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Carlos Antônio Fragoso Guimarães - A Psicologia Transpessoal

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A Psicologia Transpessoal 
por 
Carlos Antonio Fragoso Guimarães 
 
 
 
 
Música: Evening Falls, de Enya</BR< P> 
 
 
"Não apenas é o homem parte da natureza - e esta é parte sua -, como deve ser minimamente 
isomórfico (semelhante a) com ela para nela ser viável. Ela o gerou. Sua comunhão com aquilo 
que o transcende não precisa ser definida, portanto, como não-natural ou sobrenatural. Pode ser 
vista como uma experiência 'biológica' ". 
Abraham Maslow. 
 
 
O que é e como surgiu a Psicologia Transpessoal 
 Foi em meados da década de sessenta, durante o rápido desenvolvimento e aceitação dos 
pressupostos básicos da psicologia humanista, com Maslow e Rogers, que alguns psicólogos e 
psiquiatras começaram a discutir quais os limites e características a que seria possível chegar 
o potencial da consciência humana. Muitos pesquisadores achavam que a visão da psique 
dada pela Psicanálise e pelo Behaviorismo eram, no mínimo, bastante simplificadas e 
reducionistas, não explicando uma grande gama de fenômenos mentais que escapavam - e 
muito - do campo de alcance de tais teorias. E a Psiquiatria dava ainda menos clareza 
sobre uma ampla gama de estados de conciência claramente chocantes e, ao mesmo tempo, 
fascinantes, que não podiam se restringir unicamente à história orgânico-biográfica de alguns 
pacientes. 
 
 A grande maioria dos teóricos da personalidade toma por fundamento básico a consciência 
em estado de vigília, ou consciência normal, como sendo a única possibilidade saudável 
de nível de percepção congnitiva. As caraceterísticas básicas desta consciência normal, 
segundo Fadiman & Frager, é que a pessoa sabe "quem é", tem perfeita noção de si mesma 
como uma individualidade, e seu sentido de identidade é estável. Ou seja, a pessoa tem uma 
idéia clara de ser uma individualidade diferenciada do meio que a cerca. Estudos vários 
sobre a imagem corporal e do sentido do ego concluem que qualquer desvio desses limites é 
um grave sintoma psicopatológico. Só que tal conclusão começou a ser seriamente 
questionada com vários relatos e pesquisas sérias realizadas em várias partes do mundo. 
 Às vezes, experiências correlacionadas com um declínio de uma psicopatologia e com a 
restauração da saúde psíquica podem muito bem expor experiências subjetivas que 
ultrapassam e muito os chamados limites normais do ego. William James já o havia notado 
em fins do século passado. O resultado de muitas destas pesquisas, muitas delas envolvendo 
psiquiatras e psicólogos famosos, levantou uma séria questão: seria possível que algumas das 
distinções que mantemos entre nós mesmos e o resto do mundo sejam arbitrárias e/ou 
culturalmente condicionadas? Talvez a consciência humana seja um vasto campo ou espectro, 
semelhante ao espectro eletromagnético, onde cada "freqüência" expressaria um modo de 
percepção, muito mais que um conjunto firme de traços ou características rigidamente 
definidas de expressão, já que em certas experiências - algumas delas envolvendo 
psicodélicos ou drogas psicoativas - a consciência do sujeito parece abranger elementos que 
não têm nenhuma continuidade com sua identidade do ego usual e que não podem ser 
considerados simples derivativos de suas experiências no mundo convencional. 
 Vejamos esta descrição, feita por Stanislav Grof, de experiências correlacionadas com o 
declínio de uma patologia (extraído, com comentários meus, de Fadiman & Frager, 1986, 
página 168): 
 
"No estado de consciência 'normal' ou usual, o indivíduo se experimenta existindo dentro 
dos limites de seu corpo físico (a imagem corporal), e sua percepção do meio ambiente é 
restringida pela extensão, fisicamente determinada, de seus órgãos de percepção externa; 
tanto a percepção interna quanto a percepção do meio ambiente estão confinadas 
dentro dos limites do espaço e do tempo (numa aceitação cultural das premissas 
do paradigma cartesiano-newtoniano próprio da visão de mundo ocidental nos últimos 300 
anos). Em experiências psicodélicas (área explorada por Grof em fins dos anos 50, na 
Tchecoslováquia, e nos anos 60 nos EUA) de cunho transpessoais, uma ou várias destas 
limitações parecem ser transcendidas (este fenômeno também se encontra, de modo 
esporádico, nas várias terapias psicológicas, tendo recebido nomes como "Experiências 
Oceânicas" em Freud, "Experiências Culminates" em Maslow, "Consciência Cósmica", em 
Weil, "Experiência Mística", etc). Em alguns casos, o sujeito experiencia um 
afrouxamento de seus limites usuais de ego e sua consciência e autopercepção parecem 
expandir-se para incluir e abranger outros indivíduos e elementos do mundo externo. Em 
outros casos, ele continua experienciando sua própria identidade, mas numa percepção 
de tempo diferente, num lugar diferente ou em um diferente contexto. Ainda em outros 
casos, o individiuo pode experienciar uma completa perda de sua própria identidade 
egóica e uma total identificação com a consciência de uma 'outra' entidade. Finalmente 
(em similiraridade com o que experiencia o místico), numa categoria bastante ampla destas 
experiências psicodélicas transpessoais (experiências arquetípicas, união com Deus, etc.), 
a consciência do sejueito parece ambranger elementos que não têm nenhuma 
continuidade com a sua identidade de ego usual e que não podem ser considerados 
simples derivativos de suas experiências do mundo tridimensional". 
 
 São, pois, estas experiências culminates e transuamas que são o foco central da Psicologia 
Transpessoal. 
 
 Muitos renomados psicólogos humanísticos e alguns psiquiatras insatisfeitos com a 
abordagem excessivamente mecanicista e biomédica de sua disciplina mostraram 
crescente interesse por áreas de estudo antes negligenciadas, e por tópicos de psicologia 
próximas a estes estados-alterados de consciência, como, por exemplo, as experiências 
místicas, ou de consciência de transe. 
 
 As tendências isoladas começaram a se unir graças aos trabalhos de Abraham Maslow e 
Anthony Sutich, o que acabou por consolidar a chamada Quarta Força em Psicologia (esta 
classificação é feita com base em características próprias de cada escola, não pelo contexto 
histórico. Assim, a Primeira seria o Behaviorismo, a Segunda a Psicanálise e a Terceira o 
Humanismo). Foi assim que nasceu a Psicologia Transpessoal, como disciplina autônoma, no 
final dos anos sessenta, mas as tendências desse movimento já existiam há muito tempo. Por 
exemplo, Carl Gustav Jung, Roberto Assagioli e o próprio Maslow já haviam lançado as bases 
para o movimento transpessoal (Grof, 1988). Outros psicólogos, como Carl Rogers, acabaram, 
na evolução de seu trabalho e de sua prática clínica, por se encontrarem com dimensões 
transcendentes trazidos à tona por clientes e grupos terapêuticos. 
Carl Gustav Jung 
 Carl Gustav Jung pode ser considerado o mentor máximo e o primeiro psicólogo 
transpessoal. As diferenças entre a Psicanálise Freudiana e as teorias de Jung são muito 
bem representativas das diferenças entre uma psicoterapia mecanicista e biomédica e uma 
mais humana e holística. Ainda que Freud e muitos dos seus discípulos tenham ido muito 
a fundo nas suas revisões da psicologia ocidental, atingindo os limites do paradigma 
cartesiano em Psicologia, apenas Jung questionou radicalemente seus fundamentos filosóficos: 
a visão de mundo de Descartes e Newton. Jung salientou, de modo convincente, aspectos não 
racionais e não lineares da psique, que inclui o misterioso, o criativo e o espiritual como meios 
válidos, ou formas holísticas-intuitivas de conhecimento. 
 
 Jung via a psique como uma interação complementar entre elementos conscientes e 
insconscientes, com uma constante troca de infromação e fluidez entre ambos. O 
insconscientenão seria um mero depósito psicobiológico de tendências instintivas reprimidas. 
Ele seria um princípio ativo inteligente, que, em seu estrato mais profundo, ligaria o indivíduo 
à toda a humanidade, à natureza e ao cosmos. Ele não seria governado apenas pelo 
determinismo histórico, como postulado por Freud, mas também por uma ânsia evolutiva 
com uma função projetiva e teleológica. 
 
 Estudando a dinâmica do inconsciente, Jung descobriu as unidades funcionais que chamou 
de complexos e, como tais, foram adotadas po Freud. Os complexos são constelações de 
elementos psíquicos - idéias, opiniões, atitudes e convicções - associados com sensações 
diversas e que se juntam ao redor de um tema nuclear. Partindo de áreas biograficamente 
determinadas do inconsciente, Jung chegou aos padrões de criação dos mitos, lendas e 
símbolos universais, aos quais ele deu o nome de arquétipos e que expressam, de forma 
simbólica, conteúdos psíquicos de significação emocional universal, como o processo de 
maturação psíquica e outros (c.f. a Home Page sobre Jung). 
 
 Jung não acreditava que o ser humano fosse uma mera máquina biológica. O 
conceito de máquina é extremamente antropomórfico para ser um conceito natural. Além 
disso, ele reconhecia que o processo de maturação psíquica pode, em certos casos, transcender 
e muito os estreitos limites do ego e do inconsciente individual. Por isso ele é considerado o 
primeiro representante da orientação transpessoal em psicologia. 
 
 Pela sutil e cuidadosa análise de seus próprios sonhos, tal como antes fizera Freud, bem 
como dos sonhos de seus pacientes e dos delírios de pacientes psicóticos, Jung descobriu que 
os sonhos têm, algumas vezes, imagens e motivos que se repetem e que podem ser encontrados 
não só nas diversas partes do mundo, como tabém em dirferentes períodos da história. Assim, 
ele chegou à conclusão de que, além do inconsciente individual, há um inconsciente coletivo ou 
racial, comum a toda a humanidade, manisfestação da criatividade universal. As únicas fontes 
de informação sobre os aspectos coletivos do incosnciente seriam o estudo das religiões 
comparadas e da mitologia universal. Para Freud, os mitos podem ser interpretados em 
termos de problemas e conflitos caracterísiticos da infância e sua universalidade reflete o 
conjunto da experiência humana compartilhada culturalmente. Jung rejeitou tal explicação 
reducionista. Ele havia observado que os enredos mitológicos universais ocorriam em 
indivíduos que não tinham, de maneira alguma, qualquer conhecimento deles. Isso lhe sugeriu 
que haveria elementos estruturais formadores de mitos na psique inconsciente. Tais elementos 
originariam tanto a fantasia viva e os sonhos pessoais quanto a mitologia dos povos. Assim, os 
sonhos podem ser encarados como mitos individuais e os mitos, como sonhos coletivos. De 
qualquer modo, estas matrizes primárias são como a expressão instintual do potencial 
psíquico que cada indivíduo terá de, em seu crescimento, desenvolver. 
 
 Freud sempre demonstrou durante toda a sua vida um apaixoante interesse por religião e 
espiritualidade, mas como expressão de recalques do desenvolvimento psicossexual do homem 
expresso na forma da cultura religiosa. Ele acreditava que era possível uma compreensão do 
processo irracional conflitivo, que viria das que fases do desenvolvimento psicossexual, 
responsável pelo surgimento da religião. Jung, ao contrário, dispunha-se a aceitar o irracional 
e o paradoxal como válidos em si mesmos. Ele estava convicto da realidade da dimensão 
espiritual no esquema universal das coisas. Sua suposição básica era que o elemento espiritual 
é uma parte orgânica integral da psique. A verdadeira espiritualidade, ou a sua busca, é um 
aspecto pulsional do inconsciente coletivo, independente do condicionamento da infância e da 
vida do indivíduo, do ponto de vista cultural e educacional. Assim, se a análise e a auto-
exploração alcançam suficiente profundidade, os elementos espirituais emergem 
espontanemante na consciência. A maior contribuição de Jung para a psicoterapia é seu 
reconhecimento das dimensões espirituais da psique e suas descobertas nos campos 
transpessoais . 
 
 O que faz de Jung um gênio na psicologia moderna é sua ampla visão, que vai bem além de 
sua época, e o seu método científico. O enfoque de Freud era estritamente histórico e 
determinísitco, bem ao gosto do paradigma cartesiano-newtonino; ele se interessava em 
encontrar explicações lineares-racionais para todos os fenômenos psíquicos, seguindo uma 
gênese histórico-biográfica. Jung estava convencido de que a causalidade linear não era o 
único princípio mandatório na natureza. Ele criou um termo, sincronicidade, para designar 
um princípio de ligação entre eventos de forma NÃO-causal, o que explicaraia as chamamdas 
coincidências significativas de ventos separados no tempo e/ou no espaço. Também se 
interessava intensamente pelo desenvolvimento da Física Moderna e mantinha estreito 
contato com seus representantes mais proeminentes. Foi Einstein que, durante um encontro 
pessoal, encorajou Jung a perseguir o conceito de sincronicidade, e Wolfgang Pauli, um dos 
fundadores da teoria quântica, publicou um ensaio conjunto com Jung sobre sincronicidade, 
bem como escreveu um estudo sobre os arquétipos na obra do físico Johannes Kepler. Não 
deixa de ser tremendamente irônico o fato de que, embora Freud se orgulhasse de a 
Psicanálise ser atrelada ao mecanicismo newtoniano e de que os psicanalistas serem 
"mecanicistas incorrigíveis", ter sido a psicologia "esotérica" de Jung a que tenha exercido 
maior impacto entre os gênios da ciência moderna. 
 
 Mas o que tem a ver Física e Psicologia? Bem, os Físicos modernos têm muito a dizer sobre 
a importância da consciência na definição do que seja realidade. Eles, juntamente com os 
místicos genuínos, parecem estar cada vez mais próximos uns dos outros em suas tentativas 
para descrever o que seja o universo (ver os excelentes livros de Fritjof Capra e de Lawrence 
LeShan). Os reseultados das experiências transpessoais sugerem que a natureza da gênese da 
consciência podem ser mais realisticamente descritas por mísiticos e físicos modernos do que 
pela mais estável e aceita linha psicológica acadêmica. 
 
 Muitos autores (Abraham Maslow, Pierre Weil, Stanislav Grof, Ken Wilber, Walsh, 
Vaughan entre outros) oferecem a evidência de que os assim chamados "estados alterados" 
são não só naturais, como também são necessários para o bem-estar e a saúde do indivíduo, 
após atingir um certo grau de desenvolvimento cognitivo e ter atendido as necessidades 
básicas mais urgentes. Maslow acredita que, a menos que tenhamos oportunidade de 
mudarmos nosso estado de consciência, podem se desenvolver sintomas emocionais graves se 
imperdirmos o afloramente dos níves transcendentes da personalidade. Da mesma forma 
como existe uma pulsão para a experiência sexual, também parece haver uma pulsão para o 
desenvolvimento de níveis de percepção. 
 
Roberto Assagioli 
 Outro autor de importância para o desenvolvimento da Psicologia Transpessoal é Roberto 
Assagioli. Ele é o criador da psicossíntese, que é um tipo de resposta ao método fragmentar da 
psicanálise, onde está claro a responsabilidade do indivíduo no processo do próprio 
crescimento, que é um impulso constante em todos as pessoas, apesar de relativamente tênue, 
embora poucas se dêem a chance de se desenvolverem plenamente. 
 A cartografia de Assagioli sobre a personalidade humana tem muito em comum com o 
modelo junguiano da psique, uma vez que inclui os campos espirituais e os elementos coletivos 
da psique. Ele se consitui de sete consituintes dinâmicos: o insconsciente inferior orienta as 
atividades psicológicas básicas, como as pulsões sexuais e os complexos emocionais. O 
inconscientemédio seria algo como o subconsciente. O campo superconsciente é o local dos 
sentimentos e aptidões superiores, onde se localizam a intuição e a inspiração. O campo da 
consciência inclui os pensamentos e sentimentos analisáveis. O ponto central da psique é o 
self. Todos esses componentes são anexados ao inconsciente coletivo. 
 O processo terapêutico fundamental da psicossíntese envolve quatro estágios consecutivos. 
Primeiro, o cliente toma conhecimento dos vários elementos (didaticamente falando) de sua 
personalidade, o que inclui seu ego ideal e o seu ego real, com todos os defeitos que a pessoa 
gostaria de suprimir. Depois que estiver bem familiarizado com eles, ele terá que começar a se 
desindentificar com esses elementos (conhecer-se a si mesmo e perceber que suas várias 
características são apenas características, não o fundamento do ser, ou self). Depois que a 
pessoa descobre seu centro psicológico unificador, é possível a realização total da 
psicossíntese, caracterizada pela culminância do processo de auto-realização pela integração 
dos componentes da personalidade à volta do novo centro, o self. 
Abraham Maslow 
 Foi AbrahamMaslow quem primeiro formulou, explicitamente, os princípios da psicologia 
transpessoal como uma abordagem diferenciada. Uma de suas mais importantes 
contribuições é seu estudo sobre pessoas que vivenciaram, espontaneamente, as chamadas 
experiências místicas de "pico". Na psicoterapia tradicional, experiências místicas de 
qualquer tipo são sempre taxadas como sérias psicopatologias. Em seu muito bem-feito 
estudo, Maslow desmonstrou que as pessoas que tiveram experieencias espontâneas de "pico" 
benceficiavam-se delas e mostravam um claríssima tendência para a auto-realização, que é o 
objetivo da psicoterapia humanística. Ele julgou estas experiências como supernormais em 
vez de subnormais. A partir desse fato, ele erigiu os fundamentos da nova psicologia. 
 Um outro aspecto importante do trabalho de Maslow é a análise das necessidades humanas 
e sua revisão geral da teoria dos instintos. Ele descobriu que as maiores necessidades 
representam um aspecto importante e autêntico das estrutura da personalidade humana e não 
pode ser reduzido a uma mera derivação de instintos básicos (a idéia de instinto sugere uma 
busca da ligação do comportamento humano dentro das diretrizes da ciência mecanicista 
convencional). Segundo ele, as maiores necessidades têm um papel importante na doença e na 
saúde mental. Valores superiores (metavalores) e os impulsos para alcança-los 
(metamotivações) são intrínsecos à natureza humana, possuindo uma fundamentação tão 
biológica quanto a pulsão sexual, por exemplo. 
 Eis as palavras de Maslow anunciando o desenvolvimento da Psicologia Transpessoal 
(Maslow, 1968, página 12): 
 "Devo também dizer que considero a Psicologia Humanística, ou Terceira Força em 
Psicologia, apenas transitória, uma preparação para uma Quarta Força ainda "mais elevada", 
transpessoal, transumana, centrada mais na ecologia universal do que nas necessidades 
interesses restritos ao ego, indo além da identidade, da individuação e congêneres... 
Necessitamos de algo "maior do que somos", que seja respeitado por nós mesmos e a que nos 
entreguemos num novo sentido, naturalista, empírico, não-eclesiástico, talvez como Thoreau e 
Whitman, William James e John Dewey fizeram". 
Carl Rogers 
 Apesar de não ser incluído, pela maioria dos autores, como um psicólogo transpessoal, mas 
como um dos mais significativos psicólogos humanistas, não escapou à Carl Rogers as 
chamadas dimensões transcendentes ou espirituais que frequentemente emergiam no contexto 
terapêutico, especialmente em termos de Terapia de Grupo, na qual Rogers foi grande 
pioneiro. E foi exatamente a partir do revolucionário trabalho com Grandes Grupos e em 
Workshorps, na última fase de sua formulação teórica, que a temática transpessoal começa a 
se delinear nos escritos do criador da Abordagem Centrada na Pessoa, e nos escritos de seus 
principais colaboradores. John K. Wood, por exemplo, escreveu o seguinte comentário 
(Rogers, 1983b) sobre as ocorrências transpessoais que costumam ocorrer em Grandes 
Grupos: 
 Freqüentemente as pessoas compartilham e falam de sonhos sem interpretação ou comentário. 
Sonhos comuns muitas vezes ocorrem. Algumas pessoas reportam "experiências místicas" (...). 
As mesmas idéias e mitos [imagens arquetípicas] frequentemente emergem de várias pessoas ao 
mesmo tempo. (Rogers, 1983b, p. 34) 
 O próprio Rogers se refere muitas vezes em suas últimas obras às percepções transpessoais 
e fenômenos congêneres de estados sutis de consciência, e estabelece que estes são eventos 
observáveis e inerentes ao trabalho bem sucedido com Grandes Grupos e Workshops: 
 O outro aspecto importante do processo de formação de [Grandes Grupos] com que tenho tido 
contato é a sua transcendência e espiritualidade. Há alguns anos eu jamais empregaria estas 
palavras. Mas a estrema sabedoria do grupo, a presença de uma comunicação profunda quase 
telepática, a sensação de que existe "algo mais", parecem exigir tais termos (Rogers, 1983a, p. 
62). 
 Tenho a certeza de que este tipo de fenômeno transcendente às vezes é vivido em alguns 
grupos com que tenho trabalhado, provocando mudanças na vida de alguns participantes. Um 
deles colocou de forma eloqüente: "Acho que vivi uma experiência espiritual profunda, senti que 
havia uma comunhão espiritual no grupo. Respiramos juntos, sentimos juntos, e até falamos uns 
pelos outros. Senti o poder de força vital que anima cada um de nós, não importa o que isso seja. 
Senti sua presença sem as barreiras usuais do 'eu' e do 'você' - foi como uma experiência de 
meditação, quando me sinto como um centro de consciência, como parte de uma consciência 
mais ampla, universal. (Rogers, 1983a, pp. 47-48) 
 
 De certa forma, Rogers parecia estar indicando que a ACP por ele elaborada, junto com 
seus colaboradores, estaria se desenvolvendo ao ponto de incluir as dimensões transpessoais 
em seu arcabouço teórico, mas a sua morte o impediu de levar adiante seus insights: 
 Tenho a certeza de que nossas experiências terapêuticas e grupais lidam com o transcendente, 
o indescritível, o espiritual. Sou levado a crer que eu, como muitos outros, tenho subestimado a 
importância da dimensão espiritual ou mística (Rogers, 1983a, p. 53). 
 
Características de uma nova Psicologia 
 
 A nova psicologia que surge, apoiada nuca concepção holística e sistêmica, considera o 
organismo humano como um todo integrado que envolve padrões físicos, mentais, sociais e 
espirituais. Assim, a base conceitual da Psicologia dever ser compatível tanto com a da 
Biologia quanto da Sociologia, Antropologia e Filosofia. No modelo acadêmico moderno, a 
estrutura voltada à especialização do conhecimento tornou muito difícil a comunicação entre 
as disciplinas, e entre biólogos e psicólogos o entendimento era muito sofrido. E pior era a 
comunicação, cheia de medos e ressentimentos, entre psicólogos e médicos. Mas a abordagem 
sistêmica fornece um terreno propício para a compreensão das manifestações psicossomática 
do organismo na saúde e na doença, permitindo um intercâmbio, desde que se queira, entre 
biomédicos e psicólogos. 
O foco central da psicologia está tendendo a se transferir das estruturas psicológicas para os 
processos relacionais subjacentes. A psique humana é vista como um sistema dinâmico que 
envolve uma variedade de fenômenos ligados à auto-atualização e crescimento contínuos. 
Assim, a psique teria um tipo de inteligência intríseca que a habilita a envolver-se a tal ponto 
com o meio, que este processo pode levar não só a uma doença, mas também ao processo de 
cura e crescimento, como a concepção de autortranscendência da teoria dos sistemas. 
O Espectro daConsciência 
 Um dos sistemas didáticos, em psicologia, que procura integrar os diferentes insights das 
várias escolas psicoterapêuticas do ocidente entre si, e estas com as várias abordagens 
orientais, é a Psicologia do Espectro, proposta por Ken Wilber, como um modelo da 
compreensão transpessoal das diferenças entre psicoterapias. Nele, cada uma das diferentes 
escolas é vista como uma faixa que se dedica a um aspecto específico do total a que se pode 
apresentar a consciência humana. Cada uma dessas escolas aponta para um estado de 
consciência que se caracteriza por possuir um diferente senso de identidade, indo da pequena 
identidade restrita ao ego até à suprema identidade com todo o universo, que é o nível 
extremo da consciência transpessoal. Este espectro pode ser entendido a partir de qutro 
níveis: o do ego, o biossocial, o existencial e o transpessal. 
 No nível do ego, a pessoa não se indentifica, a rigor, com o seu organismo, mas com uma 
representação mental, ou com um conceito do mesmo, como uma auto-imagem construida, ou 
egóica. É, pois, um problema de identificação com um modelo que a pessoa aceita, num 
investimento, como sendo seu "eu". Existe - para ela - um "eu" que é diferente e independente 
de tudo e de todos. A pessoa não se interessa muito em cultivar relações interpessoas sem que 
haja uma vantagem específica para o ego, e muito menos se preocupa com aspectos ecológicos 
ou sociais. 
 O nível biossocial já envolve a consciência e a preocupação com o nível e com os aspectos do 
ambiente social da pessoa. A influência preponderante é a de padrões culturais e sociais. A 
pessoa sente como fazendo parte - e tendo alguma responsabilidade - pelo seu meio-ambiente 
social e natural. 
 O Nível existencial é o nível do organismo total, caracterizado por um senso de identidade 
corpo/mente auto-organizador. É o nível dos ideais humanistas e do pensamento mais 
sofisiticado, em termos de filosofia de vida. Emoção e rezão estão mais ou menos associadas 
para o crescimento e o desenvolvimento das potencialidades do homem, desde que os meios 
sejam razoavelmente propícios. Quando não, ainda assim a pessoa luta para se auto-atualizar 
e a ajudar seus semelhates. Alto grau de desenvolvimento moral é frequentemente associado a 
este estágio. 
 O nível transpessoal é o nível da expansão da consciência para além das fronteiras do ego, 
correspondendo a um senso de indentidade mais amplo. Elas podem encolver percepções do 
meio ambiente, onde tudo está, de uma forma sutil mas muito presente, ligado - de forma 
NÃO LINEAR - a tudo. É o nível do inconsciente coletivo e dos fenômenos que lhe estão 
associados, tal como descritos por Jung e seguidores. É também neste nível de percepção que 
podem - mas não necessariamente ocorrem ou são regra geral próprias de uma percepção 
transpessoal - surgir, como eventos secundários, certos fenômenos parpsicológicos, como 
telepatia, precognição ou - o que não tipifica um fenômeno parapsicológico, mas sim 
psicológico - lembranças de vidas passadas. É uma forma extremamente sofisticada e não 
oprdinária de consciência em que a pessoa não aceita mais a crença uma separação rígida 
entre ela e todo o universo, a não ser como uma forma de atuar praticamente sobre o meio em 
que vive com outras pessoas. Essa forma de consciência transcende,e muito, o raciocíonio 
lógico concvencional, e aproxima-se das assim chamadas experiências místicas. E é este estado 
que é objeto mais íntimo de estudo da Psicologia Transpessoal. 
 Enfim, para terminar, é preciso definir o relacionamento entre a prática da psicologia 
transpessoal e os enfoques tradicionais de psicoterapia. O que caraceteriza um terapeuta 
transpessoal não é o seu conteúdo, mas o contexto. O conteúdo é determinado pela relação 
terapêutica em si, entre cliente e terapeuta, como bem o estabeleceu Carl Rogers. Um 
terapêuta transpessoal lida com os problemas que emergem durante o processo terapêutico, 
incluindo acontecimentos mundanos, fatos biográficos e problemas existenciais. O que 
realmente define a orientação transpessoal é um modelo da psique humana que reconhece a 
importância das dimensões espirituais e o potencial para a evolução da consciência. O 
terapeuta transpessoal deve ser consciente do espectro total e deve sempre acompanhar o 
cliente a novos campos experienciais, quando há oportunidade, não importando qual o nível 
que o processo terapêutico esteja focalizando. 
 
Bibliografia e Links: 
 
 
 
• Capra, Fritjof. - O Ponto de Mutação, Editora Cultrix, São Paulo, 1986. 
• Grof, Stanislav. - Além do Cérebro, Editora McGraw-Hill, São Paulo, 1988. 
• Fadiman, J. & Frager, R.- Teorias da Personalidade, Editora Harbra, São 
Paulo, 1986. 
• Maslow, Abraham. - El hombre Autorealizado, Editora Kairós, Barcelona, 
1990. 
• Rogers, Carl R. - Um Jeito de Ser, Editora EPU, São Paulo, 1983. 
• Rogers, Carl R e outros.- Em Busca de Vida: Da Terapia Centrada no Cliente à 
Abordagem Centrada na Pessoa. Summus Editorial, São Paulo, 1983. 
• Walsh, R. & Vaughan, F.- Além do Ego: Dimensões Transpessoais em 
Psicologia, Editora Cultrix, São Paulo, 1991. 
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