Buscar

Aula+4+(1)

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

Direito Agrário 
 
Aula 4 
 
 Institutos Jurídicos Agrários 
Imóvel rural 
 
1. Definição legal 
 
 O Estatuto da Terra preocupou-se em 
definir, para os efeitos legais, o que é imóvel rural, fazendo-o nos 
seguintes termos: 
Art. 4o Para os efeitos desta lei, definem-se: 
I – Imóvel rural, o prédio rústico, de área 
contínua, qualquer que seja a sua localização, 
que se destine a exploração extrativa agrícola, 
pecuária ou agroindustrial, quer através de planos 
públicos de valorização, quer através da iniciativa 
privada. 
 O legislador de 1964, ao definir o 
instituto, certamente quis afastar discussões a respeito do verdadeiro 
sentido de imóvel, sobre o qual se desenvolvem as atividades agrárias, 
tornando-se o principal elemento do ponto de vista objetivo no contexto 
agrário. Até então, discutia-se o critério diferenciador entre imóvel rústico 
e urbano. Para uns, o prédio rústico era o que se situava fora do perímetro 
urbano (urbs), vale dizer, a localização era o ponto de diferença entre 
 
 
uma espécie e outra. 
 O conceito civilista de JOÃO 
FRANZEN DE LIMA diz bem sobre esse caráter distintivo, ao verberar que “os 
prédios podem ser rurais ou rústicos e urbanos, conforme sua situação seja 
dentro ou fora dos limites das cidades, vilas ou povoações”. 
 JOÃO BOSCO MEDEIROS DE 
SOUSA também recorda que essa divisão dos prédios entre urbanos e rurais 
“é oriunda do direito civil e é encontradiça na maioria dos ordenamentos 
jurídicos, atendendo à natureza própria dos bens”. Essa diferenciação entre 
prédio rústico e prédio urbano é analisada por LUÍS LIMA STEFANINI do ponto de 
vista sociológico, assinalando que tal separação é didática, mas adverte 
que também é geográfica: “O que se observa é que as orientações 
geográficas serviram de critério para a fixação de perímetros de influência urbana, 
dicotomia esta tradicionalmente aceita, e que guiou outras legislações na fixação 
de imóveis com qualificativos de urbanos e rurais”. 
 Mas EMÍLIO ALBERTO MAYA 
GISCHKOW depois de lamentar a omissão do legislador civilista brasileiro 
em não disciplinar o uso do bem em relação ao seu titular, quando a 
tendência já era, àquele tempo, no sentido de que somente o trabalho 
era o criador único de bens e que constituía o título de legitimação disse 
que “a desvinculação do imóvel agrário do imóvel urbano está relaciona- 
da com a reformulação dos critérios constitucionais a respeito da 
propriedade e sua função social”. 
 Realmente, foi por efeito da 
incorporação do princípio da função social no texto constitucional 
brasileiro que o Estatuto da Terra absorveu o critério da destinação como 
elemento diferenciador entre imóvel rústico e urbano. 
 O Código Tributário Nacional (Lei no 
5.172, de 25.10.66), todavia, seguiu outra orientação. Adotou o critério da 
 
 
localização para estabelecer tal distinção (art. 29), assim dispondo, 
verbis: 
Art. 29. O imposto de competência da União 
sobre a propriedade territorial rural tem como tino 
gerador a propriedade, o domínio útil, ou a posse de 
imóvel por natureza, como definido na lei civil, 
localizado fora da zona urbana do município. 
 Mais tarde, adveio a Lei no 5.868, de 
12.12.72, por seu art. 6o, dispondo: 
Art. 6o Para fins de incidência do Imposto 
sobre Propriedade Territorial Rural, a que se 
refere o art. 29 da Lei 5.172, de 25 de outubro 
de 1966, considera-se imóvel rural aquele que 
se destinar à exploração agrícola, pecuária, 
extrativa vegetal ou agroindustrial e que, 
independentemente de sua localização, tiver 
área superior a 1 (um) hectare. 
Parágrafo único. Os imóveis que não se 
enquadrem no disposto neste artigo, 
independentemente de sua localização, estão 
sujeitos ao Imposto sobre a Propriedade Predial 
e Territorial Urbana, a que se refere o art. 32, da 
Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966. 
 Mas um acórdão do Supremo Tribunal 
Federal, proferido no Recurso Extraordinário no 93.850-MG, reacendeu a 
discussão, ao declarar inconstitucional o art. 6o, há pouco transcrito, à 
consideração de que o CTN é uma lei complementar, e, portanto, 
hierarquicamente superior àquela (Lei no 5.868/72). Sucede que a Lei no 
 
 
8.629, de 25.2.93, que veio regulamentar os arts. 184 a 186 da Constituição 
Federal, também cuidou da definição de imóvel rural, e o fez nos 
seguintes termos: 
Art. 4o Para os efeitos desta lei, conceituam-se: 
I – Imóvel rural, o prédio rústico de área 
contínua, qualquer que seja a sua localização, 
que se destine ou possa se destinar à 
exploração agrícola, pecuária, extrativa, 
vegetal, florestal ou agroindustrial. 
 E a Lei nº 9.393, de 19.12.96, que agora 
dispõe sobre o ITR, insistiu no critério de localização. 
 
2. Características 
 
 Abstraída a polêmica relativa aos 
critérios distintivos entre imóvel rural e urbano – localização e destinação – 
insta analisar, agora, à luz do texto legal que define o imóvel rural, quais 
são os seus elementos caracterizadores, a saber: prédio rústico, área 
contínua, qualquer localização e destinação voltada para as 
atividades agrárias. 
 Por prédio se entendem não apenas as 
casas e as construções das cidades ou dos campos, mas também todas 
as propriedades territoriais rurais ou quaisquer outros terrenos. O adjetivo 
rústico, à sua vez, é entendido como o ager, que quer dizer imóvel 
destinado ao cultivo. Daí a conclusão sábia a que chegaram OSWALDO 
OPITZ e SILVIA OPITZ, assim expressa: 
“Não é a situação do imóvel que qualifica o prédio em rústico ou 
urbano, mas a finalidade natural que decorre de seu aproveitamento; 
 
 
portanto, prédio urbano é toda a edificação para moradia de seu 
proprietário, e prédio rústico todo aquele edifício que é construído e 
destinado para as coisas rústicas, tais como todas as propriedades 
rurais com suas benfeitorias, e todos os edifícios destinados para 
recolhimento de gados, reclusão de feras e depósitos de frutos, ou 
seja, construídos nas cidades e vilas, ou no campo.” 
 É ainda desses mestres gaúchos a 
explicação do que seja área contínua. Dizem que: por área há de ser 
entendido aquele terreno destinado a uso rústico na agricultura, e 
contínua significa a utilitas, isto é, deve haver continuidade na utilidade do 
imóvel, embora haja interrupção por acidente, por força maior, por lei 
da natureza ou por fato do homem, e explicam: Há unidade 
econômica na exploração do prédio rústico. A vantagem é econômica 
e não física, como aparenta a expressão legal. Se a propriedade é 
dividida em duas partes por uma estrada ou por um rio, embora não haja 
continuidade no espaço, há continuidade econômica, desde que seja 
explorada convenientemente por seu proprietário. É o proveito, a 
produtividade, a utilidade que se exige da continuidade da área que 
constitui o imóvel rural. 
 As demais características são, como já 
explicitado, a irrelevância em relação
à localização da área e o efetivo 
exercício de atividades agrárias. 
 
3. Classificação 
 
 Pelo Estatuto da Terra, não havia dúvida 
quanto à classificação do imóvel rural, que era: propriedade familiar, 
minifúndio, latifúndio e empresa rural. Mas, com o advento da 
Constituição Federal de 1988, foram introduzidas no ordenamento jurídico 
brasileiro mais as seguintes categorias, a saber: pequena propriedade, 
 
 
média propriedade e propriedade produtiva. Essas novas categorias 
foram definidas na Lei nº 8.629/93. 
 Pode-se adiantar, no entanto, que ainda 
não foram bem assimiladas essas inovações. 
 Em primeiro lugar, porque a definição de 
pequena propriedade – que, a princípio, se supunha ser a propriedade 
familiar identificada no Estatuto da Terra – não se harmoniza com a 
definição estatutária, posto que foi retirado, por veto do Presidente da 
República, o sentido “familiar” embutido na definição subjacente. 
 Em segundo lugar, porque a definição 
de propriedade produtiva, ditada na mencionada Lei no 8.629/93 (art. 
6o), não veio com os mesmos elementos definidores de empresa rural, 
como se esperava, porque não se exigiu o cumprimento da função social 
como elemento integrante do conceito. 
 Em terceiro lugar, porque, em face da Lei 
no 8.629/93, há uma corrente que considera fora da classificação de 
imóvel rural o minifúndio e o latifúndio, limitando-a a pequena 
propriedade, média propriedade, propriedade produtiva e propriedade 
improdutiva. 
 
4. A função social do imóvel rural 
 
 
 É bastante atual a afirmação de que a 
função social do imóvel rural é o centro em torno do qual gravita toda 
a doutrina do Direito Agrário. Essa afirmação não é de todo 
desarrazoada. 
 
 
 
 Com efeito, tal noção tem sido responsável 
pela disseminação das ideias de reforma agrária em todo o mundo, 
notadamente na Europa, no início deste século que se finda. Dir-se-ia mesmo 
que o que antes era uma ideia hoje já se consagra como verdadeiro 
princípio. 
 De fato, não se estuda Direito Agrário, aqui ou 
alhures, sem que se compreenda o papel que deve desempenhar o imóvel 
rural, posto que é nele que se desenvolvem as atividades agrárias, e estas, a 
seu tempo, constituem a essência da especialidade do ramo jurídico que se 
examina. 
 No Brasil, particularmente, esse princípio 
está profundamente arraigado, de sorte que a legislação agrária dele se 
ocupa em diferentes textos, como a dizer que ele constitui, realmente, o 
cerne do jusagrarismo. E não podia ser diferente, na medida em que a 
necessidade de reforma agrária em nosso país é explicada exatamente 
pelo elevado índice de concentração de terras nas mãos de poucos, sem 
que estejam cumprindo a sua função social. 
 O nosso texto constitucional vigente não baniu o 
direito de propriedade, que sempre foi consagrado em todas as 
Constituições, até aqui. Apenas o contemplou, em inciso próprio, mas, em 
outro, o condicionou ao cumprimento da função social. 
 Neste passo, pode-se dizer que o princípio da 
função social, com a dimensão constitucional que ganhou e com o prestígio 
com que ingressou na doutrina, mostra-se inquestionável. Aliás, o instituto da 
desapropriação agrária, que constitui o principal instrumento para a realização 
da Reforma Agrária em nosso país, tem nele a sua principal inspiração. 
 
5. A conceituação legal 
 
 Como foi dito, o Estatuto da Terra preocupou-
se em conceituar a função social, indicando, no próprio texto legal, os seus 
 
 
requisitos, assim explicitados no § 1o do art. 2o, ipsis verbis: 
Art. 2º É assegurada a todos a oportunidade de acesso à 
propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na 
forma prevista nesta lei. 
§ 1o A propriedade da terra desempenha integralmente 
a sua função social quando, simultaneamente: 
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos 
trabalhadores que nela labutam, assim como de suas 
famílias; 
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; 
c) assegura a conservação dos recursos naturais; 
d) observa as disposições legais que regulam as justas 
relações de tra- balho entre os que a possuem e a cultivam. 
 A Constituição Federal de 1988, além de 
abrigar o princípio da função social da propriedade da terra, embora com 
redação modificada, mas sem alteração substancial em seu conteúdo, 
acrescentou a preocupação com a preservação do meio ambiente. 
 Depois, adveio a Lei nº 8.629, de 25.2.93, que, 
em seu art. 9o, minudenciou os requisitos da “função social da propriedade 
rural”. Mais do que o Estatuto da Terra (art. 2o, § 1o) e a Constituição Federal 
(art. 186), a chamada “Lei da Reforma Agrária” detalhou, objetivamente, todas 
as exigências legais para que se considere cumprida a função social da 
propriedade do imóvel rural. 
 
6. Os requisitos legais configuradores da função social 
 
 No exame dos requisitos legais, 
configuradores da função social, alguns aspectos merecem considerações. 
 Com efeito, tome-se o primeiro requisito do 
aproveitamento racional e adequado, que, no Estatuto da Terra, 
 
 
corresponde ao requisito níveis satisfatórios de produtividade, que é 
mensurado pelos graus de utilização e de eficiência na exploração, fixados 
em 80% para o primeiro e 100% ou mais para o segundo. São os mesmos 
índices exigidos para a configuração da “Propriedade Produtiva”, que, 
como foi dito, é instituto jurídico novo criado pela Constituição Federal 
vigente, que a inclui como objeto insuscetível de desapropriação. 
 Isso explica o raciocínio do intérprete da 
nova lei, segundo o qual todo imóvel rural, mesmo a pequena ou a média 
propriedade, deve alcançar esses parâmetros, porque o atingimento do 
requisito da “produtividade” se inclui entre os requisitos do cumprimento da 
função social. Afinal, não se olvide de que, segundo a mens legis do art. 185, 
inc. I, da Constituição Federal, com que se harmoniza o art. 4o, parágrafo 
único, da Lei 8.629/93, essas categorias de imóveis estão imunes à 
desapropriação, quando o seu proprietário não possua outro imóvel rural. 
 O segundo requisito - que se desdobra em 
dois: a adequada utilização dos recursos naturais e a preservação do meio 
ambiente – exige o respeito à vocação natural da terra, com vistas à 
manutenção tanto do potencial produtivo do imóvel como das 
características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos 
ambientais, para o equilíbrio ecológico da propriedade e, ainda, a saúde e 
qualidade de vida das comunidades vizinhas. Trata-se, portanto, de importante 
exigência, cuja comprovação se mostra bastante complexa, em face da 
vasta legislação que
cerca a matéria. 
 A propósito, a Constituição Federal em vigor 
deu especial ênfase ao tema “Meio Ambiente”, ao ponto de reservar um 
capítulo inteiro, no título relativo à Ordem Social (Cap. VI, art. 225 e 
parágrafos), além de diversas disposições esparsas. Destacam-se, nesse 
contexto, as enormes atribuições conferidas aos Poderes Públicos, a 
competência concorrente da União, dos Estados e dos Municípios para legislar 
sobre a matéria e o papel relevante do Órgão do Ministério Público. Tantas 
são as normas que tratam da questão que já está sedimentado um novo 
ramo da ciência jurídica: o Direito Ambiental. 
 
 
 
 O terceiro requisito, que diz respeito à 
observância das disposições que regulam as relações de trabalho, contém, 
agora, abrangência mais elástica, porquanto não se limita às relações 
decorrentes de contratos de trabalho, aí incluídos os contratos coletivos, mas 
também aos contratos agrários. Aqui, a inovação propicia questionamentos 
que merecem discussão. Ao envolver os contratos agrários, limitou-se aos de 
arrendamento e de parceria (erroneamente adjetivados de “rurais”, no novel 
texto legal), abstraindo outros contratos inominados admitidos no 
ordenamento jurídico brasileiro (art. 39 do Decreto no 59.566, de 14.11.66). 
Citem-se, para exemplificar, o contrato de comodato, muito utilizado no meio 
rural, e o contrato de concessão de uso, instituído pelo Decreto-lei no 271, 
de 28.2.67, art. 7o, que pode ser perfeitamente utilizado, em caráter oneroso, 
e por tempo determinado, como negócio jurídico, visando ao uso 
temporário do imóvel rural. 
 O quarto requisito que cuida do bem-estar 
dos proprietários e trabalhadores rurais encerra, na linguagem da lei, uma 
visível omissão. Preocupa-se com os “proprietários”, esquecendo-se dos 
“possuidores”, que, na verdade, são os que exploram a terra. Nem sempre os 
proprietários são possuidores diretos. Para os desígnios agraristas o que mais 
importa é a posse agrária, que se configura pela efetiva exploração da terra. 
Há, contudo, um dado positivo na configuração desse requisito: a 
preocupação com os conflitos e tensões sociais no imóvel, o que significa, em 
outras palavras, a busca da PAZ. 
 Impõe-se assinalar, neste passo, que os 
requisitos alinhados nos preceitos legais examinados devem ser observados 
simultaneamente, vale dizer, todos ao mesmo tempo. Não se cumpre a função 
social, observando-se apenas um ou dois requisitos. 
 Segundo observa ROSALINA PINTO DA 
COSTA RODRIGUES PEREIRA, os requisitos legais necessários à configuração da 
função social da terra se resumem a três ópticas: 
 
 (a) econômica: refere-se ao requisito da 
“produtividade”, ou seja, aproveitamento racional e adequado, já analisado. É o 
 
 
único que a Lei no 8.629/93 exige para a identificação da “Propriedade Produtiva” 
(art. 6o). 
 (b) social: abraça, a um só tempo, dois requisitos: a 
observância das disposições que regulam as relações de trabalho e o 
favorecimento do bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores rurais. 
 (c)ecológica: cuida dos requisitos relativos à 
utilização dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente.

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Outros materiais