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Etica e Serviço Público

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Módulo Conceitos Básicos1
Brasília-DF, 2016.
Ética e Serviço Público
© Enap, 2016
Enap Escola Nacional de Administração Pública
Diretoria de Comunicação e Pesquisa
SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF
Telefone: (61) 2020 3096 - Fax: (61) 2020 3178
Fundação Escola Nacional de Administração Pública
Presidente
Francisco Gaetani
Diretor de Desenvolvimento Gerencial
Paulo Marques
Coordenadora-Geral de Educação a Distância
Natália Teles da Mota
Conteudístas
Cícero Romão (2005) e Agnaldo Cuoco Portugal (2009).
Diagramação realizada no âmbito do acordo de Cooperação TécnicaFUB/CDT/Laboratório Latitude e Enap.
SUMÁRIO
1 - Objetivos Específicos ..................................................................................................... 5
2 - Por que estamos discutindo ética? ................................................................................. 6
3 - Diferentes sentidos de "ética"........................................................................................ 8
4 - Primeiro sentido: conjunto de normas e valores de uma tradição social ......................... 8
5 - Segundo sentido: a Ética como área de estudo ............................................................. 10
6 - O relativismo ético – um pouco de história .................................................................. 10
7 - Aristóteles e a ética como própria da natureza humana ............................................... 13
8 - Kant e o bem como decorrente da intenção que move a conduta ................................ 15
9 - Stuart Mill e o bem como decorrente das consequências da ação ................................ 18
10 - Terceiro Sentido de Ética: conduta racionalmente justificável ..................................... 20
11 - Ética e Justificação Racional ....................................................................................... 22
12 - O que as pessoas, de fato, fazem e o que elas deveriam fazer .................................... 24
13 - Ética, Política e Direito ............................................................................................... 28
14 - Educação Ética ........................................................................................................... 30
15 - Bibliografia ................................................................................................................ 31
16 - ncerramento .............................................................................................................. 31
5
1 Objetivos Específicos
Ao final deste módulo, você deverá ser capaz de:
• Contextualizar perspectivas teórico-filosóficas sobre Ética;
• Identificar os conceitos atribuídos à Ética, segundo perspectivas teórico-filosóficas;
• Relacionar e distinguir ética, política e direito;
• Explicar a importância da educação ética para o servidor público.
Neste módulo você terá contato com os diferentes sentidos de ética e alguns conceitos 
importantes, como autonomia e responsabilidade, além da relação entre ética, política e 
direito.
Os assuntos abordados aqui serão:
• Por que estamos discutindo ética?
• Diferentes sentidos de "ética".
• Primeiro sentido: conjunto de normas e valores de uma tradição social.
• Segundo sentido: a Ética como área de estudo.
• O relativismo ético - um pouco de história.
• Aristóteles e a ética como própria da natureza humana.
• Kant e o bem como decorrente da intenção que move a conduta.
• Stuart Mill e o bem como decorrente das consequências da ação.
• Terceiro Sentido de Ética: conduta racionalmente justificável.
• Ética e Justificação Racional.
• O que as pessoas, de fato, fazem e o que elas deveriam fazer.
• Ética, Política e Direito.
• Educação Ética.
Módulo Conceitos Básicos1
6
2 Por que estamos discutindo ética?
Do Moralismo à Ética
Durante as décadas de 1960 e 1970, o discurso político que enfatizava a moral e os bons costumes 
vinha associado a idéias conservadoras. Defendê-los era defender valores sedimentados na 
sociedade, tidos como essenciais à manutenção da ordem estabelecida.
Por outro lado, os que abraçavam ideias progressistas ou de mudança social tendiam a 
entender essa ênfase como um moralismo antiquado, sem muito propósito e, especialmente, 
como uma forma de controle ideológico da contestação.
Essa polarização deixava pouco espaço para se pensar a ética como uma importante dimensão 
da existência humana.
Vivemos hoje um contexto bem diferente. De certa forma, as instituições que eram criticadas 
por seu conservadorismo e pela defesa de um moralismo rígido foram capazes de absorver 
parte das práticas e dos significados da crítica social daquele período, ainda que um tanto 
esvaziados de seu conteúdo.
7
Pode-se dizer que as sociedades contemporâneas, independentemente das inclinações 
político-ideológicas de seus cidadãos, têm demonstrado uma inédita abertura para refletir 
seriamente sobre os pressupostos éticos da ação humana, problematizando, dessa maneira, 
seus costumes, regras formais e práticas informais.
Embora certas práticas sociais inovadoras tenham ganhado terreno, e a própria ideia de 
"contestação" tenha conquistado ampla aceitação social, isso não representou um estado de 
amoralidade ou descrédito do discurso ético. Assiste-se hoje a uma forte preocupação com a 
dimensão ética da vida social em todos os campos, especialmente na interação entre economia 
e política, e no exercício das funções públicas.
Por sua vez, observa-se uma sensibilidade cada vez maior na sociedade brasileira em relação 
aos padrões éticos de conduta dos servidores públicos. A imprensa e a opinião pública 
têm constantemente apontado escândalos na administração do Estado e exigido que seus 
representantes eleitos ou que os servidores de carreira se conduzam segundo normas e 
valores que de fato façam justiça ao conceito de um serviço público.
Essa abertura acaba repercutindo nas instituições públicas, tanto nas de representação quanto 
nas de administração. Como resultado, vemos os representantes eleitos e os profissionais da 
administração pública preocupados em atender as demandas de ordem ética da sociedade.
É muito adequado, portanto, a quem pretende aprimorar sua atuação profissional nos diversos 
setores do serviço público, identificar e compreender o que significa ética e a relação desta 
com a atividade do Estado.
Assim, no curso que estamos iniciando, você vai conhecer, no Módulo 3, códigos de conduta 
ética e normas específicas de orientação das ações do servidor público. O Módulo 2 tratará 
da fundamentação desses códigos na ideia de Estado democrático e de direito, voltado para 
o interesse público e não apenas de grupos particulares. Para melhor compreensão desses 
tópicos, o Módulo 1 apresentará os conceitos básicos de ética e um esboço de suas relações 
com a política e o direito.
É para esse estudo que convidamos você agora...
8
3 Diferentes sentidos de "ética"
Para auxiliar nessa reflexão, que pode ter tantos efeitos na atividade profissional do servidor 
público, é importante esclarecermos os sentidos do termo "ética".
4 Primeiro sentido: conjunto de normas e valores de uma tradição social
Às vezes, a história de uma palavra, sua etimologia, ajuda a entender seu sentido. "Ética" vem 
do termo grego ethos, que tem dois significados diferentes, mas que podem ser relacionados. 
Um primeiro significado é o de casa ou morada. O segundo é de hábito ou comportamento 
que resulta da repetição constante.
O que têm a ver esses dois sentidos etimológicos de ethos? Como isso pode nos ajudar a 
entender o que é ética?
Pode-se dizer que a casa do ser humano é algo que o separa do mundo natural, é o lugar que 
o abriga das ameaças e desafios do mundo (chuva, animais ferozes etc.). Nesse sentido, a ética 
tem a ver com algo que é próprio de todo ser humano,enquanto um ser que se distingue do 
restante da natureza.
9
O outro sentido de ethos complementa aquele na medida em que o hábito ou costume são 
resultados de uma ação repetitiva, mas que não é meramente instintiva como no caso dos 
animais não humanos. Pelo hábito, o ser humano acumula e põe em prática um conhecimento 
que vem da sua própria experiência e de outros. Assim, casas são feitas pelos seres humanos 
com base no conhecimento acumulado há muitas gerações, que é fruto da experiência pessoal 
e coletiva refletidas racionalmente.
Ao mesmo tempo, essa ação é feita para responder a um desafio do mundo (a proteção contra 
ameaças, por exemplo) ou a um desejo por beleza e conforto. Nessa ação, que responde a um 
desafio, temos importante elemento do ethos: os valores.
Em outras palavras, beleza, segurança e conforto são bens ou finalidades valiosos que orientam 
a ação de quem constrói uma casa. Assim, o ethos é a morada humana, fruto do hábito que 
deriva da experiência acumulada pelo indivíduo e a tradição, e que se faz de modo planejado 
para atingir certos fins ou valores.
O primeiro sentido de ética, portanto, é de conjunto de valores e normas consolidados por 
uma tradição ou hábito socialmente reforçados, transmitidos e controlados.
Nesse sentido, não existe sociedade humana (uma nação, uma cidade, um grupo específico) 
que não tenha uma ética, que não tenha um conjunto de normas e valores que pretenda guiar 
a conduta dos seus membros. Sendo assim, não existe ser humano sem ética.
10
5 Segundo sentido: a Ética como área de estudo
Considerada como ação conduzida por normas e valores sociais, a ética se mostra algo próprio 
de todo o ser humano, pois não existe sociedade humana sem uma ética.
Um problema surge, porém, quando se percebe que há diferentes valores e normas derivados 
de diferentes tradições. Como saber qual o modo certo de agir se há tantas tradições diferentes?
6 O relativismo ético – um pouco de história
11
Se diferentes sociedades têm diferentes normas e valores, por que não pensar que não há 
nenhum valor bom ou norma justa realmente, que tudo é relativo? Por que não pensar que 
tudo vale?
A essa idéia geralmente se dá o nome de "relativismo ético", que, apesar de parecer muito 
razoável e verdadeiro, é bastante problemático. Se aceitarmos o relativismo, corremos um 
grande perigo de perda da força de qualquer norma e valor. Qualquer indivíduo poderá alegar 
que sua ação é eticamente correta simplesmente porque ele pensa assim e, desse modo, não 
haveria mais nenhuma norma ou valor que pudesse guiar a conduta das pessoas (como um 
todo).
A morada humana, o ethos, ficaria totalmente confusa ou, pior ainda, acabaria prevalecendo 
o uso da força física, como no mundo natural.
Em outras palavras, levado às últimas consequências, o relativismo ético representa o fim da 
própria ética como forma propriamente humana de existir.
A constatação da diversidade de éticas sociais não deixa de ser um problema. Foi como 
resposta a esse problema que surgiu a Ética como área de estudo da Filosofia na Grécia antiga, 
com Sócrates e seu discípulo mais famoso, Platão.
12
Um livro muito interessante e fácil de ler, que mostra bem os primeiros passos da Ética como 
área de estudos, é um diálogo de Platão chamado Críton ou O dever.
Nele, temos a seguinte situação: Sócrates está preso, condenado pelas autoridades de Atenas 
por uma conduta considerada tão séria que sua pena era a morte. Nos últimos momentos 
em que aguardava a execução da sentença, Sócrates recebe a visita de um amigo influente 
chamado Críton. Este propõe a Sócrates a fuga da prisão e o exílio em outra cidade, de modo 
que ele pudesse preservar sua vida.
O que se segue é um diálogo entre Sócrates e Críton, em que se mostra pela primeira vez 
uma alternativa ao relativismo ético, postulado pela Ética como área de estudo. Uma norma, 
valor ou conduta devem ser aceitos se forem baseados na razão, tida como uma capacidade 
presente em todos os seres humanos e, portanto, não sujeita às variações da história, das 
culturas e sociedades.
Embora a Ética como disciplina tenha, em termos gerais, dado uma resposta satisfatória 
ao relativismo ético, a tentativa de basear a conduta humana na razão teve de lidar com a 
complexidade própria de um assunto que envolve noções como "bem", "racionalidade", 
"responsabilidade", entre outras.
A perigosa tese de que "tudo vale" foi bem respondida, mas implicou um esforço enorme 
para dar conteúdo a noções como as indicadas acima, o que gerou um grande número de 
abordagens ao longo da história da Filosofia.
13
Em pouco tempo, a Ética se tornou uma área de estudo complexa, sendo hoje em dia dividida 
em dois problemas fundamentais: a ética normativa (que se ocupa em elucidar que ações são 
corretas e que ações são erradas) e a metaética (que discute o sentido dos termos éticos, se as 
normas morais são objetivas ou subjetivas, entre outras questões). Em nosso curso, veremos 
principalmente a parte normativa da ética, embora venhamos a tocar em alguns tópicos de 
metaética também.
Dentre as abordagens de ética normativa, cabe destacar três particularmente influentes e que 
podem nos ajudar a entender de uma maneira mais rica o conceito de ética.
7 Aristóteles e a ética como própria da natureza humana
Aristóteles viveu no século IV a. C. na Grécia e foi discípulo de Platão. Sua abordagem parte 
da ideia de que o ser humano é, por natureza, um animal político, que necessita participar de 
uma sociedade para se realizar como indivíduo.
No entanto, diferente de outros animais que vivem em sociedade (abelhas, formigas e zebras, 
por exemplo), o homem tem a possibilidade de agir racionalmente. A ação racional se distingue 
da guiada por instintos porque é livre. A liberdade humana se deve ao fato de que, por sermos 
dotados de razão, podemos escolher entre opções de forma consciente.
A melhor opção será aquela que melhor conduzir à realização do bem. Segundo Aristóteles, 
pode-se entender "bem" de várias maneiras, mas é possível classificá-lo de acordo com sua 
14
importância. O bem supremo seria a felicidade, entendida como realização das potencialidades 
do indivíduo como ser humano.
Para a felicidade, entendida dessa maneira, vários bens podem ser importantes, tais como 
o prazer ou alegria, a riqueza material e o reconhecimento ou fama. No entanto, eles são 
bens secundários, que só fazem sentido em vista de um bem maior. Para Aristóteles, o que 
realmente realiza o homem e o faz feliz é a posse ativa da sabedoria prática, ou seja, daquela 
razão que permite agir do modo certo na situação adequada.
Agir do modo certo na situação adequada implica discernimento e lucidez, que são os maiores 
bens que as pessoas deveriam buscar. São propriamente humanos (não como o prazer, que 
também é usufruído por animais não humanos), não podem ser tirados de nós, podem ser 
acumulados de acordo com nossas vontades (diferentemente da riqueza material) e não 
dependem dos outros para terem valor (ao contrário da fama, que precisa necessariamente 
dos outros para existir).
A pessoa de discernimento é aquela que mostra na prática uma forma sábia de viver, chamada 
por Aristóteles o equivalente em português ao que chamamos de "virtuosa". Assim, a pessoa 
mais feliz, mais realizada, é a pessoa mais virtuosa e não a rica, mais alegre ou famosa.
Embora cada situação exija um discernimento próprio quanto ao modo correto de agir, 
Aristóteles defendia que, em geral, o modo correto de agir é o que evita extremos ou, como se 
diz popularmente, "nem tanto ao mar nem tanto à terra".
Assim, por exemplo, o virtuoso não é nem o covarde, que tem medo excessivo de se expor, 
nem o temerário, que se expõe demais, mas o corajoso, que enfrenta o perigo de forma ativa, 
mas com prudência. A sabedoria prática está em encontrar a justa medidapara cada ação, de 
modo a se poder avaliar que aquela foi eticamente correta.
15
O texto principal de Aristóteles sobre ética tem o título de Ética a Nicômaco, nome de seu 
filho, a quem ele dedicou o livro. O texto está disponível na Biblioteca deste curso.
8 Kant e o bem como decorrente da intenção que move a conduta
Immanuel Kant foi um filósofo de língua alemã que viveu no século XVIII, bem depois de 
Aristóteles. Sua abordagem em ética possui pontos em comum com a do filósofo grego, mas 
apresenta algumas diferenças fundamentais.
Para Kant, uma ação só é eticamente correta se for movida exclusivamente por uma boa 
intenção. O bem mais importante a ser buscado na conduta humana é agir a partir da 
consciência do que deve ser feito. Em outras palavras, agir bem é agir com base no dever.
16
Por estranho que possa parecer, para Kant, agir com base no dever é a única maneira de agir 
livremente. Isso porque o indivíduo só é livre quando não se submete a nenhuma condição 
externa à sua própria vontade.
A vontade não deve ser confundida com o desejo, que é um impulso natural em nós para a 
satisfação de necessidades naturais. A vontade é uma capacidade de agir segundo a razão 
consciente. Assim, agir com base na vontade é agir com base na razão e não se submeter nem 
mesmo aos apelos do desejo.
Nesse sentido, só uma ação a partir da vontade livre é eticamente correta para Kant. Ser livre é 
agir conforme o que manda a consciência incondicionalmente, é não permitir que nada além 
daquilo que sabemos ser correto interfira em nossa conduta.
Assim, quando mentimos sabemos que isso é eticamente errado, mas o fazemos porque 
somos movidos por algum impulso que se sobrepõe à razão, como o medo ou o desejo de 
levar alguma vantagem. Nossa ação nesse caso não foi livre, porque não fomos capazes de 
fazer o que sabíamos ser certo.
17
A responsabilidade só é possível quando somos capazes de responder plenamente por nossos 
atos. Responder pelos próprios atos supõe que somos nós mesmos que determinamos, a 
partir da razão, as normas de nossa ação, ou seja, supõe autonomia.
Por outro lado, responsabilidade supõe também liberdade e capacidade de assumir 
consequências da conduta assumida.
Para se avaliar se uma ação é moralmente correta, Kant propunha que se avaliasse o quanto ela 
poderia ser universalizada, ou seja, o agente deve imaginar se sua ação seria boa para todos 
que a praticassem. A esse critério ele chamou de "imperativo categórico", pois se tratava de 
um mandamento (imperativo) e que deveria ser obedecido de forma incondicional (de forma 
categórica e não hipotética, como se dependesse de alguma condição).
Uma das formas do imperativo categórico era assim: "aja de modo tal que a regra específica 
da sua ação concreta possa ser tomada como lei universal para todos". Desse modo, a mentira 
não pode ser considerada uma ação eticamente correta porque não pode ser universalizada. 
Eu não posso querer que todos mintam, porque o resultado vai ser uma situação insustentável, 
na qual ninguém mais poderá confiar no que o outro diz, uma situação na qual a comunicação 
ficará impossível.
Desse modo, para Kant, agir eticamente é agir por dever e seu motivo é a realização do bem 
geral e não da vantagem de um indivíduo ou de um grupo particular.
18
O principal livro de Kant sobre ética é a Fundamentação da Metafísica dos Costumes, 
que contém três seções de crescente complexidade e rigor na argumentação. Para uma 
introdução, geralmente é suficiente a leitura das duas primeiras, onde está enunciado o 
famoso imperativo categórico, mencionado aqui. O livro está disponível na Biblioteca deste 
curso.
9 Stuart Mill e o bem como decorrente das consequências da ação
Stuart Mill foi um filósofo inglês do século XIX, que foi considerado o pensador mais importante 
de uma abordagem em Ética chamada de "utilitarismo". Para o utilitarismo, o bem de uma 
ação depende não tanto da intenção, mas das consequências que ela tem.
Uma conduta só pode ser avaliada como boa se for útil, no sentido de fazer bem ao maior 
número possível de pessoas e mal ao menor número possível. Uma ação pode ser muito bem-
intencionada, mas ela será ruim se acabar sendo prejudicial aos outros, ou seja, como se diz 
popularmente, "de boas intenções o inferno está cheio".
O utilitarismo tem a vantagem de tornar bem claro quando uma ação é eticamente boa ao 
permitir uma avaliação bem objetiva de uma conduta por meio das consequências que ela traz 
e do número de pessoas que são beneficiadas ou prejudicadas.
"Beneficiar alguém" para o utilitarismo quer dizer aumentar a quantidade de prazer e diminuir 
a quantidade de dor que essa pessoa sente. "Prejudicar" é o contrário: diminuir o prazer e 
aumentar a dor.
19
Assim, para saber se uma ação é eticamente boa, basta medir o quanto de prazer ela traz para 
o maior número e o quanto de dor ela implica para a maioria.
Por outro lado, o prazer de que fala o utilitarismo não é a mera fruição de sensações físicas, 
comuns a animais não humanos também. Embora seja importante a satisfação das necessidades 
a elas correspondentes (por isso a fome é eticamente condenável para o utilitarismo), os 
prazeres mais importantes são os propriamente humanos, como a busca do conhecimento, 
a ocupação com as grandes questões públicas e a fruição das artes de alto padrão de beleza.
 
Cada indivíduo deve agir não conforme seu próprio prazer pessoal, mas levando em conta a 
felicidade (medida em termos de prazer e dor) do maior número. Nenhum indivíduo pode ser 
feliz se a coletividade da qual ele faz parte é infeliz, ou seja, o bem comum é condição para a 
plenitude do bem individual.
20
Além de Stuart Mill, outro importante autor dessa corrente de Ética normativa foi Jeremy 
Bentham, que foi padrinho de Mill. O principal livro de Stuart Mill sobre o utilitarismo 
pretendeu aperfeiçoar a proposta de Bentham. Mais informações podem ser encontradas 
nos seguintes sítios:
http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Stuart_Mill
http://pt.wikipedia.org/wiki/Utilitarismo
10 Terceiro Sentido de Ética: conduta racionalmente justificável
O rápido estudo dessas três abordagens influentes em história da Ética nos permite falar de 
um terceiro sentido de "ética", empregado quando avaliamos que, mesmo uma ação sendo 
socialmente estabelecida, ela pode ser eticamente condenável.
Em outras palavras, mesmo que uma conduta seja habitual e frequentemente praticada numa 
sociedade, ainda assim podemos dizer que ela é antiética.
Furar fila e empregar parentes em funções públicas sem concurso, por exemplo, podem ser 
condutas muito comuns num grupo social. Nem por isso as consideramos eticamente corretas.
Isso significa que o que é ético no primeiro sentido (conduta baseada em normas e valores 
socialmente sancionados) pode não ser ético nesse terceiro sentido.
Para esse terceiro sentido, uma ação é considerada eticamente correta se for justificada 
racionalmente. Isso quer dizer que alegar que "todo mundo faz assim" não significa que esteja 
correto eticamente.
Dizer que todo mundo fura fila pode até explicar por que eu estou fazendo a mesma coisa, 
ou seja, porque se trata de um comportamento frequente e que, de tão comum, eu acabei 
assimilando instintivamente à minha conduta. No entanto, posso ainda assim considerá-lo 
sem justificação, ou seja, antiético.
21
Nesse sentido, a expressão "explica, mas não justifica" nos ajuda a elucidar um pouco mais 
esse terceiro sentido de "ética". Ética aqui tem a ver não com a explicação de como as pessoas 
de fato agem ou de como as coisas acontecem frequentemente, mas com o modo como as 
pessoas devem agir, com a justificação racional do que se faz.
É por isso que podemos avaliar uma conduta como socialmente difundida ou psicologicamente 
compreensível e rejeitá-la como inaceitável do ponto devista ético.
Em outras palavras, podemos compreender o comportamento criminoso, ou seja, podemos 
entender que há uma explicação sociológica para o crime com base no ambiente de violência 
no qual viveram alguns criminosos ou numa cultura que banaliza a agressão. No entanto, 
podemos dizer que, embora isso explique, não torna justificável a ação criminosa.
Podemos, então, entender ética nesse terceiro sentido como a conduta justificada 
racionalmente.
Embora "ética" e "moral" sejam palavras de raízes históricas diferentes (ética, como vimos, 
vem do grego ethos e moral vem do latim mores), elas têm etimologicamente um sentido 
comum, o de hábito ou costume. No entanto, para facilitar nossa comunicação, podemos fazer 
como alguns filósofos e reservar "moral" para o primeiro sentido de ética visto aqui, ou seja, 
a conduta baseada em normas e valores estabelecidos e difundidos socialmente, e reservar 
"ética" para a conduta justificável racionalmente.
22
O segundo sentido de "ética" (a área de estudo da Filosofia) fica, então, denominado Ética com 
"e" maiúsculo, tal como se escreve o nome de uma área do conhecimento em português, que 
podemos chamar também de "filosofia moral".
Assim, quando falarmos de ética na administração pública, neste curso, vamos nos referir ao 
tipo de conduta racionalmente justificável que se espera de um conjunto de indivíduos. Uma 
conduta que pode coincidir ou não com a moral de fato vigente entre a maioria das pessoas 
que pertencem a essa categoria, ou seja, com o modo pelo qual, de fato, se comportam os 
servidores públicos.
Vamos, a seguir, explorar alguns conceitos que podem ser úteis para a avaliação ética da 
conduta do servidor público.
11 Ética e Justificação Racional
Quando dizemos que ética é a conduta justificada racionalmente, pressupomos certamente 
o conceito de "racionalidade". É muito comum, quando nos indignamos com alguma ação 
que consideramos antiética, que chamemos aquele comportamento de "absurdo" ou "sem 
cabimento".
O conceito de racionalidade é bastante difícil e não cabe nesse curso aprofundá-lo demais. 
Para o propósito de introdução geral ao tema da ética, de modo a aperfeiçoar a conduta do 
servidor público, podemos nos restringir a dois elementos de justificação que, de certo modo, 
estavam presentes desde os primeiros textos da filosofia moral.
23
No Críton - diálogo de Platão que citamos anteriormente - Sócrates reage à proposta de seu 
amigo com base em dois princípios de racionalidade.
Ao primeiro, podemos chamar de princípio da coerência, segundo o qual é irracional agir 
contrariamente ao que se afirmou anteriormente ser a conduta certa. Assim, Sócrates rejeita a 
proposta de fuga de Críton porque anteriormente havia defendido que os cidadãos de Atenas 
deveriam respeitar as leis e instituições atenienses, coisa que ele próprio sempre fizera ao 
longo da vida.
Assim, fugir da prisão depois de ter sido condenado, mesmo que injustamente a seu ver, não 
seria coerente e, portanto, não seria uma conduta justificável.
O segundo princípio é o da universalização, que vimos na ética de Kant.
Por esse princípio, se não posso concordar que todos façam o mesmo que eu, então minha 
conduta não é universalizável e, portanto, não se justifica racionalmente.
Em outras palavras, se tomo meu ato como uma exceção, que eu não concordaria que fosse 
repetido por outras pessoas, então tenho aqui um claro sinal de que se trata de um ato 
injustificável.
No caso de Sócrates, o argumento que ele apresentou a Críton era de que as leis e as instituições 
ficariam totalmente desmoralizadas caso todos as desrespeitassem, como seu amigo estava 
propondo que ele fizesse. Embora a simples fuga individual de Sócrates não fosse ter todo esse 
impacto, se todos seguissem seu exemplo, o enfraquecimento institucional e normativo da 
sociedade seria uma consequência bastante certa.
24
De certo modo, a irracionalidade da conduta que fere o princípio de universalização tem a 
ver também com as consequências da ação para o indivíduo e o grupo. A ideia de que haveria 
um efeito ruim para o próprio indivíduo que a realizou, caso todos agissem como ele agiu, 
se aproxima bastante da ética utilitarista, que também fala do tipo de consequência como 
parâmetro para avaliar uma conduta.
É certo que o problema da racionalidade de uma ação é um tema complexo e não se esgota com 
essa abordagem introdutória. No entanto, esses dois princípios, coerência e universalização, 
parecem incluir dois importantes elementos para se avaliar se uma conduta é justificável e 
podem ser bastante úteis para se julgar se uma determinada ação de um servidor público é 
eticamente aceitável.
12 O que as pessoas, de fato, fazem e o que elas deveriam fazer
O conceito de ética proposto aqui - conduta racionalmente justificável - foi apresentado a 
partir de uma distinção entre o que as pessoas fazem e o que elas devem fazer. Essa distinção 
pode ser expressa também da seguinte maneira: a ética diz respeito ao que é "de direito" e 
não ao que é "de fato". Pelo fato de ser relativa a como deve ser a conduta humana, uma ação 
para ser ética, nesse sentido, precisa ser justificável racionalmente.
Uma dificuldade com essa concepção de ética é que, muitas vezes, as pessoas são levadas a 
agir de um modo determinado pelos seus desejos e condicionamentos sociais. Fazer qualquer 
juízo ético sobre seu comportamento parece esquecer que as "pessoas são de carne e osso".
É claro que não podemos esquecer que ninguém é perfeito, mas o que teríamos se abríssemos 
mão do julgamento ético?
25
Em primeiro lugar, se a compreensão de nossos atos se esgota nas causas e condicionamentos 
externos à vontade, então nós nos tornamos seres cujo comportamento pode ser inteiramente 
dirigido por quem quer que detenha o conhecimento e o controle desses mecanismos.
Se não temos, em princípio, uma vontade que se baseie numa decisão racional e livre, mas, 
ao contrário, que é sempre condicionada por conveniências pessoais e motivos psicossociais, 
então não há como se justificar o tratamento diferenciado que se dá entre uma máquina, 
que se usa como instrumento, e um indivíduo humano, que julgamos digno de ser tratado 
como fim em si mesmo, não como um joguete. Em outras palavras, a possibilidade de sermos 
responsabilizados pelo que fazemos é um elemento fundamental que nos caracteriza como 
seres humanos.
Em segundo lugar, a redução do âmbito ético à esfera das causas e desejos tornaria difícil a 
compreensão de atos como a indignação moral, a resistência à influência predominante no 
meio e o comportamento conscientemente desviante do normalmente esperado.
Nem todo alemão no período nazista aceitou passivamente a ideologia racista, muitos se 
opuseram e resistiram, pondo em risco a própria vida. Mesmo que eu me sinta injustiçado 
ou perceba que os espertos têm tido sucesso material, posso me recusar a entrar para a 
criminalidade ou a agir desonestamente. Muitos de nós somos capazes de renunciar a uma 
conveniência pessoal em função do que consideramos correto.
26
Se é verdade que abrir mão do julgamento moral acarreta sérias consequências do ponto de 
vista da liberdade e da dignidade humanas, e se é verdade que as explicações oferecidas pelas 
ciências sociais e humanas não implicam o desaparecimento do âmbito especificamente ético, 
ainda nos resta um segundo problema a ser brevemente analisado neste tópico: o problema 
do conflito de valores numa análise especificamente ética de uma determinada conduta.
O que fazer quando mais de uma obrigação ética parece estar envolvida numa ação?
Um belo exemplo desse problema está num famoso texto do filósofo francês Jean-Paul Sartre, 
intitulado O Existencialismo é um Humanismo. Sartre apresenta o caso de um jovem que se vê 
na difícil situação de optar por defender a pátria na guerra ou cuidar de suamãe doente que o 
tem como única alternativa de ajuda. Ambas opções parecem eticamente justificáveis, ambas 
passam pelo critério de universalização e coerência enunciados acima.
Por outro lado, nenhuma das escolhas possíveis está fundada em qualquer motivação externa 
à vontade movida racionalmente. O caso em questão é o de alguém tentando se guiar pelo 
que racionalmente parece o caminho mais correto. Assim, o que temos aqui é uma situação 
na qual o julgamento ético fica indeterminado, pois qualquer uma das decisões é passível de 
justificação racional.
Nos casos onde critérios puramente éticos não permitem um julgamento conclusivo da 
correção de uma ação, podemos recorrer a padrões próximos ao da ética, como os da política 
ou do direito.
27
Assim, podemos hierarquizar os valores envolvidos no conflito conforme a justiça e a legalidade 
do ato. Em outras palavras, podemos considerar os benefícios e malefícios que nosso ato 
implica para a coletividade na qual estamos inseridos e o grau de consistência de nossa ação 
com o código positivo de regras estabelecido por essa coletividade a fim de julgarmos qual a 
melhor maneira de agir.
Em todo caso, o que Sartre queria com esse exemplo era defender a idéia de que, nas situações 
concretas de nossas vidas, no mais das vezes, não temos em que nos apoiar e que o rumo 
que damos para nossas existências depende, no fundo, de nossas decisões e não de qualquer 
essência universal que sirva de guia infalível para nossos atos.
Para Sartre, ao mesmo tempo em que não dispomos de parâmetros de julgamentos gerais que 
sempre decidam conclusivamente sobre a correção ética de uma ação, devemos encarar nossa 
conduta concreta como se fosse um exemplo para toda a humanidade, como se estivéssemos 
construindo a própria essência do ser humano a cada decisão que tomamos. Trata-se de uma 
versão existencialista do princípio de universalização.
Aprofundemos um pouco mais o tópico da relação entre ética, política e direito.
28
13 Ética, Política e Direito
A questão do conflito de valores vista ao final do último tópico serve para nos mostrar que o 
julgamento ético nem sempre permite uma conclusão clara, embora possa ser de grande ajuda 
em muitas situações em que queremos avaliar se o que estamos fazendo é certo ou errado.
A sugestão apresentada foi de que, nesses casos, devemos combinar a avaliação ética com 
valores e normas presentes na política e no direito.
Há muitas definições de política, mas é possível entendê-la, para os propósitos de relacioná-la 
com o âmbito da ética (que se refere à ação de um indivíduo), como a ação de uma coletividade 
em vista de um fim que não pode ser alcançado por um único indivíduo. Estradas, escolas, 
hospitais são exemplos de obras coletivas, que servem a necessidades humanas importantes 
e que não poderiam ser realizadas por pessoas isoladas.
Para que os indivíduos possam agir conjuntamente, é preciso haver acordo entre eles. Esse 
acordo se faz por meio do direito, que pode ser entendido como o conjunto de normas e leis 
positivas vigentes num país e que têm força coercitiva.
Tanto a ética, a política e o direito dizem respeito a valores, dizem respeito ao que é considerado 
um bem. O bem da política é que se chama de justiça, entendida como o bem comum a ser 
atingido pela ação coletiva.
29
A justiça se manifesta também no modo como é distribuído esse bem comum, conforme 
princípios como o mérito (é justo que cada um tenha o que fez por merecer), a equanimidade 
(é justo que os bens sejam distribuídos de modo que todos tenham as mesmas oportunidades) 
e a isonomia (é justo que todos sejam tratados do mesmo modo pelas instituições públicas e 
as leis).
Diferentemente da ética, a ação política sempre leva em conta o que de fato é possível fazer, 
dado que se trata de uma conduta que resulta do acordo e da pressão de grupos e indivíduos 
com pontos de vista diferentes.
O direito tem a ver com a norma garantida, em último caso, pelo recurso à força pelo Estado. 
Se eu não cumpro uma lei, sou passível de punição por instituições públicas. No caso da ética, 
é a própria consciência do indivíduo que fala, ou seja, que o censura ou elogia.
Como vimos acima, uma ação tem valor ético quando é feita de forma autônoma, por iniciativa 
própria. Quando dizemos que alguém é responsável pelo que faz, estamos pressupondo que 
ele tem autonomia para agir.
30
Em suas ações, o servidor público é passível de julgamento ético, como qualquer pessoa, mas 
também pode ser avaliado conforme a justiça da conduta que tomou (ou seja, o quanto esta 
atende ao interesse público) e, principalmente, no quanto sua ação está de acordo com a 
legislação vigente.
14 Educação Ética
A importância da educação ética do servidor público está no fato de que sua iniciativa, no 
sentido de aperfeiçoar o serviço público, é fundamental para o aperfeiçoamento do Estado 
brasileiro, para que haja mais justiça na distribuição dos bens.
É claro que ela não resolve tudo, que sempre é necessário aperfeiçoar as instituições e aplicar 
bem as leis vigentes, mas não se pode negar que o aprimoramento do discernimento ético do 
servidor público tem grande papel na melhoria do serviço público em nosso país.
31
É com esse propósito que se justifica o curso que estamos fazendo. Trata-se aqui de apresentar 
ideias e argumentos que ajudem cada servidor a discernir melhor seu próprio modo de agir 
em seu trabalho no dia a dia e aperfeiçoar sua conduta.
Se pudermos contribuir para esse propósito, já teremos feito algo muito importante.
Continuemos nosso curso com o módulo 2, referente à aplicação desses conceitos éticos à 
administração pública mais concretamente.
15 Bibliografia
1) Sobre a natureza da ética de um modo geral, ver de R.M. Hare, Ética - Problemas e Propostas 
(São Paulo: Edunesp, 2004).
Ver também a coletânea de artigos A Companion to Ethics, organizada por Peter Singer 
(Oxford: Blackwell, 1991); o Dicionário de ética e Filosofia Moral, organizado por Monique 
Canto-Sperber (São Leopoldo, RS Unisinos, 2003; 2 vols.) e da mesma autora e de R. Ogien, ver 
Que devo fazer? (São Leopoldo, RS: Ed. Unisinos, 2004).
2) Sobre a ética das virtudes, ver a coletânea Virtue Ethics (Nova York Oxford Univ Press, 1997), 
organizada por R. Crisp e M. Slote.
Para uma crítica da filosofia moderna, por supostamente ter colocado em segundo plano a 
ética das virtudes, ver de A. Macintyre, Depois da Virtude (Bauru, SP: Edusc, 2001).
3) Sobre deliberação e escolha, ver de P. Aubenque, A Prudência em Aristóteles (São Paulo: 
Edusp,) especialmente o capítulo III.
4) Sobre a origem e desenvolvimento da ideia de autonomia moral, ver de J.B. Schnnewind, A 
Invenção da Autonomia (São Leopoldo, RS: ED. Unisinos, 2001).
5) Sobre a ética de Aristóteles, ver Ética a Nicômacos (Brasília, Ed. UnB).
6) Sobre a ética de Kant, ver Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes (São 
Paulo, Nova Cultural, Col. Os Pensadores).
7) Sobre o utilitarismo, ver John Stuart Mill, Utilitarismo (São Paulo, Ed. Escala).
8) Sobre conflitos de valores, ver Jean-Paul Sartre O Existencialismo é um Humanismo (São 
Paulo, Nova Cultural. Col. Os Pensadores).
16 Encerramento
Terminamos o Módulo 1. Agora, faça o Exercício Avaliativo proposto a seguir.
Módulo A Ética da Vida Pública: 
Cidadania e Serviço Público 
no Brasil
2
Brasília-DF, 2016.
Ética e Serviço Público
© Enap, 2016
Enap Escola Nacional de Administração Pública
Diretoria de Comunicação e Pesquisa
SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF
Telefone: (61) 2020 3096 - Fax: (61) 2020 3178
Fundação Escola Nacional de Administração Pública
Presidente
Francisco Gaetani
Diretor de Desenvolvimento Gerencial
Paulo Marques
Coordenadora-Geral de Educação a Distância
Natália Teles da Mota
Conteudístas
Cícero Romão (2005)e Agnaldo Cuoco Portugal (2009).
Diagramação realizada no âmbito do acordo de Cooperação TécnicaFUB/CDT/Laboratório Latitude e Enap.
SUMÁRIO
1 - Objetivos Específicos ..................................................................................................... 5
2 - Por que falar em ética da vida pública? .......................................................................... 5
3 - A vida pública e a esfera privada: o Estado ..................................................................... 8
4 - Democracia e Cidadania............................................................................................... 12
5 - Cidadania no Brasil ...................................................................................................... 14
6 - Serviço público e desafios do Estado contemporâneo no Brasil .................................... 18
7 - Responsabilidade pública (Accountability) ................................................................... 22
8 - Bibliografia .................................................................................................................. 25
9 - Encerramento .............................................................................................................. 26
5
1 Objetivos Específicos
Ao final deste módulo, espera-se que você seja capaz de:
1 - Justificar a importância da Ética no exercício da função pública, particularmente no 
que se refere aos valores que devem nortear a conduta dos servidores públicos e 
garantir, consequentemente, o respeito à coisa pública e o foco no cidadão;
2 - Distinguir a esfera pública da esfera privada com atenção voltada para os valores e 
princípios que regem as condutas nesses dois universos;
3 - Definir "democracia", considerando os conceitos de representação e igualdade, 
bem como a noção de cidadania;
4 - Contextualizar a cidadania no Brasil, observando os aspectos históricos do país e 
os desafios para o futuro em vista da responsabilidade pública.
Neste módulo, será estudada a relação entre ética e a dimensão pública da conduta do 
indivíduo, tratando especialmente da ação do servidor público como agente do Estado, o 
modo como os valores próprios da cidadania se concretizaram na ação do Estado brasileiro e 
os desafios que se põem para a conduta do servidor público diante dessa história.
Os assuntos abordados aqui são:
• Por que falar em ética da vida pública? 
• A Vida Pública e a Esfera Privada: O Estado. 
• Democracia e cidadania. 
• Cidadania no Brasil. 
• Serviço Público e desafios do Estado contemporâneo no Brasil. 
• Responsabilidade pública (Accountability). 
2 Por que falar em ética da vida pública?
A Natureza da Política
Vimos que a ética diz respeito, principalmente, à ação do indivíduo: aos valores e normas 
implícitos em sua conduta, permitindo que esta seja julgada como correta ou incorreta, como 
ética ou antiética. Embora a ética trate também de ações que o indivíduo realize em relação a 
si mesmo, normalmente ela se refere àquilo que as pessoas fazem para outras pessoas.
Um dos traços mais característicos dos seres humanos é que eles vivem em coletividades e 
precisam da convivência com outros seres humanos para se realizarem como pessoas.
Módulo A Ética da Vida Pública: 
Cidadania e Serviço Público 
no Brasil
2
6
A ação de uma coletividade é o assunto principal da política. Trata-se de uma dimensão 
essencial de nossas vidas porque sabemos que a maioria das grandes coisas de que precisamos 
e podemos fazer jamais seria feita apenas por nós mesmos isoladamente ou mesmo por um 
pequeno grupo de indivíduos. Elas dependem do amplo concerto e da sólida união de um 
grupo bastante numeroso.
Esse fazer coletivo, porém, não resulta apenas em grandes coisas. Embora nem sempre o 
percebamos, muito de nossos próprios pequenos sucessos individuais depende também do 
sucesso de nossa coletividade. E isso é obra da política.
Em política temos também que deliberar e fazer escolhas, como na ética. Não haveria política 
se não houvesse alternativas, se não houvesse espaço para a decisão efetiva acerca de que 
rumo tomar, se tudo fosse submetido à necessidade férrea ou ao absolutamente casual, 
conceitos que estudamos no Módulo 1.
A política é uma atividade inteligente. Sua marca é intervir no mundo segundo uma intenção 
premeditada, para conservar ou mudar um estado de coisas. Além disso, as alternativas 
políticas não são neutras em relação aos valores morais, pois elas dificilmente escapam a uma 
ponderação sobre o mérito ou demérito da ação: sua justiça, correção, prudência, coragem, 
magnanimidade...
7
Aquilo que na ação individual é precedido por uma reflexão introspectiva e silenciosa, no 
âmbito político se torna um processo visível, interpessoal e, às vezes, bem barulhento, que 
vai de um simples intercâmbio de opiniões até uma discussão acalorada, uma pomposa 
assembleia ou um debate na televisão em rede nacional.
Mas, se a política é assim tão importante e tão útil, por que muita gente diz ter aversão 
a ela? A resposta a essa questão nos remete a um segundo elemento fundamental da 
natureza da política. Além de ser a união de indivíduos empenhados em resolver problemas 
que só coletivamente podem ser resolvidos, a política é também a atividade de conquista e 
manutenção do poder que permite resolver esses problemas.
O que vemos numa eleição, num debate entre parlamentares de partidos opostos ou num 
golpe de Estado, por exemplo, são ações tipicamente políticas porque se referem à disputa pelo 
poder. Esse elemento de conflito e tensão, que envolve ações nem sempre muito apreciáveis 
do ponto de vista ético, talvez seja a principal causa para muitas pessoas terem um sentimento 
negativo em relação à política.
8
Assim, a natureza da política envolve não apenas o trabalho coletivo na busca de solucionar 
problemas comuns a todos (segurança, saúde, transporte, educação etc.), mas também 
a disputa pelo poder que possibilita resolver esses problemas. Uma grande questão a ser 
resolvida pela atividade e pelas instituições políticas é como fazer com que a disputa pelo 
poder não inviabilize ou mesmo coloque em segundo plano o objetivo maior de se buscar o 
bem comum.
3 A vida pública e a esfera privada: o Estado
A política, por ser uma ação coletiva, precisa de um ambiente onde se dão os acordos e 
conflitos entre seus membros: a vida pública. Esta se define por sua distinção da vida privada.
Embora se possa falar de poder nas relações interpessoais (entre cônjuges, amigos ou familiares, 
por exemplo), o mais apropriado é pensar que o que está envolvido no poder político é um 
âmbito de relações que se regula por normas impessoais e válidas para todos.
Em outras palavras, enquanto na esfera privada fazemos legitimamente distinções entre 
amigos e inimigos, e nos permitimos agir de modo especialmente favorável em relação a quem 
nos é familiar, isso não cabe na vida pública de modo legítimo.
Embora a disputa pelo poder político frequentemente oponha indivíduos em grupos antagônicos 
distintos, a busca de objetivos comuns que caracteriza a política exige que tratemos a todos 
os envolvidos na vida pública de maneira igual e que ajamos não conforme nossos gostos ou 
inclinações pessoais, mas conforme valores e regras comuns a todos.
9
O Estado
A distinção entre público e privado é fundamental para se entender melhor a aplicação da 
ética ao campo de atuação do servidor público. Como veremos a seguir, ela permite entender 
e avaliar com mais clareza fenômenos como a corrupção e o clientelismo.
No entanto, essa distinção precisa levar em conta um elemento importante no entendimento 
do campo de atuação do servidor público. Além de ser distinta da esfera das relações 
interpessoais (familiares, de amizade, de grupos de amigos ou de interesse particular), a vida 
públicade um servidor público se dá dentro de um espaço definido também. Esse espaço de 
atuação pública segundo regras e valores comuns a todos é o definido pela jurisdição de um 
Estado.
O espaço público delimitado pela jurisdição de um Estado é também o que define a cidadania. 
Cidadão é aquele que tem determinados direitos e deveres perante a ordem jurídica definida 
por um Estado. Aprofundaremos o conceito de cidadania mais adiante.
Um Estado é tanto a estrutura política e jurídica de uma nação quanto o conjunto das 
instituições que administram um país. Classicamente, um Estado se caracteriza por ter um 
povo, um governo e um território. Assim, o âmbito no qual se dá o tratamento igual aos 
membros de uma coletividade política e as relações impessoais mediadas por regras comuns, 
independentemente de inclinações e preferências pessoais, é aquele abrangido pelo Estado 
ao qual o indivíduo pertence.
Outro conceito clássico no entendimento do Estado moderno é que ele detém o monopólio 
do uso legítimo da força. Em outros termos, só o Estado, lançando mão de um aparato policial 
e de forças armadas, tem legitimidade para usar a força física para levar alguém a agir de uma 
determinada maneira.
Afora as ações de legítima defesa (definidas também em lei), os cidadãos não podem usar a 
força uns contra os outros. Quando o fazem, o Estado tem o dever de intervir e punir esse ato.
É exatamente nessa possibilidade exclusiva de convencimento, a ser usado em caso extremo, 
que consiste o poder principal do Estado. Esse é um instrumento poderoso para conjugar os 
esforços individuais num sentido comum e é um recurso fundamental, objeto de cobiça por 
quem se dispõe a disputar o poder político.
Por outro lado, além do aparato policial, das forças armadas e do sistema judiciário, o 
Estado atualmente é também dotado de várias instituições que objetivam realizar serviços 
considerados importantes para a concretização de finalidades comuns, tais como saúde, 
educação, transporte etc.
Obviamente, os recursos e mecanismos envolvidos na realização dos serviços públicos são 
outro componente fundamental do poder do Estado, e seu domínio é mais uma razão da 
busca pela conquista do poder político.
É preciso lembrar, porém, que vários serviços de interesse público são prestados por instituições 
que não estão sob o controle do Estado. Por outro lado, há dentro do Estado instituições 
que servem de apoio a ações do próprio Estado, sem contar as ações e iniciativas nas quais 
o Estado se envolve no interesse de sua própria manutenção ou crescimento. Isso significa 
que o Estado não coincide com a esfera pública, pois há agentes não estatais que participam 
dela ativamente e nem sempre o interesse do Estado é um interesse público, mas do próprio 
10
Estado como ente autônomo. Essa distinção será uma base importante para a avaliação ética 
de certos casos envolvendo a conduta do servidor público.
Estado Moderno e Estado Contemporâneo
Para entendermos melhor os critérios de avaliação da conduta do servidor público no Brasil, 
é importante levarmos em conta algumas informações sobre o papel e os desafios do Estado 
historicamente falando.
O chamado Estado Moderno surge na Europa a partir do século XIII em resposta a desafios de 
segurança e de necessidade de expansão econômica. A fragmentação dos feudos medievais 
e a pouca especialização de sua administração não permitiam atender a demandas por maior 
segurança tanto interna quanto externa. A centralização do poder político nas mãos de um 
soberano, diminuindo o papel das aristocracias feudais, foi o modo de responder a essa 
exigência. O monarca absoluto de um território unificado podia arregimentar forças armadas 
mais eficientes na defesa contra inimigos externos, além de garantir melhor a ordem interna e 
a prestação de justiça para a resolução de conflitos entre os cidadãos.
Por outro lado, junto com a centralização do poder político em torno do soberano absoluto, 
o Estado Moderno foi aos poucos substituindo as associações pessoais familiares do feudo 
medieval, que eram guiadas pela tradição, por instituições impessoais e especializadas, regidas 
por padrões de racionalidade.
Em outras palavras, o Estado Moderno criou uma estrutura organizativa formal destinada a 
administrar a vida pública, possibilitando a consecução de objetivos não só sociais e políticos 
(segurança e resolução de conflitos), mas também econômicos.
Em Portugal, por exemplo, foi importantíssimo o papel do Estado no empreendimento que 
resultou na expansão marítima e permitiu a colonização de territórios em outros continentes, 
como foi o caso do Brasil.
A exclusividade do uso legítimo da força, a organização de um exército estável de base 
territorial definida, de um sistema policial e de um sistema judiciário, bem como o apoio a 
projetos econômicos de grande alcance, foram papéis desempenhados pelo Estado Moderno 
e que se mantêm no Estado Contemporâneo.
Com o Estado Moderno, começam a se instaurar direitos civis básicos como o de ir e vir, que 
não era acessível ao servo feudal; o direito à propriedade, fundamental para o novo modo de 
vida econômico que surgia, e o direito à justiça e segurança pessoal.
Embora a aristocracia ainda desempenhasse papel importante, aos poucos foi crescendo a 
importância de grupos de plebeus que estavam à frente de empreendimentos econômicos 
importantes, ligados ao comércio e à manufatura, e que buscavam maior influência nas decisões 
do Estado. Devido ao fato de que esses grupos habitavam os burgos - cidades que começavam 
a reaparecer por toda a Europa - eles passaram a ser conhecidos como "burgueses".
Ao mesmo tempo em que ia crescendo a importância dos burgueses, o poder absoluto do 
soberano ia também sofrendo limitações. Além de morar na cidade e não no campo, o burguês 
não era, como o servo feudal, preso à terra na qual trabalhava em troca de seus meios de 
subsistência.
11
Aos poucos, vai ganhando força um tipo de relação de trabalho mais livre, na qual o trabalhador 
é remunerado por seu serviço em moeda, o salário.
Todas essas alterações vão significar mudanças importantes no papel do Estado e no alcance 
do poder a ser desempenhado pelo soberano. Os interlocutores do Estado vão deixando de 
ser as famílias aristocráticas de senhores feudais e passam a ser os indivíduos. Em outros 
termos, vai surgindo um conjunto de valores articulados em torno da noção de liberdade 
individual, coerente com a importância crescente da iniciativa econômica dos burgueses em 
seus negócios privados.
A limitação do poder absoluto do soberano se torna necessária para permitir a ampliação dos 
direitos civis e a posterior criação dos direitos políticos.
A Revolução Gloriosa na Inglaterra, ao final do século XVII, e a Francesa, ao final do século 
XVIII, vão indicar o fim do poder absoluto dos reis e a transferência do poder político do Estado 
para instituições, que gradativamente foram passando para as mãos do povo.
No campo civil, o cidadão passou a ter direito à liberdade religiosa e de expressão de suas 
ideias. Os direitos políticos de organização em partidos e eleição direta de governantes ou 
representantes vão aparecer na Europa no século XIX.
Associado ao crescimento da importância do indivíduo e da liberdade, o poder do Estado 
vai deixando de ser ligado ao da pessoa do soberano. Aos poucos, o poder político vai se 
institucionalizando, ao invés do império das pessoas, vai se firmando a noção de império da 
lei, à qual mesmo o governante deve se submeter.
O aparato administrativo do Estado deixa de depender exclusivamente do monarca e passa a 
ter cada vez mais independência em relação às vontades pessoais do governante, podendo se 
dedicar a atender os direitos que aos poucos vão sendo conquistados pelo cidadão.
No entanto, a autonomia do aparelho administrativo também vai implicar problemas, quevão ser objeto de críticas e discussões até hoje. De um lado, o Estado contemporâneo vai ser 
criticado por se tornar um fim em si mesmo, não mais se importando com o desempenho das 
finalidades públicas para as quais foi criado e é mantido. Por outro lado, o Estado atualmente 
vai ser criticado porque se ocupa muito mais dos interesses dos grandes grupos econômicos 
capitalistas e não com os problemas e demandas da maioria dos cidadãos.
12
Estado Contemporâneo surge, então, como resultado de um lento processo no qual a noção de 
direitos do cidadão vai se ampliando e o poder político vai deixando de estar ligado à pessoa 
do soberano e passando para o império da lei. Tem-se a instauração do estado de direito e a 
crescente igualdade de participação do cidadão nas decisões do Estado. Surge o que se chama 
de democracia moderna.
4 Democracia e Cidadania
No Estado Contemporâneo, surgido das revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, a 
participação política foi elemento fundamental para a consolidação do império da lei e o 
atendimento às demandas de um número cada vez maior de cidadãos.
A primeira experiência democrática foi na Grécia Antiga, em Atenas. Todos os cidadãos 
atenienses podiam votar nas assembleias, onde se decidiam os rumos do Estado, e podiam 
ser escolhidos, por sorteio, para o desempenho de cargos públicos. Esse tipo de democracia 
foi bastante criticado por vários pensadores ao longo da história porque não dava importância 
para o conhecimento necessário ao bom governo do Estado, que ficava sujeito aos interesses 
dos mais fortes, disfarçados pela demagogia.
Além disso, eram considerados cidadãos apenas os adultos do sexo masculino, nascidos em 
Atenas e que fossem livres. Isso excluía a maior parte da população, ou seja, as mulheres, os 
escravos e os estrangeiros, além das crianças.
Por outro lado, mesmo entre os adultos do sexo masculino a participação era baixa, pois a 
maioria não tinha tempo para se dedicar a atividades políticas. No fim das contas, havia pouca 
diferença entre a democracia grega e um tipo de oligarquia, onde os mais ricos é que realmente 
decidiam os rumos do Estado.
A democracia moderna buscou preservar a ideia de governo do povo, mas evitando os 
problemas da democracia grega. No questionamento do absolutismo monárquico do Estado 
Moderno, vários pensadores defenderam a ideia de que a fonte primeira de legitimação do 
poder político é a vontade popular.
Assim, um primeiro sentido da democracia moderna foi o de ser uma forma de governo oposta 
a todo tipo de despotismo e autocracia. Em outras palavras, numa democracia, decisões devem 
ser tomadas não por um pretenso iluminado que dita o que deve ser feito, mas por instituições 
colegiadas, sujeitas ao controle e à eleição popular.
13
A democracia moderna se baseia fortemente no conceito de representação. Ao invés de supor 
que todo cidadão vai participar diretamente das decisões do Estado, os regimes democráticos 
modernos vão dar aos cidadãos o direito de eleger representantes e controlar o modo como 
estes exercem o poder em seu nome. Desse modo, em tese, poderiam ser escolhidas pessoas 
mais preparadas e interessadas em se dedicar aos assuntos públicos. São necessários, então, 
mecanismos de eleição que espelhem a vontade popular, de informação do modo como a 
representação é exercida e de acompanhamento das atividades e posicionamentos do 
representante.
Outro conceito fundamental da democracia moderna é o de igualdade de todos os cidadãos 
que tenham atingido a maioridade. Por conta da circunscrição territorial da noção de Estado, 
há em geral limites à participação de estrangeiros. No entanto, pouco a pouco, foram sendo 
eliminadas restrições de sexo, renda e escolaridade para a participação no processo eleitoral. 
Mesmo uma flexibilização do conceito de maioridade foi sendo feita ao longo do tempo, com 
uma gradual diminuição da idade mínima para se votar e ser votado.
Por outro lado, a democracia representativa moderna é criticada por se restringir à igualdade 
formal de todo cidadão como eleitor. Para esses críticos, não adianta nada dar a todos o direito 
de votar quando o acesso à educação e a bens de necessidade básica é desigual a ponto de 
inviabilizar uma participação consciente e bem informada na escolha dos representantes e 
no controle das atividades do Estado. Em suma, a democracia deveria incluir não apenas a 
igualdade eleitoral, mas também condições para o exercício da cidadania.
14
No século XX, surge a noção de direitos sociais, a serem atendidos pelo Estado também. A 
participação política exigia informação e capacidade de discernir sobre os rumos que o Estado 
deveria tomar. Com isso, surge o direito à educação gratuita, para todos os cidadãos. Além 
da educação, aos poucos vão se instaurando outros direitos sociais, como à previdência e 
aposentadoria, à saúde, à moradia, à alimentação e à renda mínima.
A noção de cidadania, então, vai se ampliando desde o início da Idade Moderna. Aos poucos, 
cidadão deixa de ser aquele que tem direitos civis apenas (à justiça, ao direito de ir e vir, à 
expressão livre de suas ideias, à propriedade, à liberdade de crença religiosa), baseados na 
ideia de igualdade perante a lei, que garantem a vida em sociedade. Por conta de pressões 
de grupos organizados, reformas políticas e revoluções, o cidadão foi adquirindo também 
direitos políticos, de determinar pelo voto quem vai exercer o poder no Estado e controlar o 
modo como seus representantes eleitos o exercem. Por fim, a cidadania incorporou direitos 
sociais, que garantem a participação na riqueza coletiva, de modo a diminuir a desigualdade 
econômica e social entre os indivíduos e permitir a participação real de todos.
5 Cidadania no Brasil
Segundo José Murilo de Carvalho em seu livro Cidadania no Brasil: o Longo Caminho (2001), a 
conquista de direitos de cidadania em nosso país seguiu curso diferente do que aconteceu em 
outros países de economia desenvolvida. Mais do que isso, os elementos básicos da cidadania, 
a igualdade de todos perante a lei e o acesso de todos à justiça, ainda não são uma realidade 
para os brasileiros.
15
Temos ainda uma situação na qual há o que Carvalho (2001) chama de cidadãos de primeira, 
segunda e terceira classe. Os de primeira classe, que estão entre os 5% mais ricos do país, estão 
acima da lei, no sentido de que raramente são condenados por alguma infração e, quando o 
são, conseguem escapar de punição graças à contratação de bons advogados. Para estes, a 
lei só vale quando os beneficia e possibilita que consigam favores do Estado, por meio dos 
contatos que têm nas diferentes esferas do poder público.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios do IBGE, em 2003, os cidadãos 
com renda entre um e dez salários mínimos seriam a maioria da população. Na classificação de 
Carvalho (2001), eles são os cidadãos de segunda classe, que estão sujeitos tanto aos rigores 
quanto aos benefícios da lei, mas de maneira incerta e incompleta.
Devido à demora e aos custos de uma ação na justiça, à falta de informação e ao medo de ações 
arbitrárias das autoridades policiais e judiciárias, os cidadãos de segunda classe raramente 
exigem seus direitos.
Cidadãos de terceira classe seriam os que ganham até um salário mínimo mensal, algo em 
torno de 25% da população brasileira. Eles formam a maioria da população que habita a 
periferia das grandes cidades brasileiras. Na sua maior parte, são pardos ou negros, com grau 
de instrução baixo ou mesmo analfabetos. Não se sentem protegidos pela lei ou pelo Estado. 
Seu contato com as autoridades policiais ou judiciárias não é o de demanda por seus direitos 
individuais, mas como vítimas de violência arbitrária e repressão.
Em outras palavras, a cidadania no Brasil ainda enfrenta o desafio de universalizar os direitos 
civis e fazer valer o Estado deDireito, com a igualdade de todos perante a lei. Quanto aos 
direitos políticos, houve avanço notável, especialmente depois da Constituição Federal de 
1988, com a livre organização partidária e as eleições diretas para prefeitos, governadores 
e presidente, além dos cargos legislativos. No campo dos direitos sociais, houve avanço 
também, com a universalização da previdência e aposentadoria, com a quase universalização 
da educação básica, com o aumento do acesso das classes mais pobres a moradia própria e 
com programas de renda mínima como o "Bolsa Família".
Não se pode negar que houve avanços, mas ainda há muito que fazer.
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História da cidadania no Brasil
A cidadania no Brasil pode ser dividida em quatro períodos:
Da Independência à Revolução de 1930
 O Brasil independente herdara de Portugal um imenso território, com uma 
população unificada em termos linguísticos e religiosos. Herdara também um 
analfabetismo quase universal, com poucas instituições dedicadas à educação, 
uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, e um 
Estado centralizador e sem participação democrática.
 A escravidão foi o elemento mais negativo para a cidadania, pois o escravo não 
era sujeito de direitos, mas um ser humano reduzido à condição de objeto de 
propriedade. Ela marcou profundamente a sociedade brasileira nas primeiras 
décadas de sua existência como país independente. A abolição da escravatura 
em 1888 pouco representou de avanço, pois a população afrodescendente 
continuou excluída de bens sociais, com consequências até hoje.
 A justiça era exercida como instrumento do poder pessoal dos grandes senhores 
de terras, não havendo qualquer noção de igualdade perante a lei. Não havia, na 
verdade, um poder público, mas apenas o uso da precária máquina do Estado 
para os interesses particulares dos grandes proprietários. A lei era usada não 
para proteger o cidadão, mas para perseguir os adversários, numa completa 
privatização do Estado, ficando famosa a expressão "para os amigos tudo; para 
os inimigos, a lei".
 Os direitos políticos foram amplos inicialmente, com a permissão de voto aos 
analfabetos até a República (em 1881). A proibição deste limitou muito o 
acesso ao direito de voto. Mas esse direito não significava participação do povo 
no governo do Estado, pois as práticas de compra de voto, fraude eleitoral e 
violência eram comuns. Até 1930, eleições eram apenas um meio de reforçar o 
poder pessoal de grandes proprietários e oligarquias regionais.
 A rigor, não havia direitos sociais, pois a assistência social não era prestada 
por instituições do Estado, mas por associações particulares. Nem mesmo a 
educação primária era obrigação do poder público.
De 1930 ao Golpe Militar de 1964
 O período é marcado por significativos avanços nos direitos sociais, por uma 
situação ambígua quanto aos direitos políticos e lento progresso nos direitos 
civis. Além de ter sido iniciado por um movimento com algum apoio popular e 
certo entusiasmo cívico, a chamada "Revolução de 30", o período contou com 
alguns avanços significativos no campo dos direitos políticos. Foi introduzido o 
voto secreto e criada uma justiça eleitoral, como formas de combater as fraudes.
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 Pela primeira vez, as mulheres tiveram direito de votar. Mas isso logo foi 
interrompido pela ditadura do Estado Novo. No período após o fim do Estado 
Novo e até 1964, o país viveu sua primeira experiência de democracia política 
mais digna desse nome, com eleições mais livres e limpas, além de liberdade de 
imprensa e de organização política. Cresceram em participação e em número 
os movimentos de organização social, como a União Nacional dos Estudantes 
e as Ligas Camponesas, mas isso não foi suficiente para impedir novo golpe de 
Estado antidemocrático em 1964.
 Os direitos sociais tiveram inegável avanço no período. O principal elemento desse 
fato foi a legislação social e trabalhista, que assegurava vários direitos como o 
salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas, as férias obrigatórias, as 
aposentadorias de várias categorias de trabalhadores de forma diferenciada, a 
proteção do Estado ao trabalhador sindicalizado, com a criação de uma justiça 
do trabalho. Isso, porém, se deu como um benefício concedido pelo governo, 
que exigia em troca lealdade para com o governante, e não como um direito do 
cidadão.
 Quanto aos direitos civis, estes foram seriamente comprometidos durante a 
ditadura do Estado Novo, restabelecidos após o fim desta, mas não se enraizaram 
nem se ampliaram no período.
De 1964 à Redemocratização em 1985
 O período foi marcado por mais um avanço nos direitos sociais, com um retrocesso 
nos direitos civis e políticos.
 A liberdade de expressão foi fortemente diminuída, com censura à imprensa e 
proibição de reuniões públicas. Prisões arbitrárias, violação de correspondência, 
invasão autoritária de lares, tortura e assassinatos por órgãos de repressão do 
Estado completavam o quadro sombrio de atentado aos direitos civis no período.
 Eleições diretas para presidente da república foram excluídas dos direitos políticos. No 
entanto, continuaram acontecendo eleições legislativas, embora o Congresso 
fosse sempre subserviente ao governo em sua maioria. Houve aumento na 
participação eleitoral e chegou-se a eleger maiorias oposicionistas, mas o 
governo as anulava com medidas arbitrárias. Ao final do período militar, porém, 
movimentos sociais foram se reforçando, com o surgimento de um sindicalismo 
independente, de associações profissionais, e de movimentos de sem-terra e 
sem-teto. O auge da mobilização popular se deu na campanha das "Diretas Já", 
em 1984, que acabou levando ao fim da ditadura militar, embora não tenha 
conseguido fazer isso pelo voto direto.
 Quanto aos direitos sociais, foi unificado o sistema previdenciário e estendido 
aos trabalhadores rurais, empregadas domésticas e trabalhadores autônomos, 
tornando-se finalmente universal. Instituiu-se o FGTS, como espécie de seguro-
desemprego e o Banco Nacional de Habitação, para facilitar a compra de moradia 
pelos trabalhadores de baixa renda.
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De 1985 em diante
 A transição democrática e a Constituição Federal de 1988 permitiram ao cidadão 
brasileiro a maior conquista de direitos políticos de sua história. No entanto, 
a enorme desigualdade social, o acesso difícil à justiça e a violência urbana 
mostram um quadro de grande desafio para os direitos sociais e civis.
 Com a extensão do voto aos analfabetos e a diminuição da maioridade política 
para 16 anos, passou-se a ter uma participação eleitoral equiparável à dos 
países mais democráticos. A imagem dos políticos que predomina na população 
é a de corrupção e busca de vantagens próprias apenas. O impedimento sem 
golpe militar do primeiro presidente eleito diretamente, em 1992, foi um sinal 
de fortalecimento das instituições democráticas.
 Quanto aos direitos sociais, houve pequeno avanço nos indicadores de 
qualidade de vida, com a manutenção de uma enorme desigualdade de renda. 
Houve aumento da escolarização fundamental, mas a qualidade desta ainda é 
deficiente, com pouca valorização da profissão de professor. Houve avanços na 
área da saúde, com a criação do Sistema Único de Saúde e significativos avanços 
na atenção à saúde materno-infantil. Importante programa de renda mínima 
foi criado para permitir condições básicas de acesso aos bens para a população 
mais pobre.
 Direitos civis como a liberdade de imprensa, de expressão e de organização 
foram avanços importantes. Do mesmo modo, foi importante a criação de um 
Código de Defesa do Consumidor, a criminalização do racismo e a criação de 
um Juizado de Pequenas Causas. Várias inovações importantes foram feitas pela 
Constituição Federal de 1988, com o estabelecimento formalde direitos civis 
fundamentais. No entanto, a dificuldade do acesso à justiça, o desconhecimento 
dos direitos, a violência policial, a sensação de impunidade e de privilégio dos 
mais ricos ainda são impedimentos graves à cidadania plena.
Em cada um desses períodos, foram dados passos importantes no sentido de se 
estabelecerem no Brasil os direitos civis, políticos e sociais que caracterizam a cidadania no 
mundo contemporâneo.
6 Serviço público e desafios do Estado contemporâneo no Brasil
O estudo da história da cidadania no Brasil mostra que, na maior parte do tempo, o poder do 
Estado não foi usado para fins públicos como a atenção aos direitos civis de todos os cidadãos 
e a ampliação dos direitos sociais, com vistas à diminuição das desigualdades.
O Estado brasileiro tem sido, na maior parte de sua história, privatizado em benefício dos mais 
poderosos.
A esse fenômeno, os sociólogos dão o nome de "patrimonialismo clientelista". Vejamos a 
seguir o que quer dizer essa expressão e como o entendimento dela permite compreender o 
grave problema da corrupção.
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Patrimonialismo
Segundo o sociólogo alemão Max Weber, patrimonialismo é uma forma de organização da 
sociedade inspirada na economia doméstica e baseada numa autoridade fortalecida pela 
tradição. O termo original é do latim, patrimonium, e significa o conjunto de bens paternos, 
a herança familiar. Em outras palavras, no patrimonialismo, o poder do Estado está na mão 
de determinadas famílias, que se servem dos recursos públicos como se fossem propriedade 
privada sua e exercem o poder não com base na lei, mas no próprio interesse dessas famílias 
dominantes, que se estabeleceram no passado e foram se mantendo poderosas ao longo dos 
anos.
No Brasil, o patrimonialismo foi o modo como se organizou a sociedade antes do fortalecimento 
do Estado, da sua maior presença no cotidiano. Aos poucos, os interesses pessoais de famílias 
poderosas e seu arbítrio foram sendo substituídos por mecanismos mais impessoais de acesso 
aos bens, e decisões tomadas com base na lei. Porém, valores tipicamente patrimoniais como 
a lealdade, o compadrio e o tráfico de influência, em suma, a cultura do "você sabe com quem 
está falando", parecem ainda muito presentes no Estado brasileiro.
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Clientelismo
Um fenômeno estreitamente vinculado ao patrimonialismo é o clientelismo. Enquanto o 
patrimonialismo é o modo como se organiza a sociedade (em torno de famílias que detêm 
um grande patrimônio e são consagradas pela tradição), o clientelismo é a faceta política do 
patrimonialismo e se define por um modo de relacionamento entre o poderoso e os que dele 
dependem, os seus clientes. Na Roma antiga, a clientela era uma relação de dependência 
econômica e política entre um patrono, que oferecia seu poder de proteção e influência, e o 
cliente, que lhe prestava lealdade, serviço militar e, em circunstâncias especiais, pagava-lhe 
tributo. Tratava-se, portanto, de uma relação de dependência pessoal, de natureza vertical, ou 
seja, há no clientelismo um superior e um subordinado.
Ainda hoje subsistem relações de clientelismo no Estado brasileiro. Embora a sociedade 
moderna não se organize mais em torno de famílias poderosas, mas de um Estado burocrático, 
relações políticas clientelistas se mantêm na troca de favores entre o político profissional e 
os que o apoiam, por exemplo. Aquele oferece a estes todo tipo de ajuda pública (verbas, 
lotes, licenças, contratos, empregos, funções no Estado etc.) em troca de votos e suporte em 
períodos eleitorais. Trata-se de um fenômeno de personalização do poder, ou seja, o Estado é 
tomado como parte do patrimônio pessoal do político e não como coisa pública, um caso de 
confusão entre a esfera pública e a esfera privada. Um caso típico desse tipo de dificuldade é 
a corrupção.
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Corrupção
Corrupção significa, em termos gerais, deterioração, adulteração das características originais 
de algo. Em termos da administração pública, corrupção é o fenômeno pelo qual o funcionário 
público age de modo diferente da lei, favorecendo interesses particulares em troca de 
recompensa. O peculato (desvio ou apropriação de recursos públicos para uso privado) e o 
nepotismo (favoritismo em relação a parentes) são exemplos de corrupção pública. Trata-se 
de um comportamento que se define principalmente pela confusão entre a esfera pública e a 
esfera privada, entendidos dentro dos limites da lei no Estado.
Por outro lado, embora se possa esperar menos corrupção num Estado com menos recursos 
(pois a esfera pública é menor), o que realmente parece determinar a possibilidade de corrupção, 
do ponto de vista jurídico, é a falta de mecanismos institucionais claros e operacionais de 
controle e responsabilização pública do uso dos recursos públicos. Por outro lado, a corrupção 
tem também a ver com a falta de disseminação da cultura que distingue o domínio público do 
domínio privado e que valoriza o Estado como instituição que deve estar a serviço de todos, 
de forma impessoal e não de interesses individuais.
Assim, do ponto de vista ético, a corrupção é antes de tudo um problema derivado da falta 
de separação entre a esfera pública e a privada, ou seja, o fato de o servidor público tomar os 
recursos do Estado como se fossem seus ou do grupo ao qual está ligado.
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O Estado impessoal, que está a serviço de todos, baseia-se em relações políticas horizontais, 
ou seja, não entre superiores e subordinados, mas entre cidadãos e servidores públicos, com 
direitos e deveres estabelecidos em lei e da vontade consagrada pelo voto, e não dependentes 
da vontade arbitrária de indivíduos ou famílias poderosas.
No livro A Gramática Política do Brasil - Clientelismo e Insulamento Burocrático (1997), Edson 
Nunes chama a esse modo de proceder do Estado, com base em normas democráticas e válidas 
para todos, de "universalismo de procedimentos".
Embora sua concretização plena ainda seja um desafio a ser vencido, o estabelecimento 
do concurso público como critério único para ingresso nas carreiras de servidor do Estado, 
previsto na Constituição Federal de 1988, é um grande impulso nesse sentido. Desse modo, 
o servidor concursado não depende mais de um benfeitor que lhe concedeu o emprego e lhe 
exige lealdade. Seu compromisso passa a ser com o cidadão que paga os impostos e não com 
um "poderoso de plantão" ou com o grupo político que o pôs no cargo.
Além do clientelismo, que seria o modo mais comum de relação entre Estado e sociedade 
no Brasil, tal como vimos acima, Nunes (1997) indica outro padrão de procedimento, que se 
tornou mais comum no Brasil a partir de 1930: o "insulamento burocrático".
Trata-se de um modo de proceder do serviço público que é imune às ingerências do clientelismo 
e que pretende se guiar exclusivamente por critérios técnicos nas decisões e iniciativas. 
Foi particularmente importante durante a ditadura do Estado Novo, quando foram criados 
vários órgãos públicos destinados a aumentar a eficiência do serviço público, e no período da 
ditadura militar instaurada em 1964. Apesar de não ser clientelista, o insulamento burocrático 
é criticável porque se trata de um Estado e um serviço público voltados para si mesmos e não 
para atender os direitos do cidadão, criando-se uma burocracia isolada das demandas sociais.
7 Responsabilidade pública (Accountability)
Para finalizar essa reflexão sobre ética e a conduta do servidor público, é importante pensarmos 
um pouco sobre a noção de responsabilidade pública, uma tradução possível do termo inglês 
accountability.
Em seu artigo "Accountability: Quando poderemos traduzi-la para o português?", Anna Maria 
Campos coloca em questão exatamente a possibilidade de traduzir a palavra inglesa para o 
português, devido à diferença nas culturas de serviço público existentes no Brasil e nos Estados 
Unidos.
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Segundo ela,

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