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Mil Sombras da Nova Lua - Nilson Martello

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NILSON D.
MARTELLO
MIL
SOMBRAS DA
NOVA LUA
EDART
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Quem
levou Vasco da Gama E Colombo 
ao convés das caravelas? 
Quem dirige as mãos dos sábios a 
mover as alavancas na partida 
dos esputiniques, criando 
novas estrelas e uma lua nova 
no céu desse subúrbio do universo?
Onde
está a verdade, respondam-me por 
favor; na pequena realidade de 
cada um
ou no imenso sonho humano?
Jorge Amado.
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Cinco horas
O cigarro bateu na borda do cinzeiro e a cinza caiu sobre um monte 
de tocos já apagados.
Helen tornou a tragar, e depois automaticamente bateu de novo o 
cigarro sobre o cinzeiro para fazer cair cinza que não existia.
A sala estava à meia luz. A fumaça acinzentara a penumbra, e en-
volvia o abajur colocado sobre a vitrola silenciosa, de onde se irradiava a 
fosca claridade do ambiente. Submersa nesse verdadeiro “fog” londrino, 
Helen jazia inerte numa poltrona.
Em certo instante, a moça levantou-se e foi até à janela. Afastou as 
cortinas e olhou o céu da madrugada, pontilhado de estrelas. A lua já se 
ocultara. A lâmina luminosa de um farol de automóvel repentinamente 
espadeirou o asfalto, fazendo-o brilhar.
“Deve ser Marie...” — pensou.
O carro estacionou debaixo do prédio. Uma mulher desceu e olhou 
instintivamente para cima. Helen afastou-se da janela e foi abrir a porta.
Atravessou a sala repleta daquela bruma gris, e os movimentos do 
seu corpo cansado originavam um revolutear de ondas que se espraiavam 
até às paredes onde por fim batiam — fantástica arrebentação de um mar 
gasoso.
O fósforo brilhou na semi-escuridão.
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— Chega de fumar, Helen! Há meia hora que estou aqui, e você não 
faz outra coisa! Quando entrei quase morri sufocada. . .
— É para desabafar um pouco. . .
— Qual, Helen, o que você precisa é de um bom sono, de descanso, 
talvez um calmante! Não adianta V. ficar se martirizando assim.
— Isto é fácil pra você, Marie, porque sabe que seu marido, neste 
instante, está dormindo calmamente — e que amanhã você o terá de 
novo, da mesma forma que hoje. Mas eu. . .
A moça que chegara, o rosto escondido pela escuridão, ponderou:
— Escute, Helen: não é a primeira vez que isto acontece. E você não 
é a única mulher no mundo a passar por isto... E depois, como seu marido 
mesmo disse, será a última vez!
— Peter sempre diz que será a última. Mas isto está no sangue 
dele; no fundo, é um vício do qual não pode se libertar. Se não tivéssemos 
uma filha. . . talvez êle ainda fosse pior.
Recostou a cabeça no espaldar da poltrona e um furtivo raio de luz 
deixou ver um cabelo ruivo escuro, aveludado, emoldurando um rosto de 
meigas feições. Ela amassou o cigarro ainda não totalmente fumado. Suas 
mãos se entreapertaram nervosamente.
— V. não sabe o que é ter um marido assim, Marie. O seu, como 
técnico em combustível de foguetes, corre alguns riscos, é verdade. Mas 
Peter... A gente nunca sabe “quando” vai ser.
Levantou-se e tornou a ir até a janela, enquanto sua amiga a olhava 
vagamente. Helen falou num murmúrio irritado:
— As luzes já se apagaram... As estrelas estão ainda mais nítidas. 
Que horror! Por que não chove?
Marie lutou entre um bocejo e um sorriso. Comentou com voz gu-
tural:
— Se. . . aahhh. . . chovesse, a experiência seria transferida ?
Sem se voltar, Helen acenou que sim com a cabeça.
— E adiantaria, Helen? A experiência não seria hoje, mas talvez 
amanhã... Enfim, quando parasse a chuva!
Ela não respondeu, continuando a olhar fixamente uma estrela 
qualquer. Passado um instante, voltou para junto da poltrona e apanhou 
o maço de cigarros. Amassou-o irritada, e atirou-o a um canto da sala.
— Meus cigarros acabaram, Marie. Me dá um. 
Marie hesitou um segundo, mas, abrindo a bolsa, retirou um maço 
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e estendeu-lho.
— Fica com êle. Alphonse tem mais lá em casa...
Helen acendeu um cigarro e passou a mão pelo braço, como duran-
te um arrepio.
— Alphonse... Êle vai bem?
— Hum-hum — fêz Marie levantando-se e apanhando os cinzeiros 
transbordantes. — Deixe-me limpar estes cinzeiros que já estão entulha-
dos.
Saiu para a cozinha do apartamento, e de lá, gritou:
— Helen! E a menina?
— Está com mamãe.
Marie meteu a cabeça no vão da porta.
— Aonde?
— Com mamãe, já disse — fêz Helen exasperada. — Escuta, Ma-
rie... Teu marido não disse nada a respeito da prova de hoje?
A amiga voltou da cozinha com passo calmo.
— Não... V. sabe que é proibido falar qualquer coisa que se relacio-
ne com as provas, mesmo com os parentes. Mas...
Helen ergueu os olhos, procurando a amiga por entre a névoa e a 
obscuridade.
— Mas?...
— Desta vez Alphonse comentou que tudo ia às mil maravilhas.
— Qual. V. está dizendo isso só pra me acalmar. 
Marie sacudiu a cabeça, sorrindo.
— V. me conhece bem, hein, Helen?
— Nem tanto. Quem conheço bem é teu marido. Aquele sujeito é 
mudo como um jacaré, quando se trata das experiências do exército. Eu 
sei que mesmo para o bem de Peter, êle não contaria nada. Nem a você...
Um silêncio se fêz e a tensão aumentava com o tique-taque do re-
lógio. Helen tornou a repetir os mesmos gestos: amassou o cigarro e logo 
tornou a acender outro.
— V. já ouviu o ruído de um foguete subindo, Marie?
— Já... Quando da outra prova de seu marido; eu estava aqui, lem-
bra-se?
— Sim... E o barulho, quando explode?
— Não, tenha paciência, Helen! V. não vai começar tudo de novo! 
Eu bem disse a Peter para comprar um apartamento longe do campo de 
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provas.
Helen pareceu não ouvir a resposta.
— Eles geralmente explodem poucos segundos depois do lança-
mento... O primeiro foguete a levar Peter explodiu. Até hoje não sei como 
êle conseguiu escapar com vida...
— Pois então, Helen. V. já vê que o perigo não é tão grande assim!
— Não? Pois o Alphonse não te contou que esta prova vai ser dife-
rente? Que, para economizar combustível, foram diminuídos os dispositi-
vos de segurança do piloto?
Marie olhava-a apreensiva e inquieta.
— Não. . . Teu marido nunca te contaria isso — continuou Helen na 
mesma voz incolor e cadenciada. — Êle não passa de um ... jacaré!
Marie começou a rir.
— Helen, Helen, calma... Você está ficando cada vez mais nervosa!
— Desculpe. — Olhou para o relógio de pulso: 4,57 da madrugada. 
— Conforme vai se aproximando a hora, eu começo a me descontrolar... 
Desta vez Peter. . .
Começou a chorar. Marie aproximou-se dela e, por trás da poltro-
na, envolveu-a em seus braços.
— Isso mesmo, Helen. Chore... Bastante! Com vontade!
Ela levantou-se num repelão e correu até a janela.
— Qual chore, qual nada! Adianta chorar? Adianta desabafar? V. 
lá sabe o que é ter o próprio marido enjaulado, como um animal, dentro 
de um cubículo metálico? Sentado em cima de mil litros de combustível, 
pronto pra explodir? V. lá sabe o que é isso?
Novamente o silêncio voltou à sala. Marie estava de cabeça baixa 
brincando com um fiapo de pano da poltrona.
— Mas, se nada disso adianta, Helen, por que V. continua se mar-
tirizando assim?
Helen ia responder quando o relógio começou a tocar, lenta, melo-
diosamente, as cinco horas.
Os olhos de Marie procuraram os de Helen.
Eles estavam fixos, magnetizados pela presença do campo de pro-
vas, alguns quilômetros adiante.
— Helen!
Ela fêz um gesto.
O ruído surdo começou a se fazer ouvir como trovoada longínqua. 
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Primeiro bem grave. Depois aumentou. Aumentou.
Cada vez mais alto.
Mais alto.
Mais alto!
*
Na buate “Mon Jardin” o blue era tocado suavemente.
Homens e mulheres recendendo a suor e uísque, perfume e cigar-
ro, acompanhavam num baloiçar de corpos, o lento compasso.
A boca vermelha acariciou o rosto mal barbeado.
— V. me ama, Peter?
Os dentes mordiscaram aquela orelhinha macia, a boca tateando 
os loiros fios de cabelo.
— Amo, sim, bichinha...
Os passos macios esfregavamo blue pelo chão da pista.
— E sua esposa?
— Que tem ela?
— Desconfia?... Peter deu de ombros.
— Não... Hoje é dia de provas.
— V. quer se referir aos foguetes?
— É.
Os dois rostos se colavam, a pele no vaivém da música.
— E que desculpa você deu? — A de sempre. . .
— Se ela descobre?
— Fica quieta, bichinha. . .
Um cantor negro começou a embalar os pares.
— V. me ama, Peter?
— Amo sim, bichinha. Seu marido está em casa hoje?
— Não. . . Dia de provas.. .
— Êle trabalha como técnico?
— Não. É o piloto. . .
Os dentes brancos contrastavam com a pele negra e suada do can-
tor. O piston emitiu seu último grito, como gata no cio.
— Vamos pro teu apartamento, bichinha?
— Claro, meu amor!
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A Praga Rubra
O Sargento McMillan atravessou a sala dos oficiais e jogou-se pra-
ticamente contra a porta da cantina. Do outro lado estacou procurando 
pelo Dr. Helgart.
“É evidente que o homem só pode estar por aqui” — pensou, cor-
rendo os olhos pelas mesas, e encontrando-o ao lado de seu costumeiro 
copo de uísque. Aproximou-se rapidamente.
— Dr. Helgart! Chamado urgente!
O médico levantou a cabeça lentamente, seus olhos azuis demons-
trando animosidade. — Que aconteceu, sargento?
— O Cap. Richard está se sentindo mal. O coronel mandou chamá-
lo imediatamente.
Um sorriso de desprezo transpareceu nos lábios de Helgart, antes 
que a borda do copo os tocasse, e o líquido amarelado escorresse boca 
a dentro.
— Uns bananas! — disse logo depois. 
McMillan encarou-o perplexo.
— Como?
— Uns bananas! disse eu! — respondeu o médico levantando-se e 
indo em direção à porta de saída.
— Metem-se nessas histórias todas e depois têm crises histéricas, 
chamando pelo Dr. Helgart... Bolas!
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Subiram as escadas para os apartamentos especiais do projeto F, e 
só então McMillan arriscou umas palavras.
— Mas, doutor, no lugar deles o sr. também estaria assim.
— Talvez, talvez, se fosse bastante louco para querer alcançar as 
estrelas... “Eles” inventam essas bugigangas, metem na cabeça de rapa-
zinhos esquentados a glória de conquistar a Lua, e é isso o que acontece: 
crises histéricas antes de cada experiência!
Chegaram à sala do Coronel Burn. McMillan adiantou-se para bater 
e pedir permissão para entrar, quando foi precedido por Helgart que inva-
diu o recinto, sem maiores cerimônias.
Burn levantou a cabeça, surpreso.
— Que houve, Burn?
O coronel olhou-o por um instante, hesitando entre uma admoes-
tação ou a indiferença perante aquele civil.
— O piloto Richard não está passando bem, Helgart. Quer vê-lo?
— Claro... Claro... E nem preciso de meus instrumentais. Uma chu-
petinha bastará para aquietar o bebê chorão. ..
— Dr. Helgart! Não creio que nossos rapazes devam ser tratados 
com desprezo. Muito pelo contrário, nossa obra somente poderá ser le-
vada adiante se...
— Sim, sim, coronel. Vamos ao jovem Richard...
Burn examinou-o, procurando ver sinais de alcoolismo. Não seria a 
primeira vez que êle se apresentaria bêbado.
— Pois bem. Siga-me, doutor.
*
Passaram pela Ala 5, onde foram revistados como de praxe. O assis-
tente do serviço hospitalar esperava-os na porta de um quarto.
— Doutor! O Cap. Richard passou por uma pequena crise nervosa, 
mas já está bem. Foi-lhe ministrado 2 c.c. de Suprantil-B. Ainda assim 
quer falar consigo.
— Obrigado, enfermeiro.
Helgart já ia entrar, quando a mão do coronel pousou sobre a sua, 
na maçaneta da porta.
— Dr. Helgart. .. Eu... compreendo sua situação de pai. Mas quero 
deixar bem claro que seu filho — como todos os outros rapazes, que aqui 
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estão — foi um voluntário, e a escolha, feita por sorteio. Todos tiveram 
as mesmas chances. E ainda agora existe a possibilidade de substituição! 
Qualquer um dos outros cinco pilotos está perfeitamente apto a. . .
— Obrigado, coronel. Eu não o estou culpando de nada. Nem mes-
mo culpo o governo que deu esta orientação às pesquisas de foguetes. 
Apenas... apenas o homem procura suplantar-se, antes mesmo de co-
nhecer seus limites ou capacidades. Talvez por isso meu filho tenha se 
apresentado — como os outros — para esta missão. É simples questão de 
princípios, coronel. Os meus são outros!
— Se todos os americanos pensassem como o sr., a nave partiria 
amanhã pilotada somente pelos russos.
Helgart deu um risinho.
— E o sr. pensa que eles, — também eles, note — não estão pas-
sando pela mesma situação?
Burn deu de ombros, retirando sua mão de cima da de Helgart.
*
No campo, erguido verticalmente, o gigantesco aparelho esperava. 
Um símbolo de aço apontando o negro da noite pontilhada de estrelas; 
toneladas de metal frio e indiferente, pronto para alcançar o espaço exte-
rior, ou rebentar em uma chuva de esperanças flamejantes.
O último carro-tanque era retirado do campo, e a luz de “Expressa-
mente Proibido Fumar” apagou-se, para alívio dos técnicos.
*
Helgart encarou longamente o filho.
— Então, Richard?
O capitão, estendido na cama, braço sobre os olhos, parecera não 
haver notado a entrada do médico.
— Pai... A experiência será daqui a algumas horas. Às cinco!
— Sim... Eu sei...
Um longo silêncio se fêz. O médico sentou-se numa poltrona.
— Será a primeira vez que o homem sairá para o espaço exterior. 
Perto disso os satélites artificiais tripulados serão mera piada.
— Eu sei...
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Richard tirou o braço dos olhos e encarou o pai.
— É só o que o sr. sabe dizer? Não se importa que seu filho seja um 
dos dois primeiros homens a realizar tal feito?
— Sim. Importa, Richard, mas não da mesma maneira que a V.
— Ora, papai, o sr. não vai começar agora com sentimentalísmos! 
Alguma coisa mais nobre está para ser feita. Seremos dois seres humanos 
a viajar durante horas pelo espaço sideral! Seremos...
— Serão dois homens incapazes de gerar, quando voltarem! — cor-
tou o pai. Richard abriu a boca mas, durante momentos, nenhum som 
dela saiu.
— Pai, o sr. não compreende? Não importa que eu e meu colega 
russo não possamos mais gerar — se fôr esse o caso. Milhares de outros 
homens poderão! E ainda pode se dar o caso de tal não acontecer, como 
pensam alguns cientistas. O foguete foi construído...
— Sim, eu sei. Porém o caso é outro, Richard. Eu já estou velho... eu 
gost... gostaria muito de ter meu filho, vivo, em casa; de vê-lo casar-se e 
mais tarde, talvez. .. por que não? Ter um netinho, também. Mas segundo 
a mentalidade de meu filho, não! Ah! Sou um sentimentalista, um velho 
bocó!
— Pai!
— Não sr.! É isso mesmo! Nada dito na cara, frente a frente, mas V. 
pensa de outro modo. “Objetivos mais altos...”
— Pai! Não foi para isso que eu quis vê-lo. Dentro em pouco o sr. 
terá que retirar-se... Eu queria me despedir... A mãe...
— Oh! Oh! O Homem do Espaço falou em “mãe”!
— Por favor, papai! Não piore a situação. Eu... se eu não voltar, gos-
taria de levar uma boa recordação daqui. Se voltar, terá sido meu último 
vôo. Eu já prometi.
Helgart levantou-se e falou rapidamente: — Por que você, Richard? 
V. ainda pode desistir...
— Escute, papai! — cortou Richard.
— Existem outros cinco pilotos!
— Pai!
— V. mesmo acha que pode morrer! Por que isso? Não será deson-
roso se desistir! Nós poderíamos esquecer tudo isto; eu não trabalharia 
mais para o projeto; iríamos para bem longe daqui. Eu, sua mãe, você! 
Um dia uma moça bonita viria a ser sua espôs...
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— Pai! — gritou o rapaz.
O velho médico interrompeu o que dizia, como se uma mola tivesse 
partido em seu interior. O filho estendeu a mão.
— Está tudo resolvido, pai. Agora, se não se importa, eu gostaria de 
apertar-lhe a mão. Dê um beijo na mamãe.
Helgart olhou para o filho, para sua mão; apertou-a.
— Adeus, Homem Sideral. Se V. não morrer da aventura, que não o 
afogue a glória da vitória.
E deixou o quarto, cabeceando.
*
O posto de controle havia terminado de testar. Estavatudo pronto 
para a partida.
Os fones crepitavam de informações meteorológicas, no ouvido de 
cada operador. Os computadores vibravam e as soluções de complicados 
problemas eram cuspidas de cada aparelho, em cartõezinhos. Os traduto-
res decifravam; os cálculos prontos eram remetidos para o pôsto-coman-
do; mudanças apressadas e precisas realizavam-se por dedos mágicos em 
misteriosos botões coloridos.
No campo, o foguete era cercado por um pequeno grupo de técni-
cos e guardas. A monstruosa máquina causava uma certa inquietação, se 
não medo, no espírito de cada um.
De numerosos tubos, agora silenciosos, jorraria dentro em pouco o 
mar de chamas que elevaria aquele aparelho até o espaço ou... o inferno.
A pequena agulha do cardiógrafo inscrevia na fita de papel as pul-
sações de Richard. Ao lado de sua cabeça jaziam as diversas folhas de 
informações médicas, recém-tomadas: tempo de reação, pressão artério-
venosa etc...
Agora era a espera, a longa espera dos curtos minutos.
— Nervoso, moço? — perguntou o coronel.
— Não, senhor. A propósito, já se sabe quem vai me acompanhar?
O técnico que manejava o cardiógrafo sorriu.
— V. sabe que não é permitida esta resposta, capitão — respon-
deu-lhe o coronel com uma expressão indefinível no rosto. — Mas, aqui 
entre nós, V. vai em boa companhia...
Os outros técnicos presentes riram-se com discrição. Richard 
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olhou-os rapidamente. — Que é que o sr. quer dizer, coronel? Também 
êle, abandonando sua seriedade costumeira, estourou em riso, acompa-
nhando os outros técnicos. O piloto Richard de curioso passou a irritado.
— Não vejo motivo para tanta graça. O que há, afinal ?
O oftalmologista respondeu-lhe:
— Hoje pela manhã, ao passar o visto nos exames da equipe russa, 
vi por acaso seu companheiro de prova, capitão.
— E então ?...
— É uma linha mulher!
E a risada tomou conta de todos.
— Boa viagem, capitão. Divirta-se... — disse maliciosamente o co-
ronel.
— Olhem aqui, seus patetas! Se vocês levam isto na brincadeira, 
eu não!
O riso morreu na boca de todos. O coronel perfilou-se.
— Cap. Richard! O sr. acaba de desacatar um oficial superior e não 
fora o adiantado da hora, seria substituído imediatamente. No entanto, 
considere-se detido sob palavra, ao regressar!
O ambiente esfriou. Richard, impedido de levantar-se pelos fios 
que o ligavam ao aparelho, anuiu com a cabeça.
O alto-falante começou a chamar:
“Todos a postos! Atenção! Todos a postos!”
O grupo saiu silenciosamente do quarto, em direção ao campo de 
lançamento.
*
O rádio, na espaço-nave, chamava insistentemente:
“Cap. Richard! Dra. Olga! Cap. Richard! Atenção XR-1!”
As palavras foram penetrando lentamente no cérebro de Richard, 
por entre a névoa que lhe embriagava os sentidos. Sua vontade era ape-
nas a de virar-se para o lado, dormir e apagar aquela voz incômoda.
“Atenção XR-1! Responda à base! Cap. Richard! Dra. Olga!”
Uma voz feminina, junto a si, começou a falar:
— XR-1 respondendo à base. XR-1 respondendo à base.
“Pode falar, XR-1”.
— Tudo em ordem. O capitão Richard parece ainda um pouco ator-
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doado. Verificarei e volto a falar em seguida.
“Atenção XR-1. Siga as instruções H, se o Cap. Richard não voltar a 
si. Prossiga.”
— XR-1, entendido. Sigo instruções.
Fêz-se um silêncio metálico dentro do aparelho. Richard continua-
va sonolentamente acordado; sentia uma fadiga leve, leve, tão leve que 
parecia flutuar no espaço. . . “ESPAÇO!” Como um relâmpago, a palavra 
coruscou em sua mente. Êle estava no espaço! Num último esforço, abriu 
os olhos. Inicialmente não conseguiu entender a cena. Deveria estar no 
espaço; voando em direção às estrelas. Mas o que via era dois grandes 
olhos verdes, um rosto de mulher curvado sobre o seu. Fêz um gesto com 
a mão e o rosto se abriu num bonito sorriso.
— Sente-se bem, Cap. Richard?
Êle passou a mão pela face, pelo pescoço, por dentro da gola do 
uniforme acolchoado, e só então respondeu:
— Ainda estou meio zonzo... A senhora está bem? 
Ela sorriu de novo e voltou para sua poltrona.
— Eu também estou um pouco atordoada; mas já está passando. A 
base mandou seguir a instrução H. Acha necessário?
O jovem fêz um esforço de memória. Usualmente saberia as instru-
ções de cor. Mas, agora, tentava inutilmente localizar-se. “Instrução H. . . 
Deve ser.. .” e pensava com toda força sem conseguir relacionar nada com 
aquela letra.
— Acho que vai ser preciso, sim Dra. Olga. Ontem tive que tomar 
uma dose de. .. calmante, estou ainda meio grogue.
Ela olhou-o simpàticamente.
— Eu sei, quando se aproxima a hora de qualquer experiência, a 
gente se descontrola.
Enquanto falava, abriu um compartimento e retirou uma caixa de 
remédios.
— Um dos nossos — continuou — que foi sorteado em primeiro 
lugar, teve que ser substituído por mim. Ficou um trapo, quando soube 
que seria lançado hoje. Esta injeção lhe fará bem, Richard. Perdão, Capi-
tão Richard.
— Ora... — sorriu o rapaz. — Pode me chamar de Ric. É meu apeli-
do. Em troca, eu a chamarei pelo nome.
Ela olhou-o divertida, e tomando-lhe a mão, injetou-lhe a droga.
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— Na mão!? — perguntou êle, entre escandalizado e dolorido.
— É o local mais propício para ganhar tempo. Levaríamos minutos 
até desembaraçar seu braço do uniforme.
Durante todo o tempo só se ouvia um ruído dentro da cabina: uma 
vibração, um tremor metálico pairando no ambiente, parecendo mistu-
rar-se com o cheiro de tinta nova, vindo do aparelho de ar.
“Base chamando XR-1. Responda.”
— XR-1 para base. Instrução H, seguida. Tudo OK. Ambos ocupan-
tes em perfeito estado. Prossiga.
“Base para XR-1. Congratulações. A primeira parte da prova foi exe-
cutada com pleno êxito. Dentro de quatro minutos continuaremos o pla-
no A. Adiante.”
— XR-1. Compreendido. Voltaremos ao ar em quatro minutos.
Richard começou a rir. A doutora desligou o aparelho e olhou-o 
curiosa.
— É engraçado a gente falar em “ar” aqui em cima... — explicou 
Richard. Começou a movimentar-se em sua poltrona pneumática e, para 
espanto seu, continuou a sentir que havia gravitação.
— Olga!? Não deveríamos estar sentindo ausência de gravidade?
— Não, Ric. Lembre-se que estamos provando a cabina estratoscó-
pica, especialmente projetada para ter sua própria gravitação.
— Puxa! Onde é que estou com a cabeça? Também, depois de voar 
num daqueles primitivos satélites, isto aqui parece trem de luxo!
Olhou-a por um instante. Não era bonita, mas.. . havia uma certa 
graça naqueles olhos verdes, naquela boca sensual.
— Temos somente quinze segundos, Ric. ..
De fato, toda uma relação de funcionamento dos aparelhos regis-
tradores teria que ser feita por meio do rádio, para comprovações com 
as transmitidas automaticamente para terra. As anotações seriam feitas 
alternadamente pelos dois pilotos. Na realidade, os russos haviam trei-
nado muito bem seus técnicos, pois Olga movimentava-se por entre os 
aparelhos com grande perícia.
“Base chamando XR-1. Prossiga plano A conforme previsto. Adian-
te.”
Durante vinte e cinco minutos houve uma azáfama dentro da ca-
bina, enquanto os dois ocupantes anotavam, corrigiam e transmitiam as 
mais diversas informações. Depois disto haveria três horas de descanso. O 
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foguete teria que fazer um arco sobre a órbita do planeta, aproximando-
se da Lua durante curto espaço de tempo e depois retornar à Terra. Au-
tomaticamente os aparelhos fotografariam a Lua, mas abrir-se-iam ogivas 
laterais para que os ocupantes observassem o céu ali de cima (e ficassem 
expostos, durante momentos, aos raios cósmicos, segundo os cientistas). 
Os dois pilotos traziam roupas especiais para poder sair do aparelho, mas 
isto não constava do plano A. Apenas em casos anormais passar-se-ia 
para outro plano e então, talvez. . . Mas isto, apenas como hipótese.
*
O copo esvaziou-se até a últimagota. O gelo bateu de encontro aos 
dentes de Helgart, provocando uma dorzinha aguda.
— Canalhas! Esses dentistas são todos uns trapaceiros !!!
O garçom olhou-o cinicamente.
— Mas, doutor! O sr. a falar assim de colegas!. . .
— Qual colegas, qual o quê! Trapaceiros, isso é o que são! Estas 
obturações me custaram 295 dólares, e ainda sinto dor de dente toda vez 
que bebo gelados. São uns embrulhões do inferno.
— Repete a dose, doutor?
— Claro...
A porta da cantina se abriu deixando passar o Coronel Burn que 
seguiu direto até a mesa de Helgart.
— Doutor. . . Está quase na hora.
Helgart olhou-o através do copo. A face do coronel deformava-se, 
ficava balofa e cômica. O médico riu.
— O último comunicado. . . Depois vocês perdem o contato e só 
amanhã é que os ouviremos de novo. .. Bela ratoeira vocês projetaram!
— O sr. ainda não se convenceu de que a experiência se coroará 
de pleno êxito? Não houve a menor falha. A menor! Tudo está cem por 
cento, e o sr. ainda nesta atitude negativista?
Helgart cocou o queixo desajeitadamente.
— Cem por cento. . . — falou com desprezo. — Por acaso V. sabe 
o que uma mulher e um homem podem sofrer lá em cima? V. ainda não 
viu aqueles animaizinhos que voltaram dos testes... Viu? Quando sairmos 
daqui, eu vou mostrá-los a você.
— O sr. é incompreensível. É uma personagem em nossos meios 
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científicos, e no entanto descrê de nossa ciência e de nossa técnica. O 
sr. sabe muito bem que o material empregado na confecção da cabina é 
refratário à maioria dos raios cósmicos.
— Bah! E os micrometeoritos ? Lembra-se dos foguetes que desce-
ram semidestruídos, dos animais de prova que explodiram no espaço ex-
terior quando suas pequenas cabinas foram rompidas por aquelas chuvas 
de pedras? Lembra-se dos...
— Foram apenas duas vezes! E desta vez nossos aparelhos não de-
tectaram nenhuma nuvem como aquelas, próximas ou longínquas. Talvez 
aquelas duas vezes não tivessem sido senão exceções.
— Hmmm! — murmurou pensativo, o médico. — É de exceções 
que o Homem morre...
“Filosofia de bêbado” — rebateu-lhe, em pensamento, o coronel.
— Bem, se o sr. quiser, tem livre acesso à torre de controle. Dentro 
em pouco seu filho entrará em contato conosco pelo espaço de uma hora. 
Depois disso...
— Quem saberá quando, não é?
O Coronel Burn olhou-o reprovadoramente e, sem dizer nada, vi-
rou nos calcanhares e saiu da sala. O garçom afastou-se constrangido e, 
pegando um copo, começou a lavá-lo. Depois notou bem o que estava 
fazendo e interrompeu-se.
“Bolas! Todos os copos já foram lavados! Estou ficando nervoso” — 
comentou consigo mesmo.
*
“Base para XR-1. Tudo compreendido. Confira apenas o medidor de 
combustível.”
— XR-1 para base. Repetindo... Por favor, dra., quer fazer a leitura?
— 23:45. Pressão 356.
— Atenção, base: escutado? 
Um curto silêncio.
“Base para XR-1. A informação confere com a anterior. Nossos ins-
trumentos, no entanto, diferem completamente. Sugerimos instruções 
12 e 15. Adiante.”
Imediatamente Olga passou a agir. Foram feitas novas ligações de 
emergência, recolocadas chaves em outras posições, apelou-se para o 
22
medidor de amplitude. Richard fêz a nova leitura.
— Atenção, base. Nova leitura segundo instruções: 23:45. Pressão 
355. A diferença pode estar inerente ao próprio medidor.
“Base para XR-1. OK. Nós vamos...”
O operador parou de falar. Durante um segundo. Três. Cinco. Ric 
olhou interrogativamente para Olga. Já ia levando a mão para ligar o 
transmissor, quando o alto-falante tornou a vibrar.
“...Atenção XR-1. Atenção XR-1! O equilibrador concêntrico está 
com sete graus de desvio. A marcação do acelerômetro indica súbita que-
da. Instrumentos 9, 17 e 32 com acentuada deflexão. Algo está ocorrendo 
anormalmente no aparelho. Confiram. Rápido!”
Olga e Richard olharam espantados para os instrumentos à sua 
frente. Os ponteiros indicavam exatamente o que haviam constatado 
meia hora antes. Nada havia de anormal.
Ric ligou o transmissor.
— XR-1 para base. Não existe nada de anormal em nossos instru-
mentos. Todas as informações estão idênticas às fornecidas momentos 
atrás. Prossiga.
“Impossível! Atenção XR-1! Atenção! As informações continuam a 
se modificar! Verifique se os motores estão em funcionamento!”
Olga abriu a boca num total espanto.
— Os motores funcionando?! Mas só voltarão a funcionar dentro 
de vinte e sete horas!!!
— Eles estão loucos! — falou Richard, abismado. E passou a olhar 
atentamente os controles dos motores.
— XR-1 para base. Insistimos em que tudo está em ordem! Nada de 
anormal! Motores desligados. Peço instruções. O que está acontecendo?
“Base chamando: siga instruções K-1.” 
Ric encarou Olga.
— Os transmissores, Ric. Devem estar fornecendo informações er-
radas.
O capitão puxou rapidamente três botões de segurança, e abriu o 
painel dos transmissores. Tudo parecia em ordem. Apenas um fio... sim! 
Um fio estava completamente vermelho, incandescente!
— Olga, avise a base que a saída de antena do transmissor-mestre 
está ficando vermelha de aquecimento.
Enquanto as instruções vinham, as informações do aparelho eram 
23
dadas pela doutora, e Ric dançava loucamente entre os aparelhos, um 
suor gelado brotou em sua testa a correr em gotas lentas.
“Tudo ia tão bem... Até sua companheira de viagem era uma mu-
lher bonita e interessante! As horas monótonas do descanso tinham-se 
tornado em agradáveis momentos. E agora esta!” A voz de seu pai voltou-
lhe aos ouvidos; “Pipocas! Afinal das contas alguém teria que vir no apa-
relho. E tanto faria morrer aqui em cima, como lá embaixo. Mas quem 
estava pensando em morrer? Por que morr. . . “
— Richard ! Richard!
Êle olhou a doutora, espantado. Olga estava gritando.
— Que foi que houve?
— Puxa! O que houve, pergunto eu! Estou gritando seu nome e V. 
não responde! A base disse que deve ter havido uma grave avaria na an-
tena externa e que, se quisermos arriscar uma saída.. . por nossa conta. . .
Richard parou, pensando. A imagem do pai se confundindo com a 
de Olga que o olhava agora.
— Se V. concordar, Ric, eu saio. Voluntariamente...
— Não!. .. Não estou hesitando em sair. Apenas estava pensando 
em meu pai.
Olga franziu a testa, aquela testa alta e morena.
— Se há alguma coisa, Ric, não fique embaraçado. Não há nada que 
me ligue à vida. Eu me arrisco...
— Não, Olga. Eu vou. Eu quero ir!
Ela ainda olhou-o por uma fração de segundo, e depois voltou-se 
para o microfone.
— XR-1 para base. O Cap. Richard insiste em sair voluntariamente 
para examinar as antenas. Continuo a postos. Adiante.
“Base para XR-1. Desligue transmissores, siga fielmente as instru-
ções para saída em vôo e... boa sorte, capitão!”
Ric já estava com o uniforme vestido. Olga ajudou-o a colocar os 
tanques de oxigênio, os sapatos imantados que o segurariam de encontro 
à estrutura metálica, e ergueu o capacete de fiberglass. Antes de colocá-
lo em Richard, falou:
— Escute, Ric. Se existe alguma coisa, — e eu sinto que existe! — 
que o impeça de sair, arriscar-se, fale. V. não deve tentar suplantar isso 
por... orgulho ou vaidade. Já disse que nada me liga à Terra. Conheço per-
feitamente as instruções e. . .
24
Êle colocou suas mãos, agora enormes por causa das luvas do traje 
espacial, no rosto de Olga. Olhou-a longamente e beijou-a.
Ela ficou espantada.
— Doutora Olga, a sra. é a cientista mais simpática que já conheci. 
Quer sair comigo, quando voltarmos?
Olga riu-se, abanando a cabeça.
— Vocês americanos são todos loucos. . .
Beijou-o rapidamente e colocou-lhe o capacete transparente. Ric 
movimentou-se lenta e pesadamente para a câmara de saída. A porta 
fechou-se herm eticamente e Olga escutou um sibilo agudo do ar esca-
pando pelas válvulas.
Depois tudo ficou gelado de silêncio.
*
Na salade controle ouvia-se apenas o murmúrio da respiração 
opressa dos técnicos e os passos nervosos do Coronel Burn que andava 
de um, lado para outro, por entre os aparelhos. 
O alto-falante de comunicação com a nave estava emitindo apenas 
a estática da atmosfera. Helgart, sentado junto ao técnico de transmis-
sões, insistiu mais uma vez:
— Por favor, tenente. Chame-os de novo. Pode ter acontecido al-
guma coisa. Faz mais de quinze minutos que eles silenciaram! Dentro em 
pouco não os ouviremos mais. . .
O tenente olhou inquisitivamente para o coronel que observava a 
cena. Burn assentiu com a cabeça.
— Base chamando XR-1. Base chamando XR-1. Base chamando XR-
1. Responda, XR-1. Responda.
O transmissor foi desligado e olhos ansiosos fixaram-se no alto-fa-
lante. A crepitação continuou, porém nenhuma voz se fêz ouvir.
Helgart voltou-se rapidamente para o coronel.
— O que estará acontecendo?
O técnico de rádio respondeu por êle.
— Não sei, coronel, mas todas as transmissões automáticas do fo-
guete ainda funcionam, mais ou menos. Estão ainda em nossa faixa de 
recepção. Talvez estejam ajustando a antena interna... Isso leva tempo, 
o sr. sabe...
25
Os lábios do coronel se apertaram num lívido e fino traço.
Um soldado entrou trazendo uma bandeja de café.
A equipe voltou-se um instante para ver quem entrara, e novamen-
te seus olhos se fixaram nos aparelhos que transmitiam agora caóticas 
mensagens.
— Alguém quer café? — perguntou o soldado.
Ninguém lhe respondeu, a atenção magnetizada pelos ponteiros 
vivos, mas que poderiam, de um momento para outro, morrer. O soldado 
já ia saindo quando Helgart disse:
— Veja se serve café para o pessoal, moço. Todos estão cansados.
O soldado hesitou diante da ordem daquele civil.
— V. não ouviu o que o Dr. Helgart disse? — falou Burn rispidamen-
te.
No mesmo instante as xícaras começaram a ser servidas. Então o 
crepitar do alto-falante sumiu e uma voz clara, embora fraca, fêz-se ouvir 
nítida.
*
Olga chorava disfarçadamente, quando Richard ligou a chave de 
transmissão e começou a falar:
— XR-1 chamando base. XR-1 chamando base — Sua voz tremia 
um pouco. — XR-1 chamando base. Atenção: emergência!
“Base na escuta; prossiga, XR-1!”
— XR-1 em emergência! A antena do medidor tanque está comple-
tamente destruída! As outras estão sendo progressivamente desmantela-
das. Estamos transmitindo com antena interna. Siga.
“Base voltando. Não compreendemos a mensagem. Por que as an-
tenas estão destruídas? Estão atravessando uma nuvem de meteoros? 
Explique a mensagem, Cap. Richard!” — A voz nervosa do operador, lá na 
terra, sumiu.
Ric olhou para Olga. Ela já havia parado de chorar e seus verdes 
olhos brilhavam como estrelas. A doutora tomou o microfone das mãos 
de Richard e tornou a transmitir.
— XR-1 para base. Atenção! O Cap. Ricard, ao sair da nave, encon-
trou espalhado por toda a estrutura um elemento totalmente desconhe-
cido. Uma espécie de ferrugem animal que está colada a todo aparelho. 
26
Da antena do medidor tanque, resta apenas um pedaço. As outras estão 
presas por um fio. Todo revestimento do foguete está sendo carcomido 
lentamente. Praticamente comido! Prossiga!
A voz do operador da base voltou num grito de escândalo.
“Base para XR-1. Pegamos a mensagem. Seria interessante apelar 
para instruções H-VO! O capitão parece estar sofrendo de alucinações...”
— Não, base! O capitão está perfeitamente bem. Quando entrou, 
sua roupa vinha coberta dessa... desse elemento vermelho que estava, 
inclusive, corroendo o traje espacial! Ao sofrer a pressão aqui de dentro, 
foram esmagados e reuniram-se em grumos... como leite talhado. Pros-
sigam.
Richard, cabisbaixo, levantou o rosto e olhou para Olga.
— Isto não existe, Olga. Isto não existe! Animaizinhos que comem 
metal, em pleno espaço exterior! Isto é impossível. É um pesadelo, Olga!
— Um pesadelo real, Ric. Estamos sendo comidos por esses mo-
ranguinhos do espaço, por mais ridícula que a idéia possa parecer. Seria 
cômico, se não fosse terrivelmente verdadeiro. V. viu com seus próprios 
olhos o estado em que está a estrutura. E viu o que aconteceria com V., se 
eles conseguissem penetrar um pouco mais no seu uniforme...
— Eu estouraria como um balão de gás... E a nave... apresenta ver-
dadeiras crateras em toda superfície. Quando atingirem um certo ponto, 
explodiremos no espaço! Desapareceremos em mil pedaços!
Êle levantou-se e andou pela exígua cabina. Olga tomou-o pelos 
ombros e encarou-o gravemente.
— V. compreende o que isto significa, Ric? Que o homem não po-
derá abandonar seu planeta até que consiga vencer esta praga rubra! Es-
tamos presos, encarcerados em nosso planeta!
Ric olhou-a irritado.
— O Homem? diz você?! Ao inferno com os homens! Nós é que 
estamos aqui, enjaulados. Eu e você! E vamos morrer, tão certo quanto 
dois e dois são quatro! Não podemos ter a mínima esperança de salvação! 
E logo agora...
Olga não compreendeu.
— Por que “agora”? Que diferença faz?
— Porque eu conheci alguma coisa mais, do que a experiência de 
viajar pelo espaço, quando aqui entrei. Essas doze horas que passamos 
juntos tiveram um interesse mais que científico, para mim.
27
— Ric! V. está querendo dizer que. . . 
— Isso mesmo; que eu te a. . . 
O alto-falante gritou numa voz desesperada: “Atenção XR-1. Aten-
ção XR-1. Responda!” 
Os dois se olharam demoradamente, e riram. Ric ligou o transmis-
sor.
— Prossiga, base. XR-1 na escuta.
“Muita atenção, XR-1. Dentro de três minutos não será mais pos-
sível escutá-los. Não poderemos repetir a mensagem. Segundo nossos 
cálculos, se essa... praga rubra, existe mesmo... e se a destruição do me-
tal continuar em ritmo uniforme, o foguete não agüentará mais de duas 
horas... êle... êle explodirá... Suas esperanças estão em que esses ele-
mentos abandonem o foguete, antes disso. Caso contrário, o cálculo dos 
computadores é inflexível; mais uns... 112 minutos a contar de agora, e o 
fogu..............” — e a voz parou.
Olga e Richard esperaram um espaço de tempo.
Nada.
— Atenção base! XR-1 chamando! A transmissão foi interrompida! 
Respondam!
Silêncio.
Ric voltou-se lentamente para a companheira.
— Ultrapassamos a faixa. Agora... estamos sós aqui, somente nós 
dois para lutar contra ess. . .
E parou de falar, olhando fixamente para trás da cabeça de Olga.
Ela voltou-se e viu. No ponto em que se abririam as ogivas de ob-
servação, a praga rubra havia destruído toda uma parte do metal e alcan-
çado a lâmina de fiberglass. Eles viam os pedacinhos do material do apa-
relho irem se desintegrando aos poucos, se esfarelando e deixando ver, 
através da janela, a negra noite com uma miríade de estrelas palpitantes.
— Já destruíram a parte menos resistente, Olga... Ela olhou-o lon-
gamente.
Cento e doze minutos. .. Mais ou menos.
Foram cento e doze no momento em que os computadores forne-
ceram o cálculo. Os olhos de ambos procuraram avidamente o relógio no 
painel de instrumentos.
Noventa e oito minutos.
No vidro muito resistente, aqueles animaizinhos vermelhos conti-
28
nuavam seu trabalho lento e destruidor, como se o fiberglass fosse um 
naco de manteiga.
Olga e Richard se encontraram no olhar desesperado.
As duas bocas se colaram. Um longo amor de noventa e oito mi-
nutos.
Mais ou menos.
29
A Partida
Atenção, Monroe! Atenção, Monroe! Fala o comandante da nave. 
Responda imediatamente! É uma ordem!
Os tripulantes se amontoavam na porta da cabina de rádio da es-
paçonave Victory. Ao lado do microfone, a testa transpirando, o blusão 
do uniforme de bordo manchado de suor, estava o comandante Delbout.
O olhar de todos fixava-se na pequena tela luminosa de televisão 
que reproduzia uma desolada paisagem lunar, e um ponto negro que se 
movimentava lenta e tortuosamente.O rádio de comunicação com tripulantes fora da astronave conti-
nuava mudo.
— Monroe! Aqui fala o comandante Delbout! Responda ao menos 
para sabermos se nos ouve!
A voz, então, surgiu límpida no alto-falante:
“Estou ouvindo sim, comandante.”
Houve uma súbita mudança na atitude dos presentes. Delbout 
agarrou firmemente o microfone com ambas as mãos, a esperança es-
tampada no rosto.
— Ouça, Monroe: nós teremos de partir dentro de doze minutos. 
Nós teremos que decolar agora ou nunca, para nosso planeta. Se V. não 
voltar para a espaçonave ficará na Lua. Sozinho. E morrerá em poucas 
horas. Volte, e nós esqueceremos o incidente.
30
A resposta não veio.
O operador de rádio, ao lado de Delbout, comentou:
— Mas que cabeça dura!
— Êle está bêbado... — falou uma voz, e o comandante voltou-se.
— Quem disse isto?
A equipagem baixou a cabeça.
— Alguém falou que êle havia bebido. Quem foi? 
— Fui eu, senhor.
O Ruivo adiantou-se, testa enrugada, rosto sério.
— Monroe trouxe uma garrafa de bebida que escondia em sua cai-
xa de medicamentos... Ontem eu o surpreendi bebendo. . . Ameacei-o de 
denúncia... êle prometeu que não mais beberia.
O comandante Delbout olhou-o longamente:
— Quer dizer que a briga com o Chefe de Saídas no Espaço, a pró-
pria saída em si, foram provocadas por embriaguez. . .
Voltou-se novamente para o microfone. Na tela iluminada, o ponto 
negro diminuira ainda mais.
— Monroe! Nós sabemos que V. está ébrio. Não continue sua lou-
cura! Volte! Nós o perdoaremos. . . V. tem sete minutos e meio. Mais que 
suficiente, se se apressar. Volte, Monroe! Ou o deixaremos aí!
O alto-falante de comunicações vibrou numa gargalhada.
“Não peço outra coisa, comandante... Mas não estou bêbado. Vou 
ficar por aqui mesmo, quer queiram, quer não. Adeus.” 
— Monroe! — insistiu o comandante. — Diga ao menos o que há. 
V. sempre foi um ótimo tripulante. . . Diga o que houve!
A equipagem esperava ansiosa, na porta. Delbout falou rispida-
mente:
— A seus postos! Preparem-se para a partida!
Os homens afastaram-se num átimo.
“Comandante”, disse a voz de Monroe, subitamente enfraquecida, 
ao longe. “Eu vou ficar, e ninguém tem nada com isso. Talvez, se o sr. 
tivesse conversado com o clínico geral do serviço hospitalar, antes da par-
tida, talvez compreendesse meu gesto. . . uma forma mais nobre de se 
morrer. Mas não impor............” a voz sumiu. “............que vem ao caso é 
que as baterias de aquecimento e rádio já estão se consumindo em curto-
circuito. Fui eu que as liguei assim. Logo mais o frio chegará e ..........” — a 
voz tornou a sumir.
31
— Preparar para contagem zero! — gritou o comandante através 
do intercomunicador interno. Sentou-se na poltrona espacial, ao lado do 
operador de rádio, e olhou a mosca humana que se perdia nas vastidões 
geladas do satélite.
— Atenção, Monroe: ainda me ouve? 
“......uito baixo. .. “
— Nós vamos partir dentro de um minuto! V. vai ficar. Não espere 
morrer gelado. . . será horrível! Talvez bem mais horrível que o motivo 
que o levou a fazer isto. . . Desligue a mangueira de abastecimento de 
oxigênio. Ou abra a máscara frontal! Será mais rápido! Adeus, Monroe!
“ ........o abençoe, comandante! Até algum....”
Delbout, dedos erispados no microfone, comutou outra vez para o 
circuito interno de rádio. Seus dentes se apertavam rigidamente; a face, 
pálida; os lábios, violáceos.
— Atenção, tripulantes! Partiremos sem um dos nossos. Aqui fica 
êle, marco humano da primeira espaçonave a pousar na Lua. Seu nome 
não ficará es. . .
O operador de rádio bateu-lhe frenèticamente no braço, apontan-
do-lhe o cronômetro.
— Atenção: contagem zero! Deus proteja nosso irmão! Cinco! 
quatro! Três!
O operador de rádio fechou os olhos esperando a arrancada inicial 
do foguete. Em seu cérebro tumultuavam idéias loucas, imagens fantásti-
cas do rosto do comandante Delbout Monroe chamando a seu filho atra-
vés das ondas de rádio, dedos invisíveis que tateavam o vácuo gelado do 
satélite morto, buscando uma vida.
— Zero!
*
A alimentação de oxigênio foi cortada por uma mão.
O homem de estranhas vestes sentou-se solitariamente naquela 
planura sem fim. Olhou extasiado o longo foguete, um quilômetro adian-
te.
Súbito, labaredas tingiram a monocromática paisagem, e o enge-
nho começou a se elevar lentamente do solo.
O homem solitário sorriu por dentro de seu capacete transparente.
32
A mão enluvada tornou a se erguer e dirigiu-se para a campânula, 
como se êle estivesse a chorar e quisesse enxugar as lágrimas. Ao invés, 
ela foi desatarraxando os fixadores do capacete.
Do lado de fora, o vácuo gelado esperava pacientemente.
33
A Espera
Kim afastou-se da astronave, seguramente uns oitocentos metros, 
antes que achasse o lugar suficientemente seguro.
De início, caminhara com uma certa dificuldade pois os acidentes 
da superfície lunar faziam-no tropeçar a todo instante.
Encontrou, por fim, uma elevação que julgou adequada para o tra-
balho que teria de executar.
Ligou o minúsculo transmissor que pendia de seu cinturão e falou:
— Atenção, astronave Aurora. Atenção, Aurora. KP-2, chamando.
Desligou a chave e ouviu a resposta: 
“Falando astronave Aurora para KP-2; o microfone passará para as 
mãos do comandante Delbout. Adiante.”
— KP-2 na escuta. Pode falar, sr. comandante.
Kim olhou para cima, através da campânula de plexiglass, para o 
planeta Terra que se movimentava como um gigantesco satélite em torno 
da Lua.
“Atenção 2.° piloto, Kim Gordon. Fala o comandante Delbout. Tal 
como ficou estipulado no plano RS-12, levantaremos vôo dentro de quin-
ze minutos para fazer uma inspeção no outro lado da Lua. V. ficará duran-
te noventa e oito minutos, absolutamente só nesta paisagem. . .”
Houve um silêncio um pouco incômodo, enquanto Kim perguntava-
se o que estaria acontecendo, desde que continuava a ouvir ruídos na 
34
cabina de transmissão do foguete.
“Kim... Se V. terminar seus testes antes de decorrido o prazo, eu 
queria lhe pedir um favor. Fora das instruções, Kim. . . Você está me 
ouvindo?”
— Certo, comandante. Estou ouvindo perfeitamente — respondeu 
Kim, cansado da posição forçada em que ficara. Resolveu sentar-se numa 
pequena rocha.
“Pois bem, Kim: a primeira vez que o homem pousou na Lua com a 
espaçonave Victory, eu também era comandante...”
Houve mais uma pausa. Kim sabia de tudo que acontecera, do des-
gosto do comandante Delbout com a morte de seu filho, naquele satélite. 
O pobre rapaz sofria de. . .
“E meu filho aqui ficou, Kim. Morreu nesta planície, sozinho. Se V. 
terminar seus testes antes da hora de voltarmos para pegá-lo, você. . . 
aceitaria dar uma pequena busca? Não será necessário afastar-se muito. 
Da outra vez descemos por aqui mesmo. .
— Kim falando: certo, comandante. Cumprirei as ordens.
A voz de Delbout voltou rápida:
“Não é uma ordem, piloto Kim; estou apenas pedindo um obsé-
quio. V. tem todo o direito de não aceitar!”
Kim sorriu complacente. A quase um quilômetro de distância o fo-
guete, que os trouxera da Terra até este desolado satélite, delineava-se 
nítido contra o fundo cinza das montanhas agrestes.
— Aceito, comandante. Com o maior prazer.
“Obrigado, Kim. Não se afaste muito desta posição. Exatamente, 
em nosso relógio de bordo, hora: 76, 31. Dentro de nove minutos, deco-
laremos. Exatamente às 78,18 estaremos pousando neste local. Alguma 
instrução?”
— Uma informação, comandante: por quanto tempo terei oxigênio 
e calefação?
Houve ainda outra longa pausa.
“Devem estar consultando o técnico Raymonds”, pensou Kim inspi-
rando profundamente e sentindo a saborosa mistura de ar que lhe pene-
trava os pulmões.
“Atenção, KP-2: você tem oxigênio para três horas e um quarto. 
As baterias, sem utilização do transmissor, durarão mais cinco horas. Étudo?”
35
— É tudo, comandante. E. . . boa viagem — gracejou.
“Obrigado, Kim. Boa sorte.”
A campânula, de súbito, encheu-se de silêncio. Kim estava prepa-
rado para suportar as mais diversas condições durante uma viagem pelo 
espaço. Inclusive a sensação de estar abandonado a si mesmo, dependen-
te de minúsculos fios elétricos que lhe proporcionavam calor, e tubos de 
borracha que lhe traziam a força vital do oxigênio.
Mas este silêncio, este desolamento total, este sentimento de ser o 
único homem vivo sobre todo um mundo. . . Isto, laboratório nenhum na 
Terra poderia proporcionar a ninguém.
Kim notou as primeiras chamas surgirem da cola do foguete e este 
ir-se alçando graciosamente no espaço.
Voltou-lhe as costas. Aquela sensação de ver seus companheiros 
partindo dava-lhe uma angústia aterrorizante.
Sorriu para si mesmo.
Abaixou-se, apanhou a caixa de instrumentos e começou a execu-
tar o plano RS-12. Armou o tripé da câmara gravitométrica, colocou o 
filme especial no aparelho, e começou a fotografar o espectro magnético 
do planeta terra.
*
Hora 77,12: todas as fotos haviam sido tiradas. Segunda parte do 
plano: colheita de pequenas amostras de pedras da região.
Kim terminou de encher a bolsa de plástico que havia trazido. Fe-
chou-a e olhou o relógio de pulso: 77,41.
“Falta pouco menos de uma hora, e ainda tenho que completar 
mais três partes”, pensou, e apressou-se em dar continuação ao plano.
Hora: 77,59. Kim cantarolava baixinho. Notara que o fato de cantar 
ou falar diminuía a sensação de solidão.
“Pois se o comandante soubesse da doença do filho, não tentaria 
chamá-lo de volta ao aparelho”, — pensou — “e eu faria o mesmo! Antes 
morrer aqui, que numa cama, bêstamente!”
Olhou o relógio: 78,17.
Voltou o olhar para o céu buscando, entre as coruscantes lágrimas 
da Via Látea, uma, cuja tonalidade fosse esverdeada: seriam os foguetes 
da astronave que estaria de volta. Virou sobre si mesmo com a cabeça 
36
erguida, mas nada viu senão o gélido brilho dos olhos estelares.
Tornou a olhar o relógio. “Eles já deviam estar voltando”, — matu-
tou vagamente inquieto.
Então lembrou-se do pedido de seu comandante. Acabou de fechar 
os aparelhos dentro da caixa, colocou-a no ponto mais alto da rocha para 
servir como referência, e marcando uma direção, começou a andar pes-
quisando à sua volta.
Êle batia as mãos enluvadas, compassadamente, uma contra a ou-
tra. Pela centésima vez olhou seu relógio: 78,21.
“Mas eles disseram que estariam aqui exatamente às 78,18! Que 
terá acontecido?”
Experimentou ligar o receptor portátil a ver se ouvia algum chama-
do da espaçonave.
Silêncio absoluto. Com a ausência de atmosfera não se ouvia nem 
a estática comum aos aparelhos de recepção na Terra. E este vazio total 
era ameaçador!
Kim levantou-se e recomeçou a pesquisar o terreno em volta de 
si. Havia avançado em todas as direções numa distância de 500 metros, 
sem nada encontrar. Aumentaria o raio da pesquisa, agora: andaria um 
quilômetro.
Hora: 78,25. O relógio parecia não se mover! Dentro do pesado 
traje espacial, Kim começou a transpirar. Não era calor; êle o sabia. Era 
medo!
Voltou vagarosamente até perto da caixa de instrumentos. O pen-
samento de que, afastando-se mil metros daquele ponto, poderia colo-
car-se bem no local de aterragem do foguete, passou-lhe rapidamente 
pelo cérebro. Deu de ombros.
Consultou o relógio: 78,26.
O tempo parecia escorrer como uma lêsma gosmenta, dos pontei-
ros do relógio.
Êle começou a cantar de novo. Cantou: “Over the rainbow”. Can-
tou: “La cumparsita”. Cantou: “Ich liebe dich”.
Esgotou o repertório internacional numa voz trêmula, com a respi-
ração estertorosa, os olhos pregados no firmamento imóvel e indiferente, 
os pés colados ao chão gretado daquele maldito satélite morto.
Morto!
A palavra, agora, — e somente agora, em trinta e três anos de vida! 
37
— criou um significado novo, realmente lúgubre!
Seus lábios balbuciaram palavras ininteligíveis.
Olhou novamente a máquina do tempo: 78,27!
— Impossível! — gritou.
Ficou hipnòticamente a acompanhar o ponteiro de minutos; mo-
via-se. Não estava parado, não.
Chutou uma pedra, logo à sua frente, soltando uma imprecação. 
Mordeu os lábios, até senti-los doer.
Levantou-se olhando cuidadosamente em sua volta. Procurou um 
sinal dos companheiros, um sinal da astronave.
O deserto era completo.
— 78,29 — contou-lhe ironicamente o relógio, e seus olhos se ma-
rejaram de água.
Êle não rezava desde há muito. Ajoelhou-se.
Procurou na memória aquelas palavras-chave que o fariam respirar 
a paz e a resignação. Que já lhe haviam trazido, outrora, calma para o es-
pírito. Fora em sua cidade natal, dentro de um ambiente silencioso e frio.
Este local lhe lembrava aquele: um templo de maiores proporções, 
igualmente frio e silencioso. Mais que o outro, na verdade.
— Meu Deus...
Seus olhos derramavam estrelas líquidas, beijos de sal que penetra-
vam em sua boca num segundo batismo sagrado.
A espera continuava, e nada do foguete.
— 78,33.
O homem de uniforme espacial, uma campânula transparente a 
refletir pontos luminosos do céu, esperava angustiado e só, naquela gi-
gantesca planície.
— Meu Deus...
Kim não conseguia pronunciar mais nenhuma palavra. Seus cabe-
los, agora totalmente brancos, seus olhos arregalados e fixos no espaço 
circundante, o soluço preso em seu peito, traduziam a longa espera em 
traços reais.
O homem, designado simplesmente no plano como KP-2, levantou-
se. Seus joelhos doíam terrivelmente.
— Companheiros! — gritou Kim, desesperado. Ligou afoitamente 
seu rádio portátil:
— KP-2 chamando astronave Aurora! Alô, comandante Delbout!
38
Os fones de seu aparelho receptor nada diziam. Olhou as horas: 
quase uma hora de atraso!
— Voltem! — gritou êle, na angústia. — Voltem! Pelo amor de 
Deus!
O homem vivo no satélite morto correu afobadamente em diversas 
direções. Gesticulava como doido, como a falar para uma multidão de 
invisíveis.
Ou voltava os punhos para os céus, ameaçando o Ignoto.
Lento e majestoso girava o planeta Terra, refletindo uma linda côr 
amarelada.
Em seu satélite, esquecido em meio à planície erma, chorava um 
homem como uma criança.
Uma criança perdida num satélite morto...
39
A Volta
O espaçoporto estava lotado de pessoas. 
O sol quente da tarde incandescia as cabeças, queimava os rostos 
que olhavam o céu azul e transparente. Eles esperavam.
Os homens, as mulheres, filhos e irmãos, pais e noivas, todos num 
aglomerado intranqüilo, ansiado, aguardando a espaçonave Celéstia, que 
não deveria tardar.
Essa espaçonave realizara a terceira expedição à Lua.
— Sorvetes! Olha o creme delicioso! Geladinho! — gritava o sor-
veteiro, passando com seu carrinho variegado por entre a multidão de 
cabeças levantadas. Os alto-falantes começaram a anunciar: — Atenção! 
Muita atenção! Nossos heróis nacionais chegarão dentro de quatro minu-
tos. Já entraram na órbita polar de aproximação!
Um urro de alegria partiu daquelas bocas sorridentes.
— Alfred! Alfred! — gritava uma senhora, os óculos embaciados 
pelas lágrimas, na alegria de rever o filho após três meses de separação.
— Atenção! — berraram os alto-falantes. — Lá vêm eles!
O brilho metálico zuniu por sobre as cabeças.
O povo ondeou numa vaga única, naquela imensa pista de aterra-
gem de foguetes espaciais.
A astronave tomou posição vertical, e começou a se aproximar do 
solo, velozmente.
40
— Alfred! Alfred! — acenava a velha mãe, junto a tantas outras.
A linda máquina foi descendo num mar de chamas esverdeadas, foi 
descendo em alta velocidade, caindo como um dardo, sobre a pista.
— Alfred! — e os olhos de todos gritaram mil nomes.
O foguete explodiu num impacto horroroso, vertendo lágrimas fu-
megantes por sobre a multidãotranstornada.
Chegara o terceiro foguete.
41
Metamorfoses
E mudou de forma, novamente. 
— Não aceito! Não posso! Todo meu ser se indigna !
— Calma, Soes. Temos que agir com calma.
— Qual calma! — rebateu-lhe Soes. — Ou nós fazemos sentir nossa 
indignação a esses selvagens, ou eles nos destruirão!
Dentro da cratera o transfigurável falava a uma pequena assem-
bléia. A cada instante outro transfigurável se metamorfoseava e aparecia 
para debater.
— Eles pensam — continuou Soes — que por sermos apenas um 
satélite de seu planeta, podem vir invadir-nos com suas máquinas primi-
tivas e barulhentas! Pensam que somos colônias!
E Soes, não agüentando de indignação, transmudou-se sucessiva-
mente em um aerólito verde, que depois ficou vermelho. Transfigurou-se, 
então, numa planta primitiva e ressequida e, novamente, voltou à forma 
de névoa.
— Pare! — gritaram algumas vozes, irritadas com aquele inespera-
do “show”.
— Não posso! — respondeu-lhes Soes, agastado. — Estou nervoso!
— Controle-se, Soes — pediu-lhe a Névoa Mãe, ponderadamente. 
— Nós não estamos parados... Já agimos ...
Êle esgarçou-se um pouco, hesitou e, de novo em plena condensa-
42
ção, replicou ressentido:
— Vocês não estão me entendendo! Não basta que alteremos o 
funcionamento das máquinas invasoras. Outras virão do planeta Amare-
lo até este satélite, embora quase nenhuma chegue a voltar intata. Não 
basta que penetremos em suas mentes e os tornemos loucos ou aluci-
nados. Se não agirmos prontamente, continuarão com suas experiências 
estúpidas, invadindo nosso solo sagrado, atirando-nos aquelas porcarias 
metálicas que estouram em chamas, prejudicando a seqüência de nossas 
pesquisas filosóficas!
Outros transfiguráveis haviam-se realizado nesse ínterim, e uma 
boa quantidade de névoas coruscantes clareava a pequena cratera lunar.
— O que propõe você, Névoa Mãe? — perguntou outro filho re-
cém-transmutado. — Acha que poderíamos realizar um ataque àquele 
planeta, de modo a desnortear os animais primitivos?
A grande névoa enrolou-se sobre si mesma, conjeturando demo-
radamente.
— Poderíamos invadir o planeta. . . Sua imensa flora e fauna em 
desenvolvimento é bela. Há séculos que nenhum de nós seguiu para lá. 
Muitos séculos...
E a grande névoa se esgarçava, novamente se reunia, embolava-se, 
enquanto os pensamentos eram transmitidos a todos os filhos.
— Mas nós nunca praticamos o mal! — ponderou Soes, já preocu-
pado.
— Não?.. . — riu-se a Névoa Mãe. — Embora não o saibam, já o 
praticamos milênios atrás, quando muitos de vocês ainda não haviam 
evoluído. Biah deve estar lembrado.. .
Biah transfigurou-se, envergonhado, ao lembrar-se de seu passado 
como mutante. Naquela época era um simples animal semiconcreto.
— Milênios atrás, seres de planetas mais distantes, ameaçaram in-
vadir-nos. Começamos por aterrorizá-los, confundi-los, de tal forma que 
nunca mais vieram aqui.
A cratera brilhava como se trezentos sóis em miniatura ali estives-
sem.
Como sempre, de um momento para outro, todos os transfigurá-
veis participaram do pensamento da Névoa Mãe: era aquele, o plano!
Soes virou uma gota de orvalho congelada, tal o prazer que sentiu:
— Finalmente! — gritou seu pensamento no pensamento dos ou-
43
tros. — Finalmente! Não basta sabotarmos os foguetes do planêta-ama-
relo, para que se destruam ao voltar! Chegou a hora, povo transmutante! 
A hora!
*
No observatório de Jodrell Bank, o astrônomo franziu as sobrance-
lhas.
— Edy! Edy! — chamou.
O empregado de avental azul aproximou-se:
— Pois não, doutor.
O astrônomo retirou algumas chapas fotográficas de dentro da câ-
mara telescópica, e entregou-lhas.
— Revele isto imediatamente.
— Outros fogos-fátuos ? — inquiriu o empregado, curioso.
— Eles mesmos... — respondeu distraído, o cientista. — Os fogos-
fátuos lunares. . .
E minuciosamente, anotou:
“Fotografias 360-361-362: região sul do mar da Serenidade. Hora: 
21,39. Presença de estranhas luminosidades nas crateras. Duração: cinco 
a seis segundos. Desapareceram subitamente, como de outras vezes.”
E fechou o livro, preocupado.
44
Dois!
Keihoe suspirou profundamente, e passou a mão pela testa alaga-
da de suor. A seu lado o técnico Léo Da Vinci comentou, enquanto repas-
sava as anotações para a partida do foguete Marcus 10:
— Nervoso, Keihoe?
— Claro, Léo — respondeu êle, tornando a suspirar. — Já não bas-
tam os imprevistos das outras experiências, para amedrontar-nos o sufi-
ciente?
Sem despegar os olhos dos instrumentos e da anotação, Léo res-
pondeu-lhe:
— Nestas horas, toda a calma é pouca. Desde os insucessos passa-
dos, a opinião pública vem nos cerceando a liberdade, empurrando-nos 
cada vez mais contra uma parede. Isso em nada ajuda...
— Pois é... — comentou vagamente o projetista do novo foguete. 
— E a nossa própria dúvida...
— Qual dúvida, rapaz! — protestou Da Vinci. — Seu aparelho subi-
rá, daqui a pouco, como um rojão. Direitinho!
— Disso eu não duvido — irritou-se Keihoe. — Tecnicamente nos-
sas máquinas são quase perfeitas. O que me preocupa são os pequenos 
contratempos... as coisas absurdas e inesperadas que fizeram malograr as 
outras experiências.
Léo terminou de anotar e, voltando-se para o outro, deu-lhe um 
45
tapinha amigo nas costas magras e curvadas.
— No caso dos outros foguetes, a culpa não coube a ninguém, em 
particular. Os acidentes aconteceram casualmente ...
— Bah! Pois fique sabendo que este projeto foi conferido mais de 
cem vezes pela estatística, nunca conseguimos diminuir o acaso, nem 
mesmo aperfeiçoando os circuitos do foguete! Continua a existir o im-
ponderável. . . Uma ou mais probabilidades que poderiam aniquilar de 
vez a experiência.
Da Vinci consultou o relógio:
— Faltam seis minutos, Keihoe. Quer vê-lo subir, desde a torre de 
controle?
Keihoe deixou-se cair pesadamente numa poltrona.
— Não... Eu só iria atrapalhar. Ficarei vendo daqui mesmo, pela te-
levisão.
O técnico sorriu amistosamente:
— Está bem, sr. projetista. Boa sorte!
Keihoe riu-se, amargurado:
— Agora quem precisa de sorte, não sou eu...
*
Na tela do televisor, expluindo em jatos de luz como um diamante 
ao sol, era vista a imagem do foguete pronto para a partida.
Seu bojo já havia sido fecundado pela carga humana que o condu-
ziria a outra expedição interplanetária.
Desta feita, o campo estava vazio; havia sido proibida a presença de 
estranhos, — mesmo os familiares dos tripulantes.
“Pronto para a ejeção?” — indagou o técnico de campo, pelo tele-
visor.
“Tudo pronto” — respondeu a voz calma do comandante, dentro 
da astronave.
Ao lado do aparelho de rádio Keihoe torcia as mãos, excitado. Seus 
lábios, secos, começavam a se gretar.
O silêncio que se seguiu foi longo, tão longo quanto um milênio. 
Para o projetista, ao lado do televisor; para os homens uniformizados 
dentro da espaçonave; para os técnicos de campo, seguros em terra, mas 
responsáveis pela vida de seus companheiros expedicionários.
46
“Um minuto!” — falou o técnico do espaçoporto. “Preparar para 
contagem zero!”
“Um minuto!” — respondeu o comandante da astronave.
Os olhos de Keihoe estavam esgazeados, presos, selados de encon-
tro à imagem do foguete, tantas vezes visualizado, nunca antes tão real.
“Quinze segundos!” — disse a voz na torre de controle.
“Quinze segundos!” — ecoou a voz desde o foguete.
O salto do sapato de Keihoe batia contra o chão, produzindo um 
ruído surdo e rítmico. As mãos, entrelaçadas, lívidas, apertavam-se num 
esgar.
“Dez!” — gritou o controle de terra. “Dez!” — tornou a nave. 
“Nove!” “Nove!”
Um século parecia intercalar-se entre cada segundo. A garganta de 
Keihoe; estava fechada num espasmo ansioso.
“Oito!”
— Ainda sete segundos... — murmurou êle. “Oito!”
“Quatro!”
“Quatro!” — e o silêncio que se seguia,era tenso. Tenso como a 
corda de um violino que vai se distendendo, esticando, prestes a se arre-
bentar num som cacofônico e disforme.
“Três!”
Keihoe batia o punho contra o braço da poltrona, obsessiva e in-
controladamente.
“Dois!” 
A outra voz não ecoou de imediato. Houve uma curta pausa.
Longa como um décimo de segundo! E a resposta veio num uivo 
angustiado:
— Estou cego! Estou cego! “Um!” — gritou o controle em terra. 
Keihoe se levantou num salto.
“Estou cego!” — ouviu-se uma voz berrar. “Meus olhos!” — bramiu 
outra. “Cego! Cego!” — somaram-se os gritos, dentro da espaçonave.
Uma explosão surda e o foguete começou a se elevar, pilotado por 
uma tripulação de cegos!
A noite dos olhos foi-se erguendo lentamente, dramaticamente, de 
encontro à noite dos espaços.
Tarde demais para voltar.
O diamante coruscou ainda uma chuva de luz, e sumiu nos céus.
47
Keihoe, o rosto contraído num ríctus sombrio, desligou o televisor.
“Tarde demais para voltar...” pensou êle. “Tarde demais...”
48
Ardentia
A criança entrou correndo em casa. 
— Mamãe! Mamãe! Venha ver: o mar está brilhando !
A mãe voltou-se, desviando os olhos das frituras e olhando o filho, 
irritada.
— Não chateia, menino cacete! Vá brincar lá fora! E cuidado para 
não se molhar que V. já está de roupa limpa.
A criança esperava impaciente.
— Mas, mamãe! O mar está verde, todo alumiado!
— Vá-se embora, Carlinhos, ou eu chamo teu pai. E chega de men-
tiras.
O garoto fêz meia volta, e saiu correndo da cozinha em busca do 
pai.
— Papai! Papai! 
O homem olhou-o contrariado, baixando o livro.
— Que houve?
— Venha ver o mar! Está todo verde!
— Não chateia, menino cacete! Vá brincar lá fora! E não vá entrar 
no mar de noite que o peixe te come.
— Mas é verdade, papai! A praia ‘tá “assim” de gente!
O homem olhou-o ainda por um instante e deu um estalo com a 
língua.
49
— Depois eu vou. Seu pai agora está lendo; vá brincar lá fora.
O garotinho não mais agüentou a expectativa. Saiu correndo de 
casa para ir ver, de novo, a maravilha. Mal batera a porta e a mãe gritou-
lhe lá da cozinha:
— Fique por perto que a janta está quase pronta!
A casa silenciou por um curto prazo de tempo e só se ouvia a fritura 
de gordos filés de peixe, na frigideira. Depois, a mulher gritou lá do fundo:
— Oh! Júlio!
O homem baixou o livro, novamente, os lábios apertados no con-
trole da paciência.
— Que ééé, Vera?
— Você......cisa .... to......sse......nino...
— Que foi?
Ela gritou mais alto:
— Ess......ni.........ível...
Júlio atirou o livro ao chão e foi, furibundo, os passos ressoando 
pela casa de madeira, até a cozinha.
— Mas não se pode nem ler sossegado nesta casa, Santo Deus! 
Nem nas férias, Vera!? Tenha paciência!...
Ela olhou-o com espanto:
— Ora essa! A troco de que esse estouro?
— É V. que não me deixa ler, fica gritando aí na cozinha como uma 
possessa! Ora, nós estamos aqui na praia é pra descansar!
Ela largou os peixes dentro da frigideira e, brandindo o garfo como 
uma professora ranzinza, retrucou:
— Mas V. não dá educação para seu filho! Êle fica o tempo todo a 
deixar a gente maluca! Mente como um ladrão!. . .
— Não me venha falar em “seu” filho, porque êle também é seu. 
E você é a mãe. V. é quem tem que dar educação para êle, não eu, que 
passo o dia todo trabalhando como um camelo, me. ..
— Mas quando eu dou um castigo. . .
— E deixa eu terminar de falar?
— V. não passa de um tirano! Quer ter sempr. . .
— E não grite comigo!
— É você quem est. . . 
— Cale-se!
— A boca é minh. . .
50
Vera largou o talher sobre o prato e disse pela décima vez:
— E esse menino que não vem! A janta já está fria...
— Culpa sua — ponderou o marido, o livro aberto ao lado do prato, 
a comida esperando pacientemente na ponta do garfo — porque deixa 
êle sair em hora de.. .
A porta se abriu num repelão e o garoto entrou agitando as mão-
zinhas:
— Papai! Mamãe! Olhem!
A mãe não hesitou um segundo:
— Vá já lavar as mãos... — e só então reparou que as mãos de seu 
filho estavam luminosas, espalhando um tênue verdor.
O pai olhou espantado, acompanhando o olhar da esposa, enquan-
to o menino, todo sorridente, exibia suas mãos fosforescentes.
— Que é isso, Carlos? — perguntou-lhe Júlio.
— O mar, papai. Está todo verde assim! A gente entra nele e a água 
de luz faz a gente ficar com luz, também.
Júlio aproximou-se lentamente e pegando-o pelo braço, olhou de 
perto aquela maravilha. A mãe, amedrontada, falou:
— Oh Júlio! Manda esse menino lavar as mãos. Pode ser alguma 
coisa venenosa...
— Qual venenosa, Vera. Isto são uns micróbios... Uns bichinhos que 
aparecem nas águas do mar, quase todo verão. Os pescadores os cha-
mam ardentia...
Os pés do garoto também estavam molhados, espalhando aquele 
verdor fantasmagórico. Por onde passara o chão guardava suas pegadas 
brilhantes. 
A mãe olhava, vagamente inquieta.
— Apague a luz, Vera.
— Por quê?
— Pra ver o brilho, ora!...
A escuridão se fêz com o clique do interruptor para ser imediata-
mente substituída por uma luz esverdeada, fosfórica, quase sobrenatural 
que emanava das mãos, dos pés do garoto, de suas pisadas no assoalho 
rústico.
— É lindo! — maravilhou-se o pai.
— A praia está toda assim! As gentes que toma banho, sai toda 
verde. Tá um mundaréu de gentes lá na praia, olhando...
51
— Vá lavar as mãos, Carlinhos, vá lavar as mãos! — falou Vera numa 
voz um pouco trêmula.
Júlio acendeu a luz e acenando com a cabeça em direção ao ba-
nheiro, repetiu:
— Faça o que sua mãe está mandando, Carlinhos. Vá lavar as... — e 
se interrompeu ao ver que suas mãos, também, estavam brilhando aque-
le fulgor verdo-lengo.
— Ué?! Isto parece tinta. . . — comentou, enquanto esfregava os 
dedos brilhantes na calça.
— Vai sujar a roupa, homem de Deus! — esbravejou a esposa.
E quando Júlio ia negar, reparou que o pano tomara a cor fosfores-
cente, assim como outras partes de sua mão que antes de passar pela 
calça não apresentavam a estranha luminosidade.
— Oh! raios! Esse negócio. . .
E tentava inutilmente limpar uma mão na outra. A côr se espalhou, 
aumentou até, e nada das mãos ficarem limpas.
Carlinhos entrou na sala, vindo do banheiro, uma carinha de susto, 
olhos lacrimejantes:
— Não sai, mamãe! Não sai! — e desatou a chorar.
Então os pais também perderam a calma.
— V. passou sabonete, Carlos? — perguntou a mãe, quase em pâ-
nico.
— Passei.. . passei... —- e soluçava. — Não quer sair! O sabonete 
tá verde! A pia tá verde! A agua ficou verde! Ai, ai, ai, ai! — e soluçava 
perdidamente, enquanto Júlio olhava hipnotizado suas mãos luminosas.
*
— Padre Antônio!
O velho padre voltou-se, para ver um pescador que se aproximava, 
iluminado pela estranha luz que o mar emanava.
— Ah! Boa noite, Pernambuco. Como vai?
— Como Deus manda, seu padre.
— Que é que V. me diz dessa ardentia, Pernambuco? — apontou 
o clérigo com o lábio inferior, as ondas que estouravam em jatos de luz.
— Coisa nunca vista, seu padre. Ardentia eu já vi; muitas veiz, mes-
mo por estas bandas. Mas desse jeito. . . Até mexe com qualquer coisa lá 
52
das entranhas ...
E ficaram os dois, lado a lado, espiando os rapazes e moças que 
brincavam de se “pintar” de luz com aquela água milagrosa.
Foi então que um homem, todo luminoso e verde, brilhando na 
escuridão da noite, veio correndo da cidade. Veio gritando, braços Iumi-
nescentes a agitar mil desenhos contra o céu escuro.
— Se afastem d’água! Se afastem d’ agua!
Primeiro foram os que estavam na praia, que o ouviram. Os ale-
gres banhistas, o som das vagas a ensurdecê-los, repararam apenas no 
movimento desusado.
— A “coisa verde” não sai!
— O quê?!
— Como!?
— Nem lavando?
E o grupo foi-se formando em torno do homem espavorido.
— Não sai! Fica grudado na gente! Vaiespalhando ! Onde se passa 
a mão, fica tudo verde!!
E então eles compreenderam. E os banhistas vieram escutar.
E aqueles que não haviam tocado na agua luminária se afastaram 
vivamente dos outros. Como se eles tivessem uma doença contagiosa. 
Repulsiva.
E o riso morreu na boca de todos.
E a moça, toda verde, toda resplandecente como uma deusa, co-
meçou a chorar baixinho e a dizer:
— Oh, não, Deus! Deus! Oh, Deus, não!
Os homens se reuniram em grupos. E aqueles seres humanos rebri-
lhantes se isolaram, a cabeça baixa, como manchados por enorme peca-
do, silenciosos, clareando a areia à sua volta.
Às vezes se ouvia um choro.
Era uma mãe que chegava correndo e parava estarrecida, ao ver a 
filha ou o filho, brilhando eternamente.
— Isso não é ardentia! — murmurou abismado, o pescador.
O padre voltou os olhos para o céu, e repetiu mais uma vez:
— Deus! Tende piedade de nós!
As ondas tingiram a areia com seu manto fosfóreo.
O clarão aumentou; parecia dia!
Um novo dia para os habitantes deste planeta...
53
Serviço Perfeito
O homem foi introduzido na sala de Mullerhauer.
Parou junto à porta, e quando esta foi fechada pelo enfermeiro que 
saía, voltou-se sobressaltado.
Passou a examinar a sala curiosamente, aquela sala severamente 
tomada por livros de todos os tamanhos e aspectos, a secretaria de ma-
deira pesada, as poltronas distribuídas ao acaso, o pequeno divã que cer-
tamente ouvira muitas confissões inconfessáveis, a cortina entreaberta 
deixando ver o pátio interno do manicômio.
“Hu-hum! — pensou êle sorrindo mentalmente. — Manicômio... E 
acontece que o louco, no caso, sou eu.”
Sorria com os lábios, desta vez, quando sentiu a nítida impressão 
de estar sendo observado.
— Bobagem. . . — falou em voz alta, e imediatamente empalide-
ceu, pois quem o ouvisse murmurar sozinho, não teria muitas dúvidas 
quanto à sua sanidade mental.
Tornou a olhar à sua volta procurando localizar a causa daquela 
impressão o achar o observador. Encontrou um rosto perto do seu, mais 
exatamente o seu próprio, refletido num espelho.
Aproximou-se e correu os dedos por sobre a imagem; depois de um 
instante tornou mais uma vez a sorrir.
“Espelhos em consultórios... Ah! como esse truque é velho! En-
54
quanto o cliente está “só”, olhos traidores o observam do outro lado do 
vidro. . .”
Afastou-se indo buscar a poltrona mais confortável, onde se sen-
tou comodamente. Olhou em torno procurando alguma proibição sobre 
o fumo. Não encontrou nada a não ser um cinzeiro; um convite, portanto. 
Acendeu o cigarro e tragou lentamente.
Com baforada após baforada, foi enchendo o aposento de fumaça, 
sem que ninguém viesse atendê-lo. A esta altura, irritou-se:
“Ora bolas! A gente paga uma consulta, marca a hora, vem contra-
feito, e aqui chegando fazem-nos esperar como se fôssemos emprega-
dos!”
Levantou-se e começou a perambular pelo consultório.
Estendeu a mão e apanhou um livro da prateleira mais próxima: 
Freud.
“Não podia deixar de ser. . . O autor mais pornográfico e difundido 
do mundo” — pensou com desprezo.
Guardou-o e apanhou outro: “Alexander, Psicanálise da Persona-
lidade Integral”. Mais um: “A desagregação do pensamento nos casos 
de Esquizofrenia: Fobias e Obsessões.” Mais outro: “Frisch — Ueber die 
“Sprache” der Bienen”, Sinnesphysiologie der...”, “Das problem des tieris-
chen... “
— Basta! — falou, algo murmurado. — Esse médico deve ter uma 
cultura geral bem falha. .. Só psicologia pra cá, psico. . . não sei o que lá! 
Puxa! É preciso ter estômago!
Nisto a porta se abriu e uma pessoa entrou; um homem baixo, mo-
reno, algo irrequieto.
— Bom dia. O Sr. é Rudolf Goldenberg?
— Bom dia, sou Goldengurg. O sr. é ... ?
— Mullerhauer; muito prazer. Queira sentar-se.
— Obrigado.
Rudolf acomodou-se enquanto o médico procurava uma ficha so-
bre a mesa. Achou-a e sorriu.
— Aqui está. Goldengurg, certo. Desculpe-me.
— Não há de quê.
O médico continuava com um sorriso no rosto, completamente 
inexpressivo, que aos poucos deixou Rudolf sentindo-se mal.
O silêncio prolongou-se até que, tendo cruzado e descruzado as 
55
pernas inúmeras vêz.es, Rudolf pigarreou, nervoso. O médico abriu mais 
um pouco seu sorriso deixando ver um brilho de ouro num dos dentes do 
fundo.
— Pois não, Sr. Goldengurg.
Rudolf estava mudo. A garganta apertava-se num anel de aço que 
não lhe permitia falar. Seu cérebro era o próprio caos, tal a confusão que 
nele se formara.
“Se ao menos êle fizesse perguntas!” — pensou desesperado.
— O sr. não está à vontade, Sr. Goldengurg. Existe um ou mais pro-
blemas que o preocupam?
— Bem... A minha família, meus conhecidos, pediram-me que vies-
se vê-lo.
O médico mordeu os lábios imperceptivelmente.
— Quer dizer que o sr. está aqui contra a sua vontade?
— Não! Isto é, eu não achava necessária minha vinda.
— Então, por que veio?
Rudolf ficou desconcertado. O médico estava, em outras palavras, 
mandando-o embora!
— Se o sr. quiser que eu me vá, doutor, eu vou embora!...
O médico riu, agora mais simpàticamente.
— Eu não disse isso, Sr. Goldengurg. Disse que se esta consulta é 
contrária à sua vontade, de nada adiantará continuarmos.
— Ah! não! Também não é assim. . . Acontece apenas que. . . Enfim, 
aconteceram-me coisas tais que... Estranhas. . .
— Pois não. — E o médico estava imobilizado por aquele “pois não” 
profissional. Não era um homem ou médico, que ali estava. Era antes uma 
máquina analítica para a qual, cada palavra, cada emoção transmitida, a 
postura, ou mesmo cada gesto, era estudado, arquivado e serviria como 
prova final e decisiva no diagnóstico.
— O... lá em casa, quer dizer... ô. . .
— Calma, Sr. Goldengurg. Não há motivo para se atrapalhar. O sr. 
conte-me, inicialmente, qual é o problema. Em poucas palavras, sucin-
tamente.
Rudolf inspirou fundo e começou:
— O problema é o seguinte: eu tenho um amigo.
O médico anuiu gravemente, o rosto impassível, já sem o sorriso 
nos lábios.
56
— Er. .. esse amigo é. . . in-vi-sí-vel! — pronunciou Rudolf, cautelo-
samente, procurando apanhar nos olhos, no rosto do médico, qualquer 
reação que denunciasse seus pensamentos.
— Pois não, Sr. Rudolf. Que mais?
— O sr. não precisa pensar que eu estou louco. Não estou, não!
— Calma, Sr. Rudolf.
— Eu estou calmo, doutor! Não estou nervoso. Tenho um amigo 
que é invisível, mas não chegue a conclusões apressadas antes de ouvir 
o resto.
— Sou todo ouvidos, Sr. Rudolf. 
O cliente engoliu em seco.
— Êle não é aqui da Terra.
— Não, Sr. Rudolf?
— Não, dr.! — negou veementemente com a cabeça. — Êle é de 
outro planeta.
O médico baixou o rosto, como que escondendo o riso.
— O. . . a. .. idéia pode parecer inacreditável.
— Não, não. Nesta época de discos voadores, tudo é admissível.
— Então o sr. acredita, doutor?
— Não vem ao caso, Sr. Rudolf. Vamos ao resto.
— Pois é... Eu até convidei-o para vir aqui. 
— A quem?
— A meu amigo invisível, doutor! Chama-se Oníor.
— Ah... pois não.
— Mas êle disse que tinha compromissos.
— Sim?
— Pois é. Mas logo que fique livre, êle virá.
O médico brincava com um lápis pegando-o por uma ponta, baten-
do-o na mesa, escorregando o dedo pela madeira, tomando-o pela outra 
ponta, girando-o e reiniciando todo o ciclo novamente.
— O sr. tem falado desse seu amigo. . . Oníor, para outras pessoas?
— Não só falado, doutor. Êle sempre aparece e faz das suas. Os 
outros não o vêem e sai cada uma... Só vendo! Tem muito “sense of hu-
mour” esse meu amigo.
O médico olhou-o rapidamente. Voltou os olhos para a brincadeira 
do lápis que já começava a irritar Rudolf.
— Seus pais são vivos? 
57
Rudolf olhou-o surpreso:
— Não. . .
E nisto a porta se entreabriu.
O médico elevou os olhos e comentou:
— Não fechei direito. 
Rudolf abriu um sorriso.
— Qual, doutor. É Oníor que chega!

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