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CENTRO UNIVERSITÁRIO DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE GUAXUPÉ ERIVELTO VITOR PAULINO ASPECTOS GERAIS DO IMPEACHMENT COMO DECISÃO POLÍTICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO GUAXUPÉ/MG 2018 ERIVELTO VITOR PAULINO ASPECTOS GERAIS DO IMPEACHMENT COMO DECISÃO POLÍTICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário da Fundação Educacional de Guaxupé para obtenção de Bacharelado em Direito. Orientador: Professor Me. André de Paiva Bonillo Fernandes Guaxupé/MG 2018 Dedico ao meu pai Luiz, minha mãe Leabia, e à memória de minha mãe biológica Tatiana por me tornar quem sou. Em segundo, porém não menos importante, aos amigos: Alan, Marcelo, Levy, Tata, Gabriel, Ariane que me acompanharam e estiveram junto de mim em toda essa caminhada universitária. Agradecimentos Primeiramente agradeço a Deus por ter me sustentado até esse dia e me auxiliado a chegar ao final dessa fase tão importante da minha vida. Agradeço aos meus pais Luiz e Leabia, que por todos os pesares e dificuldades, nunca desistiram de mim e sempre me incentivaram a continuar no objetivo. Agradeço aos meus amigos Alan, Julia Francia, Mariane, Gabriel, Ariane, Marcelo, Levy e Nathália Cruz, que sempre estiveram ao meu lado em momentos maravilhosos e também difíceis, e nunca me deixaram desanimar ou desistir de lutar pelos meus sonhos; Agradeço às mulheres, Érica, Wanessa, Wandaeleusa, Maria Carolina, Ana Jerônimo que fazem parte da minha vida. Sempre me apoiaram e me aconselharam ao caminho correto a seguir e também a nunca desistir. Agradeço ao UNIFEG pelo curso oferecido que tenho certeza que foi de grande valia e de gratificante saber. Agradeço ao meu orientador André por ter aceitado me orientar no presente trabalho, agradeço também pela excelente orientação, que apesar de ser muito rígida, me fez enxergar tamanha honraria e o conhecimento que foi ser seu orientando. Agradeço a todos os professores do UNIFEG por todos anos que se dedicam a nós alunos, e por todo mérito nos faz conquistar, pois sem vocês nada seríamos. Agradeço ao meu querido companheiro Mateus que me mostrou o valor e a importância de amar e ser amado, por me ensinar a sonhar com um mundo e uma vida melhor. Agradeço por me ensinar a cada dia. Agradeço à minha sogrinha maravilhosa por ser essa mulher incrível, que amo tanto. Agradeço aos meus irmãos Welinton, Jéssica, Raíssa e Kerolin por serem como são e se preocuparem tanto comigo. Agradeço a todos do Fórum de Monte Santo de Minas e a todos na pessoa da Márcia Baldo, por toda a experiência que me proporcionou ao ser estagiário, e pelo carinho de todas as pessoas em especial das oficialas Juliana, Julia, Sandra e Wanessa e da Cristina Cruz. Por fim, porém não menos importante, agradeço ao meu chefe Jioji por ter sido compreensivo na elaboração deste trabalho, aos meus colegas de trabalho Marcos Vinícius, João Marcos, Diego, Iara e Marcos Antônio. “Nunca me esquecerei desse acontecimento, na vida de minhas retinas fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra”. Carlos Drummond de Andrade Resumo PAULINO, Erivelto Vitor. Aspectos Gerais do Impeachment como Decisão Política no Ordenamento Jurídico. 2018. 58 f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação em Direito) - Centro Universitário da Fundação Educacional de Guaxupé. 2018 O presente trabalho busca abordar a maneira de funcionamento e aplicação de um instituto adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro originário de outros países, o impeachment. Nesse sentido, trouxe à baila a natureza da aplicação de tal procedimento adotado no Brasil, retratando alguns casos já ocorridos no país. O método utilizado para tanto é o dedutivo, pelo qual foi feito toda a pesquisa e busca das informações, por meio de artigos científicos, revisões bibliográficas, análises de periódicos e dispositivos legais. No desenvolver do presente trabalho encontra-se a origem do procedimento, que se deu na Inglaterra, e também sobre a evolução e influência norte-americana para a chegada no Brasil. Retrata ainda o objetivo principal do impeachment, que é a destituição da função pública do agente que a desmereceu, sendo através dele o reconhecimento da responsabilidade do agente em razão da atuação contrária aos preceitos da sociedade e da constituição. Considerando a importância do instituto e a sua complexidade tanto procedimental quanto a sua natureza, busca descrever a maneira que ocorre no Brasil no decorrer das Constituições, junto a suas previsões legais na busca de destacá-las e tratar a natureza com que é aplicado. Por fim traz os aspectos políticos, criminais e mistos de aplicação do impeachment defendido por inúmeros autores, a fim de destacar a natureza procedimental na constituição de 1988 e defender a natureza política do instituto no Brasil e sua previsão legal, destacando ainda a aplicação em dois casos de Presidentes do país. Palavras chaves: Procedimento; Impeachment; Crime de responsabilidade; Presidente; Natureza Política Abstract The present work seeks to address the way of functioning and application of an institute adopted by the Brazilian legal system originating in other countries, impeachment. In this sense, it brought out the nature of the application of this procedure adopted in Brazil, portraying some cases that have already occurred in the country. The method used to do so is the deductive, by which all research and information search was done, through scientific articles, bibliographic reviews, periodical analysis and legal devices. In the development of the present work the origin of the procedure is found, which was given in England, and also on the evolution and influence of the United States in arriving in Brazil. It also portrays the main objective of impeachment, which is the dismissal of the public function of the agent who disowned it, being through it the recognition of the responsibility of the agent due to the action contrary to the precepts of society and the constitution. Considering the importance of the institute and its complexity both procedural and its nature, it seeks to describe the way that it occurs in Brazil during the constitutions, along with its legal predictions in the search to highlight them and to treat the nature with which it is applied. Finally, it brings the political, criminal and mixed aspects of the application of impeachment defended by numerous authors, in order to highlight the procedural nature in the 1988 Constitution and defend the political nature of the institute in Brazil and its legal prediction, highlighting the application in two cases of Presidents of the country. Keywords: Procedure; Impeachment; Responsibility Crime; President; Nature Politics Sumário Introdução.................................................................................................................................10 Capítulo 1: Origens do procedimento de impeachment............................................................12 1.1-Surgimento..........................................................................................................................12 1.2-Funcionamento e aplicação na Inglaterra...........................................................................13 1.3 - O Instituto no Ordenamento Jurídico Norte-Americano..................................................18 1.4-Maneira de chegada ao Brasil.............................................................................................21 Capítulo 2: O procedimento de julgamento de crimes de responsabilidade no Brasil..............23 2.1-Previsão e aplicação na Constituiçãode 1824....................................................................23 2.1.2-Previsão e aplicação na Constituição de 1891.................................................................24 2.1.3-Previsão e aplicação na Constituição de 1934.................................................................26 2.1.4-Previsão e aplicação na Constituição de 1937.................................................................28 2.1.5-Previsão e aplicação na Constituição de 1946.................................................................29 2.1.6-Previsão e aplicação na Constituição de 1967.................................................................30 2.2-Constituição de 1988..........................................................................................................31 2.3-Requisitos do processo.......................................................................................................32 2.4-Como é iniciado o procedimento e o seu julgamento.........................................................35 2.5-Irrecorribilidade das Decisões dos Congressistas na Constituição de 1988.......................39 Capítulo 3: Natureza da decisão................................................................................................41 3.1 – Aspectos políticos............................................................................................................42 3.2 - Aspectos jurídicos criminais.............................................................................................45 3.3 - Aspectos mistos................................................................................................................46 3.4 O Senado enquanto Corte Política......................................................................................49 3.5-Casos ocorridos no Brasil...................................................................................................51 Conclusão..................................................................................................................................58 Referências................................................................................................................................61 Introdução O presente trabalho busca retratar os aspectos gerais do impeachment, como uma decisão política no ordenamento jurídico brasileiro. Na busca de demonstrar a sua aplicação, e a forma de ser decidido a medida que se trata de um procedimento originário de outros países. No que se refere à aplicação do instituto, o ordenamento brasileiro buscou definir categoricamente as causas que dão origem a esse procedimento. O impeachment na forma de ser decidido possui na doutrina e jurisprudência inúmeras características, porém, no ordenamento pátrio traz algumas dúvidas sobre a sua forma de decidir, os requisitos que o ocasionam e a sua natureza política. Munido do método dedutivo por meio de revisões bibliográficas, artigos, periódicos e dispositivos legais, tratou o presente trabalho de esclarecer as características do impeachment objetivando retratar a maneira como ocorre o procedimento, as suas formas de aplicação nos países de origem em busca de fundamentar o âmbito de análise do trabalho. No primeiro capítulo buscou-se trazer em constatação a definição literal do que seria impeachment, a fim de iniciar um entendimento sobre a ideia de tratamento do instituto. O presente capítulo destaca os precedentes e contextos históricos que deram origem ao procedimento de impeachment, visando elencar sua forma de aplicação no decorrer dos anos, bem como nos países em que possui tal disposição e aplicação. Em sequência trouxe as características do instituto quanto a sua origem e o país do qual deriva, a Inglaterra. Nesse sentido, ao retratar as características do país de origem, destacou o aspecto criminal, o qual foi o utilizado inicialmente, passando por alterações no decorrer do tempo em razão de sua larga utilização na Inglaterra em determinado período, tendo por último resultado um instrumento de aspectos políticos, até o seu desuso. Em sequência, retratou a aplicação do procedimento nos Estados Unidos e a previsão legal nesse país, bem como sua natureza e a maneira como suas influências chegaram ao Brasil. No segundo capítulo tratou de elencar as maneiras de aplicação e previsões legais do procedimento no Brasil em cada uma das Constituições de 1824,1891, 1934, 1937, 1967 e 1988. Ao retratar a constituição de 1988 deu-se um destaque ao procedimento, tanto na forma de aplicação e previsão quanto na decisão e a natureza desta. 10 Já no terceiro capítulo destacou largamente o tema de defesa do presente trabalho, elencando cada uma das características sobre a natureza que a doutrina enxerga o impeachment, em aspectos políticos, criminais e até misto. No entanto, ao citar todas essas formas de aplicação do instituto, procurou-se deixar claro a maneira que está sendo discutida o instituto no Brasil. Embora seja um instituto previsto legalmente na constituição e também na legislação esparsa, o entendimento que o presente trabalho traz com suas devidas fundamentações, é de que mesmo existindo as diretrizes e a maneira procedimental do instituto, ele pode não ocorrer por mera discricionariedade política e também terem suas decisões fundamentadas em questões políticas. Por fim exemplificou dois casos ocorridos no Brasil do procedimento que trouxeram inúmeros julgados e debates sobre o instituto e auxiliando na interpretação e discussão do tema, principalmente pelo fato de haver o instituto sofrido infundadas mudanças no decorrer da trajetória, não sendo originário do Brasil, e ainda pairarem divergências sobre o assunto. 11 Capítulo 1: Origens do procedimento de impeachment 1.1-Surgimento O termo “impeachment” em sua definição nominal ou verbal deriva do latim impedimentum, que significa impedir, proibir a entrada, e representa a ideia de “não pôr os pés”1. Dessa forma, de modo amplo, o impeachment é o meio pelo qual o poder legislativo pune autoridade pública, destituindo-lhe do cargo e tornando-o impedido de exercer outra atividade pública, em razão da prática de ato contra a administração pública.2 Assim conforme leciona Sérgio Resende de Barros3, o impeachment é um: Processo destinado a apurar e punir condutas antiéticas graves, instaurado, processado e julgado por um órgão legislativo, contra um agente público, para impedi-lo de continuar no exercício da função pública, mediante sua remoção do cargo atual e inabilitação para qualquer outro cargo ou função por um certo tempo. Processo jurídico-político previsto na Constituição Federal, pelo qual altas autoridades políticas podem ser processadas e julgadas pelos chamados crimes políticos ou de responsabilidade, passíveis de aplicação de penas políticas, as quais são: a perda do cargo ou função e a inabilitação durante um certo tempo, oito anos, para exercer qualquer outro cargo público ou função. Com esses conceitos, ainda que sutilmente, percebe-se a forma que se instaura o procedimento de impeachment no ordenamento brasileiro. Contudo, não é desde sua origem que é percebida a aplicação do conceito dado por Sérgio Resende Barros, pois houve inúmeras alterações e oscilações no âmbito de como seria a decisão do procedimento até os dias atuais. Nesse sentido, Antonio Riccitelli4 disserta: O impeachment é um instituto derivado de costumes imemoriais. Inicialmente, os crimes eram julgados em reuniões dos membros da tribo ou do Estado. Após a criação dos tribunais, apenas as infrações de relevante importância pública continuaram a ser submetidas ao veredictum de todoo corpo de cidadãos, posteriormente, ao Conselho de Anciãos, chefes de família e senhores feudais. Em Atenas, o homem que representava algum tipo de risco para a sociedade era condenado, por uma assembleia popular, ao exílio político, ao ostracismo. Em Roma, os acusados de delito capital tinham o direito a um julgamento popular em praça pública. 1.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p.1 2.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p.1 3.Ibidem. p.2 4.Ibidem p.2 12 Então, as autoridades políticas desempenham funções não por direito próprio, mas como agentes da nação da qual derivam seus títulos para o exercício de cargos políticos. Podendo ser por eleição ou por outra forma legal, a fim de que não se admita a irresponsabilidade outrora consagrada nas antigas Monarquias Inglesas, quando os grandes servidores eram antes ministros da coroa que do país, e apenas perante o rei respondiam, estes por sua vez perante Deus.5 Buscando a origem sistêmica do impeachment destaca-se a responsabilidade do governante ou dirigente de um estado em relação ao exercício de suas atividades, enquanto “chefe”, para a administração da sociedade a fim de que seja de maneira idônea e benéfica aos atingidos pela atuação. Assim, ao observar a busca pela responsabilização do governante no decorrer da evolução da sociedade e formação da estrutura de um Estado nota-se tentativa de limitação do poder e uma valorização do indivíduo6. Elencando alguns aspectos estruturais do impeachment nota-se a relevância do modo de operar do Governante de um Estado, de maneira que exerça a sua atividade em consonância com o cargo e o interesse do Estado. Os elementos destacados sobre a responsabilidade são de certa forma parâmetros de funcionamento e origina o instituto de acordo com a forma de governo. 1.2-Funcionamento e aplicação na Inglaterra Ao discorrer sobre alguns parâmetros do impeachment é notória a percepção de que trata-se de um instituto que tem por objetivo a proteção da coisa pública enquanto Estado, afastando do exercício do cargo público aquele que o desmereceu.7 Nesse contexto analisa-se a origem do procedimento e sua evolução no decorrer da história. Inicialmente, deve ser observado duas espécies de aplicação do procedimento: a primeira sob o aspecto criminal ou monárquico e a segunda no âmbito político ou republicano. O impeachment em seu âmbito criminal surgiu no direito medieval inglês, 5.BROSSAD, Paulo. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 1992. p. 4 6.PINHO, Rodrigo Cesar Rabello. Da organização do Estado, dos poderes e históricos das Constituições, volume 18. 3ª Ed. , v.17, 3ª ed., Saraiva, São Paulo. 2002 7.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 4 13 acompanhado do surgimento das classes políticas e foi de suma importância para a instalação da forma de governo parlamentarista e também deixou marcas que influenciaram na constituição americana. Já o aspecto político do instituto, após uma série de mutações no aspecto monárquico, se deu a partir das Constituições escritas. O instituto aqui abordado decorre de costumes imemoriais, não se tendo as exatas datas de se surgimento, no entanto a história traz algumas considerações que são relevantes e contribui para o entendimento da origem do impeachment. Nota-se portanto que desde as primeiras sociedades existia uma preocupação com a proteção do que é público ou do “governo” e uma responsabilização dos que prejudicassem ou agissem contra o Estado. Diante disso é destacado a proteção do Estado e alguns aspectos relevantes para a origem do impeachment, trazendo então uma definição de sua origem dada por Riccitelli.8 Como afirmam os mais autorizados léxicos, o impeachment teve sua raízes na Inglaterra a partir século XIII, quando foi utilizado como alternativa para garantir a punição, em geral de nobres frequentadores da corte, acusados pelo clamor popular, ensejando a abertura de investigação por uma das casas parlamentares. A origem inglesa do impeachment também é defendida por Manoel Gonçalves Ferreira Filho em que retrata o governante não sendo um senhor do poder que exerce, ficando assim compromissado com o povo e com o dever de prestar contas aos governados, retratando que se o governante prejudica a quem deve prestação de contas, não continue em tal posição atuando de tal maneira.9 Durante o reinado de Eduardo I, na Inglaterra, a Câmara dos Lordes ou Câmara Alta, que era um órgão composto por nobres e representantes do clero, em que possuíam a função de julgar as acusações contra ministros e a Câmara dos Comuns ou Câmara Baixa, órgão composto por representantes da população que tinham como função dar início ou o recebimento da autorização da acusação contra os ministros após o clamor popular. A atuação da vox populi (voz popular), merece um destaque desde a origem do procedimento, em razão de ser o meio para a efetiva aplicação do impeachment.10 Entre os séculos XIII até o XVII houve uma evolução e desenvolvimento do procedimento, após esse período o impeachment tornou-se menos frequente. 8.Ibidem p.5 9.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p.6 10.ibidem. 14 Alguns casos do período merecem destaques pois auxilia em um entendimento sobre o surgimento do instituto em razão da ocorrência de um julgamento devido ao clamor popular, destacando-se os casos de David, conhecido como o “irmão Llwellyn”, ocorrido em 1283, o do Conde Lanscater em 1322, o de Roger Mortiner, o de Simon Beresfor em 1330 e a acusação do Arcebispo da Cantuária, John Straford perante o parlamento em 1341 com base em denúncias difamatórias, esses casos ainda não eram propriamente dito o impeachment, porém marcaram o surgimento do instituto;11 O procedimento foi utilizado com aspectos penais na sua origem, e foi muito utilizado durante o reinado de Eduardo III pela Câmara Baixa como órgão de acusação, a fim de incriminar ministros do rei, e a Câmara dos Lordes por sua vez realizava os julgamentos das acusações feitas. As penas aplicadas aos que eram julgados no impeachment variavam desde a perda do cargo, pagamento de multas até a punição por castigo corporal, podendo culminar até a morte. 12 Na Inglaterra durante o período absolutista monárquico havia a predominância do direito divino do rei, o que justificava o fato de o rei não poder ser responsabilizado, ou seja, o rei não respondia por seus atos, com isso pode-se invocar o brocardo jurídico-político proclamado na Inglaterra, lembrado pelo francês René David13, que o rei não poderia agir mal, ou the king can do not wrong (o rei não pode errar) que durou até 1947, consagrando a teoria da irresponsabilidade, deixando assim bem evidente a posição do rei no direito inglês. Nesse contexto Maria Sylvia Zanella Di Pietro14 traz a ideia de responsabilidade civil do Estado na época da teoria da irresponsabilidade. A teoria das irresponsabilidades dizia que o rei não errava, e caso houvesse alguém a ser responsabilizado seria os funcionários da coroa, ou seja, os funcionários que eram responsabilizados pelos danos causados aos particulares baseado no princípio the king can do no wrong. Esse modo de responsabilizar perdurou até a aprovação do Crown ProceedingAct (Lei de processos da coroa)15 em 1947 momento este que a coroa passou a ser responsabilizada por danos cometidos por seus funcionários, desde que houvesse infração daqueles deveres que todo patrão tinha em relação aos seus prepostos e também daqueles que 11.Ibidem 12.Ibidem 13.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 7 14.Ibidem 15.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 7 15 toda pessoa comum tinha em relação à propriedade. No tocante ao impeachment, durante reinado de Eduardo III, por volta de 1376, houve uma racionalização do sistema pelo Parlamento, recebendo destaque os casos dos Lordes Latimer, William e Neville com características políticas no julgamento dos réus. Outro caso foi o de Alice Perres em 1377, sendo a primeira mulher a sofrer o procedimento.16 Ao passo que existia a teoria da irresponsabilidade e uma racionalização do parlamento durante o reinado de Eduardo III, há também uma forte onda de ataques aos ministros do rei que perdiam a confiança do parlamento, decidindo-se então que o impeachment tratava-se de um procedimento de caráter parlamentar e não poderia ser alçado pelo perdão real, assumindo um papel de grande importância sendo um instrumento de pressão aos ministros do rei. Deste modo, julgado o processo, eram impostas pesadas penas aos ministros condenados, desde altas multas, confiscos dos bens, restrições de liberdades até a morte em alguns casos, no intuito de livrarem-se das penalidades os ministros renunciavam aos cargos de ministros do rei antes mesmo de iniciarem o procedimento. O processo de impeachment possui um período que cai em desuso, havendo uma divergência entre os autores se foi do período de 1449 a 1620 ou 1459 a 162117. Após 1620 o procedimento foi sendo largamente utilizado pelo parlamento, tornando- se um instrumento que a simples ameaça de utilização era um fator para derrubar ou desestabilizar os ministros protegidos pelo rei. Segundo alguns historiadores, no período de 1621 a 1715 verificou-se a ocorrência de 50 casos do procedimento, apesar de haver inúmeras tentativas do rei para impedi-los.18 O procedimento foi também admitido na França em 1875 a partir da Grande Revolução, contra o Presidente da República nos crimes de alta traição e contra ministros de Estado. De modo geral o instituto atingia os cidadãos possuindo penas civis, administrativas e penais, assemelhando-se ao sistema inglês. Em 1946 a Constituição Francesa criou a alta corte (Haute-Court) para que realizasse o julgamento do procedimento. Luz Ferreira Filho descreve o julgamento previsto e atribuído a alta corte como impedimento, sendo este é preparado previamente o por uma comissão de 16.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p.7 17. BROSSAD, Paulo. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva. 1992. p.24 18.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 9 16 instrução. A composição da alta corte era de parlamentares e juízes, o julgamento realizado era secreto e o voto do procedimento era dado por maioria absoluta para condenação do acusado. 19 Na Corte Inglesa o período de desuso do instituto se deu, principalmente, porque o procedimento era extremamente complexo e lento, em virtude da concessão do direito à ampla defesa ao acusado, fazendo com que as sentenças demorassem excessivamente para serem proferidas. Nesse sentido houve a substituição do procedimento pelo Bill of Attainder, conforme retrata Ricitelli: 20 O instituto do impeachment começou a ser menos usado em virtude da complexidade procedimental e morosidade no pronunciamento das respectivas sentenças, causas que, definitivamente, influenciaram o então Parlamentarismo dominante a substituí-lo por uma lei condenatória chamada de Bill of Attainder. Apesar da importância histórica que teve na implantação do novo sistema de governo na Inglaterra, o impeachment cai em desuso devido principalmente à característica complexa pela qual era identificado como um processo penal com procedimento político que assegurava ao acusado o direito à ampla defesa, muitas vezes acarretando longos, desgastantes e estéreis debates. A complexidade e a morosidade foram, portanto, características determinantes para o gradual desuso do impeachment e sua natural substituição pela Bill of Attainder, um procedimento legislativo que condenava ex vi legis, sem direito à defesa. Na obra Behemoth ou o longo parlamento de Thoma Hobbes traduzida por Eunice Ostrensky (2001) em suas notas tece relevantes diferenças entre o impeachment e o Bill of Attainder,21 retratando que o primeiro trata-se de um processo judicial e o segundo de um processo legislativo adotado por ambas as Câmaras e com concordância formal do monarca. O Bill of Attainder não possuía caráter definido como crime e embora aplicada na maioria dos casos de traição, não precisava ater-se a definição jurídica de qualquer crime, não sendo um tipo de julgamento transparente ao acusado e dependia de concordância formal do rei. 22 Dessa forma, havia total insegurança jurídica em face do acusado, que não sabia ao certo, quais condutas seriam punidas ou não. Ademais, além da pena principal, o então condenado ficava sujeito a não mais possuir direitos civis e políticos, tampouco direito sobre seus bens, sendo impedido de transmiti-los aos seus sucessores. Diante de toda a insegurança 19.Ibidem 20.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 9 21.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 10 22.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 8 17 jurídica advinda da aplicação da lei Bill of Attainder, em meados do Século XIX, ela foi abolida23. No período de utilização da Bill of Attainder houve alguns casos de impeachment em razão de haver seu uso ter sido muito comum em determinado período. Com a reativação do impeachment em 1620 pela Câmara dos Comuns, período este que o impeachment passou a ter características políticas, originando-se a partir de ofensas à constituição e fatos prejudiciais ao país, tendo como alvo, altas personalidades do Reino, e suas últimas aplicações no século XVIII e uma última aparição contra o Lorde Melville, em 1805, acusado de malversação das finanças do Almirantado, mas sendo absolvido em 180624: Surge, destarte, a responsabilidade política do gabinete, que se tornava demissionário, sempre que recebesse voto de desconfiança, desencadeando, em definitivo, a independência do gabinete, apesar da oposição sistemática do rei absolutista Jorge III. O brocardo: O rei reina, mas não governa forjou, assim, o regime parlamentar no Ordenamento Jurídico inglês. Assume o gabinete a efetiva administração do Estado, cujas resoluções do primeiro-ministro o rei subscrevia e o Parlamento aprovava ou não, cabendo a responsabilidade do Governo ao gabinete e não ao rei. No caso de desaprovação pelo Parlamento da orientação do gabinete, este devia demitir-se para permitir ao rei a escolha de novos ministros. A autonomia do gabinete acarretou a sua responsabilidade política e solidária. O instituto do impeachment,no decorrer de sua aplicação na Inglaterra remonta a ideia de que se os ministros estivessem atuando de maneira que não agradasse o parlamento, poderiam sofrer o procedimento com o intuito de pressioná-los a se demitirem, resultando assim no fortalecimento do parlamento e o impeachment inglês resultou em uma das mais importantes ferramentas para a consolidação do sistema parlamentarista inglês. 25 1.3 - O Instituto no Ordenamento Jurídico Norte-Americano Como já se faz notório o instituto do impeachment não é originário da República, contudo há nesse sistema de governo a sua aplicação, evidentemente, com suas peculiaridades e semelhanças no originário inglês. Dessa forma a diferença mais crucial percebida é de que o instituo aplicado na 23.Ibidem. p. 9 24.Ibidem. p. 82 25.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 82 18 República Norte-Americana busca a punição da autoridade pública em razão de seu mau exercício, ocasionando, por sua vez, a destituição do cargo com ou sem inabilitação para novo exercício da vida pública, não atingindo os bens do cidadão ou a sua vida privada. O julgamento é feito pelo Senado após acusação feita pela Câmara, e ainda não obstante, pode haver julgamento pelo Judiciário caso haja a apuração de crime de fato.26 Embora exista algumas semelhanças entre o instituto norte-americano e o inglês, conforme dizeres de John Norton Pomeroy em an Introduction to the Constitucional Law of the United States no qual destaca que o vocábulo impeachment foi tomado de empréstimo, imitando o procedimento inglês, e nada mais; pois muito diferentes são o objeto e o fim dos processos.27 O procedimento nos Estados Unidos destina-se apenas a quem esteja investido em um cargo público, cabendo contra o Presidente, o Vice-Presidente, os juízes federais, e os funcionários da União, excluídos os militares e congressistas.28 Assim, com a constituição de 1787, efetivamente percebeu no ordenamento Americano a instalação do instituto, dispondo em seu artigo I, seção 3, última parte, que “A pena nos crimes de responsabilidade não excederá a destituição da função e a incapacidade para exercer qualquer função pública, honorífica ou remunerada, nos Estados Unidos. O condenado estará sujeito, no entanto, a ser processado e julgado, de acordo com a lei.” 29 Além disso, elencou também a Constituição Norte Americana a maneira com que se aplicaria o procedimento de impeachment, na seção 3, do artigo I que diz:30 Só o Senado poderá julgar os crimes de responsabilidade (impeachment). Reunidos para esse fim, os Senadores prestarão juramento ou compromisso. O julgamento do Presidente dos Estados Unidos será presidido pelo Presidente da Suprema Corte. E nenhuma pessoa será condenada a não ser pelo voto de dois terços dos membros presentes. Observa-se, portanto, que o procedimento adotado na América foi a forma derradeira do inglês, desvestindo-se do viés penal e adotando os aspectos políticos, tendo seu principal mote a proteção do Estado e não a punição de delinquentes, sendo essa forma reproduzida até 26.BROSSAD, Paulo. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 1992. p.21 27.Ibidem p. 24 28.Ibidem. p. 23 29.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 83 30.Constituição dos Estados Unidos da América – 1787. Disponível em: < http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da- Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/constituicao-dos-estados-unidos-da-america- 1787.html > acesso em 16 de Outubro de 2018 19 os dias atuais.31 O aspecto político do impeachment tem sua principal distorção com a adoção da teoria dos checks and balances (freios e contrapesos) dada por Montesquieu, ao passo que busca a inteira separação dos poderes, em que o procedimento de impeachment dar-se-á com a finalidade de destituir o agente público que agiu contrário a constituição, caso haja algum crime os responsáveis por julgá-lo será os tribunais. No entanto, caso o agente renuncie do cargo o procedimento não prosseguirá, pois o objetivo deste instituto já foi alcançado, a destituição.32 No ordenamento Norte-Americano não há uma enumeração taxativa de quais são os atos que originam a instauração de impeachment, relatando somente, que é aplicado nos casos de suborno, traição, nos casos de crimes graves ou má conduta, podendo causar dúvidas na interpretação do ato. Contudo, busca-se a responsabilidade do funcionário investido em cargo público sobre a falta da qual é acusado. Assim, Riccitelli33 destaca: Para o sistema norte-americano, a condenação é aspecto secundário, de competência dos respectivos tribunais. Portanto, o objeto preliminar e principal do instituto do impeachment, no direito norte-americano, é o efetivo afastamento do acusado e sua consequente perda de cargo. A aplicação do impeachment no ordenamento Norte-Americano é de inteiro cunho político, buscando por meio das Câmaras parlamentares a responsabilidade política do agente público que teve ações contrárias à função e assim destituí-lo. O processo de impeachment mais recente nos Estados Unidos ocorreu em 1998, envolveu o Presidente da República Bill Clinton, acusado de perjúrio e obstrução da justiça. Bill Clinton foi absolvido pelo Senado da acusação de perjúrio por 55 a 45 votos, enquanto houve empate no que se refere a acusação de obstrução da justiça, sendo 50 a 50 votos. O total necessário para o afastamento do presidente era o mínimo de 67 votos, maioria absoluta do Senado, para cada uma das acusações.34 Então, apesar de o impeachment norte-americano derivar do inglês com algumas 31.BROSSAD, Paulo. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 1992. p.31 32.Barros, Sergio Rezendes. Noções sobre impeachment. Disponível em: <http://www.srbarros.com.br/pt/nocoes-sobre--i-impeachment--i-.cont>. Acesso em 25 Agosto de 2018 33.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 84 34.ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Bureau de Programas de Informações Internacionais, Departamento de Estado dos EUA. Panorama do Governo dos EUA. 2013. p. 19Disponível em: <http://photos.state.gov/libraries/amgov/1077041/ramosoc/1312_Outline_of_US_Government_Portuguese_digit al.pdf> acesso em: Agosto de 2018 20 semelhanças, porém são nítidas suas diferenças de aplicação e julgamento do instituto. 1.4-Maneira de chegada ao Brasil O instituto no Brasil seguiu a linha norte-americana, fato este tratado notoriamente por Cretella Junior que retrata o impeachment como uma forma anglo-norte-americana retratando em síntese que tem por finalidade impedir a permanência no poder daquele que desmereceu a confiança popular, por havê-la abalado.35 Sendo esta forma de abordagem o meio pelo qual se buscou proteger a sociedade contra atos indesejáveis das altas autoridades. A influência americana foi sistemática para o modo de como o instituto seria instalado no ordenamento jurídico brasileiro, com exceção da Constituição de 1824 que buscou a aplicação conforme o aplicado na Inglaterra. Na primeira acepção e impeachment no ordenamento pátrio tem-se a ideia da total irresponsabilidade do monarca, de modo que é retomada a teoria da irresponsabilidade em que o rei não erra ("The king can do no wrong"). Tal disposição era prevista no artigo 99 daquele texto constitucional: “A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada;ele não está sujeito a responsabilidade alguma”.36 Nesse mesmo sentido disserta Paulo Brossard37: Era natural que se não falasse em responsabilidade do governo antes que as ideias liberais rompessem a crosta do absolutismo, em que absorvia o Executivo em si de todos os poderes, ou, para dizer melhor, havia um só. Nesse sentido verificava-se que no período do império a aplicação do impeachment se dava desfavor dos ministros de Estado que representava o executivo sendo responsáveis por traição, suborno ou concussão, abuso de poder, falta de observância da lei, pelo que obrarem contra a liberdade, segurança e por qualquer dissipação dos bens públicos.38 Contudo houve 35.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 15 36.BRASIL. Constituição (1824) Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm> acesso em 16 de Outubro Junho de 2018 37.BROSSAD, Paulo. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 1992. p.14 38.BROSSAD, Paulo. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 1992. p.18 21 inúmeras mudanças e alteração do instituto no país no decorrer das constituições. Assim como destacou-se no início deste tópico, que o instituto do impeachment no Brasil em 1824 possuía fortes características similares com a maneira que era aplicado como Inglaterra, há também contribuições norte-americanas a partir da instalação da República em 1891. Com isso, discorre-se no próximo capítulo sobre a forma de aplicação durante as constituições brasileiras até os moldes atuais, trazendo algumas considerações relevantes a respeito da aplicação. 22 Capítulo 2: O procedimento de julgamento de crimes de responsabilidade no Brasil Conforme já elencado no capítulo anterior sobre a evolução do instituto no decorrer de sua aplicação nos países de origem, também há a sua aplicação no Brasil, e houve uma série de mudanças e adaptações para chegar até os moldes atuais. 2.1-Previsão e aplicação na Constituição de 1824 O instituto outrora citado desponta no ordenamento jurídico brasileiro já na constituição de 1824, embora a ideia de responsabilidade do governante não era uma primazia do período absolutista que vivia o país, havia a previsão de tal procedimento.39 O imperador era tido como inviolável e sagrado sem responsabilidade alguma, da mesma forma que na Inglaterra absolutista (the king can do not wrong). Todavia os ministros de Estado poderiam ser responsabilizados por atos praticados enquanto agentes públicos pelos delitos já previstos no artigo 133 da constituição de 182440. Art. 133. Os Ministros de Estado serão responsáveis I. Por traição. II. Por peita, suborno, ou concussão. III. Por abuso do Poder. IV. Pela falta de observância da Lei. V. Pelo que obrarem contra a Liberdade, segurança, ou propriedade dos Cidadãos. VI. Por qualquer dissipação dos bens públicos. Com a previsão de quais crimes poderiam ser o objeto de julgamento dos agentes, a Constituição já no artigo 134 destacou sobre a necessidade de uma lei para regulamentar a forma como proceder quando fossem julgar esses agentes dizendo que, “uma Lei particular especificará a natureza destes delictos, e a maneira de proceder contra elles”41. A lei de 15 de outubro de 182742 elaborada nos termos do artigo 134, trouxe as diretrizes e a forma como se daria o procedimento no Brasil e ainda dizia sobre a responsabilização dos secretários e 39.BROSSAD, Paulo. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 1992. p.16 40.BRASIL. Constituição (1824) Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm > acesso em 16 de Outubro 2018 41.Ibidem 42.LEI DE 15 DE OUTUBRO DE 1827. Rio de Janeiro, 31 de Outubro de 1827. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38389-15-outubro-1827-566674-publicacaooriginal- 90212-pl.html > acesso em 16 de Outubro 2018 23 conselheiros de estado, sendo que poderiam ser responsabilizado nos mesmos moldes dos ministros. Diante disso, conforme previsto na legislação de 1827 no artigo 14 e 20 respectivamente43 competia à Câmara dos deputados receber a acusação contra os ministros secretários ou conselheiros de estado e autorizar prosseguimento e o julgamento, na câmara dos Senadores. O imperador por sua vez não poderia intervir muito menos impedir o procedimento, pois assim estava previsto no artigo 135 da carta magna de 1824, “não salva aos Ministros da responsabilidade a ordem do Imperador vocal, ou por escripto” A aplicação da pena no procedimento não tinha por finalidade somente o afastamento do cargo, mas também que a pessoa que foi julgada pelo crime também sofresse a pena, podendo recair sob o homem, em sua liberdade e seus bens; deixando claro a natureza penal do impeachment a época. Conforme artigos 57º, 58º e 59º da lei de 182744 Art 57º As penas pecuniárias impostas nesta Lei serão applicadas para estabelecimentos pios, e de caridade. Art 58º Se o ministro e Secretário de Estado, ou o Conselho de Estado não tiver meios de pagar a pena pecuniária, será esta commutada em pena de prisão na proporção de 20$000 por dia. Art 59º Decidindo o Senado que tem lugar a indemnização, assim se declarará na sentença, e as partes lesadas poderão demandar por ella os réos perante os Juizes do Fôro commum. Apesar de haver a previsão na Constituição de 1824, não há relatos de nenhum caso de impeachment no período desta Constituição.45 2.1.2-Previsão e aplicação na Constituição de 1891 Em 1891 com a República substituindo a Monarquia, o Estado tornando-se uma Federação, o procedimento passa a ter aspectos e aplicação conforme o que foi adotado nos Estados Unidos, contudo nesta constituição o instituto brasileiro também difere do norte- americano na medida que traz a definição dos crimes de responsabilidade que podem ensejar 43.LEI DE 15 DE OUTUBRO DE 1827. Rio de Janeiro, 31 de Outubro de 1827. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38389-15-outubro-1827-566674-publicacaooriginal- 90212-pl.html > acesso em 16 de Outubro 2018 44.Ibidem 45.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 16 24 no procedimento.46 A definição dos atos que poderiam ensejar no processo de impeachment trazidas no artigo 54 da Constituição de 1891, como, nem os bens daquele que estava investido no cargo, limitando-se a aplicação do procedimento. Conforme previsto no artigo 85 da Constituição. 47 Art 54 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra: 1º) a existência política da União; 2º) a Constituição e a forma do Governo federal; 3º) o livre exercício dos Poderes políticos; 4º) o gozo, e exercício legal dos direitos políticos ou individuais; 5º) a segurança interna do Pais; 6º) a probidade da administração; 7º) a guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos; 8º) as leis orçamentárias votadas pelo Congresso. § 1º - Esses delitos serão definidos em lei especial. § 2º - Outra lei regulará a acusação, o processo e o julgamento. § 3º - Ambas essas leis serão feitas na primeira sessão do Primeiro Congresso. No período da 1ª Constituição Republicana ocorreu o oferecimento de denúncia contra algumasautoridades a fim de que fosse instaurado o impeachment. Como exemplo pode-se declarar o caso do vice-presidente Marechal Floriano Peixoto em 1893 enquanto estava no exercício da presidência, acusado por diversos fatos delituosos, porém a Câmara não acatou a denúncia. Houve também em 1901 a instauração contra o presidente Campo Sales, que foi denunciado por violência contra o Almirante Custódio de Melo, que não foi acatada. Houve ainda outra denúncia contra Campos Sales formulada pelo deputado Fausto Cardos, que também não foi aceita pela câmara, sendo declarada inoportuna e injurídica. Por último sabe- se que também houve uma denúncia contra Hermes da Fonseca, no entanto, também sem resultado, o que foi uma característica das denúncias feitas no período.48 Observa-se ainda nessa constituição que os órgão de recebimento e julgamento da denúncia por crime de responsabilidade ainda são a Câmara e o Senado, conforme artigo 53 da carta.49 46.Ibidem p. 15 47.BRASIL.Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil ( de 24 de Fevereiro de 1891) . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm> acesso em 24 Setembro de 2018 48.RICCITELLI, Antônio. Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p. 16 49.BRASIL.Constituição República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de Fevereiro de 1981). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao 91 .htm > acesso em 16 de Outubro 2018 25 Art 53 – O Presidente dos Estados Unidos do Brasil será submetido a processo e a julgamento, depois que a Câmara declarar procedente a acusação, perante o Supremo Tribunal Federal, nos crimes comuns, e nos de responsabilidade perante o Senado. Importante também destacar que o julgamento do senado para a devida condenação, esta limitada à aprovação de dois terços da casa e a pena aplicada é somente a perda do cargo, conforme artigo 3350. Art 33 – Compete, privativamente ao Senado julgar o Presidente da República e os demais funcionários federais designados pela Constituição, nos termos e pela forma que ela prescreve. § 1º – O Senado, quando deliberar como Tribunal de Justiça, será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. § 2º – Não proferirá sentença condenatória senão por dois terços dos membros presentes. § 3º – Não poderá impor outras penas mais que a perda do cargo e a incapacidade de exerce Outro destaque a esta Constituição é que o cometimento de crime de responsabilidade além de ter se estendido ao Presidente podendo acarretar o impeachment, os Ministros de Estados em crimes conexos com o presidente também estariam sujeitos ao julgamento.51 2.1.3-Previsão e aplicação na Constituição de 1934 A Constituição de 1934 quanto aos atos de crime de responsabilidade que ensejariam em uma possível instauração do procedimento de impeachment não trouxe nenhuma inovação, acrescentando apenas mais ao rol previsto em 1891, qual seja, o ato de atentar contra o cumprimento das decisões judiciárias, previsto no artigo 57 da carta de 1934. Contudo, trouxe uma forma de julgamento diferente da que vinha sendo tratada nas Constituições anteriores. Conforme pode notar-se no artigo 58 dessa Constituição52 50.BRASIL.Constituição República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de Fevereiro de 1981). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao 91 .htm > acesso em 16 de Outubro 2018 51.BRASIL.Constituição República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de Fevereiro de 1981). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao 91 .htm > acesso em 16 de Outubro 2018 52.BRASIL. Constituição República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de Julho de 1934) . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm> acesso em: Setembro de 2018 26 Art. 58 – O Presidente da República será processado e julgado nos crimes comuns, pela Corte Suprema, e nos de responsabilidade, por um Tribunal Especial, que terá como presidente o da referida Corte e se comporá de nove Juízes, sendo três Ministros da Corte Suprema, três membros do Senado Federal e três membros da Câmara dos Deputados. O Presidente terá apenas voto de qualidade. Diante disso percebe-se a atuação de uma corte especial para julgamento dos crimes de responsabilidade e não pelas casas legislativas como já ocorria. Outra característica importante de se notar é que, a denúncia já não era mais oferecida e apreciada pela câmara dos deputados e sim pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) que convocaria uma junta especial, conforme parágrafos do artigo 5853. § 2º – A denúncia será oferecida ao Presidente da Corte Suprema, que convocará logo a Junta Especial de Investigação, composta de um Ministro da referida Corte, de um membro do Senado Federal e de um representante da Câmara dos Deputados, eleitos anualmente pelas respectivas corporações. § 3º – A Junta procederá, a seu critério, à investigação dos fatos argüidos, e, ouvido o Presidente, enviara à Câmara dos Deputados um relatório com os documentos respectivos. (…) § 6º – Decretada a acusação, o Presidente da República ficará, desde logo, afastado do exercício do cargo. § 7º – O Tribunal Especial poderá aplicar somente a pena de perda de cargo, com inabilitação até o máximo de cinco anos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo das ações civis e criminais cabíveis na espécie. A Junta Especial de Investigação, era composta de um ministro da Corte, um membro do Senado e um representante da Câmara. Um relatório sobre a investigação seria enviado à Câmara pela Junta Especial que após a análise do documento, acataria ou não a acusação, caso fosse aceita, as peças seriam enviadas ao Tribunal Especial para julgamento.54 O Tribunal Especial era composto de nove juízes, 3 senadores, 3 deputados e 3 ministros da Corte Suprema, que dará a decisão final, podendo aplicar somente a pena de perda de cargo, com inabilitação até o máximo de cinco anos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo das ações civis e criminais cabíveis na espécie55 53.Ibidem 54.COELHO, D. C.; VIECHINESK, F. O rito do impeachment na legislação brasileira. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VIII, n . 15, jul/dez 2016.. 15, jul/dez 2016. ISSN 2175-7119. p.277 . Disponível em: <http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima15/interno-1.-o-ritmo-do- impeachment.pdf>. Acesso em 24 Setembro de 2018 55.BRASIL. Constituição República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de Julho de 1934) . Disponível em: <http://w ww.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm > acesso em: 24 Setembro de 2018 27 2.1.4-Previsão e aplicação na Constituição de 1937 Com outorga da constituição de 1937 por meio do golpe de estado, algumas restrições foram observadas em relação à aplicação do procedimento de impeachment. Dentre essas restrições percebeu-se a limitação do Congresso Nacional e a retirada de alguns crimes de responsabilidade já previstos em constituições anteriores. Em relação ao poder legislativo o artigo 38 da Constituição nos traz o seu novo funcionamento e composição.56 Art 38 – O Poder Legislativo é exercido pelo Parlamento Nacional com a colaboração do Conselho da Economia Nacional e do Presidente da República, daquele mediante parecer nas matérias da sua competência consultiva e deste pela iniciativa e sanção dos projetos de lei e promulgação dos decretos-leis autorizados nesta Constituição. § 1º– O Parlamento nacional compõe-se de duas Câmaras: a Câmara dos Deputados e o Conselho Federal. § 2º – Ninguém pode pertencer ao mesmo tempo à Câmara dos Deputados e ao Conselho Federal. Sobre o poder legislativo agora denominado Parlamento Nacional, tendo a Câmara dos Deputados como órgão responsável pelo acatamento da denúncia contra o presidente após aprovação de 2/3 da casa e Conselho Federal como órgão julgador em caso de procedimento de impeachment. Contudo o presidente tinha o poder de dissolver a Câmara dos Deputados não aprove suas medidas em tomadas em estado de emergência, sendo então perceptível a limitação do legislativo.57 Em relação aos crimes de responsabilidade que poderia ser o presidente responsabilizado estão eles previstos no artigo 85 da Constituição. Dentro deste artigo nota-se que foi retirado do rol dos crimes que poderiam ocasionar à responsabilidade do presidente, dentre eles, os que atentavam contra as liberdades individuais, segurança interna do país e leis orçamentárias.58 Art 85 – São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República definidos em lei, que atentarem contra: a) a existência da União; b) a Constituição; 56.BRASIL.Constituição República dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de Novembro de 1937) . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm> acesso em:17 Outubro de 2018 57.BRASIL.Constituição República dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de Novembro de 1937) . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm> acesso em:17 Outubro de 2018 58.Ibidem 28 c) o livre exercício dos Poderes políticos; d) a probidade administrativa e a guarda e emprego dos dinheiros públicos; e) a execução das decisões judiciárias. Art 86 – O Presidente da República será submetido a processo e julgamento perante o Conselho Federal, depois de declarada por dois terços de votos da Câmara dos Deputados a procedência da acusação. § 1º – O Conselho Federal só poderá aplicar a pena de perda de cargo, com inabilitação até o máximo de cinco anos para o exercício de qualquer função pública, sem prejuízo das ações cíveis e criminais cabíveis na espécie. § 2º – Uma lei especial definirá os crimes de responsabilidade do Presidente da República e regulará a acusação, o processo e o julgamento. Art 87 – O Presidente da República não pode, durante o exercício de suas funções, ser responsabilizado por atos estranhos às mesmas. Nessa Constituição de 1937 o presidente era tido como uma figura absoluta do estado, no entanto ainda assim havia a previsão constitucional do procedimento de responsabilização do presidente com as devidas penas e inabilitações, ainda que meramente previsão sem instauração.59 2.1.5-Previsão e aplicação na Constituição de 1946 No ano de 1946 após o regime totalitário promulgou-se uma nova constituição, que trouxe novamente as definições de crimes de responsabilidade dada naquela constituição de 1891, em busca de reestabelecer os ditames democráticos.60 Art 89 – São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos; VIII – o cumprimento das decisões judiciárias. Parágrafo único – Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. 59.BRANDALISE, Giulianna de Miranda. O Impeachment Configurado no Sistema Brasileiro: Entre seus aspectos jurídicos e políticos. 2015. - Curso de Direito, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2015. p. 26. Disponível em: < https://repositorio.unisc.br/jspui/bitstream/11624/852/1/TC%20II%20- %20Giulianna%20de%20Miranda%20Brandalise.pdf > 24 Setembro de 2018 60.BRASIL..Constituição República dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de Setembro de 1946 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm> acesso em:17 Outubro de 2018 29 Com essa constituição buscou-se o reestabelecimento das ideias democráticas, e em relação ao procedimento de impeachment resgatou as ideias dadas pela constituição de 1891. Durante a vigência dessa constituição houve a promulgação da Lei 1.079 em 10 de abril de 1950, denominada lei do impeachment, vigente até os dias atuais dando origem às especialidades, tipicidade e desdobramentos aos crimes de responsabilidade e seu viés político.61 Outro fato destacado nessa Constituição foi a forma de admissão da denúncia prevista no artigo 88 do texto constitucional, em que exigia um quórum mínimo para a aprovação: 62 Art. 88 - O Presidente da República, depois que a Câmara dos Deputados, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, declarar procedente a acusação, será submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns, ou perante o Senado Federal nos de responsabilidade. Portanto percebe-se que essa Constituição não trouxe novidades estruturais em relação ao processo, contudo, para a admissão da denúncia contra o presidente que passou a constar no texto constitucional, que foi o quórum exigido para a abertura do processo na Câmara. As ideias relacionadas a democracia e a criação da lei do impeachment no período tornam-se os meios utilizados até os dias atuais para direcionar e aplicar o procedimento. 2.1.6-Previsão e aplicação na Constituição de 1967 No ano 1967 foi outorgada uma nova constituição em virtude do regime militar, e nesta Carta a previsão do procedimento impeachment sofreu também algumas alterações procedimentais. Dessas alterações destaca-se o quórum mínimo para que fosse autorizada a instauração do procedimento, que foi novamente alterado, passando a ser de dois terços da Câmara e possuiria um prazo de sessenta dias para que fosse concluído, caso não concluísse nesse período o processo seria arquivado63 61.Constituição República dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de Setembro de 1946 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm> acesso em:17 Outubro de 2018 62.Constituição República dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de Setembro de 1946 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm> acesso em:17 Outubro de 2018 63.BROSSAD, Paulo. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 1992. p.11 30 Art 85 – O Presidente, depois que a Câmara dos Deputados declarar procedente a acusação pelo voto de dois terços de seus membros, será submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nos crimes comuns, ou, perante o Senado Federal, nos de responsabilidade. § 1º – Declarada procedente a acusação, o Presidente ficará suspenso de suas funções. § 2º – Decorrido o prazo de sessenta dias, se o julgamento não estiver concluído, o processo será. Arquivado. Em relação aos crimes de responsabilidades que poderiam ser cometidos pelo presidente, a Constituição continuou com o rol previsto na constituição de 1891, conforme artigo 84 da Constituição de 196764. Art 84 – São crimes de responsabilidade os atos do Presidente que atentarem contra a Constituição federal e, especialmente: I – a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos Poderes constitucionais dos Estados; III – oexercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das decisões judiciárias e das leis Outro fato importante que é também percebido nessa Constituição é a presença de um prazo de inabilitação para o exercício de cargos públicos em caso de condenação no processo, fixado em cinco anos, além da perda do cargo.65 Corroborando com as considerações dadas nos tópicos anteriores, verifica-se a constante mudança do procedimento de impeachment, e a ocorrência de influências externas e políticas para sua aplicação. 2.2-Constituição de 1988 A constituição de 1988, conhecida como Constituição cidadã por trazer inúmeros direitos aos homens em suas disposições e por proteger o Estado enquanto ente soberano e em sua dignidade humana, traz dispositivos relativos ao impeachment ligadas principalmente a proteção do Estado e a responsabilização do presidente. As disposições sobre o procedimento no ordenamento jurídico-constitucional atual 64.BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm> acesso em:17 Outubro de 2018 65.Ibidem 31 esta regulada nos artigos 51, inciso I, e 52, inciso I e parágrafo único, bem como os artigos 85, 86 e também há complementação e disposições do procedimento dadas pela lei 1.079/50, a partir disso passa-se a uma análise do procedimento aplicado e julgado na constituição de 1988. 2.3-Requisitos do processo Inicialmente, percebe-se na Constituição de 1988 a possibilidade de perda do cargo pelo Presidente da República devido a condutas contrárias a constituição, previstas no artigo 85 do texto pátrio. Tais condutas são definidas como crimes de responsabilidade, que caso ocorram podem ocasionar a perda do cargo por meio do procedimento de impeachment.66. Nesse sentido, Bulos retorna a ideia já discutida anteriormente de responsabilização do presidente enquanto exerce a função que lhe foi confiada, podendo ser afastado do cargo, processado e julgado por delitos funcionais, sem o prejuízo de ser punido por prática de crimes comuns.67 O texto Constitucional de 1988 nos traz a conceituação de alguns dos crimes de responsabilidade que, ao serem praticados pelo presidente da República, podem ocasionar sua destituição68. Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. Caso o Presidente pratique algum desses “crimes” pode ser instaurado o processo de impeachment contra ele, procedimento este, definido pela lei 1.079/50, que além de detalhar 66.PINHO, Rodrigo Cesar Rabello. Da organização do Estado, dos poderes e históricos das Constituições, volume 18. 3ªEd. , v.17, 3ªed., Saraiva, São Paulo. 2002. p.111 67.BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.815 68.BRASIL. Constituição federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> acesso em: 24 Setembro de 2018 32 os crimes de responsabilidade previstos na Constituição, traz a diretrizes e o modo de operar na instauração deste processo.69 Para Bulos crime de responsabilidade possui uma denominação equivocada, pois trata que todos os crimes em sua ocorrência são de responsabilidade. Contudo ainda destaca que as constituições de um modo geral adotam esse conceito técnico científico, sendo essa definição além de ambígua uma peculiaridade do direito positivo brasileiro, pois os crimes de responsabilidade referem-se a crimes político-administrativos, não sancionados com penas de caráter criminal.70 Os crimes de responsabilidade e a instauração do processo em virtude deles não ocorrem unicamente contra o Presidente da república, conforme prevê a lei 1079/50 no artigo o 2º dizendo que além do presidente, os Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal ou Procurador-Geral da República podem ser processados71. Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador-Geral da República. Associado aos agentes previstos no artigo 2º, os chefes do executivo no âmbito estadual e municipal também podem sofrer o processo de impeachment. No âmbito estadual percebe-se a aplicação do instituto em relação aos governadores e seus secretários com a constatação de prática dos crimes de responsabilidade definidos na lei 1079/50 assim como no âmbito Federal, porém o julgamento será feito pela assembleia legislativa estadual.72. Já na esfera municipal a lei 3.528 de 03 Janeiro de 1959 cuidava a respeito da responsabilidade dos prefeitos, por conseguinte foi revogada pelo decreto de lei nº 201 de 27 de Fevereiro de 1967, o qual passa a definir quais os crimes que ocasionam a responsabilidade dos prefeitos. Diferentemente do que ocorre nas esferas Federal e Estadual em relação aos crimes de responsabilidade, no caso municipal estes serão julgados pelo poder judiciário, independente 69.RICCITELLI, Antônio . Impeachment à brasileira: instrumento de controle parlamentar, Barueri/SP, Minha Editora, 2006. p.18 70.BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 989 71. BRASIL. LEI nº 1.079/1950. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L1079.htm> acesso em: 24 Setembro de 2018 72.BROSSAD, Paulo. O impeachment: aspectos da responsabilidade política do Presidente da República – 2. Ed. – São Paulo: Saraiva, 1992. p. 89 33 de pronunciamento da Câmara dos Vereadores nos termos do artigo 1º do decreto 201. 73 No entanto, no caso de infrações político-administrativas praticadas pelo prefeito, este será julgado pela Câmara dos Vereadores conforme artigo 4º do referido dispositivo legal. Assim dispõe o decreto nos artigos 1º e 4º.74 Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (…) Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato: I – Impedir o funcionamento regular da Câmara; II – Impedir o exame de livros, folhas de pagamento e demais documentos que devam constar dos arquivos da Prefeitura, bem como a verificação de obras e serviços municipais, por comissão de investigação da Câmara ou auditoria, regularmente instituída; III – Desatender, sem motivo justo, as convocações ou os pedidos de informações da Câmara, quando feitos a tempo e em forma regular; IV – Retardar a publicação ou deixar de publicar as leis e atos sujeitos a essa formalidade; V – Deixar de apresentar à Câmara, no devido tempo, e em forma regular, a proposta orçamentária;VI – Descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro, VII – Praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática; VIII – Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura; IX – Ausentar-se do Município, por tempo superior ao permitido em lei, ou afastar- se da Prefeitura, sem autorização da Câmara dos Vereadores; X – Proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo. No âmbito municipal o decreto 201 em seus artigos possui a definição e a classificação das infrações político-administrativas que poderá ser o prefeito julgado pelo procedimento de impeachment. Observando-se então a continuidade do viés político do procedimento, também no âmbito municipal. Então se percebe a aplicação do procedimento de impeachment em todas as esferas do poder executivo, e desde a origem do instituto houve uma preocupação de responsabilização de dirigentes do Estado. A aplicação e evolução do impeachment é evidente em resultar nessa responsabilização. Ao continuar a elencar os aspectos deste instituto, haverá a preocupação de 73.BRASIL. DECRETO - LEI nº 201, de 17 de Fevereiro de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0201.htm#art9 > acesso em: 01 Outubro de 2018 74.Ibidem 34 retratar além da forma de aplicação do procedimento na esfera Federal, os questionamentos da doutrina quanto a natureza do procedimento. Portanto, conforme já destacado, a previsão para a instauração do procedimento se dá pela ocorrência do crime de responsabilidade previstos no artigo 85 da Constituição Federal e a lei 1079/5075 traz a regulamentação dos crimes de acordo a previsão do parágrafo único do referido artigo 85. 2.4-Como é iniciado o procedimento e o seu julgamento Os requisitos para o procedimento de impeachment no Brasil na Constituição de 1988 e na lei ordinária 1.079/50, ainda é necessário destacar a maneira que de deve operar o procedimento e seu julgamento. Ao averiguar-se a ocorrência de crime de responsabilidade por parte do presidente da república poderá ser instaurado o procedimento contra o presidente. Contudo antes de ser instaurado e o presidente ser efetivamente processado, deverá haver a apresentação formalizada da denúncia contra ele perante a Câmara dos Deputados. A denúncia contra o presidente será apresentada perante a Câmara de Deputados, podendo ser por qualquer cidadão nato ou naturalizado, desde que goze das prerrogativas da cidadania brasileira e esteja em pleno exercício de seus direitos políticos, contenha também a sua identificação, as razões e rol de testemunhas.76 Há ainda alguns requisitos formais previsos no artigo 16 da lei 1,079/50 que também merecem destaque.77 Art. 16. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde possam ser encontrados, nos crimes de que haja prova testemunhal, a denúncia deverá conter o rol das testemunhas, em número de cinco no mínimo. Dessa forma assim que oferecida a denúncia, a Câmara dos Deputados atuará, nesse caso, recebendo a denúncia formalizada, e em seguida realizando o exame. A denúncia será recebida pelo presidente da Câmara, verificando a existência dos requisitos previstos no artigo 75.BRASIL. LEI nº 1.079/1950. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L1079.htm> acesso em:24 setembro de 2018 76.BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.815 77.BRASIL. LEI nº 1.079/1950. Disponível em: <http://www j .planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L1079.htm > acesso em: 17 setembro de 2018 35 16 da lei 1079/50, assim como no regimento interno da Câmara, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada à Comissão Especial eleita, para realização do exame. 78 O exame que é realizado pela Câmara possuí um critério meramente político, sendo analisado dois fatores da denúncia, dentre os quais, se a denúncia será ou não objeto de deliberação seguido de se a denúncia será ou não aceita. O primeiro ato realizado pela Câmara a fim de decidir se a denúncia será ou não objeto de deliberação, não é arbitrário. Deve os deputados federais analisar o teor da denúncia em relação à gravidade dos fatos e o valor das provas oferecidas. Caso os fatos e as razões imputados na denúncia sejam notórios e relevantes, seria injustificável a não deliberação, ou seja, ante as alegações não se pode evitar a discussão do assunto.79 Deste modo, a efetiva análise de deliberação da denúncia na Câmara dos Deputados seguirá pela eleição de uma comissão especial, com representante de todos os partidos, que dará o parecer sobre a denúncia, reunindo-se no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.80 Após a reunião da comissão, eleito um presidente e relator da comissão, há um prazo de 10 (dez) dias para emitir o parecer sobre a denúncia, podendo a comissão requisitar diligências se necessário. Dado o parecer da comissão, este será lido no expediente da sessão da Câmara dos Deputados e publicado integralmente no Diário do Congresso Nacional, posteriormente a denúncia e todas as publicações serão distribuídas todos os deputados81 Feitas as diligências requeridas pela comissão, esta emitirá o parecer em 10 (dez) dias sobre a procedência ou improcedência da denúncia. Tal parecer será também discutido no primeiro lugar do próximo expediente da sessão da Câmara dos Deputados. O segundo ato realizado pela Câmara sobre a procedência ou a improcedência é discricionário dos Deputados da Câmara, não sendo imperativo da lei que o decida, contudo trata-se de conveniência aos interesse da nação. Entretanto conforme destaca Sampaio Doria em Comentários à Constituição de 194682 “…entre o mal da permanência no cargo de quem tanto mal causou e poderá repeti- lo, além do exemplo da impunidade, e o mal da disposição numa atmosfera social e 78.BRASIL. Câmara dos Deputados. Regimento Interno, estabelecido pela Resolução n. 17, de 1989. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/regimento-interno-da-camara-dos-deputados/ RICD%20atualizado%20ate%20RCD%2027-2018.pdf. > Acesso em: 17 de Outubro de 2018 79.BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.815 80.BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.816 81.BRASIL. LEI nº 1.079/1950. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L1079.htm> acesso em: outubro de 2018 82.BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.816Ibidem 36 política carregada de ódios ainda que o culpado Presidente, a Câmara dos Deputados poderá isentá-lo de julgamento, dando por improcedente a acusação.” Assim, nos termos do artigo 51, inciso I da Constituição Federal, é competência da Câmara dos Deputados autorizar a abertura do processo contra o Presidente da República, a fim de que este seja julgado pelos crimes apresentados na denúncia, sendo que, para a autorização da instauração do procedimento deverá ser aprovada de dois terços dos membros.83 Na sessão da Câmara que discutirá sobre o parecer da procedência ou improcedência da denúncia, podendo cinco representantes de cada partido poderá falar uma só vez e durante uma hora. Encerrada a discussão do parecer, será a denúncia submetida a votação nominal, não sendo permitidas, então, questões de ordem, nem encaminhamento de votação. Nessa discussão
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