições e os pressupostos da livre adesão do agente moral ao obrigatório [ao dever]? Por que e como o 
agente ético livremente realiza o obrigatório proposto pelo dever? 
30 O que é o Mínimo Ético? Através de um exercício racional-comunicativo podemos indagar: quais são os valores e princípios 
que permitiriam a convivência entre os humanos em sociedade? Esses valores e princípios, por sua validade intersubjetiva, 
por seu caráter transcultural, por seu conteúdo de racionalidade, forneceriam as bases dessa convivência num mundo em 
crescente globalização e mundialização. O respeito à vida em geral e às pessoas, o exercício da solidariedade, a promoção 
dos direitos e liberdades fundamentais, encontrariam no Mínimo Ético sua referência e fundamento. Nesse sentido: quais 
são as coisas mais importantes em minha vida? Quais são os valores pelos quais oriento minha existência? Incluo as outras 
pessoas e seres vivos no meu projeto de vida? Como minhas escolhas axiológicas são, de fato, vividas? Conheço a Carta da 
ONU sobre os Direitos Humanos? Sei quais são dos Direitos e Deveres previstos para o cidadão brasileiro e fixados na 
Constituição de 1988? 
11 
 
em sociedade. À Ética, em resumo, é indicada a tarefa de validar racional e intersubjetivamente o 
horizonte sobre o qual se estabelece a vida em comum. 
 
1.4 Relações entre Ética e Moral 
 
 Do exposto, é conveniente, em termos didáticos e metodológicos, diferenciar Ética de Moral, 
pois, comumente, usamos os dois termos como sinônimos. Assim, não agimos eticamente, mas agimos 
segundo normas morais, procurando realizá-las. A Ética, de consequência, avalia o conteúdo da ação 
moral, reflete sobre essas ações, indaga, teoricamente, sobre o significado dessas ações. Agimos 
moralmente e avaliamos o conteúdo dessa ação observando suas consequências – segundo critérios 
éticos. Através da reflexão ética poder-se-á averiguar se, atendendo as normas de determinada moral 
vigente, indagando sobre as consequências da ação, atuamos com correção, se afetamos positiva ou 
negativamente outras pessoas. Agimos moralmente e refletimos sobre o significado de nossas ações. 
À Ética, enquanto ciência do comportamento moral, enquanto exercício teórico compete examinar o 
conteúdo dessa ação, na busca de compreendê-la. 
 Ética, compreendida como ciência da moral, em breve resumo, inquirirá sobre a relação entre 
o normativo e o factual, entre a norma [ou lei moral] e as ações morais, entre moral [geral] e 
moralidade [realização do geral]. Interrogará sobre a correspondência entre o Ideal [normativo] e a 
vida moral concreta. E, se as normas morais procuram expressar aqueles valores que a humanidade 
vem descobrindo como fundamentais, a Ética examinará como tais valores são traduzidos nas normas 
vigentes e, sobretudo, como são vividos31. 
 Refletiremos, a seguir, brevemente, sobre os dilemas éticos vivenciados pelos profissionais nas 
suas diversas áreas de atuação. 
 
1.5 Os dilemas éticos e os desafios profissionais 
 
 Os dilemas éticos acompanham os seres humanos ao longo da história e encontram sua raiz 
nas ações morais. O que caracteriza uma ação moral? Uma ação moral, recordamos, realiza uma 
norma, apresentando consequências constatáveis, positivas ou negativas, não somente para o agente, 
mas para outras pessoas. Ora, como a norma é prescritiva e anunciadora do dever ser, cotidianamente, 
 
31 Como devemos compreender a instância normativa moral na sua relação com a lei? As normas morais traduzem valores e 
princípios que orientam a vida em sociedade. Ligam-se ao costume, se enraízam na consciência do indivíduo e são livremente 
cumpridas ou violadas. Essas normas podem, com o tempo, receber explicitação em forma de lei positiva [escrita]. A lei, em 
sua positividade, traduz, antecipa ou contraria a norma moral, exercendo sob as pessoas poder coercitivo. Se as normas 
morais regulam, com certo grau de espontaneidade a vida dos indivíduos, a lei positiva ordena, principalmente, por seu 
caráter coercitivo. Daí as diferenças entre o moral e o legal, e os consequentes conflitos. Cumpre à Ética indagar se 
determinado dispositivo legal é, de fato, moralmente válido e eticamente justificável. 
12 
 
diante de exigências práxicas, o agente moral precisa decidir pelo cumprimento, adequação e 
realização dessa norma. Como conciliar a pretensão de universalidade da norma e cada situação? 
Motivado pela realização do fim, decidido em alcançá-lo, o agente ético elege os meios e atua na 
direção do bem visado. Norma realizada, ação concluída, o agente e pessoas envolvidas avaliam o 
resultado alcançado. Nessa avaliação, perguntam pelo bem ou possível prejuízo resultante da ação. 
Nesse jogo, que envolve decisão e escolhas, destacamos, é importante eleger mediações adequadas e 
eticamente justificáveis, pois os meios se fazem presentes nos fins alcançados denunciando o agente, 
tornando-o merecedor de mérito ou reprovação. 
 No exercício profissional somos, igualmente, cotidianamente desafiados pelos dilemas éticos, 
convocados a refletir, dialogar e decidir, em cada caso, pelo modo da aplicação da norma segundo o 
bem visado na ação. O enfrentamento dos dilemas éticos no âmbito do cumprimento do dever, a 
interpretação, adequação e aplicação das normas, códigos deontológicos e prescrições legais é, 
portanto, tarefa reflexiva intransferível, considerando os resultados de nossas ações e a 
responsabilidade consequente32. 
 
1.6 A pergunta pela existência do progresso moral 
 
 As transformações histórico-sociais implicam, necessariamente, em progresso moral? Existe 
progresso moral? Quais são as evidências desse progresso? 
 As transformações econômico-sociais e o desenvolvimento técnico-científico não implicam em 
efetivo progresso moral. Tais transformações, todavia, geram crises capazes de estimular a reflexão 
ética e impulsionar modificações enriquecedoras da vida moral. A razão ética, diante do novo e frente 
a inusitados dilemas, encontra motivos capazes de impulsionar e enriquecer a vida moral. Mas quais 
são os sinais ou evidências do progresso moral? 
 
32 As ações humanas são passíveis de avaliação moral e jurídica. Julgamos e somos julgados segundo valores, princípios e 
normas socialmente compartilhados. Julgamos, inclusive, a nós mesmos. No campo legal, o descumprimento voluntário da 
lei implica em penalização, conforme culpa ou dolo. Nessa direção, navida profissional, a negligência, a imprudência ou a 
imperícia compromete o agente. A diferenciação entre ignorância voluntária e ignorância involuntária [existem coisas que 
não posso não saber e coisas que não poderia prever], a observância das prescrições legais, o cumprimento das normas dos 
códigos profissionais, a cotidiana reflexão, o empenho em realizar eticamente as tarefas determinadas: possibilita segurança, 
satisfação e realização na vida profissional. A reflexão ética, a justificativa do cumprimento da norma, o atento desempenho 
das obrigações [deveres], portanto, envia o profissional à dimensão dos seus direitos, permitindo alcançar realização 
profissional e humana. Nessa direção, os valores e princípios, os códigos, leis e reflexão ética tornam-se indispensável auxílio, 
revelando vital significado, pois em cada ação – o profissional é convocado a justificar suas escolhas e partilhar racionalmente 
suas decisões. Os profissionais de todas as áreas, enquanto seres humanos e agentes éticos, enquanto responsáveis, precisam 
decidir prudentemente e na direção do bem das pessoas afetadas por suas decisões e escolhas. Em cada Decisão, Escolha e 
Ação, considerado cada caso, de algum modo, todos os seres humanos estão implicados. Essa constatação convoca a pensar. 
13 
 
 As evidências de progresso moral, segundo Vázquez33, poderão ser encontradas: a) pela 
ampliação da esfera moral na vida social34; b) pela elevação do comportamento consciente e livre dos 
indivíduos e grupos35; c) pelo grau de articulação e coordenação existente entre os interesses pessoais 
e coletivos; d) pelo progresso ascensional na direção da afirmação e preservação de valores 
considerados fundamentais, ao longo da história, à convivência e continuidade da vida humana36. 
 Embora as morais se transformem ao longo do tempo, segundo Adolfo Sánchez Vázquez, 
importa destacar, não estamos diante de relativismo moral extremo, pois valores fundamentais foram 
descobertos e preservados. Esses valores, consagrados ao longo da história por sua relevância, podem 
ajudar-nos no enfrentamento dos desafios contemporâneos. Frente a desafios planetários, num 
mundo globalizado e multiculturalizado, valores, como paz e solidariedade estimulam reflexão e ação. 
O conceito de responsabilidade planetária, nascido no contexto de mundialização, procura efetivar a 
paz através da solidariedade, vinculando os seres humanos nessa tão-importante e vital empreitada. 
Valores preservados ao longo da História humana, em resumo, por seu significado e importância, 
podem auxiliar-nos diante dos desafios planetários, nos vinculando aos outros seres humanos, às 
outras espécies, ao planeta. 
 Vázquez argumenta em favor do progresso moral, descrevendo a substituição de paradigmas 
morais ao longo da história do Ocidente. Assim, se a vingança de sangue, presente nas comunidades 
primais foi substituída pela moral aristocrática da polis grega; se a moral aristocrática grega deu lugar 
à afirmação da dignidade formal e universal da pessoa na idade média, se na modernidade, 
descobrimos o trabalho como fonte de riqueza e percebemos no trabalhador papel fundamental na 
constituição das sociedades; em nossos dias37, no conceito de Responsabilidade Planetária, na 
gradativa aproximação entre interesses pessoais e coletivos, em resumo, visualizamos novo ponto de 
partida à vida moral. 
 Orientados pela Responsabilidade Planetária e por princípios éticos racionalmente 
compartilhados, poderemos inspirar nossas ações na procura da superação da exclusão, da 
discriminação, do uso predatório do meio-ambiente, enfim, de todas as formas geradoras de conflitos 
e violência. 
 Segundo Noberto Bobbio38, comentando Kant, se o progresso moral não é necessário, 
contudo, é possível. Mas, desde que superemos a acomodação, percebida por Kant, nos políticos de 
 
33 VÁZQUEZ, 2002, p.50-52. 
34 A vida moral orientada por normas exteriores ligadas ao direito e ao costume, torna-se vida moral interiorizada, 
vivida desde convicções íntimas e partilhadas com outros membros da sociedade. 
35 Ou seja, pelo crescimento da responsabilidade desses indivíduos e grupos em seu comportamento moral. 
36 Valores como: solidariedade, amizade, lealdade, honradez, veracidade, senso de justiça. 
37 Nosso acréscimo ou contribuição. 
38 Cf. BOBBIO, Norberto. Direitos do Homem. In: Teoria Geral da Política. A Filosofia Política e as Lições dos 
Clássicos. RJ / SP: Elsevier / Campus, 2000. p.475-508. 
14 
 
seu período histórico e formulada na frase “o mundo sempre caminhou assim como caminhou até 
agora”39. Ora, eventos naturais são necessários, o progresso humano, situado na dimensão do possível, 
segundo o filósofo alemão, é viável desde que superemos inércia, acomodação, desculpas. 
 Segundo Bobbio, gradativamente, aos Deveres acrescentaram-se Direitos. O jurista italiano 
descreve Direitos de Primeira, Segunda e Terceira Geração. Os Direitos de Primeira Geração, 
inaugurados pela Carta dos Direitos do Homem e do Cidadão [1789], asseguram as garantias e 
liberdades fundamentais. Os Direitos de segunda Geração referem-se à inviolabilidade da consciência, 
à ampla manifestação de pensamento, ao direito de votar e ser votado. Os Direitos de terceira geração 
explicitam os direitos sociais, ou seja, direito à educação, saúde, habitação, trabalho. 
Acrescentaríamos, ainda, os denominados direitos culturais, ou seja, direito à preservação de língua e 
tradições. Podemos, contemporaneamente, falar dos direitos das minorias, organizadas e atuantes em 
sociedades democráticas. Os direitos políticos, sociais e culturais, frisamos, foram aclamados pela 
Assembleia das Nações Unidas em 1948, bem como, incorporados na Constituição Brasileira 
promulgada em 1988. 
 Norberto Bobbio salienta que o Direito à vida supõe o direito ao viver. O direito ao viver implica 
em denunciarmos a violência das guerras, bem como, reivindicarmos à todas as pessoas o amplo 
acesso aos direitos políticos, sociais e culturais. Segundo Bobbio, atualizando Santo Agostinho no Livro 
XIX de A Cidade de Deus40, a Paz vincula-se à Justiça, supondo o justo acesso aos direitos fundamentais 
– sem os quais pessoas e sociedades não se desenvolvem – tanto no campo político quanto no campo 
moral. Reconhecemos que Direitos sempre estão associados à Deveres, sobretudo, ao reconhecimento 
do Outro, portador de dignidade inviolável e merecedor de respeito. 
 Há, em nossos dias, em resumo, inúmeras declarações promotoras e defensoras da pessoa, da 
liberdade, da vida em geral e que constituem evidente sinal de progresso ético e moral. Qual é o 
desafio que tais declarações despertam? É preciso, gradativamente, atualizar os princípios enunciados. 
Atualizando o conteúdo formal – propugnado pelas declarações e direitos constitucionais – em efetivo 
exercício de direitos e de seus correspondentes deveres, caminharemos na direção do progresso 
humanos e moral que, segundo Kant, se não é necessário, contudo, é possível, pois depende de cada 
um de nós. Não basta, portanto, propugnar os direitos da pessoa, do Idoso, das crianças, defender o 
meio ambiente, etc. Não é suficiente haver declarações consignadas pelas nações. É prioritário 
transitar do plano formal dessas declarações, dimensão garantidora da defesa da vida e de suas 
consequentes reivindicações, ao plano fático, ou seja, é urgente realizar o conteúdo dessas 
declarações, é preciso conferir-lhes sentido práxico. 
 
39 BOBBIO, 2000, p.483. 
40 Nossa Observação. 
15 
 
1.7 Ética: entre a autonomia e a heteronomia 
 
 Finalmente, se a vida moral implica numa relação livre e consciente com a norma e sua 
realização,é preciso pensar o problema da autonomia e heteronomia moral. Quando agimos, 
recebemos, de fato, influências da sociedade, da cultura e da época da qual fazemos parte. Sempre 
agimos, entretanto, com algum grau de liberdade. O contexto, ao incidir sobre nossas ações, 
salientamos, não elimina nossa capacidade de escolher e decidir. Escolhemos, decidimos e agimos num 
mundo que, ao nos acolher, condiciona e possibilita nossas existências. Logo, se valores e normas 
sempre traduzem o ambiente de onde brotam, ainda assim, podemos interpretá-los e decidir realizá-
los segundo grau de autonomia capaz de fundar a responsabilidade. Do exposto, porque capazes de 
autonomia, somos responsáveis. Dizendo de outra maneira: se, quando agimos, atuamos segundo os 
valores e normas recebidos de nossa sociedade, cultura, época, entrementes, ainda assim, agimos com 
algum grau de liberdade. Verificando que a pessoa é liberdade finita, o agir humano implica num grau 
de heteronomia ou determinação exterior. O conteúdo recebido [norma], entretanto, precisa ser 
interiorizado, refletido, avaliado, assumindo como meu. O agir humano, assim, torna o heterônomo [a 
lei recebida do exterior] norma assumida autonomamente [aceita interior e livremente]. E, frisamos, 
tanto mais consciente a realização da norma, tanto mais autêntica a vida moral. Seria oportuno, em 
consequência, investigar o processo de amadurecimento para a vida moral41. 
 
Conclusão Preliminar 
 
 A vida moral implica numa relação livre e consciente entre os indivíduos e entre esses e a 
sociedade, visando o bem de cada um e de todos. A reflexão ética, ao estudar o comportamento moral, 
poderá, efetivamente, contribuir ao enriquecimento da existência humana. Para além dos 
condicionamentos, na esfera da intimidade, na descoberta do si mesmo e na afirmação da 
responsabilidade, descobriremos – no outro – um parceiro na edificação e cuidado do mundo. 
 A reflexão ética – estudando o comportamento moral, indagando sobre os elementos 
constitutivos da ação moral, discorrendo sobre a responsabilidade moral, refletindo sobre a dialética 
entre liberdade e obrigatoriedade, indagando sobre os modos efetivos de realização da moral, 
inquirindo sobre os estágios do desenvolvimento moral, e examinado as principais escolas éticas – 
contribuirá à formação de pessoa comprometidas com vida sempre mais autárquica e autêntica. Se 
 
41 Ver, nesse sentido, o resumo de Bárbara Freitag (cf. “Moralidade e educação Moral”. In: ______. Itinerário de 
Antígona. A questão da moralidade. SP, Campinas: Papirus, 1997. p.192-207) referente ao estudo transcultural 
realizada pelo psicólogo norte-americano Lawrence Kohlberg sobre os estágios do desenvolvimento da 
moralidade [descrição das seis etapas do desenvolvimento moral ou da gradativa passagem da heteronomia à 
autonomia na esfera da vida moral]. 
16 
 
visar à vida boa em sociedades justas, finalmente, supõe a práxis, a reflexão ética é condição dessa 
ação transformadora. Desejamos, em nossos encontros de Ética, pesquisar e refletir sobre os assuntos, 
indicados na presente introdução, caminhando para a aplicação dos temas de Ética geral em nossos 
estudos de Ética aplicada e de Ética profissional. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
17 
 
TEXTO-COMPLEMENTAR 02 
CORTINA E MARTÍNEZ 
ESQUEMA: Algumas tentativas históricas de pensar filosoficamente as morais e o âmbito da Filosofia 
Prática42 
Em que consiste a Moral? 
1 Vejamos, a seguir, alguns exemplos de Filosofias Morais, historicamente formuladas, que procuraram oferecer 
caráter racional à vida moral. 
1.1 Para Antigos e Medievais, a vida moral encontrou seu centro numa Filosofia do Ser, a moralidade, portanto, 
é dimensão integrante da vida humana. 
1.2 Para Aristóteles, por exemplo, a moralidade é aquisição da excelência na direção da vida plena [boa e 
realizada]. 
1.3 Interessante: se para os Antigos Estoicos, filósofos helenistas do Pórtico, a moralização do indivíduo implicaria 
em seguir a natureza [mãe e mestra]; para Kant, ao contrário, é preciso ir além da natureza e do necessário, pois 
a vida moral autêntica aconteceria no Reino dos Fins, onde vigoraria a liberdade e aconteceria vida moral 
autêntica, de caráter racional e conforme o dever. 
1.4 Nossos contemporâneos, Ortega y Gasset e Aranguren pensam que uma moral autêntica precisaria fortalecer 
o caráter do indivíduo na direção de sua auto-realização e autoestima. 
1.5 A moralidade, para os comunitaristas, supõe viver em comunidade, lócus de nossa formação e enraizamento. 
1.6 Lawrence Kohlberg, entretanto, afirma que a educação deve conduzir-nos para além do particular na direção 
de vida autônoma e centrada no princípio de Justiça na direção de uma moral pós-convencional. 
 
2 Segundo a reflexão ética, a Moral interage, mas diferencia-se da Religião e do Direito. Por quê? 
2.1 O Direito privilegiaria a dimensão externa, ver, por exemplo, a bilateralidade da norma positiva; já a moral 
privilegiaria a vida interna, a consciência e autonomia racional do indivíduo. Pensamos, entretanto, que tais 
oposições nem sempre se encontram tão-claras, havendo interessante dialética entre vida moral e ordem 
normativa positivada. 
2.1 A moral, segundo a Ética, dialoga com as tradições religiosas, mas é, positivamente, laica. Essa constatação 
não desmerece a contribuição das grandes Tradições religiosas da humanidade, mas, destaca a pretensão de 
universalidade das normas morais no contexto plural de nossos tempos. Ética, Moral, Tradições Religiosas e 
Direito, assim cremos, precisam dialogar – na tentativa de explicitar conteúdos éticos mínimos – racionalmente 
compartilháveis. 
 
3 A Moral diferencia-se, também, do mero costume e dos procedimentos técnicos. 
Por quê? As normas técnicas são imperativos hipotéticos [se, então], já as normas morais são imperativos 
categóricos [a norma concebida racionalmente deve ser incondicionalmente respeitada], o que isso significa? 
Normas Técnicas: se desejar x tem que fazer y. 
Normas Morais: “Se você que comportar-se como um ser verdadeiramente racional, então deve [...]”. Kant. 
 
 
42 Cf. CORTINA, Adela; Martínez, Emilio. Ética. São Paulo: Loyola, 2005. p.9-47. 
18 
 
4 Ética como Filosofia moral. 
 A Ética ou a Filosofia moral objetiva explicar o fenômeno moral, dar conta racionalmente da dimensão 
moral humana. A ética é indiretamente normativa. A moral, por sua vez, é um saber que oferece orientações 
para ações em casos concretos. A Ética, em consequência, é normativa em sentido indireto, pois não incide 
diretamente sobre a vida cotidiana, aspirando, apenas esclarecer reflexivamente o campo da moral. 
 Para entender o tipo de saber que constitui a ética, é importante lembrar a distinção aristotélica entre 
saberes teóricos, poiéticos e práticos. 4.1 – Os primeiros dedicam-se a compreender a realidade. Eles são saberes 
descritivos, porque mostram o que existe, o que é e o que acontece. Sua referência é o ser ou a essência das 
coisas. 4.2 – Os segundos servem de guia à elaboração de algum produto, artefato ou obra caracterizado por sua 
utilidade ou beleza. As técnicas e as artes fazem parte dos saberes poiéticos ou produtivos. 4.3 – Os saberes 
práticos são os que mediatizam os procedimentos e orientações – segundo os quais – poderemos conduzir nossas 
vidas de uma maneira boa ou justa, tendo em vista o alcance da felicidade ou realização da natureza humana. 
Eles abarcam não só a Ética, mas também a Economia (bom governo da casa) e a Política (bom governo da 
cidade). Hoje, fazem parte da FilosofiaPrática a Ética ou Filosofia Moral, a Filosofia Política, a Filosofia do Direito 
e a Reflexão Filosófica sobre a Religião em perspectiva ética. 
 
5 O termo ‘Moral’ aqui e agora 
 O termo moral pode ser usado como substantivo. 1 – Num primeiro sentido refere-se ao conjunto de 
princípios, preceitos, comandos, sendo a moral um sistema de conteúdos sobre comportamentos. 2 – Num 
segundo significado pode referir-se ao código de conduta pessoal de alguém (Fulano tem uma moral muito rígida 
ou carece de moral). 3 – Num outro sentido compreende as diferentes doutrinas morais ou a ciência que trata 
do bem em geral e das ações humanas marcadas pela bondade ou maldade moral. As doutrinas morais 
sistematizam um conjunto de conteúdos morais, enquanto que as teorias éticas tentam explicar o fenômeno 
moral. 4 – Num quarto sentido moral refere-se a uma boa disposição de espírito, ter o moral bem elevado, estar 
com o moral alto. Aqui moral não é um saber nem um dever, mas uma atitude ou caráter. 5 – Um último sentido 
de moral como substantivo – compreende a dimensão moral da vida humana – que é a âmbito das ações e das 
decisões. 
 O termo moral pode também ser usado como adjetivo. 1 – Moral no sentido de oposto a imoral, como 
sinônimos de moralmente correto ou incorreto. 2 – Moral significando o oposto de amoral, isto é, aquilo que 
não apresenta nenhuma relação com a moralidade. 
 Em nossos estudos de Ética relacionaremos, principalmente, o 1º sentido, a moral entendida como um 
sistema de normas, com o 5º sentido, que denota o âmbito das ações. 
 
6 O termo ‘Ética’ 
 A palavra ética, do grego ethos, originalmente significava ‘morada’, ‘lugar em que se vive’, 
posteriormente significou ‘caráter’, ‘modo de ser’ que se vai adquirindo durante a vida. O termo moral procede 
do latim mores que originariamente significava ‘costume’ e que, em seguida, passou a indicar ‘modo de ser’, 
‘caráter’. Portanto, as duas palavras têm um sentido quase idêntico. 
 Não obstante, no contexto acadêmico, o termo ‘Ética’ refere-se à Filosofia Moral, isto é, ao saber que 
reflete sobre a dimensão da ação humana, enquanto que ‘moral’ denota os diferentes códigos morais concretos. 
A moral responde à pergunta: O que devemos fazer? Já, a Ética, indaga: Por que devemos? Nessa direção, a Ética, 
enquanto Filosofia Moral, na feliz expressão de Adela Cortina, pode ser designada como a Moral pensada. 
 A Ética não é – e nem pode ser neutra –, pois, ainda que não se identifique com nenhuma codificação 
moral concreta, tal constatação, entretanto, não implica neutralidade diante dos diferentes códigos morais, até 
porque, por dever de ofício, a Ética é crítica responsável de normas, códigos, costumes e práticas morais. 
 
19 
 
2 A ESSÊNCIA DA MORAL [ Investigação da natureza da moral: O que é a moral? ] 
 
 Se a Ética é a ciência do comportamento moral ou Filosofia Moral [enquanto Moral pensada] 
é importante indagar pelo significado dessa dimensão da existência humana. Admitida a historicidade 
da moral, cumpre, também, indagar pelos elementos que, ao longo do tempo, unem as diversas 
morais. Estamos, ao realizar tal questionamento, tratando da essência da moral. Como referir o 
normativo e o fatual, moral e moralidade? Como pensar a relação entre o polo subjetivo [indivíduo] e 
o polo objetivo [sociedade – cultura] da moral? Quais são as tarefas que a moral efetiva? No que 
consiste um ato moral? Quais são os critérios caracterizadores de uma ação moral? Quais são os 
elementos constitutivos de um ato moral? Por que o ato moral é singular? 
 Partiremos, nessa empreitada, de preliminar definição que afirma: “a moral é um conjunto de 
normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual e social dos 
homens43”. Três são as referências presentes na definição: normatividade (a), liberdade e consciência 
(b), comportamento individual e social (c). A definição nos convida a pensar na moral enquanto 
empreendimento pessoal e coletivo, baseado no cumprimento de normas ou deveres por um sujeito 
livre e capaz de refletir. No transcorrer do estudo, procuraremos aprofundar essas constatações 
inicialmente propostas. 
 
2.1 O normativo e o fatual 
 
 O comportamento moral gira em torno de duas regiões: entre o conjunto de normas e regras 
de ação [a] e o plano constituído por certos atos humanos realizadores dessas regras [b]. Os valores 
precisam ser traduzidos em princípios ou regras de ação. Essas regras de ação, por outro lado, 
oferecem o horizonte de orientação e se efetivam no plano das ações. As normas referem-se ao dever 
ser, já o fatual refere-se à realização da norma. Cotidianamente, somos convocados à efetivação de 
normas, tais quais: ama teu próximo, respeita teus pais, diga a verdade. Em cada situação, na 
efetuação de cada ato, realizamos ou rejeitamos a norma orientadora. O plano normativo se refere ao 
dever ser, encontrando correspondência positiva ou negativa nos atos realizados. 
 A Ética avalia como atos morais positivos, os que ao realizarem a norma se apresentam como 
valiosos e capazes de produzir consequências afirmativas em favor das pessoas envolvidas. Os atos 
moralmente negativos, de outro lado, implicam em violação ou não cumprimento da norma, e 
importam em consequências prejudiciais aos indivíduos implicados. Entretanto, o não cumprimento 
da norma não destitui a norma de valor, não esvazia ou anula seu conteúdo. Se o normativo exige, nas 
 
43 Cf. VÁZQUEZ, A Essência da Moral (cap. III), 2002, p. 63. 
20 
 
situações correspondentes, a realização da norma segundo o dever ser reclamado, entrementes, o 
descumprimento da norma, não anula sua positividade: a norma continua valendo44. Embora 
possamos diferenciar o normativo do fatual, importa destacar, esses planos estão inevitavelmente 
intrincados, nunca se encontram totalmente separados, devem ser pensados, assim, em sua mútua 
implicação. 
 
2.1.1 Moral e moralidade 
 
 A distinção entre moral e moralidade corresponde à diferenciação entre o normativo e o 
fatual. Assim como a norma ganha concreção nos atos humanos, a moral, devido inerentes exigências 
de realização, tende a tornar-se moralidade, vida efetiva, dimensão concreta da vida humana. 
Deparamo-nos, simultaneamente, com o normativo ou prescritivo e com o prático-efetivo, dois 
aspectos presentes na vida moral. A existência moral, em consequência, movimenta-se entre o 
normativo ou prescritivo e o prático-efetivo, procurando integrar essas dimensões nas diversas 
circunstâncias e atos correspondentes. 
 
2.2 Caráter social da moral 
 
 Na realização da vida moral, encontramos interação dialética entre indivíduo e sociedade. A 
vida moral nasce das relações estabelecidas entre pessoas, na sociedade, e vem implicada em cada 
ato de todo indivíduo humano. Todavia, não devemos substantivar a sociedade, ou seja, pensá-la como 
entidade autônoma, independente dos seres humanos. Os indivíduos em relação – ao criarem 
instituições, ao estabelecerem conexões econômicas, ao justificarem suas visões de mundo – fazem a 
sociedade acontecer. Entretanto, também é incorreto pensar indivíduos concretos ignorando sua 
pertença temporal, cultural e social. 
 
 
 
44 Resume Vázquez (A essência da moral, cap. III, p. 65): “As normas existem e valem independentemente da 
medida em que se cumpram ou se violem. O normativo e o fatual não coincidem; todavia, como já assinalamos, 
encontram-se em relação mútua: o normativo exige ser realizado e, por isso, orienta-se no sentido do fatual; o 
realizado (o fatual) só ganha significado moral na medida em que pode ser referido (positivaou negativamente) 
a uma norma. Não há normas que sejam indiferentes à sua realização; nem há, tampouco, fatos na esfera moral 
(ou da realização da moral) que não se vinculem com normas. Assim, portanto, o normativo e o fatual no terreno 
moral (a norma e o fato) são dois planos que podem ser distinguidos, mas não completamente separados”. 
21 
 
 O comportamento moral, assim, implica na dialética interação entre os indivíduos e a 
sociedade da qual fazem parte45. Nessa direção, três aspectos regulam a vida moral46: 
 
 I) O indivíduo não inventa princípios ou normas de acordo com suas exigências pessoais, pois 
nasce inserido num tempo, numa cultura, em determinada sociedade; 
 II) O comportamento moral é tanto comportamento de indivíduos como de grupos sociais 
humanos, cujas ações têm caráter coletivo, mas deliberado, livre e consciente; 
 III) As ideias, normas e relações sociais nascem e se desenvolvem em correspondência às 
necessidades sociais. 
 
 Quais são, então, os atos que podem ser caracterizados ou classificados como morais? São 
aqueles que apresentam consequências, não apenas para o agente, mas para outras pessoas. Dessa 
maneira, ir ou não ir ao cinema numa tarde de sábado não implica em consequências para a vida de 
outras pessoas. Mas, descumprir promessa, romper a palavra empenhada injustificadamente, resulta 
em ação moral e responsabilidade consequente. 
 A moral, ao regular a vida dos membros de uma sociedade, importa num caráter social, supõe 
a intervenção dessa sociedade no comportamento de seus participantes, pois fornece quadro 
normativo apto a orientar a vida das pessoas. Todavia, quanto mais consciente seja o indivíduo, quanto 
mais presente se faça nas suas ações, quanto mais aja por reflexão e menos por imposição, em 
consequência, tanto mais plena e livre será sua existência moral47. Na consciência, finalmente, decide-
se a vida moral na direção do cumprimento ou desobediência da norma, observadas as circunstâncias 
e dilemas presentes em cada situação. 
 
45 Importa perguntar: até que ponto somos agentes ou pacientes da cultura, enquanto membros de determinada sociedade. 
É inegável a existência de condicionamentos que envolvem nossas vidas e limitam a liberdade em assumir regras orientadoras 
de nosso comportamento. Entretanto, há instância de reflexão e liberdade segundo a qual agimos e pela qual nos tornamos 
responsáveis por nossos atos, por nossa vida. Não importa o que fizeram de nós, o importante é saber o que fazer com o que 
fizeram de nós. A afirmação precedente indica: somos responsáveis, apesar dos condicionamentos existentes, por nossas 
ações. A vida moral, assim, em sua maturidade, consiste na capacidade de assumir as conseqüências de nossas ações, 
considerada a conquista dessa esfera de reflexão e liberdade capaz de nos tornar mais plenos porque responsáveis. 
46 Cf. VÁZQUEZ, A essência da moral (cap. III), 2002, p. 67-69. 
47 Afirma Adolfo Vázquez (A essência da moral, cap. III, 2002, p. 73): “O sujeito do comportamento moral [...] é uma pessoa 
singular. Por mais fortes que sejam os elementos objetivos e coletivos, a decisão e o ato respectivo emanam de um indivíduo 
que age livre e conscientemente e, portanto, assumindo uma responsabilidade social. O peso dos fatores objetivos – 
costumes, tradição, sistema de normas já estabelecidas, função social deste sistema etc. – não nos pode fazer esquecer o 
papel dos fatores subjetivos, dos elementos individuais (decisão e responsabilidade pessoal), ainda que a importância deste 
papel varie historicamente de acordo com a estrutura social existente. Mas, inclusive quando o indivíduo pensa que age em 
obediência exclusiva à sua consciência, uma suposta voz interior, que em cada caso lhe indica o que fazer, isto é, inclusive 
quando pensa que decide sozinho no santo recesso de sua consciência, o indivíduo não deixa de acusar a influência do meio 
social de que é parte e, a partir de sua interioridade, tampouco deixa de falar à comunidade social à qual pertence”. Vázquez 
insiste na dialética entre o individual e o coletivo, indicando, na instância interior, a presença das vozes da sociedade; mas, 
ao mesmo tempo, reconhece que, em última instância, contra os condicionamentos ou, até, a favor das normas recebidas, 
quem decide é o indivíduo, portador da possibilidade da reflexão, agente livre e consciente. 
22 
 
 O agente moral, convêm observar, para além dos conteúdos socialmente recebidos, pode 
conceber e compartilhar normas racionais pelas quais poderá, gradativamente, criticar e hierarquizar 
valores e ordem normativa na direção da autonomia moral, conforme proposta de Immanuel Kant 
retomada nas pesquisas de Kohlberg. 
 
2.3 A moral é resposta da cultura às exigências da dimensão societária do ser humano 
 
 O homem; ser-de-cultura, animal não-especializado, herdeiro de características somáticas, 
mas, sobremaneira, de traços culturais, portador de comportamento não-programado, encontra na 
moral resposta às exigências de convivência. Ser gregário, busca nas normas socialmente estabelecidas 
e intimamente validadas, solução aos dilemas da convivência. Se nem sempre é fácil viver com 
[conviver], pois o ser humano não existe isolado, precisa de seus semelhantes, necessita trabalhar, 
cultivar o mundo, torná-lo habitável, todavia, é preciso encontrar modo inteligente de responder às 
necessidades desse existir gregário. Na comum tarefa de coabitar o mundo, o homem, ser-de-cultura, 
encontra nas morais historicamente estabelecidas possibilidade de continuação da vida individual, 
familiar, social e temporal na compartilhada casa planetária. A moral, ao regular a vida dos indivíduos 
na família e na sociedade, responde, por conseguinte, aos dilemas da sobrevivência e manutenção da 
vida da espécie humana. Ao articular e aprofundar os interesses de indivíduos, grupos e sociedades, 
permite, igualmente, o aperfeiçoamento espiritual dos seres humanos. Aperfeiçoamento revelado nos 
diversos graus de solidariedade e realização material e espiritual dos homens no espaço e no tempo. 
 
2.4 O individual e o coletivo na moral 
 
 O indivíduo pode agir moralmente somente em sociedade. Ao crescer, a pessoa interioriza 
normas, percebe-se envolvida numa atmosfera moral na qual lhe são oferecidas regras de ação. Em 
parte, a vida moral se manifesta através de hábitos e costumes. O costume manifesta o dever ser, 
mesclando o normativo e o fatual. A vida moral sempre mais autêntica e autônoma, entretanto, 
encaminha o ser humano, via reflexão ética, à compreensão e crítica das normas e de suas exigências. 
 O sujeito de comportamento propriamente moral, entrementes, quanto mais aumente sua 
capacidade de reflexão e liberdade, é pessoa singular capaz de decidir pelo cumprimento da norma 
proposta. As decisões morais, portanto, supõem um sujeito singular e consciente, situado num 
determinado contexto histórico e social e capaz de decidir e realizar a norma. Esse contexto não anula, 
mas, ao contrário, possibilita o acontecer da vida moral. Dito de outra maneira: se o mundo é o 
conteúdo concreto da consciência, sou livre, porque sou capaz de atos morais nascidos nesse mundo 
ao qual estou integrado. Mundo que acolhi, questiono e modifico através de minhas ações. Mundo do 
23 
 
qual participo. Seria interessante investigar o processo de amadurecimento da vida moral, da vida 
infantil à vida adulta, verificando os respectivos graus de heteronomia e autonomia em cada etapa da 
existência do homem48. 
 
2.5 A estrutura do ato moral 
 
 A moral envolve dois planos: o normativo e o fatual. A realização da moral supõe indivíduo 
capaz de interiorizar e realizá-la em cada situação específica. Portanto, encontramosnormas que 
regulam a conduta humana e um conjunto de ações realizadas por indivíduos concretos. 
 Mas, como podemos caracterizar o ato moral? O ato moral é ato de indivíduo humano 
concreto (a), nascido na consciência, com reflexão e liberdade (b), capaz de afetar a vida de outras 
pessoas (c), e apto de aprovação ou reprovação (d), consideradas as consequências (e). O ato moral, 
desse modo, afeta não apenas o agente, mas outros indivíduos e a comunidade na qual esses estão 
inseridos. Um ato moral é passível de responsabilização (f), pois o agente é capaz de antecipar 
idealmente as consequências de sua ação (h), verificadas as circunstâncias, os dilemas humanos 
presentes, as escolhas realizadas, os meios escolhidos e os resultados decorrentes. Quais são, nessa 
perspectiva, os elementos constitutivos de um ato moral? 
 Primeiramente, uma ação moral presume um motivo (a) capaz de impulsionar o agir na direção 
de determinado fim (b). Um mesmo ato pode ser iluminado por diversos motivos. Por que denunciar 
uma injustiça? Pela comoção gerada, pelo senso de justiça ferido, pela indignação diante de ação 
prejudicial a outrem ou pelo desejo de projeção pessoal? Denunciar uma injustiça, logo, poderá ter 
como motivo o altruísmo ou egoísmo conforme possibilidades listadas. Não estamos falando, aqui, de 
motivos inconscientes, mas de motivações derivadas de reflexão e fundadas em grau mínimo de 
distanciamento e liberdade. É preciso, entretanto, existir a consciência do fim visado. A consciência do 
fim visado é garantida pela antecipação reflexiva e ideal do resultado da ação. Antecipado idealmente 
o resultado da ação, a seguir, é preciso decidir na direção do fim visado. Encontramos na decisão 
necessário elemento constituinte de uma ação moral (c). A consciência do fim e a decisão em alcançá-
lo, enfim, dão ao ato moral o qualificativo de voluntário. Efetuada a decisão na direção do fim visado, 
é preciso escolher os meios capazes de fazê-lo acontecer (d). Se as mediações devem adequar-se aos 
fins, destaquemos, que nem todos os meios são legítimos. Meios ilegítimos, questionáveis e 
instrumentalizadores da vida humana, contaminam e comprometem os resultados, alterando o 
caráter dos atos e dos fins. Os fins, assim, não justificam os meios. Os meios precisam ser justificados 
 
48 Ver FREITAG, Barbara. “Moralidade e educação moral”. In: _______. Itinerário de Antígona. A questão da 
moralidade. SP Campinas: Papirus, 1997. p.192-207. 
24 
 
e penetrados pela vida ética. Após decisão em favor do fim (ou fins), eleitos os meios adequado, 
cumpre realizar o ato (e). A realização efetiva a decisão de realizar os fins – segundo mediações 
adequadas e eticamente aceitáveis. Realizado o ato [executada a ação], acontece a avaliação, pois ele 
afeta outros sujeitos, sendo motivo de elogio ou reprovação (f). Essa avaliação tem dimensão social e 
individual, é necessária à vida moral da pessoa e da coletividade. No dizer de Vázquez: 
 
 o ato moral supõe um sujeito real dotado de consciência moral, isto é, da capacidade de 
interiorizar normas ou regras de ação estabelecidas pela comunidade e de atuar de acordo 
com elas. A consciência moral é, por outro lado, consciência do fim desejado, dos meios 
adequados para realizá-lo e do resultado possível; mas é, ao mesmo tempo, decisão de 
realizar o fim escolhido, pois sua realização se apresenta como uma exigência ou dever49 
 
 
 O ato moral, enquanto totalidade ou unidade indissolúvel de aspectos, em resumo, 
compreende: motivo, fim, decisão, eleição dos meios, resultados, consequências objetivamente 
avaliáveis. Nele estão presentes a dimensão subjetiva e objetiva da vida moral. Os atos morais, em sua 
positividade promotora da vida humana, incorporados à vida de cada pessoa e das sociedades, 
qualificam relações interpessoais, indivíduos e sociedades. Esses atos não consistem, apenas, na 
intenção e não dependem, em sua positividade, exclusivamente dos meios, mas, sobretudo, da 
antecipação e efetivação de resultados promotores da vida dos envolvidos, e tal na direção de vida 
moral sempre mais plena e autêntica. 
 
 2.6 A singularidade dos atos morais 
 
 A norma é um auxílio precioso, pois diante de conflitos morais, necessitamos decidir na direção 
de bons resultados. Entretanto, refletindo eticamente, constatamos que a norma é universal, e cada 
ato efetivado responde a questões e circunstâncias irrepetíveis. Por que a ação moral, indagamos, é 
singular? Porque é irrepetível. Realizada a decisão pelo cumprimento da norma, adequada às 
circunstâncias, consumada a norma no ato, esse não tornará a acontecer, por ser único (completo). 
Cumpre somente avaliar o ato na consideração dos resultados alcançados e objetivamente verificáveis. 
 A Ética, rigorosa analisa do comportamento moral, não deve confundir-se com tratado de 
casuística, como se fosse possível antecipar descritiva e prescritivamente as inúmeras situações que 
envolvem a regra em sua universalidade e a vida em sua concretude. A Ética oferece critérios para 
pensar a norma, para justificá-la e adequá-la aos diversos casos que poderá orientar. Através da 
 
49 Cf. VÁZQUES, A essência da moral, cap. III, 2002, p. 78. 
25 
 
prudência, essa capacidade racional prática, o ser humano intencionará a melhor resposta, adequando 
o preceito [a norma]50 em cada ato, observados desafios e dilemas morais enfrentados. 
 Cada ação moral, consequentemente, em sua singularidade não repetível, é ocasião de 
assumir a vida como tarefa intransferível. Cada ato de cada ser humano, visto na unidade da totalidade 
dos atos que o formam, é oportunidade de realização, plenificação, sentido. Por isso, refletir e imprimir 
positividade ética aos atos é tarefa inalienável de personalização, realização e enriquecimento da vida 
de cada pessoa e de todos os seres humanos, pois nos tornamos donos de nós mesmos, autônomos e 
autárquicos, através da totalidade positiva de nossas ações. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
50 A norma [ou preceito] é uma regra de ação que atualiza valores e princípios. 
26 
 
Texto-Complementar 03 
TEORIA DA AÇÃO 
 
 A ação humana inaugura o novo. Supõe engajamento da inteligência e da liberdade, pois é série 
temporal planejada na qual o agente é capaz de prever as consequências. Diante do possível, no aberto da 
existência, a Pessoa pensa naquilo que realizará. Dentre as opções, elegerá o conveniente, a mediação adequada 
que ultimará [concretizará] o bem. No presente contexto, bem deve ser compreendido como aquilo que convém, 
respondendo às exigências de realização do indivíduo humano. A ação acontece no mundo, em meio à teia de 
relações: envolvendo mediações e outras pessoas. Sendo consequente, não afetará – apenas – o executante, 
mas outros indivíduos humanos. A ação realiza valores que, traduzidos em princípios éticos ou preceitos morais, 
importam em interpretação e adequação. 
 A ação é irrepetível, frisemos, encontra termo no tempo (a) e as circunstâncias e pessoas envolvidas são 
únicas (b). Poderá ser objeto de avaliação e reparação, mas, como já aconteceu, é irrepetível. As mediações 
escolhidas estão presentes no resultado, sendo avaliáveis [aprovação ou reprovação ética e moral]. Mediações 
injustas, por exemplo, tornam a ação injusta e seus resultados reprováveis. Pessoas [seres relacionais / ser-com], 
efetivamos nossa natureza na ação51. Dependemos em nosso ser de um agir que, positivamente, consolide a 
dimensão relacional do existir pela

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