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Os Sábios do Talmud Ben Zomá 1 Quem é sábio, forte, rico e honrado, de acordo com o Talmud? Mishná 4:1 do Pikê Avót A Ética do Sinai, Irving M. Bunim Editora Sêfer BEN ZOMÁ Ainda que tenha sido um tanaíta da primeira parte do século II, Shimon ben Zomá não possuía um título rabíni- co. Contudo, era um dos estudantes adiantados ou eruditos, considerado como par de seus colegas ordenados, tanto em estudo como em prestígio. Ficou tão famoso por sua vasta erudição, que os sábios ensinavam: “Quem vir Ben Zomá em sonho pode esperar con�antemente a sabedoria erudita.” Como intérprete profundo e prolí�co da Bíblia havia pou- cos iguais a ele (um de seus ditos magistrais encontra-se na Hagadá de Pêssach). E os sábios apontam sinteticamente: “Desde que Ben Zomá morreu, não existem mais os (gran- des) intérpretes.” É signi�cativo seu comentário sobre o versículo ao �nal de Eclesiastes: “A conclusão, após tudo se ter ouvido, é: teme a Deus e guarda Seus mandamentos; porque isto é o todo do homem.” O mundo inteiro – acrescenta Ben Zomá – foi criado só para que isto possa ser decretado e proclamado. Para Ben Zomá, o mundo inteiro foi criado para servir ao religioso e ao observante e, segundo ele, só em virtude da piedade, e por causa dela, o mundo evolui. Ele ensinou: ‘Adão (o primeiro homem) só provou um pouco de pão de- pois de haver arado, plantado, colhido, atado feixes, debu- lhado, joeirado, peneirado, moído, peneirado novamente, amassado e assado. Só comeu depois de tudo isto. Eu me levanto de manhã e encontro tudo isto já feito para mim. Adão só pode vestir uma única vestimenta depois de tosar (a lã), limpá-la, trabalhar os �os, tingi-la, tecê-la, tricotá-la e costurá-la. Só então pode vesti-la. Eu me levanto pela ma- nhã e encontro tudo feito para mim.” Assim, também en- sinaria: “Que diz um bom convidado? Seja meu an�trião lembrado de boa maneira. Quanta variedade de vinhos co- locou diante de mim; quantos diferentes pratos de comida colocou diante de mim; quantos tipos de pão excelente, e tudo isto o fez por mim.” Deste modo assinalou vivamente como o homem de fé aceita, con�a e agradece a Seu Criador neste mundo. Ben Zomá dizia: Quem é sábio? Aquele que aprende com cada um, pois foi dito: “De todos os meus mestres recebi ensina- mentos e os seus preceitos eram minha meditação.”1 Quem é forte? Aquele que domina sua má incli- nação, pois foi dito: “Aquele que tarda em irar-se é melhor do que o forte, e o que domina seu espírito é melhor do que aquele que conquista uma cidade.”2 Quem é rico? Aquele que se alegra com o que pos- sui, pois foi dito: “Ao comeres do trabalho de tuas mãos, serás feliz e te irás bem.”3 Serás feliz - neste mundo; e te irás bem - no mundo vindouro. Quem é honrado? Aquele que honra seus seme- lhantes, pois foi dito: “Pois honrarei aos que me honram e desprezarei aos que me desprezam.”4 As palavras de Ben Zomá nos levam a perguntar: Por que, entre todas, escolheu lidar exatamente com estas quatro categorias e ca- racteres humanos: sabedoria, força, riqueza e honra? Em seu comen- tário, Don Isaac Abravanel explica: estas qualidades são geralmente as mais respeitadas e ansiosamente buscadas em nossa sociedade. As pessoas se empenham em obter riqueza, sabedoria, honra e poder. E quando uma pessoa é su�cientemente afortunada para ter uma ou mais destas qualidades, converte-se em objeto de inveja. Será que Ben Zomá é o primeiro na tradição judaica a julgar criticamente estas quatro metas do esforço humano? Não. O profeta Jeremias sempre exclamou, nas sagradas pala- vras do Todo-Poderoso: “Não se louve o sábio em sua sabedoria, nem em sua valentia o valente, nem o rico se exalte em suas riquezas.”5 Ben Zomá tenta discordar do profeta, então? De modo algum. Ele simplesmente faz uma análise sob outro ponto de vista. Se o esforço para obter estes resultados é parte da natureza humana, deve haver algo bom e justo nesta busca e empenho. Não o recusemos sem análise. O sábio, o forte, o rico e o honrado merecem certamente ser admirados e imitados. Mas aqui surge uma di�culdade: quando se obtém estas qualidades, elas se revelam vãs, ilusórias e sem sentido. Em resposta, Ben Zomá nos pede para fazer uma pausa e re- �etir: Entendemos, realmente, estes conceitos? Quem pode, verda- deiramente, ser chamado rico? A falácia em nosso pensamento sim- plista e super�cial reside em que acreditamos serem estas qualidades algo que a pessoa tem, quando na realidade signi�cam algo que ela é. Estes são atributos a serem criados dentro de nós mesmos, dimen- sões do caráter que devem ser dolorosamente desenvolvidas. Homem sábio é aquele que pode aprender com todas as pes- soas e de todas as experiências. Homem rico é aquele que sabe como ser feliz com o que possui, sem medir até a última moeda. O poder do homem realmente forte reside em seu autocontrole. Quem é sábio? Aquele que aprende com cada um. O Talmud relata que, certa vez, Ben Zomá viu uma multidão de judeus no alto do monte do Templo, e proferiu a bênção indicada: “Abençoado seja Aquele que conhece os segredos”; depois acrescentou: “Abençoado seja Aquele que criou todos estes para meu benefício.”6 À primeira vista, isto pode parecer de uma arrogância e egocentrismo enormes. O que Ben Zomá poderia querer dizer? Ele certamente não era um egoísta insensível. Examinemos suas palavras com relação aos dizeres da nossa Mishná, e seu signi�cado �cará claro. Para começar, a bênção que Ben Zomá proferiu: “Abençoado seja Aquele que conhece os segredos” parece estranha, e podemos per- guntar-nos por que se deve dizê-la ao ver uma multidão de judeus.6 O que o mundo em geral pensa sobre uma multidão? Talvez a veja como uma massa aglutinada e moldável. “As massas” é uma expressão usual e tem conotação depreciativa. Para as bestas nazis- tas, “as massas” existiam para ser escravizadas ou assassinadas. Para a astuta “Madison Avenue”, as pessoas que integram a massa devem ser manipuladas, aduladas e motivadas a adquirir produtos resplan- decentes em uma loja. Para nossos sábios, de abençoada memória, uma multidão é um grupo de indivíduos, nem mais nem menos. E cada indivíduo é um ser humano, um microcosmo sagrado, um mundo por si pró- prio. Quando você vir uma multidão, perceba e lembre-se de que cada ser humano é um ente único, um “mundo” diferente. Cada pessoa tem seus próprios “segredos” e pensamentos. Quando um grupo de pessoas escuta um discurso ou assiste a um �lme, cada um deles tem sua própria reação frente àquilo que foi dito ou apresentado e o compreende de modo distinto. Quando você olha para 10.000 pessoas, está vendo 10.000 “segredos” ocultos em 10.000 mentes. Esta é a essência, o núcleo da liberdade humana – que as mentes das pessoas não podem ser conhecidas nem podem, portanto, serem subordinadas ou controladas tiranicamente. A Suprema Inteligência que originou este mundo, o Criador, fez com que não houvesse duas pessoas iguais nem em aparência nem em pensamento. E só Ele e ninguém mais conhece os segredos, visões, re�exões, meditações e noções que ocupam as mentes humanas. “Minha mente é um reino para mim” – cantou outrora um poeta7 – um inconquistável reino particular. Consequentemente, quando vir uma multidão, nossos sábios recomendam que você diga esta bênção especial e lembre-se de que tem diante de si um grupo de indivíduos únicos, não massi�cados, cada um com seu conhecimento e pensamentos interiores que só Deus conhece. Mas Ben Zomá percebeu algo mais: como cada ser humano é único, há algo para aprender com cada um. “De todos meus mestres recebi sabedoria,”7a e cada um pode ser um mestre, sabendo disso ou não; cada um tem algo valioso para compartilhar. À medida que Ben Zomá olhava para a multidão, ele via mestres em potencial,isto é, uma multidão de oportunidades para aprender. Não foi com arrogância que Ben Zomá declarou: “Abençoado seja Aquele que criou todos estes para meu benefício”, mas com toda humildade. Para ele, as pessoas não eram rivais, mas colegas-alunos e colegas-professores, na grande escola da experiência humana. O ponto essencial da observação de Ben Zomá é que a sabe- doria fundamental não é um corpo �xo de conhecimento, algo que possa ser dominado em caráter de�nitivo. Não é uma substância que, uma vez possuída em quantidade su�ciente, quali�ca alguém para ser denominado sábio. A sabedoria é, melhor dizendo, uma espécie de atividade, uma abordagem de vida e um modo de vida. Se você quiser ser sábio, deve aprende a agir como tal, especialmente em suas relações com outras pessoas. Deve desenvolver e preservar sua capacidade de aprender com os outros, acrescentar algo à sua própria personalidade como consequência de cada experiência. Por- tanto, a sabedoria não é uma qualidade perene, para ser trancada no cofre de tesouros da mente. No dia em que alguém para de agir como sábio, ele deixa de sê-lo. Mas como fazer para aprender dos outros à nossa volta, de cada pessoa que encontramos? Primeiro, devemos reconhecer e aceitar que isto seja possível, o que requer humildade, algo que geralmente não esperamos encon- trar num sábio. Recordemos que nossos sábios, em sua imaginação introspectiva, compararam a Torá com a água.8 Quando você está sedento, não é muito exigente na escolha da pessoa que irá dar-lh e para beber ou sua posição na vida. Água é água e, quando você ne- cessita, aceita-a de quem lhe oferecer. A Torá e a sabedoria também são assim: devem ser procuradas em cada um e você deve estar pron- to a recebê-las onde quer que as perceba. Mas aqui surge uma irônica objeção: Como aprender algo de valor de pessoas que são óbvia e totalmente malvadas? Elas podem servir como exemplo do que devemos evitar. Dos viciados em apos- tas nas corridas de cavalos, podemos aprender o quão corrupto e destrutivo pode ser o vício. Do marido que discute com a mulher à menor provocação, pode-se entender e apreciar as bênçãos de um lar pací�co e harmonioso. E se podemos aprender algo desta forma, então certamente podemos aprender com as pessoas boas. Mas estar preparado para adquirir sabedoria de todos, sem resis- tências nem pontos cegos, implica em algo mais: devemos aprender a valorizar a crítica e a desaprovação. Escutar somente os elogios de nossos amigos e o afago da família é deixar passar a oportunidade de crescer. Os amigos que �ngem não ver nossos defeitos e nunca men- cionam nossas fraquezas podem estar, em última instância, fazendo- nos um favor questionável. Podemos obter maior compreensão de nossos defeitos através de nossos inimigos e da crítica e censura de nossos detratores. Mesmo que exagerem, pode haver algo de verdade em suas acusações. Neste sentido, o versículo seguinte é bem perti- nente: “Que através de meus inimigos, possam Teus mandamentos me tornar mais sábio, pois eles sempre estão comigo (para criticar).”9 Tampouco deve parecer estranho que possamos encontrar sa- bedoria em lugares improváveis, pois esta, quando e onde quer que seja adquirida, é sempre um “achado”; sempre provém da graça do Todo-Poderoso, e não como resultado de um esforço mecânico. O Rabi Chayim de Volozhin percebe esta ideia num ensinamen- to talmúdico: “Se um homem disser: ‘Esforcei-me, mas não achei’ – não creias. Se um homem disser: ‘Não me esforcei, mas achei’ – tam- bém não creias. Se um homem disser: ‘Esforcei-me e achei’ – creia nele.”10 Agora, ele observa, o verbo “achar” parece inadequado com relação aos resultados do esforço. O resultado de um empenho, de um trabalho duro pode ser melhor descrito como uma realização. Quando algo é achado, porém, signi�ca que não veio através de um esforço especial, é uma descoberta fortuita, um feliz “achado”. Mas, diz o Rabi Chayim, é exatamente disto que o Talmud fala: Não importa quanto você tenha se esforçado e estudado, a faís- ca de luz vem como um presente gratuito do Todo-Poderoso. Como dizemos três vezes ao dia, na oração silenciosa das dezoito bênçãos (amidá ou shmone esrê): “Tu concedes, ao homem, sabedoria.” O homem não pode criar sabedoria. Ele precisa encontrá-la. Procure, e o Todo-Poderoso irá recompensá-lo com Sua bênção, e você a encontrará. Este é, portanto, o ensinamento de Ben Zomá: A pessoa que se esforça para aprender de todos, será abençoada com sabedoria. Um rabino chassídico percebeu que não só de pessoas se pode aprender: – Tudo pode nos ensinar alguma coisa; e não só aquilo que Deus criou. Criações do homem também tem algo a nos ensinar. – O que podemos aprender de um trem – indagou um chassíd que duvidou desta a�rmação. – Que por um segundo pode-se perder tudo. – E do telégrafo? – Que cada palavra é contada e cobrada. – E do telefone? – Que tudo que dizemos aqui é escutado lá. Quem é rico? Aquele que se alegra com o que possui. O perspicaz rei Salomão disse: “(Há) aqueles a quem Deus concedeu riquezas, fortuna e honra, e a quem nada, que pudesse de- sejar, falta, mas não receberam a capacidade interior de se sentirem realizados, com tudo isto...”11 Esta é a grande ironia da vida. Tanta gente foi abençoada com uma quota generosa, porém não sabe ser feliz com ela. É como se dessem a alguém uma casa cheia de tesou- ros, mas não a chave para abrir a porta. Esta pessoa teria a impressão de viver no purgatório imaginado por um mujic: “Quando um ho- mem está no purgatório, ele é posto em um barril de vodca, mas não pode se inclinar para bebê-lo.” A chave de todas as riquezas é a capacidade de ser feliz nas circunstâncias atuais, sejam elas quais forem. Esta habilidade está ao alcance do homem; não depende da satisfação dos seus desejos ou necessidades. E só pode ser obtida quando você tem um sentimento de autorrealização, uma percepção do sentido de sua existência. Entretanto, este sentimento não é fácil de ser conseguido. Mui- tos passam a vida inteira sem ter jamais tomado consciência desta percepção tão signi�cativa. Para isto temos uma resposta, consagrada e amadurecida por gerações de antepassados observantes: a Torá. Como guia sagrado e Divino de um modo de vida, ela nos compromete com uma meta transcendental: adorar e servir a nosso Criador. Uma dedicação re- ligiosa constante para cumprir objetivos e metas mais elevadas per- mite enriquecer a vida com signi�cado. É a pedra �losofal que pode converter o destino mais infeliz em uma existência satisfatória, plena de signi�cado. É da ordem natural das coisas que alguém favorecido com riqueza material a desfrute e esteja feliz com ela. Não há nada censurável nisto, pois só assim o rico irá compartilhar sua bênção com os demais. Um rabino chassídico visitou, certa vez, o dono de uma considerável fortuna e o encontrou comendo pão preto com rabanetes. O rabino disse então: “Meu querido amigo, você deveria comer um dia frango, no outro pato e no terceiro pavão e, em segui- da, um bom bife de �lé.” Assim que tiveram a oportunidade, seus discípulos lhe perguntaram por que estava preocupado com a dieta deste judeu opulento. O rabino respondeu: “Se ele comer frango, pode-se esperar que dê arenque a um pobre, mas, se ele mesmo co- mer rabanetes, o que acham que dará a um pobre?” Sim, o rico deve desfrutar de seus bens para querer compartilhá-los de bom grado com os demais. É claro que, ao dar a um necessitado, a pessoa aumenta seu prazer. Foi dito com muita propriedade que “só uma coisa na vida é multiplicada ao dividi-la. Divida e compartilhe felicidade e a verá aumentar.”12 Talvez não seja tão difícil convencer àqueles que possuem de que estão realmente destinados a desfrutar suas posses. Mas fazer o mesmo com os “despossuídos”é certamente uma tarefa bem difícil. Como aprender a conformar-se com sua parte na vida se ela tem severas limitações? Um método consagrado pelo tempo é pensar naqueles cuja si- tuação é pior que a nossa. Observe, também, que as quatro letras da palavra hebraica rhag (homem rico) começam com as palavras que designam os olhos (enáyim), dentes (shináyim), mãos (iadáyim) e pés (ragláyim). Quando todas estas partes do corpo funcionam bem, você é mesmo rico. Se não acredita nisto, visite qualquer hospital e observe bem as pessoas internadas. Logo se dará conta de quão afor- tunado você é. Em sua linguagem concisa, os sábios do Talmud igualam o le- proso e o cego aos totalmente despossuídos: todos estão mortos em certo sentido13 pois não podem participar plenamente da vida. A implicação deste ensinamento incisivo é bem clara: Enquanto tiver saúde e a faculdade da visão, você não será pobre, mas sim, rico. Como diz um antigo provérbio árabe: “Eu me queixava por não ter sapatos, até que vi um homem sem pés.” Mas, acima de tudo, a pessoa só pode estar feliz com seu qui- nhão na vida se considerar a si mesma e a sua existência como parte de um plano maior, quando sabe que sua tarefa é promover os va- lores fundamentais que transcendem os pequenos anseios humanos. Aqueles que vivem somente para satisfazer seus próprios desejos per- tencerão logo ao grupo dos perversos, acerca dos quais o Talmud diz que “mesmo quando estão vivos são considerados como mortos.”14 Para estas pessoas, cada dia que passa é um dia morto, não deixou nada de valor duradouro. Cada desejo satisfeito indica uma agitação emocional medíocre que pereceu. Não há acúmulo de nada signi�- cativo, só uma contagem regressiva das muitas paixões e caprichos que se transformam em nada assim que são satisfeitos. O iníquo morre um pouco a cada dia. Em contraste com isto, sustenta o Talmud, os justos são con- siderados vivos mesmo quando já não pertencem a este mundo.15 Continuam vivos mesmo após a morte. Como dizem as Escrituras: “Mas vós que vos achegastes ao Eterno, vosso Deus, todos estais vi- vos hoje”.16 Num dia, o justo cuida de um doente necessitado. No dia seguinte, ajuda um órfão. No terceiro, arrecada fundos para uma escola que ensina Torá. A sua vida não é de atrito ou desgaste diário, mas de edi�cação. Seus atos se somam a valores e ideais que acumu- lam e ampliam seu signi�cado. A pessoa reta está viva todos os dias porque promove a vida diariamente. Sua presença contribui com algo duradouro para este mundo, e isto conquista a imortalidade para ela. Saber que a sua vida tem signi�cado produz felicidade. Ao en- contrar um judeu religioso, você pergunta: “Como vai” A resposta que você recebe é Baruch Hashem, “Abençoado seja o Todo-Podero- so”: Estou feliz com a minha parte, graças a Deus. Este é um homem rico. Em seu afã por dinheiro e riqueza, as pessoas não são, de modo algum, iguais. Uma fará de tudo para juntar tanto dinheiro quanto puder. Depois, tendo esgotado todos os meios, ela pode concluir: “Bem, isto é tudo que posso conseguir; agora terei que me satisfazer com o que tenho.” Ele é rico segundo nossa Mishná. Mas existe também o raro ser humano que determina de an- temão que nível quer alcançar e, mesmo que pudesse continuar a ganhar dinheiro inde�nidamente, ele para quando o atinge. Não corre desenfreadamente apenas por correr. O rei Salomão ensina: “Vai até a formiga, ó preguiçoso, veja seus caminhos e sê sábio.”17 Embora a formiga seja um bom exemplo de empenho, quando se trata de avaliar suas próprias necessidades, é um exemplo do que não fazer, pois embora só coma dois grãos de trigo e viva uma temporada estoca uma quantidade enorme de co- mida. Que tolice e desperdício! Aprendamos a não imitar a formiga: adquiramos a porção que realmente precisamos e, uma vez alcan- çado este objetivo, saibamos usufruí-la e voltarmos nossa atenção e esforços para coisas mais importantes. Quão acertado é o provérbio: “É muito pequeno o passo que leva da necessidade real à cobiça.”18 É uma tragédia peculiar do ser humano o poder de encontrar em si novas necessidades, desejos e an- seios obsessivos que vão muito além de suas necessidades biológicas. Ben Zomá faz notar que podemos desfrutar das experiências da vida mesmo quando estas forem moderadas. Quem segue uma dieta estrita pode aprender a saborear sua única fatia de torrada e alface com o mesmo encanto com que antes se entupia de comida até es- tragar sua saúde. Saboreie a bebida, não a bebedeira; a comida, não a comilança. A condição humana é tal que a verdadeira felicidade se situa- do lado da moderação. A cobiça também não é o único mau hábito adotado com faci- lidade. Muitos não podem �car felizes com o que tem porque estão sempre preocupados com o futuro. O futuro é, por de�nição, algo desconhecido, envolto na pe- numbra. A pessoa que o encara com ansiedade e apreensão deixa de desfrutar as coisas que possui agora. O fazendeiro sabe que a vaca consome a mesma quantidade de comida no inverno que no verão. Contudo, ela ganha peso no verão e perde no inverno. Como ex- plicação foi ressaltado que, no inverno, o animal é alimentado no curral, enquanto que no verão pasta do lado de fora. No inverno, ela vê diante de si apenas uma quantidade limitada de ração. Quando aquilo terminar, não haverá mais nada. O pensamento deixa a vaca indisposta e insegura e não importa quanto ela coma durante os meses de frio, não ganhará peso. Muitos de nós permitem que ansiedades vagas acerca do futuro estraguem o presente. Esteja feliz com seu quinhão, diz Ben Zomá, não só em termos de quantidade, mas também durante todo o tem- po em que o tiver. Seja feliz com seu futuro aqui e agora, seja qual for. Esta é uma chave essencial para uma vida “rica.” Atenta para as palavras de nossos sábios: “Todo aquele que tem pão em seu cesto e diz ‘O que comerei amanhã?’, possui muito pouca fé.”19 Quem é forte? Aquele que domina sua (má) inclinação. Não existem duas pessoas iguais. Cada ser humano tem seu temperamento único e, portanto, desenvolve suas próprias tenta- ções, desejos e paixões individuais. Um joga cartas até altas horas da madrugada, outro permanece colado na TV; um terceiro irá se deixar levar pelos seus desejos eróticos insaciáveis e uma quarta “fará qualquer coisa para obter dinheiro.” Veja que a Mishná usa a palavra yitsro, “sua inclinação.” Quem é forte? – pergunta Ben Zomá. Aque- le que domina seu desejo, que diz não às suas paixões inatas. É mais fácil para alguém controlar a má inclinação dos outros. Você pode ser um jogador de cartas inveterado, enquanto eu não gosto deste jogo. É fácil para mim recusar-me a jogar com você. Os seus impulsos não me impelem. A autêntica demonstração de força moral surge quando eu preciso controlar minha própria inclinação. O herói de verdade é aquele com poder su�ciente para subjugar seus próprios desejos quando sabe que estão errados. Recordemos uma das con�ssões na oração de al chêt que reci- tamos em Iom Kipúr, o Dia do Perdão: “(Perdoa-nos) pelo pecado que cometemos diante de Ti levados pelo mau instinto.” Esta é uma categoria estranha de más ações para se incluir numa lista longa e es- pecí�ca de pecados, pois este parece cobrir todo tipo de transgressão possível. Será que o ser humano comete algum tipo de transgressão sem a má inclinação? A resposta é que estas palavras de con�ssão não se referem a nossos atos de maldade efetivamente praticados, mas aos “bônus” que crescem com cada transgressão, já que com cada uma delas desenvolvemos nosso ietser hará (inclinação para o mal), a paixão pelo mal contra nós mesmos. Na primeira vez que uma pessoa peca, ela se sente, geralmente, intranquila e atemorizada. É a angústia da culpa. Mas depois que o pecado foi feito, o ietser hará se sente mais seguro e forte,convertendo-se num “grande companhei- ro”. Em dado momento ele surge con�ante e sorridente, e sussurra: “Viu, isto não fez mal nenhum! E pense nos prazeres e benefícios que conseguiu. Temos de fazê-lo de novo!” E em pouco tempo, o pecado converte-se em algo costumeiro. Sim, pecamos diante do Todo-Poderoso através do nosso ietser hará: Com cada ato errado, gradualmente fazemos da má inclinação um monstro tipo “Dr. Frankenstein”, que permitimos que nos do- mine. Se você puder colocar seu ietser em seu devido lugar e mantê -lo ali, então você será verdadeiramente forte. Ao longo do Talmud e do Midrash existem contínuas referên- cias à “guerra contra a má inclinação”.20 Trata-se, realmente, de uma batalha constante que o ser humano deve enfrentar contra um inimi- go que é tão traiçoeiro quanto forte, tão esperto quanto engenhoso. É por isto que Ben Zomá usa o tempo presente: “aquele que domina sua (má) inclinação.” A pessoa deve estar sempre pronta para lutar e resistir. Cada dia apresenta um novo desa�o e uma nova investida. Derrotado numa frente, o ietser hará aparecerá inesperadamente em outro lugar. E trata-se de um inimigo com muitos recursos. Numa guerra convencional, você veste o uniforme de seu país, enquanto o ini- migo usa as cores diferenciadas de seu exército. Você sabe quem é o agressor e dirige seu ataque contra ele. Mas o ietser hará raramente aparece como um inimigo. Ele se disfarça de amigo. Ele usa “quinta- colunas”. O persuasor satânico dentro do ser humano não é tão ingênuo para abordá-lo diretamente e dizer “Preciso que você cometa um pe- cado”. O mais provável é que se apresente diante do judeu observan- te, envolto no talit, com o livro de orações na mão, e faça-o pensar a respeito do Sr. Fulano de Tal, que lhe fez algo de mau recentemente. Num instante, o homem será convencido de que é uma verdadeira mitsvá meter o outro em encrencas, “pois a�nal ele merece”. Ana- logamente, ele concluirá que é uma mitsvá caluniar alguém; pois, a�nal, aquela pessoa não está fazendo o mesmo neste instante? À medida que o ietser hará prossegue insidiosamente, ele pode decidir que seja uma mitsvá ir a um certo baile, apesar da provável violação de normas religiosas; pois “a�nal, a renda vai servir para dar roupas para os desfavorecidos em Bornéo. Como regra, o ietser hará prefere aparecer disfarçado de “direi- to, justiça, a Lei, sentimentos religiosos” e assim por diante, ofere- cendo excelentes desculpas e racionalizações para fazê-lo pecar. Se você puder controlar um inimigo tão esperto, você tem, de fato, poder e força de caráter. Quem é honrado? Aquele que honra seus semelhantes. Se eu pedir a você que me honre, quem está em posição supe- rior: você ou eu? Naturalmente, você, já que eu o considerei como juiz, árbitro e prestador de favores. Eu me tornei dependente de você e até lhe concedi um papel dinâmico e ativo. Quando eu honro al- guém, tomo a iniciativa e não estou sujeito ao capricho dos outros. Portanto, diz Ben Zomá, a única abordagem adequada e estimável da honra é concedê-la a outro, ao próximo. A obtenção da honra, para a qual dependemos dos outros, não importa o quanto a dese- jemos – também haverá de chegar, mas só como algo imprevisto, uma consequência automática da nossa abordagem correta. Conce- da honra com um coração aberto, e você a receberá de volta. O Talmud nos diz: “Aquele que corre atrás da honra chega atrás daquele que foge dela.”21 E o ditado popular é ainda mais direto: “A honra foge de quem a persegue. A honra persegue quem dela foge.”22 A própria natureza deste bem é tal que só tem valor e signi�cado quando dado livre e espontaneamente como sinal de reconhecimento e estima pelos outros. A honra signi�ca essencialmente que as qualidades ou virtudes de alguém são tão excelentes e admiráveis que atraíram a atenção da comunidade. Contudo, se alguém precisa pedir honra e busca-a consciente e deliberadamente, então, mesmo quando ela vem, é de modo espúrio. A possibilidade de honra verdadeira desaparece. Um homem perguntou certa vez ao seu líder espiritual: “Rabi, dizem que a honra persegue quem foge dela. Como é que eu �co fugindo e ela nunca me alcança?” Com um piscar de olhos, o rabi respondeu: “O problema é que você está sempre olhando para trás, por cima do ombro, para ver se a honra corre atrás de você. Por isto ela não o persegue.” Ao sábio Chafets Chayim perguntaram algo mais perspicaz: “Tanto faz se a pessoa foge da honra ou a persegue, parece fazer pouca diferença, pois a�nal nenhum ser humano consegue uma es- tima duradoura e signi�cativa durante seu tempo de vida.” A isto, o piedoso erudito respondeu: “É verdade. Quem persegue a honra, não a obtém e quem foge dela geralmente é bem-sucedido em sua fuga. Ainda assim, a pessoa merecedora de honra tem de parar de correr algum dia. Após sua morte, o verdadeiro reconhecimento irá alcançá-lo.” Em Provérbios, lemos: “O crisol é para a prata, e o forno é para o ouro; e o homem é provado pelo seu louvor.”23 Pode-se saber o caráter de uma pessoa vendo a quem ele elogia, quem ele considera seu herói. Se enaltece personagens da Torá, sem dúvida aspira a seus ideais. Se tem como ídolos os atores de teatro e cinema, é porque ainda não cresceu. A Torá diz: “O leproso em quem houver a doença apregoará: impuro”23a Esta é uma alusão ao mecanismo reconhecido por Freud, a projeção. As pessoas impuras são em geral as primeiras a enxergar isto nas outras. Costumamos atribuir inconscientemente aos outros aquilo que nós mesmos faríamos e pensaríamos. O leproso grita para os outros: “impuro! impuro!” Como no adágio de nossos sábios: “Quem declara que os outros são infames está atribuindo a eles sua própria infâmia!”24 A Torá revela um lado da moeda. O outro é o ensinamento de Ben Zomá. Se você pretende denunciar e difamar os outros, talvez até com razão, cuidado! Ao carregar nas tintas pretas, quem �ca mais escuro é o seu autorretrato. Para ser honrado, merecer e gozar da estima dos demais, apren- da a enxergar seletivamente. Observe nos outros aquilo que é bom e louvável e honre-os por isto. Dê a cada homem a devida estima. Este é o único modo, segundo Ben Zomá, de adquirir a sua própria. Notas 1. Salmos 119:99 2. Provérbios 16:32. 3. Salmos 128:2. 4. I Samuel 2:30. 5. Jeremias 9:22. 6. T. J. (Talmud de Jerusalém) Berachót 9, 1; T. B. (Talmud da Babilônia) Bera- chót 58a. 7. Primeira linha de um poema (1588) de Sir Edward Dyer (1540-1607), Rawlinson Poetry, manuscrito 85, página 17. 7a. Salmos 119:99. 8. T.B. Taanit 7a, Bavá Camá 17a; Midrash Rabá Cântico dos Cânticos 1, 19; Tanchuma Ki Tavó 3; Sifrê, Ekev § 48; Sêder Eliáhu Rabá 18. 9. Salmos 119:98. 10. T. B. Meguilá 6b. 11. Eclesiastes 6:2. 12. Versões anteriores: a felicidade parece haver sido feita para compartilhá-la (Corneille, Notes par Rochefoucauld, c. 1670); Todos que quiserem obter júbilo/ devem compartilhá-lo; a felicidade nasceu gêmea (Byron, Don Juan, canto 2, estrofe 172; 1818); A dor pode cuidar de si só, mas para obter o maior prazer deves ter alguém com quem compartilhá-lo (Mark Twain); Um prazer compar- tilhado é um prazer multiplicado (John Kieran). 13. T. B. Nedarím 64b; Midrash Rabá, Gênesis 71, 9 e Levítico 3, 6. 14. T. B. Berachót 18b; Midrash Rabá, Gênesis 39, 7; Tanchuma sobre Itró 1 e Berachá 7 (ed. Buber 6). 15. T. B. ibid T. J. 2, 3; Midrash Rabá, Eclesiastes 9, 4; Tanchuma sobre Berachá ibid. 16. Deuteronômio 4:4. 17. Provérbios 6:6. 18. Um antigo ditado diz: “A necessidade gera cobiça” (James Kelly, Scottish Proverbs, p. 265; 1721). 19. T. B. Sotá 48b; Midrash Tanchumá, Beshalách 20. 20. T. B. Berachót 5a, 60b, Eruvín 19a, Iomá 69b, Sucá 52a-b, Meguilá 15b, Chaguigá 16a; Kidushín 30b, 80b, 81b, San’hedrin 43b, 105a, 111b, Avodá Zará 19a; T. J. Berachót 4, 9 etc. 21. T. B. Sotá9, 17; Avodá Zará 3, 1. 22. Pensamento essencialmente talmúdico: “Todo aquele que procura o prestí- gio, este foge dele; mas aquele que foge do prestígio, este o persegue (T. B. Eru- vín 13b). Em uma fonte posterior, do século XII, encontramos: “Tenho fugido do homem e este tem me perseguido” (Rabi Iehudá Hechassíd, Sêfer Chassidím, ed. Wistinetski, §11, pág. 9.) Outra versão: As honras são sombras que fogem de seus perseguidores, mas seguem aqueles que os recusam (Richard Baxter, Love breathing thanks, pt 2; c. 1670). 23. Provérbios 27:21. 23a. Levítico 13:45. 24. T. B. Kedushín 70a.
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