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Artigo Cientifico Direito Constitucional de Greve e a Criminalização pela Mídia

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI 
VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS 
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO TRABALHO – AMATRA – SC 
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO E PREPARAÇÃO 
PARA A MAGISTRATURA DO TRABALHO 
 
 
 
 
O DIREITO CONSTITUCIONAL DE GREVE E SUA 
CRIMINALIZAÇÃO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE 
MASSA. UMA PONTE ENTRE O CONSENSO FABRICADO E A 
TEORIA DO ETIQUETAMENTO. 
 
 
 
 
 
 
 
JOSÉ LUCAS MUSSI 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis, 10 de Abril de 2016 
 
 
 
 
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI 
PRO-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENÇÃO E CULTURA 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS 
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO TRABALHO – AMATRA – SC 
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO E PREPARAÇÃO 
PARA A MAGISTRATURA DO TRABALHO 
 
 
 
 
 
O DIREITO CONSTITUCIONAL DE GREVE E SUA 
CRIMINALIZAÇÃO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE 
MASSA. UMA PONTE ENTRE O CONSENSO FABRICADO E A 
TEORIA DO ETIQUETAMENTO. 
 
 
 
 
JOSÉ LUCAS MUSSI 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso submetido à 
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como 
requisito parcial à obtenção do título de 
especialista em Direito do Trabalho e Preparação 
para a Magistratura do Trabalho 
 
 
 
 
 
Orientador: Professora Ângela Maria Konrath 
 
 
 
 
Florianópolis, 10 de Abril de 2016. 
 
 
 
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE 
 
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total 
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando 
a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Especialização e o 
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. 
 
 
Florianópolis, 10 de Abril de 2016. 
 
 
 
 
 
 
José Lucas Mussi 
Pós-Graduando 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PAGINA DE APROVAÇÃO 
 
 
O presente trabalho de conclusão de Curso, elaborado pelo 
pós-graduando José Lucas Mussi, sob o título “O direito constitucional de greve e 
sua criminalização pelos meios de comunicação de massa. Uma ponte entre o 
consenso fabricado e a teoria do etiquetamento”, foi aprovado com a nota 10 
(dez). 
 
 
 
Florianópolis, 10 de Abril de 2016. 
 
 
 
 
 
Professora Ângela Maria Konrath 
Orientadora 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O DIREITO CONSTITUCIONAL DE GREVE E SUA 
CRIMINALIZAÇÃO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE 
MASSA. UMA PONTE ENTRE O CONSENSO FABRICADO E A 
TEORIA DO ETIQUETAMENTO. 
JOSÉ LUCAS MUSSI 
 
SUMÁRIO 
Resumo; Introdução; Capítulo 1 – Direito de Greve no Brasil e a 
Antissindicalidade; 1.1. Conceito de greve; 1.2. Espécies ou modalidades; 1.3. 
Procedimento; 1.4. Caracterização da conduta antissindical; 1.5. Histórico da 
greve e da antissindicalidade no Brasil; Capítulo 2 – Mídia e manipulação 
midiática; 2.1. As relações públicas; 2.2. Rebanho desorientado; 2.3. Percepção 
seletiva e consenso fabricado; 2.4. Dez mandamentos da grande mídia; Capítulo 
3 – Criminalizando o direito de greve; 3.1. A teoria do labelling approach; 3.2. 
Lombroso não morreu – etiquetamento nas greves; Considerações Finais. 
 
RESUMO 
A greve é um direito constitucionalmente protegido. No Brasil sua exposição pela 
mídia e pelos grandes meios de comunicação aparenta se dar por uma 
perspectiva viciada, maniqueísta e parcial, raramente expondo todos os atores 
sociais envolvidos. Este artigo busca demonstrar, sem pretensões de esgotar o 
tema, a possibilidade de existir um consenso fabricado na população, o rebanho 
desorientado, pela mídia, consenso este que desvirtuou os valores da greve, 
transformando um direito constitucionalmente protegido em tipos penais, 
criminalizando, etiquetando e estigmatizando os atores sociais que realizam a 
greve e precisam dela para lutar por melhores condições de trabalho, cerceando 
seus direitos fundamentais. 
 
Palavras chave: Greve. Consenso Fabricado. Teoria do Etiquetamento. 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
O presente artigo tem como objeto o direito constitucional de 
greve e a criminalização pelos grandes meios de comunicação. Nele pretendemos 
demonstrar a importância da greve como meio de luta por melhores condições de 
trabalho, o tratamento que a greve recebeu ao longo de décadas no país durante 
seus diversos períodos autoritários e democráticos e o papel dos meios de 
comunicação na cobertura de tal ato, realizando ainda uma ponte entre a teoria 
do consenso fabricado de Noam Chomsky e a teoria do etiquetamento abordada 
por Alessandro Baratta e Sandro C. Sell. 
O seu objetivo é, sem a pretensão de esgotar o amplo tema, 
deslocar o leitor de sua zona de conforto, desmistificando a pretensa 
imparcialidade midiática dos grandes meios de comunicação de massa mediante 
a exposição de largo histórico de combate direto e indireto ao direito de greve 
nacional e internacionalmente. 
Para tanto, o artigo está dividido em três capítulos. No 
primeiro tratando do direito de greve no Brasil e o fenômeno da antissindicalidade, 
passando pela conceituação de greve, espécies ou modalidades, seu 
procedimento, características da conduta antissindical e, concluindo, o histórico 
da greve e da antissindicalidade no Brasil. 
No segundo tratando a respeito da teoria do consenso 
fabricado de Noam Chomsky e sua aplicação no Brasil, analisando o nascimento 
relações públicas, o conceito de povo para Chomsky como rebanho desorientado, 
a percepção seletiva dos meios de comunicação e a teoria consenso fabricado, 
demonstrando, por fim, o que ao autor intitulou de „dez mandamentos da grande 
mídia‟. 
No terceiro, realizando uma interdisciplinaridade entre 
criminologia, direito do trabalho, direito constitucional e sociologia jurídica, 
tratamos sobre a teoria criminológica do Labelling Approach, ou teoria do 
etiquetamento, e sua possível aplicação ao terreno combativo das greves, 
apresentando a teoria do labelling approach ou etiquetamento e demonstrando a 
 
possibilidade de aplicação de tal teoria às greves e sua cobertura pelos meios de 
comunicação. 
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as 
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos 
destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões 
sobre a criação de um consenso fabricado pelos grandes meios de comunicação 
e a aplicação da teoria do etiquetamento aos atores sociais das graves. 
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase 
de Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de 
Dados o Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso no presente 
Artigo é composto na base lógica Indutiva. 
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as 
Técnicas do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa 
Bibliográfica.
 
1
 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente 
estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da 
pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101. 
2
 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma 
percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e 
Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104. 
3
 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, 
Eduardo de oliveira. A monografiajurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 
22-26. 
4
 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o 
alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma 
pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa 
jurídica. p. 62. 
5
 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, 
Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31. 
6
 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita 
para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa 
jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45. 
 
9 
 
 
CAPÍTULO 1 – DIREITO DE GREVE NO BRASIL E A 
ANTISSINDICALIDADE 
 
CONCEITO DE GREVE 
 
Antes de entrar no mérito do artigo, iniciaremos apresentando 
brevemente o que a Constituição, a Lei e a doutrina entendem como greve. 
A Constituição Federal de 1988 não explica o significado de 
greve, trazendo em seu art. 9º, §1º e §2º, apenas a sua proteção constitucional 
e a determinação de que uma lei regule e defina determinados aspectos do 
instituto. 
 
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos 
trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e 
sobre os interesses que devam por meio dele defender. 
 
§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e 
disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis 
da comunidade. 
 
§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às 
penas da lei. 
 
Por sua vez, o conceito legal de greve no ordenamento jurídico 
brasileiro encontra-se na Lei 7.783 de 28.6.1989 em seu artigo 2º, que assim 
dispõe: 
 
“Art. 2º: Considera-se legitimo o exercício do direito de 
greve a suspensão coletiva, temporária e pacifica, total ou 
parcial, de prestação pessoal dos serviços a empregador” 
A doutrina, por sua vez, conceitua greve da seguinte maneira: 
Amauri Mascaro Nascimento: “A greve é, primeiro, 
suspensão temporária do trabalho; segundo, um ato 
formal condicionado à aprovação do sindicato mediante 
assembleia; terceiro, uma paralisação dos serviços que 
tem como causa o interesse de trabalhadores e não de 
 
10 
 
 
qualquer pessoa, o que exclui do âmbito da disciplina 
legal paralisações de pessoas que não sejam 
trabalhadores; quarto, um movimento que tem por 
finalidade a reivindicação e a obtenção de melhores 
condições de trabalho ou o cumprimento das obrigações 
assumidas pelo empregador em decorrência das normas 
jurídicas ou do próprio contrato de trabalho, definidas 
expressamente mediante indicação formulada pelos 
empregados ao empregador, para que não haja dúvidas 
sobre a natureza dessas reivindicações.” 
Maurício Godinho Delgado: “Paralisação provisória, 
parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face 
de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o 
objetivo de exercer-lhes pressão, visando à defesa ou 
conquista de interesses coletivos, ou com objetivos 
sociais mais amplos.”7 
Contudo, entendemos mais contributiva e abrangente a definição 
de Arnaldo Süssekind8 a respeito do tema, senão, vejamos: 
Arnaldo Süssekind: “Depois de muitas lutas operárias, a 
greve se tornou um poderoso instrumento de caráter 
contestatório, de insubordinação concertada e, por vezes, 
até com finalidade revolucionária. Sob este prisma, a 
greve é um fato social, extrajurídico; „emerge da 
complexidade dos fenômenos econômicos, sociais e 
políticos com a força dos fatos que desrespeitam os 
sistemas jurídicos, assim como a caudal dos rios destrói o 
próprio contorno‟. 
A greve que se enquadra na ordem jurídica é deflagrada 
como meio de pressão para fazer com que os 
empregadores participem de boa-fé da negociação 
coletiva, visando à conquista de novas vantagens para os 
trabalhadores ou à revisão de condições de trabalho 
anteriormente ajustadas. Esta pode ser regulamentada 
por lei ou ato-regulamentada pelos atores da negociação 
coletiva, observadas as normas gerais inseridas na 
Constituição e no respectivo sistema legal, bem como os 
tratados internacionais ratificados.” 
 
7
 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho – 14 ed. – São Paulo: LTr, 2015. 
P. 1507 
8
 SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. Vol. II. 22. ed. atual. por Arnaldo 
Sussekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, 2005. 
 
11 
 
 
Face o conceito revolucionário atribuído a greve por Süssekind, 
com larga possibilidade de alteração do status quo posto na sociedade, pois 
com caráter contestatório e insubordinação concertada, verifica-se assim que 
tais características favorecem a existência de uma censura dos grandes meios 
de comunicação de massa com relação a apresentação das greves de forma 
imparcial, tendo em vista a possibilidade de subversão da ordem dominante. 
Deste modo, partir-se-á ao mérito do artigo. 
ESPÉCIES OU MODALIDADES 
 
Existe a greve e outros atos coletivos de conflitos que, 
para Nascimento9, não se confundem com a greve, tais como a boicotagem, a 
sabotagem, os piquetes, a ocupação do estabelecimento, os braços cruzados e 
o excesso de zelo. A boicotagem resume-se a obstrução ao negócio de uma 
pessoa, falta de cooperação. A sabotagem é entendida como destruição ou 
inutilização de máquinas e mercadorias pelos trabalhadores, na forma de 
protesto contra o empregador, pois de sua propriedade. Piquetes são a forma 
pela qual os trabalhadores pressionam outros trabalhadores para completar a 
greve, dissuadindo-os de trabalhar. Ocupação de estabelecimento, como a 
própria expressão já diz, é o ato de recusa dos trabalhadores de sair do local 
de trabalho, permanecendo sem trabalhar, ou seja, impedindo a continuação 
da produção por eles e por quaisquer outros. Por fim, braços cruzados seria a 
operação na qual o trabalho não é executado, pois os trabalhadores ficam de 
braços cruzados, e o excesso de zelo consiste na execução das funções pelo 
trabalhador de forma lenta ou com defeito. 
Amauri Mascaro Nascimento10 entende por estarem 
expungidas do conceito de greve tais figuras, de modo que não são mais 
consideradas espécies de greve. 
Por outro lado, mesmo não existindo mais diversas 
espécies de greves, existem modalidades, que são classificadas em legais ou 
 
9
 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. 39ª ed. – São Paulo: LTr, 2014. P.521-522. 
10
 Ob. Cit. P. 521-522. 
 
12 
 
 
ilegais, com ou sem abuso de direitos, conforme o ordenamento jurídico 
correspondente. Quanto a extensão, atingem uma categoria, mais de uma 
categoria, uma empresa, algumas empresas ou setores de uma empresa, e até 
todos os trabalhadores de um país. Quanto aos fins, podem ser de 
reivindicação e de cumprimento. A primeira busca obter novas condições de 
trabalho e a segunda objetiva o cumprimento das obrigações existentes por 
parte do empregador11. 
PROCEDIMENTO 
 
A greve possui um procedimento que divide-se em três 
fases: preparatória, assembleia sindical e aviso prévio. A fase preparatória 
consiste na tentativa de negociação prévia com o empregador. Por sua vez a 
fase de assembleia sindical consiste na deliberação se irá ter ou não greve em 
assembleia geral convocada por entidade sindical e de acordo com as 
formalidades que houver em seu estatuto. Na ausência de sindicato, uma 
assembleia será feita entre os trabalhadores interessados que escolheram uma 
comissão para representa-los,podendo, inclusive, representa-los na justiça do 
trabalho. Por último o aviso prévio é requisito presente na última fase 
procedimental que consiste na prévia comunicação de greve ao empregador, 
com antecedência mínima de 48 horas para as atividades comuns e 72 horas 
para as atividades essenciais, evitando a greve surpresa, tendo em vista todas 
as obrigações da empresa perante a sociedade e de suas naturais condições 
de atividade de produção. 12 
A ordem jurídica infraconstitucional estabelece requisitos 
para validade do movimento grevista. Em seu conjunto 
não se chocam com o sentido de garantia magna; apenas 
civilizam o exercício de direito coletivo de tamanho 
impacto social.13 
 
11
 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 25ª ed. – São Paulo: LTr, 
2010. P.1363. 
12
 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. 39ª ed. – São Paulo: LTr, 2014. P.525. 
13
 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª ed. – São Paulo: LTr, 2015. 
P. 1518. 
 
13 
 
 
Os requisitos, em ordem cronológica, seriam a real 
tentativa de negociação antes de se deflagrar o movimento grevista. Em 
seguida o segundo requisito é a respectiva aprovação feita pela assembleia de 
trabalhadores, respeitados critérios e formalidades de convenção e quórum do 
estatuto sindical. O aviso prévio à parte adversa em 48 horas para atividades 
comuns e 72 horas para atividades essenciais é o terceiro requisito 
procedimental. Por fim, quarto e último requisito, seria o respeito ao 
atendimento as necessidades inadiáveis da comunidade, em se tratando de 
greve em serviços ou atividades essenciais. 
Além dos requisitos formais citados acima, a greve, 
possui quatro momentos que vão além de tais requisitos, que podem ser 
compreendidos como atos preparatórios, ampliação do movimento, 
preservação da paralisação e saída da greve. O primeiro é o momento que 
abrande as articulações, conversações, assembleias, deliberações e a dita 
deflagração do movimento. Em segundo lugar encontra-se, após a deflagração, 
a adesão de novos setores e categorias, o aumento do apoio. Posteriormente 
vislumbra-se o momento da preservação da paralisação, o momento mais 
sensível da greve, consistindo nas negociações emperradas, a queda de 
adesão, o início das retaliações. Por fim, o momento da Saída da Greve 
envolverá negociações finais abrangendo dias parados, salários do período, as 
condutas antissindicais14. 
CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA ANTISSINDICAL 
 
A caracterização da conduta antissindical se faz com dois 
elementos: constatação de uma lesão a direitos de liberdade sindical e a 
imputação dessa lesão ao comportamento antijurídico de um sujeito qualquer, 
independentemente da demonstração de culpa. Para a hipótese estudada 
neste artigo a lesão seria contra a liberdade sindical de greve e o sujeito 
causador da lesão seria a mídia mediante diversos atos preconceituosos, 
estigmatizadores, etiquetadores, antidemocráticos, desrespeitosos ao diálogo 
 
14
 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: LTR, 2015, p. 
1508. 
 
14 
 
 
sindical, ao contraditório e a ampla defesa em um sentido amplo aplicado ao 
debate social, entre outros. 
“Observe-se, entretanto, que a caracterização de uma 
conduta como antissindical dependerá fundamentalmente 
da natureza da lesão que afete o sujeito sindical. Diz-se 
isso porque somente as condutas geradoras de lesões 
antijurídicas, assim entendidas aquelas produzidas por 
um ato violador de direito ou interesse juridicamente 
relevante, poderão ser entendidas como suficientes a 
caracterização da antissindicalidade.”15 
Martinez expõe que existem duas proposta de se analisar 
se uma conduta é antissindical ou não. A primeira seria um tanto positivista e 
apostaria que é conduta antissindical basicamente aquilo que a lei determinar 
como conduta antissindical passível de sanção. Todavia, tal forma apresenta-
se um tanto ineficaz para o cotidiano brasileiro, pois excessivamente positivista, 
autorizando a qualquer sujeito realizar condutas antissindicais que não estejam 
tipificadas na lei. A segunda proposta consistiria em uma hipótese mais 
adequada a teoria dos direitos fundamentais, tendo em vista partir do 
pressuposto de que a liberdade sindical impõe tanto deveres especiais de 
conduta previstos em lei quanto dever de respeito geral à situação dos 
sujeitos sindicais. 
“Posta a questão sob essa perspectiva, não se pode 
admitir que qualquer lesão a direito ou a interesse sindical 
fique fora do âmbito protetivo, salvo se a própria lei, com o 
objetivo de salvaguardar outros direitos e interesse 
igualmente dignos de tutela e mediante motivos 
juridicamente aceitáveis, permitir a conduta lesiva e a 
converter, por conseguinte, em ato licito.” – (MARTINEZ, 
2013) p. 218/219 
O autor alerta que não somente regras jurídicas podem, 
com o objetivo de salvaguardar outros direitos e interesses igualmente dignos 
de tutela e mediante motivos juridicamente aceitáveis, permitir conduta lesiva a 
liberdade sindical, mas os princípios jurídicos também podem fazê-lo. 
 
15
 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. São Paulo: Saraiva, 2013. P. 217. 
 
15 
 
 
Entendemos que, para a hipótese da liberdade sindical, 
especificamente o direito de greve, dificilmente encontra-se regra jurídica ou 
princípio jurídico que justifique a criminalização feita contra os movimentos 
grevistas, bem como a não concessão de direito de resposta, a entrevista de 
apenas uma das partes da negociação, entre outros. 
 
HISTÓRICO DA GREVE E DA ANTISSINDICALIDADE NO 
BRASIL 
 
Em seu livro “Condutas Antissindicais” o autor Luciano Martinez 
esclarece que a atividade sindical e a antissindicalidade nasceram juntas. 
Trata-se do fenômeno da ação e reação. No exato instante que iniciou-se algo 
que poderia mudar o „status quo‟ do mundo, os setores da sociedade que 
seriam prejudicados pelas mudanças que começariam a ser reivindicadas se 
organizaram para extirpar tal fenômeno. 
 
Historicamente no Brasil as condutas antissindicais possuíram e 
possuem diversos atores, elencando-se principalmente o poder estatal, o poder 
privado e o poder midiático. Inicialmente pode-se pensar que os atores 
atuavam individualmente, porém, atualmente a sociedade organizou-se de tal 
forma que dificilmente tais atores não estejam atuando conjuntamente na 
busca pela limitação e posterior exterminação da atividade sindical no mundo 
ocidental capitalista e neo-liberal. 
 
“Houve um aumento do potencial lesivo com o transcurso 
da história e com o desenvolvimento da própria 
sociedade, bastando perceber que as lesões 
originariamente produzidas pelo exercício do poder 
estatal ou marcial passaram paulatinamente a emergir 
do poder privado ou econômico, especialmente do 
empresarial (...) Ademais, chega-se a admitir atualmente 
a antissindicalidade praticada pelo poder midiático ou 
comunicativo, que não precisa mais de coerção para 
convencer, porém, apenas de persuasão estratégica de 
 
16 
 
 
um canal informativo a serviço do poder estatal ou 
privado.” (Martinez, 2013) p. 172 
 
Para Martinez a antissindicalidade pode ser dividida em três 
espécies: ostensiva, por controle direto e por controle indireto. 
 
A primeira seria uma forma explícita de antissindicalidade, com 
meios e formas de coibição agressivas e hostis, por intolerância e proibição. 
Exemplo desta categoria foram as leis decret d’Allarde e Le Chapelier,ambas 
do legislativo francês criadas em 1791, bem como o Combination Act, de 
William Pitt, na Inglaterra de 1800, e as Leis 1845 e 1854 da Alemanha, todas 
vedando associativismo laboral. Tais proibições iniciaram-se pelo próprio 
Estado criminalizando a organização sindical, e, com a conivência estatal as 
ingerências patronais tornaram-se comuns e alcançavam inclusive a 
incolumidade física dos trabalhadores. (Martinez, 2013) p. 172 
 
“Na antissindicalidade ostensiva, portanto, o Estado 
aparecia como um protagonista, embora os empresários 
tivessem lugar de destaque, ainda que na condição de 
coadjuvantes.” (Martinez, 2013) p. 174 
 
Cumpre salientar o aviso do autor de que, apesar do modelo 
ostensivo de antissindicalidade ter esmaecido após o reconhecimento do 
associativismo laboral nos principais países influentes, ainda existem sistemas 
jurídicos contemporâneos manifestamente inseridos no plano de uma 
antissindicalidade ainda extremamente ostensiva. A título exemplificativo cita-
se Colômbia, China, República da Coreia, Camboja, Eritreia, Filipinas, 
Guatemala, Haiti, Zimbabué. (Martinez, 2013) p. 174 
 
“[...] Essas manifestações antissindicais extremas, 
violentas e criminosas também acontecem no Brasil, não 
sendo raras as manchetes de jornais que noticiam 
atentados, inclusive assassinatos, praticados contra 
dirigentes sindicais ou genéricos ativistas sindicais.” 
(Martinez, 2013) p. 175 
 
 
17 
 
 
Antissindicalidade por controle direto pode ser compreendida 
como o ato do Estado absorver o conflito sindical buscando reduzi-lo até a sua 
eliminação. Busca-se a pacificação do conflito capital x trabalho em prol do 
progresso da nação. Muito presente em estados totalitários. O sindicato nesse 
modelo torna-se parte inalienável e básica do sistema político do Estado. 
Exemplos do modelo são o Estado Soviético stalinista, Itália mussolinista, 
Alemanha hitleriana e Espanha franquista. Na Itália, com a Carta del Lavoro e 
com a Lei n. 563, os sindicatos dependiam do reconhecimento estatal, e eram 
pessoas jurídicas públicas. Desnecessário mencionar que nestes estados a 
greve era terminantemente vedada. Os sindicatos esvaziavam-se de poder e 
autonomia, tornando-se meros reprodutores das ordens vindas de cima. 
(Martinez, 2013) p. 176 
 
“Esses fatores impeditivos da plena liberdade, que têm a 
potência de inibir qualquer manifestação paralela de 
resistência, atuam de modo especialmente forte sobre as 
relações coletivas de trabalho e propiciam a cooptação 
das entidades que representam os trabalhadores e o seu 
envolvimento no aparato estatal. E não poderia ser 
diferente disso. Os governos, enfim, tendem a ver o 
movimento sindical como um perigo político, e, em face 
dele (se tiverem espaço em uma sociedade 
desestruturada) reagem para impedi-lo, limita-lo, 
organiza-lo e absorve-lo.” (Martinez, 2013). 179 
 
A última espécie elencada pelo autor é a antissindicalidade por 
controle indireto ou antissindicalidade indireta. Tal antissindicalidade é 
encontrada nas limitações constitucionais e legais para criação dos sindicatos 
por território por exemplo. Deste modo, com diversas limitações constitucionais 
e legais, a liberdade sindical cai por terra, restando aos trabalhadores unirem-
se aos sindicatos que existem ou lutar individualmente. 
 
“... uma das mais frequentes estratégias desse domínio 
mediato reside na restrição à liberdade sindical no seu 
momento genético por meio de variadas argúcias, sendo 
disso exemplo a proclamação legislativa da unidade 
sindical forçosa com o objetivo transversal de promover 
 
18 
 
 
concessões em favor de uma única entidade sindical em 
detrimento de outras tantas que legitimamente sequer 
conseguem existir formalmente, ou, ainda, a consagração 
da pluralidade sindical associada à exigência de um 
número mínimo de afiliados demasiadamente elevado, 
capaz, por isso, de impossibilitar a formação de grupos 
minoritários reagentes.”16 
 
O autor elucida que o antissindicalismo indireto possui como 
sujeito principal o estado, mas os empresários e as próprias entidades sindicais 
muitas vezes atuam no mesmo sentido. (Martinez, 2013) 
 
ANTISSINDICALIDADE NO BRASIL 
 
A antissindicalidade é um fenômeno histórico que existe no 
Brasil desde a organização do trabalho livre. Martinez elenca quatro períodos 
de antissindicalidade, sempre esclarecendo que não há exatidão na mudança 
de um período a outro, alcunhando o primeiro período como “Fase de 
Resistência” (até 1934), seguida da “Fase de controle” (1934-1945), 
posteriormente vindo a “Fase de competição” ideológica (1945-1988), 
culminando no presente momento: “Fase de contemporização” (1988 – 
presente). (Martinez, 2013)17 
 
Como tudo na história, as fases apresentadas no trabalho 
levam em consideração o que foi predominante nos eventos sindicais para 
cada momento elencado, não se tratando de fases estanques ou sucessivas. 
Os quatro períodos elencados são os de resistência, controle, competição 
ideológica e contemporização, que seria o período compreendido de 1988 até o 
presente momento. 18 
 
Na primeira fase, fase de resistência, que contempla o tempo 
das organizações do trabalho livre até 1934, se fez patente a resistência 
 
16
 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. Ed. Saraiva – São Paulo: 2013. P. 180. 
17
 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. Ed. Saraiva – São Paulo: 2013. P.171-200 
18
 Ob. Cit. p.182 
 
19 
 
 
antissindical pelo legislativo, controlado pelos poderes econômico e estatal, 
que atuava criminalizando as condutas insurgentes dos obreiros. Desde o 
princípio da resistência o poder econômico e o estado, notadamente ocupado 
por membros nobres e da alta burguesia, minava as resistências do movimento 
obreiro frente injustiças e abusos. 19 
 
Neste período destaca-se a proibição das corporações de 
ofício e de qualquer tipo de luta por melhores condições de trabalho. A 
proibição teve efeito reverso, instigando ânimos dos trabalhadores, gerando a 
publicação das primeiras leis sindicais brasileiras: Decreto n. 979/1903 e 
Decreto n. 1.637/1907. Posteriormente houve a greve geral de julho de 1917, 
paralisando totalmente a indústria e o comércio brasileiros, face grande crise 
pela qual passava a classe trabalhadora, com salários congelados, ganhos 
insuficientes para garantir mínimo existencial, e ações policiais truculentas. 
Neste período o empresariado e o estado caminhavam juntos. Após a greve, 
surgem leis e decretos que criminalizam ações „anarquistas‟, „pessoas nocivas 
à ordem públicas e a segurança nacional‟ – Decretos 4.247 de 1921 (lei dos 
indesejados) e 4.269 de 1921. 
 
A segunda fase, alcunhada de controle, aborda o período 
ditatorial do Brasil sob o governo de Getúlio Vargas. Tendo em vista o contexto 
mundial e as aspirações fascistas dos países de centro (europeus), percebe-se 
que a estratégia utilizada pelo governo para calar os sindicatos foi integrá-los 
ao Estado, pois assim seria muito mais fácil harmonizar conflitos e controlar os 
membros dos sindicatos. 
 
“Emergiam tanto os ideais democráticos, reverberados 
pelas Constituições de Weimar (1919) e da Espanha 
(1931), quanto cintilavam as ideias fáscio-corporativistas e 
intervencionistas econômicas estatais, que acabaram 
predominando durante um longo período”. 20 
 
 
19
 Ob. Cit. p.182 
20
 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. Ed. Saraiva – São Paulo: 2013. P.182 
 
20 
 
 
Na segunda fase a antissindicalidadetornou-se uma medida 
oficial de Estado, perdurando longos 11 anos. Com o final da segunda guerra e 
com ideais democráticos espalhando-se pelo mundo percebe-se que o Brasil 
não realizou nenhuma alteração estrutural radical no funcionamento e 
organização dos sindicatos, ou seja, os sindicatos possuem sua organização e 
estrutura inalteradas desde 1934, tendo assim uma organização e estrutura 
criada para controlar os sindicatos e harmonizar os conflitos criados para 
buscar melhorias nas condições de trabalho mantida até o presente.21 
Dois exemplos marcantes do período que retratam com 
fidelidade o momento histórico são o artigo 521 da CLT que vedava “qualquer 
propaganda de doutrinas incompatíveis com as instituições e os interesses da 
nação, nem como de candidaturas a cargos eletivos estranhos ao Sindicato”, e 
o artigo 139 da Constituição de 1937, que declarava que a greve e o lockout 
eram recursos antissociais nocivos ao trabalhado e ao capital e incompatíveis 
com os interesses da produção nacional. 
Entre 1945 e 1988 encontra-se a fase de competição 
ideológica. O pós-guerra favoreceu o diálogo democrático para os movimentos 
sindicais, aproximando-os muitas correntes políticas distintas, a maioria delas 
com interesses no comando dos sindicatos, todavia, nenhuma obteve a 
hegemonia. De acordo com Martinez tal abertura fez com que os sindicatos se 
tornassem um fato político, ampliando suas frentes de batalha e avançando na 
luta por questões econômicas e sociais de caráter estrutural. 22 
 
Ocorre, em 1947, a decretação da ilegalidade do “PCB - 
Partido Comunista Brasileiro”, fazendo com que todos os parlamentares do 
partido perdessem seus mandatos, deixando um congresso nacional livre para 
pautas conservadoras e liberais em face as tendências sociais que metade do 
mundo adotava a época. No tocante a greve, em 1946, houve sua autorização, 
limitada a atividades não essenciais, e mediante autorização do judiciário 
trabalhista, sob pena de desligamento por justa causa dos trabalhadores que 
 
21
 Ob. Cit. p. 183 
22
 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. Ed. Saraiva – São Paulo: 2013. P.183 
 
21 
 
 
simplesmente aderissem. Pouco tempo depois, ainda em 1946, ocorre o 
reconhecimento da greve como direito laboral, condicionada a publicação de 
norma regulamentadora. A norma regulamentadora só aconteceu 18 anos 
depois, em 1964, já no período ditatorial, quando da lei 4.330. A lei possuía 
diversas limitações de greves em serviços essenciais, públicos, entre outros, 
esvaziando-se, assim, o instituto. 
 
A presente fase, do final da década de oitenta até os anos 
atuais, alcunhada de fase de contemporização, iniciou-se com alguns avanços 
nas estruturas dos sindicatos, como a não interferência e a não intervenção 
estatal na organização sindical, bem como o respeito a liberdade sindical 
individual negativa. Por outro lado, a contribuição sindical obrigatória, o poder 
normativo do judiciário trabalhista e a unicidade sindical foram mantidos. 23 
CAPÍTULO 2 – MÍDIA E MANIPULAÇÃO MIDIÁTICA 
 
Este capítulo irá apresentar resumidamente a teoria de 
Noam Chomsky em sua obra “Mídia, Propaganda Política e Manipulação” a 
respeito do consenso fabricado e a forma que os grandes meios de 
comunicação atuam na divulgação das notícias e seus aspectos similares com 
o oligopólio presente na atual mídia brasileira. 
Inicialmente Chomsky apresenta uma provocação ao 
demonstrar duas concepções de democracia distintas, na qual uma 
corresponde a democracia como deveria ser, e a outra corresponde a 
democracia como efetivamente é na maioria das vezes: 
a. Democracia: uma sociedade democrática é aquela em 
que o povo dispõe de condições de participar de 
maneira significativa na condução de seus assuntos 
pessoais e na qual os canais de informação são 
acessíveis e livres. 
b. Democracia: o povo deve ser impedido de conduzir 
seus assuntos pessoais e os canais de informação 
devem ser estreita e rigidamente controlados. 
 
23
 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. Ed. Saraiva – São Paulo: 2013. P.184 
 
22 
 
 
 Segundo o autor a segunda opção é a predominante. O 
problema da mídia e da desinformação inserem-se nesse contexto para manter 
a segunda opção de democracia em vigor. 
Em uma democracia perfeita a mídia iria servir como 
importante ator na conjuntura política-econômica-social, exercendo com 
imparcialidade seu dever de informação para com a população. No Brasil sua 
imparcialidade e seu dever de informação para o aprimoramento da 
democracia deveriam ser mais rigorosamente observados, tendo em vista 
grande parte dos canais de comunicação de televisão aberta serem 
concessões públicas. Deste modo, tratando-se de concessões públicas, 
conceder um canal televisivo aberto com abrangência nacional, com poder de 
repassar uma informação para grande parcela da população, permitindo que 
tais concessionárias exerçam jornalismo parcial e medíocre, contrário aos 
interesses da população, configura um retrocesso enorme em se tratando de 
uma democracia de um Estado democrático de direito. 
Para compreender melhor como se dá esse tipo de 
democracia e o seu surgimento, se faz necessária a análise dos primórdios da 
histórica relação entre política e mídia. 
AS RELAÇÕES PÚBLICAS 
 
No início do século XX, durante a primeira guerra mundial, 
os Estados Unidos da América possuíam um conflito de interesses interno. Sua 
população era radicalmente contraria a participação no conflito bélico, mas seu 
presidente, Woodrow Wilson, havia se comprometido a entrar na guerra. Um 
conflito entre a vontade do povo e a vontade de uma minoria que possuía o 
poder político decisório nas mãos. (CHOMSKY, 2013). 
Destaque-se que a maioria da população não era 
favorável a entrada na Guerra, mas, um pequeno grupo iria obter benefícios e 
privilégios com a presença dos Estados Unidos no conflito bélico, e preferiu 
convencer a população do contrário a aceitar sua vontade inicial. (CHOMSKY, 
2013). 
 
23 
 
 
A solução encontrada foi a criação de uma comissão de 
propaganda, a “Comissão Creel”, que possuía a função de convencer a 
população de que ela queria a participação na primeira guerra mundial, e que 
isso era necessário, honrável e vantajoso, por motivos e valores abstratos e 
sem sentido, que não trariam benefícios e privilégios para a população. 
(CHOMSKY, 2013). 
A “Comissão Creel”, utilizando métodos de propaganda, 
propagação de terror e indução a um fanatismo xenófobo, obteve êxito em sua 
tarefa, convertendo, em seis meses, uma população de pacifistas, em uma 
população histérica e belicosa. Criou-se um consenso, ou algo próximo a isso, 
capaz de legitimar algo que a população não queria, apenas com o poder da 
propaganda. (CHOMSKY, 2013). 
Nascia, a partir de então, as Relações Públicas, algo 
próximo a Hermes, mensageiro entre os Deuses e os humanos, os detentores 
do poder e a população, porém, um Hermes menos virtuoso. As relações 
públicas seriam um departamento do governo com a função exclusiva de 
manipular e controlar a população, mediante o uso da mídia e da propaganda, 
para que os interesses de um pequeno grupo sejam atendidos. (CHOMSKY, 
2013). 
REBANHO DESORIENTADO 
 
Os bons resultados colhidos com a “Comissão Creel” em 
criar um consenso legitimador de uma política que não é interessante para a 
população intrigou diversos teóricos liberais que vislumbraram naquela forma 
de democracia uma revolução na forma de governar o povo. Para tais teóricos, 
dentre eles compreendidoWalter Lippmann24, a democracia deve funcionar 
 
24 Walter Lippmann (1889-1974), desde a Primeira Guerra Mundial até os anos 60, figura líder 
do jornalismo norte-americano, também escritor e editor proeminente, um dos mais eminentes 
comentaristas de assuntos internacionais e um intelectual público de liderança. Também 
conhecido por seu trabalho sobre teoria democrática, opinião pública, política das massas, 
entre outros, realizado em sua maior parte nas décadas de 20 e 30. Foi um pensador liberal 
(no sentido norte-americano) altamente influente e advogado da causa do New Deal. 
Posteriormente manteve sua influência, mas ficou mais afastado de um particular espaço no 
espectro ideológico. Por Noam Chomsky. 
 
24 
 
 
distinguindo-se dois grupos: os especialistas e a população, alcunhada de 
rebanho desorientado. Os especialistas tratam da administração, 
gerenciamento, tomada de decisões, busca pelos interesses do país, mesmo 
parecendo contraditório buscar os interesses do país sem consultar e aplicar a 
vontade da população de um país, enquanto que o rebanho desorientado, 
incapaz de administrar seus interesses, apenas vive. 
“Ele (Lippmann) afirmava que numa democracia que 
funciona adequadamente existem classes de cidadãos. 
Em primeiro lugar existe a classe de cidadãos que têm de 
assumir um papel ativo na gestão dos assuntos de 
interesse público. Essa é a classe especializada. São as 
pessoas que analisam, executam, tomam decisões e 
administram as coisas nos sistemas político, econômico e 
ideológico. (...) Aqueles outros, que estão de fora do 
pequeno grupo, a grande maioria da população, são o 
que Lipmann chamava de „rebanho desorientado‟”. 
Chomsky cita que através dessa ótica há uma „premissa 
moral‟ evidente que consiste no fato deste pequeno grupo de especialistas 
achar a população estúpida demais para conseguir compreender as coisas, de 
modo que, caso tentem administrar seus próprios interesses, poderão apenas 
causar transtornos para a democracia. 
Tais premissas foram e são utilizadas inclusive para gerar 
um conflito entre setores distintos da população, por exemplo, entre 
trabalhadores de diferentes categorias, tornando ilegítimo um movimento 
grevista que busque melhores condições de trabalho, tendo em vista a mídia 
estar propagando e disseminando informações que propiciam a desaprovação 
da greve. Para tal estratégia o autor apelidou de Fórmula do Vale Mohawk: 
“Estava em curso uma greve importante, a greve da Steel, 
em Johnstown, no oeste da Pensilvânia. Os empresários 
tentaram uma nova técnica para quebrar o ânimo dos 
trabalhadores, que funcionou muito bem. Nada de 
capangas contratados nem violência contra os operários; 
essa tática já não vinha funcionando muito bem. Em vez 
disso, apelaram para os recursos mais sutis e eficazes da 
propaganda. O plano era imaginar formas de colocar a 
população contra os grevistas, apresentando-os como 
 
25 
 
 
desordeiros, nocivos à população e contrários ao 
interesse geral. O interesse geral é „nosso‟, o do homem 
de negócios, do trabalhador, da dona de casa. Todos 
esses somos „nós‟. Nós queremos ficar juntos e partilhar 
de coisas como harmonia e americanismo, e também 
trabalhar juntos. Ai vem esses grevistas malvados e 
desordeiros, criando confusão, quebrando a harmonia e 
profanando o americanismo.” (P. 25) 
Sob uma perspectiva nacional existem diversos casos que 
auxiliam na contextualização deste fenômeno de propaganda midiática 
negativa para deslegitimar greves e movimentos sociais, dos quais, citaremos 
apenas três artigos252627 que exploram a cobertura da mídia por perspectivas 
unilaterais e limitadas, que presam pela manutenção do status quo: “A greve do 
ponto de vista social: mídia x contra mídia”, “De onde veio esse lixo? Cotidiano, 
consumo e mídia a partir da greve dos garis no Rio de Janeiro” e “Os 
„espetaculares‟ conflitos capital versus trabalho: a greve e suas implicações nas 
narrativas televisivas”. 
No primeiro artigo citado, “A greve do ponto de vista 
social: mídia x contra mídia”, percebendo uma perspectiva viciada e 
antidemocrática dos meios de comunicação, a Universidade Estadual de Ponta 
Grossa, em 2008, adotou como projeto de extensão o „Portal Comunitário‟, um 
jornal laboratório no intuito de cobrir notícias por perspectivas alternativas e 
democráticas, apresentando os outros atores envolvidos, que não os 
apresentados pela mídia. Um dos focos do jornal é a cobertura das greves de 
diversas categorias, divulgando outros discursos ignorados pelos meios de 
comunicação convencionais. Tal iniciativa é muito incentivada por Chomsky 
nos Estados Unidos. 
“Nesse sentido, esse veículo informativo inverte as 
noções de “receptor e emissor” propostas pela mídia 
hegemônica. Grupos sociais não hegemônicos utilizam a 
pratica do jornalismo comunitário para tornarem-se 
 
25
http://www.revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/view/ver.2011.25.59.02 
26
http://sites.uepg.br/conex/anais/anais_2015/anais2015/678-3369-1-PB-mod.pdf 
27
http://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2015/07/De-onde-veio-esse-lixo.doc.pdf 
 
26 
 
 
emissores, mantendo sua autonomia diante de interesses 
políticos de determinados surgimentos sociais. Tal 
cobertura possibilita a comunicação como um direito 
amplo à sociedade, democratizando e reproduzindo com 
veracidade discursos de todos os grupos sócias.” 28 
Tal artigo destacou a greve dos professores de Curitiba 
em 29 de abril, a grande repressão estatal-policial a greve e aos simpatizantes, 
e a escolha da mídia de cobrir a greve justificando a o excesso de violência 
policial utilizado pelo estado contra alunos, professores e simpatizantes do 
movimento grevista. A conclusão apresentada é a seguinte: 
“A análise mostra-se pertinente no cenário de greve, onde 
vemos que os meios convencionais de mídia publicam 
matérias tendenciosas e não estendem sua cobertura ao 
discurso dos verdadeiros atores sociais envolvidos. Após 
o fatídico dia 29 de abril, a grande mídia volta-se a 
questionar os transtornos causados pela greve ao invés 
de noticiá-la como último recurso encontrado pelos 
trabalhadores envolvidos”. 29 
“De onde veio esse lixo? Cotidiano, consumo e mídia a 
partir da greve dos garis no Rio de Janeiro” é o segundo artigo escolhido para 
contextualizar a cobertura parcial midiática existente no Brasil com relação ao 
direito constitucional de greve. Neste artigo é questionada principalmente a 
opção da cobertura midiática da greve dos garis sob uma perspectiva que 
critica o acúmulo de resíduos nas ruas, decorrência lógica de uma greve dos 
trabalhadores que recolhem o lixo urbano, sem sugerir ao telespectador um 
pensamento crítico a respeito do que leva a produção e descarte da grande 
quantidade de resíduos sólidos. Assim, além de deslegitimar o movimento 
grevista insuflando a população contra os trabalhadores que estão 
reivindicando direitos constitucionalmente protegidos, a mídia perde a 
oportunidade de instigar o telespectador a questionar a lógica do consumo pelo 
consumo e as consequências de tal modelo de vida para o meio-ambiente. 
Por fim, o artigo “Os „espetaculares‟ conflitos capital 
versus trabalho: a greve e suas implicações nas narrativas televisivas”, que, a 
 
28
 http://sites.uepg.br/conex/anais/anais_2015/anais2015/678-3369-1-PB-mod.pdf, p. 3. 
29
 http://sites.uepg.br/conex/anais/anais_2015/anais2015/678-3369-1-PB-mod.pdf, p. 5. 
 
27 
 
 
partir de uma notíciado Jornal Nacional da Rede Globo sobre a paralisação 
dos motoristas e cobradores da Grande Vitória (ES), analisa a construção das 
narrativas midiáticas a respeito do movimento grevista. 
Inicialmente o artigo traça a interessante comparação de 
um jornal como uma empresa, concluindo que a dinâmica do jornal segue o 
modelo de origem fordista da “linha de produção”. „A notícia respeita padrões 
de manufatura e tem sido explorada nos mesmos moldes de um negócio’ (p.2.). 
Em seguida o artigo menciona o contrassenso existente no fato do jornalismo 
brasileiro se auto intitular imparcial e seguidor da escola americana. A raiz do 
problema consistiria na política cultural vigente no Brasil da notícia como única 
janela pedagógica produtora e transcritiva da realidade. 
As autoras do artigo advertem que o argumento de 
autoridade de uma notícia ter sido transmitida pela televisão, principalmente 
pela hegemônica rede globo, passa uma validade realística quase 
incontestável para uma notícia, mesmo sabendo que uma notícia nunca 
transmite imparcial e integralmente a realidade do que se quer transmitir. 
“Ao transferirmos essa discussão à plataforma midiática 
que norteará este artigo – a televisão e, sobretudo, à 
Rede Globo, hegemônica no país, este fenômeno 
promete ganhar contornos ainda mais singulares. As 
imagens por ela disseminadas têm o poder de reiterar a 
ilusão de que o mundo está sendo representado tal como 
ele é. Formas narrativas como o „ao vivo” tendem a dilatar 
o efeito de onipresença e de realidade. Aliás, não raro, 
ouve-se a expressão „deu na televisão‟ (inclusive, nos 
redutos altamente eruditos, produtores de ciência e 
conhecimento, como a academia), como estratégia de 
validade de um acontecimento”. 30 
Partindo para a relação da cobertura midiática com as 
greves, as autoras inicialmente questionam quando uma greve se torna notícia, 
tendo em vista a atual complexidade das relações humanas e do sistema 
econômico ter tornado a dinâmica da seleção do que se tornará notícia algo 
 
30
 http://www.revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/view/ver.2011.25.59.02, p. 4. 
 
28 
 
 
muito mais difícil de ser escolhido. Segundo as autoras31 a notícia é escolhida 
pela importância do indivíduo (hierarquicamente), influência da notícia sobre o 
interesse nacional, número de pessoas envolvidas e a sua relevância quanto à 
evolução futura, todavia, qualquer greve se encaixaria nestes requisitos, 
levando a outros dois requisitos para que uma greve se torne notícia: 
transgressão ou ruptura aos ditames organizacionais mercadológicos. Ao final, 
a notícia deve possuir um ar de novidade e atingir o emocional coletivo.32 
De forma clara e precisa o artigo analisa a reportagem do 
jornal nacional acerca da greve de trabalhadores, mostrando como do início ao 
fim da reportagem a greve é abordada sob uma perspectiva dicotômica-
maniqueísta, postando de um lado da „batalha‟ os trabalhadores „bandidos‟, de 
outro a população, os policiais e o Estado, „mocinhos‟.33 
“Por fim, a notícia do JN a respeito do movimento grevista 
dos trabalhadores rodoviários de Vitória honrou a cada 
uma das condições que pudessem convertê-la em uma 
verdadeira e literal ocorrência do „real‟. O entorno 
cognitivo compartilhado com os telespectadores sobre 
esse tema não deixa outra saída: os personagens, o 
narrador, o texto (de cunho dramático e que em alguns 
momentos, priorizou inúmeros, informações „duras‟, na 
interação de alargar o efeito de veracidade) das 
imagens... Tudo isso foi operacionalizado de maneira que 
as greves, simbolicamente, soassem como balbúrdias 
urbanas”.34 
Assim, as técnicas de propaganda são as mais variáveis, 
presentes tanto nos Estados Unidos quanto o Brasil, utilizando-se slogans e 
frases de efeito sem sentido, como „Você está contra ou a favor do Brasil‟ ou 
„Você quer um Brasil melhor‟, separando o mundo em um simples modelo 
dicotômico maniqueísta no qual existem as opções de se estar contra ou favor 
do que a maioria segue. 
 
31
 Artigo citado, p. 4 
32
 http://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2015/07/De-onde-veio-esse-lixo.doc.pdf, p. 5. 
33
 Artigo citado, p. 5-6. 
34
 Artigo citado, p.7. 
 
29 
 
 
Aplicada ao tema do presente artigo, é perceptível um 
modo dicotômico, maniqueísta e viciado, utilizado pelos grandes veículos de 
comunicação brasileiros, quando abordam o direito de greve em exercício dos 
trabalhadores. Inobstante, tal análise será no próximo capítulo. 
PERCEPÇÃO SELETIVA E CONSENSO FABRICADO 
 
A Percepção seletiva é constatada no oligopólio midiático, 
retratando notícias sob perspectivas iguais, em canais televisivos distintos, e 
não apresentando versões distintas ou contrárias aos fatos apresentados. Não 
há qualquer observância aos pilares do jornalismo sério e ético. Há uma 
exibição de versões unilaterais dos fatos, apresentação das consequências 
sem análise séria das causas e das conjunturas. Quando concernente as 
greves, a abordagem midiática passa a mensagem de que os trabalhadores 
suspenderam seus trabalhos como se fosse a primeira opção, sem permitir que 
os representantes dos sindicatos apresentem todos os esforços para 
negociações coletivas frustrados pelos empregadores. Todo este 
comportamento favorece a criação de um consenso fabricado35 capaz de fazer 
com que uma população desorientada aceite políticas desfavoráveis à si. 
A título exemplificativo, no ano de 1986, nos Estados 
Unidos, Chomsky expõe um caso clássico de percepção seletiva, no qual a 
grande mídia convenientemente escolheu divulgar as memórias de Armando 
Valladares, prisioneiro libertado de Cuba, que relatavam um vasto sistema de 
tortura e prisão por meio do qual Castro punia e eliminava sua oposição 
política. No mesmo ano o Grupo de Direitos Humanos de El Salvador, 
constituído em sua grande maioria por advogados, colheu o depoimento de 432 
pessoas presas, que relataram e descreveram, sob juramento, a tortura que 
haviam sofrido, sendo que um deles havia sido torturado por um major 
americano uniformizado. O relatório de 160 páginas foi retirado da prisão e 
distribuído pela Força-Tarefa Interconfessional para as Américas da Comarca 
de Marin. Com relação as torturas de El Salvador a imprensa nacional 
 
35
 CHOMSKY, Noam. O lucro ou as pessoas? O autor explica os primórdios desta teoria com 
Frances Hutcheson e Francis Henry Giddings brilhantemente no intervalo das páginas 23-34. 
 
30 
 
 
estadunidense recusou-se a cobrir a matéria, as emissoras de televisão 
recusaram-se a reproduzi as gravações. Ninguém mencionou o assunto. 
Em se tratando de âmbito regional é possível exemplificar 
a percepção seletiva midiática com a greve no transporte público na grande 
Florianópolis. Os grandes meios de comunicação de Santa Catarina 
representados pela RBS TV, RIC RECORD, Band, SBT, costumam divulgar a 
greve do transporte público sob a perspectiva do prejuízo que a greve causa a 
sociedade. Apenas a título exemplificativo iremos expor coluna do Diário 
Catarinense (Grupo RBS), de fácil acesso à qualquer leitor, que não deixa 
dúvidas a respeito da adoção de uma perspectiva seletiva do jornal: 
“A população da região da Grande Florianópolis e os mais 
de 400 mil passageiros que usam o sistema de transporte 
coletivo ficam devendo ao Tribunal Regional do Trabalho 
o fim da greve dos motoristas. 
[...] 
Muito melhor: o desembargador deixou claro que o 
tribunal não será mais conivente com greve deônibus, 
sem a manutenção de frota mínima. Está a merecer, por 
isso, os aplausos da população que sofre há seis anos 
consecutivos, que penou durante dois dias e que respira 
aliviada com a volta da normalidade.36” 
No mesmo sentido a seguinte notícia do Diário 
Catarinense37: 
“[...] 
13 mil crianças deixaram de ser atendidas nas escolas da 
Grande Florianópolis. 4 mil procedimentos de saúde não 
foram realizados por causa da paralisação do Sintraurb. 
92% dos funcionários que conseguiram comparecer aos 
seus locais de trabalho chegaram após o início da 
jornada”. 
Apenas destas duas notícias se faz possível extrair a 
fabricação de uma notícia teoricamente imparcial e preocupada com o bem 
 
36
 PEREIRA, Moacir. Diário Catarinense, Florianópolis, 13/06/2013. 
37
 Diário Catarinense, Florianópolis, 12/06/2013. 
 
31 
 
 
estar da sociedade, que, todavia, pretende insuflar a população contra o 
movimento grevista. Percebe-se uma notícia que ignora todas as fases da 
greve mencionadas na introdução deste artigo, ignorando causas e 
preocupando-se apenas com as consequências, passando a imagem de que 
trabalhadores organizados na luta por melhores condições de trabalho e 
manutenção de direitos básicos são egoístas, baderneiros, vândalos e 
despreocupados no que se refere aos direitos da coletividade. Ambas as 
notícias apresentadas são do mesmo jornal, o de maior circulação em Santa 
Catarina, todavia, estas notícias poderiam ter sido extraídas de qualquer outro 
grande jornal, rádio, site ou noticiário. 
Resta cristalina assim a lógica da fabricação do consenso 
mediante a técnica da percepção seletiva utilizada pelos grandes meios de 
comunicação, presente tanto nos Estados Unidos, como no Brasil. 
DEZ MANDAMENTOS DA GRANDE MÍDIA 
 
Após anos de estudos sociológicos e observações do 
modus operandi da mídia convencional Noam Chomsky elaborou 
resumidamente em um breve artigo38 as dez técnicas da mídia para 
manipulação da sociedade. 
As dez técnicas39 consistem em distração, princípio do 
problema-solução do problema, gradualidade, adiamento, comunicar-se com o 
público de modo infantil, preferir emoção a reflexão, manter o público ignorante 
e medíocre, impor modelos de comportamento, autoculpabilizar a população, 
partir da premissa de que os meios de comunicação possuem mais 
conhecimento a respeito de sua vida que você mesmo. Cada uma delas será 
exposta de modo sucinto a seguir. 
 
38
 CHOMSKY, Noam. “Ecco 10 modi per capire tutte le bugie che ci raccontano”, em 
Latinoamerica e tutti i sud del mondo, números 128/130. Roma: GME Produzioni, 2014/2015, 
páginas 146-147. 
39
 CHOMSKY, Noam. “Ecco 10 modi per capire tutte le bugie che ci raccontano”, em 
Latinoamerica e tutti i sud del mondo, números 128/130. Roma: GME Produzioni, 2014/2015, 
páginas 146-147. 
 
32 
 
 
A estratégia da distração40 consiste em manter a atenção 
do público voltada para matérias de pouca relevância, mantendo o cidadão 
comum interessado em fatos insignificantes. 
O princípio do problema-solução41 do problema é uma 
técnica utilizada pela mídia na qual, a partir de dados incompletos, 
manipulados ou incorretos, um grande problema é criado no intuito de obter 
determinada reação do público, com objetivo de que o público solicite uma 
determinada providência para um problema inventado, ou seja, legitima-se algo 
ilegítimo, pois a voz do povo pede determinada providência. 
A gradualidade42 pode ser constatada diariamente nos 
jornais, revistas, sites de informação e noticiários televisivo. Ela ocorre quando, 
para fazer a população se submeter a algo inaceitável, a mídia começa a 
noticiar a população de forma gradual, a conta-gotas, conseguindo, deste 
modo, introduzir duras condições sócio-econômicas, cortes em gastos sociais, 
redução de investimento em programas assistencialistas, evitando-se assim 
uma insurreição. 
Para fazer com que a população aceite uma mudança que 
ela normalmente não aceitaria e mídia divulga tal mudança como algo doloroso 
e necessário, sem alternativas possíveis. Tratar os espectadores, leitores e 
internautas de forma infantil43 é a quinta técnica citada pelo autor em seu 
artigo. Segundo Chomsky, ao pretender enganar o público utilizando tom 
infantil, o público tende a responder geralmente com seu senso crítico 
reduzido. 
A sexta técnica observada em anos de estudo sociológico 
é a de explorar a emotividade44 em detrimento da reflexão sobre o tema. 
Explorando a emotividade de determinados assuntos, a perspectiva racional 
tende a ser ignorada, tornando o público influenciável. 
 
40
 CHOMSKY, Noam. “Ecco 10 modi per capire tutte le bugie che ci raccontano”, em 
Latinoamerica e tutti i sud del mondo, números 128/130. Roma: GME Produzioni, 2014/2015, 
páginas 146-147. 
41
 Ob. Cit. p. 146-147. 
42
 Ob. Cit. p. 146-147. 
43
 Ob. Cit. p. 146-147. 
44
 Ob. Cit. p. 146-147. 
 
33 
 
 
Manter o público ignorante e medíocre45 é um dos pilares 
para o controle do rebanho desorientado, é a sétima técnica apontada pelo 
autor em seu artigo. No mesmo sentido, impor modelos de comportamento46 
aparece como oitava técnica, e consiste no controle de indivíduos medíocres e 
enquadrados, pois tais indivíduos não são pensantes. A publicidade atua 
fortemente no controle comportamental da sociedade. 
Por fim cita-se a autoculpabilização47 e a propagação da 
ideia de que os meios de comunicação sabem mais você a respeito de sua 
própria vida48. Autoculpabilização é fazer com que o indivíduo acredite que ele 
é fracassado apenas por mérito próprio, evitando rebeliões contra o sistema 
sócio econômico vigente que marginaliza a maioria da sociedade, assim, o 
desemprego, baixo salário e as péssimas condições de trabalho são causadas 
pelo próprio indivíduo, e não pela estrutura do sistema em que ele está 
inserido. Sob outro vértice, utilizando-se de pesquisas, sondagens, 
diagramações das inclinações políticas e ideológicas de cada indivíduo, a mídia 
possui um grande conhecimento sobre o público, possuindo enorme poder de 
controle e manipulação. 
CAPÍTULO 3 – CRIMINALIZANDO O DIREITO DE GREVE 
 
Neste capítulo tentaremos elaborar uma relação entre o 
direito de greve, a teoria sociológica de Noam Chomsky sobre a mídia e a 
teoria criminológica do labelling approach, conhecida como teoria do 
etiquetamento, um sinônimo para uma estigmatização e criminalização de 
indivíduos por questões principalmente étnicas, sociais e econômicas, 
anteriormente ao cometimento de crimes. 
Tendo em vista o já exposto, a greve é uma paralisação 
realizada pelos trabalhadores de um setor, empresa, categoria ou categorias, 
após o cumprimento de todos os requisitos legalmente previstos, bem como a 
todas as tentativas de negociação extrajudicial existentes. 
 
45
 Ob.cit. p. 146-147. 
46
 Ob. Cit. p. 146-147. 
47
 Ob. Cit. p. 146-147. 
48
 Ob. Cit. p. 146-147. 
 
34 
 
 
Não é razoável considerar que um determinado grupo de 
trabalhadores escolha por suspender suas atividades na luta por melhores 
condições de trabalho, correndo o risco de serem demitidos por justa causa, 
entre outras sanções, sem antes buscarem meios alternativos de resolução de 
controvérsias, tais como mediação, negociação, arbitragem. 
Com relação a sua divulgação midiática o direito de greve, 
direito constitucionalmente protegido no Brasil, e internacionalmente protegido 
pela OIT – OrganizaçãoInternacional do Trabalho em sua Convenção de 87, 
que protege a liberdade sindical, devido a sua importância na proteção do 
trabalhador e na luta por melhores condições de trabalho, é um direito que 
repetidamente tem sido ignorado, mal interpretado e mal veiculado pelos meios 
de comunicação. 
Conforme demonstrado no primeiro capítulo, a evolução 
histórica do direito de greve e da criação e manutenção dos sindicatos sempre 
foi acompanhada de conflitos, criminalização, proibição, limitação de seus 
poderes, entre outros. Elaborando um vínculo entre a histórica luta contra o 
direito de greve e existência dos sindicatos com a abordagem midiática 
etiquetadora, viciada e maniqueísta, tentaremos desenvolver uma conexão 
entre o que foi abordado, demonstrando a função exercida pelo sistema penal 
em conservar e reproduzir a realidade social perseguindo apenas determinados 
sujeitos que cometem determinados delitos. 
A TEORIA DO LABBELLING APROACH 
 
Inicialmente, previamente a explicação da teoria do 
etiquetamento, Sandro Sell49 tece algumas consideração: o conceito de 
criminoso e o criminoso são invenções da lógica distorcida do sistema de 
repressão; existe uma cifra oculta, que consiste no fato de haver muito mais 
condutas praticadas contra o direito criminal do que o sistema penal possui 
condições de investigar e processar, donde se pode concluir que apenas 
alguns tipos penais e, por consequência, determinados grupos que possuem o 
 
49
 SELL, Sandro César. A etiqueta do crime - Considerações sobre o Labbelling Approach. 
2007. Site jusnavigandi. 
 
35 
 
 
habito de cometê-los, serão perseguidos pelo sistema penal; há, 
proporcionalmente, mais pobres na cadeia que qualquer outra classe social; 
Exposto isto, tentaremos explanar sinteticamente a 
respeito da teoria etiquetamento, empreitando posteriormente na tentativa de 
adequá-lo ao direito constitucional de greve e sua exposição midiática negativa. 
A teoria do etiquetamento surgiu nos EUA na década de 
60, influenciada principalmente pelo interacionismo simbólico, corrente 
sociológica que sustenta que a realidade humana não é tanto feita de fatos, 
mas da interpretação que as pessoas coletivamente atribuem a esses fatos. 
Assim, algo só será crime se os mecanismos de controle social se dispuserem 
a classifica-lo como tal. 
“É possível, como bem sabemos, infringir as normas 
penais sem que se seja criminalizado. Pense-se, 
sobretudo, nas milhares de condutas presumivelmente 
delituosas das elites brasileiras, não investigadas por falta 
de "vontade" das autoridades competentes. Também não 
é incomum haver processos de criminalização sem que 
haja certeza acerca da autoria da conduta típica – pense 
nas investigações apressadas, nas exposições abusivas 
da imprensa, e nos processos judiciais mal conduzidos 
contra suspeitos miseráveis. Não, o crime não é algo que 
se faz, mas uma determinada resposta social a um algo 
supostamente feito.” Sandro C. Sell – A etiqueta do 
crime50 
Para tal teoria o desvio seria consequência visível da 
reação social a um dado comportamento, de modo que, ser desviante seria 
resultado de um etiquetamento social, e não corolário lógico da conduta 
praticada. Sell ilustra a teoria com um exemplo interessante na qual duas 
mulheres cometem o mesmo ato de subtrair uma joia de uma joalheria de um 
centro comercial e o alarme da loja é acionado. Uma das mulheres é uma 
madame, e a outra é a faxineira do centro comercial. No mundo em que 
vivemos qualquer tese pode ser apresentada para a madame, diferentemente, 
para a funcionária do centro comercial a única hipótese encontrada será 
 
50
 SELL, Sandro César. A etiqueta do crime - Considerações sobre o Labbelling Approach. 
2007. Site jusnavigandi. 
 
36 
 
 
enquadrá-la na tentativa de furto puro e simples. Extrai-se da ilustração o 
etiquetamento. 
“Na perspectiva da criminologia crítica a criminalidade não 
é mais uma qualidade ontológica de determinados 
comportamentos e de determinados indivíduos, mas se 
revela, principalmente, como um status atribuído a 
determinados indivíduos, mediante uma dupla seleção: 
em primeiro lugar, a seleção de bens protegidos 
penalmente, e dos comportamentos ofensivos destes 
bens, descritos nos tipos penais; em segundo lugar, a 
seleção dos indivíduos estigmatizados entre todos os 
indivíduos que realiza infrações a normas penalmente 
sancionadas. A criminalidade é – segundo uma 
interessante perspectiva já indicada nas páginas 
anteriores – um bem negativo, distribuído desigualmente 
conforme a hierarquia dos interesses fixada no sistema 
sócio-econômico e conforme a desigualdade social entre 
os indivíduos.”51 
Em seguida parte-se para a desconstrução dos conceitos 
de crime e criminoso. Para o modelo dogmático crime trata-se de conduta 
proibida praticada por agente imputável. Etiologicamente falando, crime seria 
resultado direto de conduta praticada por ser antissocial. No modelo 
interacionista simbólico ou de etiquetamento o crime é o resultado de 
interpretação que conclui que determinado ato cometido por determinado tipo 
de pessoa merece a classificação de crime. 
Aplicado a teoria do etiquetamento o conceito de 
criminoso se resumiria no indivíduo que, devido a sua conduta e algo mais, a 
sociedade conseguiu atribuir satisfatoriamente o rótulo de criminoso. Para tal 
teoria a concepção do conceito de criminoso prima pelo algo mais em 
detrimento da conduta do indivíduo. O „algo mais‟ mencionado consiste na 
maioria das vezes no índice de marginalização para Sell. Assim, enquadrando-
se o indivíduo em diversas posições estigmatizadas (negro, pobre, nordestino, 
gay, desempregado), aumenta-se proporcionalmente sua chance de ser 
criminalizado e preso. 
 
51
 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3ª Edição. Rio de 
Janeiro: Editora Revan, 2002. p.161. 
 
37 
 
 
Em outras palavras, por tal teoria, facilmente pode-se ter 
sua liberdade de ir e vir cerceada motivado por julgamento prévio das 
características do indivíduo do que propriamente pela conduta cometida pelo 
indivíduo. Então, a consequência lógica do sistema penal será a de que ele não 
luta contra o crime, mas atribui aos já marginalizados o rótulo de criminoso, tal 
qual um controle de castas sociais inferiores. 
“Um estigma predispõe ao outro. É como uma ladeira 
escorregadia: uma vez tendo descido o primeiro degrau 
da exclusão (ser pobre, desempregado, bicha, preto ou 
prostituta) é preciso ter muito cuidado para não descer 
mais outro e outro, até chegar ao final do processo 
excludente, sintetizado no rótulo de criminoso. É assim 
que comentários aparentemente causais-explicativos são 
dados na mídia quando se descobre, por exemplo, que o 
assassino era homossexual. Na leitura popular há 
um continuum do tipo: homossexual, pervertido, 
criminoso. Já se esperava. Da mesma forma, tudo parece 
estar esclarecido quando se descobre na casa do 
acusado de assassinato uma coleção de filmes 
pornográficos – que a autoridade exibirá como se fosse 
de relevância crucial à prova que lhe cabe buscar. A 
mente cozida em folhetins policiais, amiúde, segue uma 
nefasta lógica do tipo: gosto por pornografia = perversão = 
a predisposição assassina. Esse é um expediente que 
encanta a platéia, ávida por curiosidades e aberrações, e 
permite disfarçar a ausência de competência probatória 
do espetáculo”. Sandro Sell – A etiqueta do crime52. 
“As maioreschances de ser selecionado para fazer parte 
da „população criminosa‟ aparecem, de fato, concentradas 
nos níveis mais baixos da escala social (subproletariado e 
grupos marginais). A posição precária no mercado de 
trabalho (desocupação, subocupação, falta de 
qualificação profissional) e defeitos de socialização 
familiar e escolar, que são características dos indivíduos 
pertencentes aos níveis mais baixos, e que na 
criminologia positivista e em boa parte da criminologia 
liberal contemporânea são indicados como as causas da 
criminalidade, revelam ser, antes, conotações sobre a 
 
52
 SELL, Sandro César. A etiqueta do crime - Considerações sobre o Labbelling Approach. 
2007. Site jusnavigandi. 
 
38 
 
 
base das quais o status de criminoso é atribuído”. Baratta, 
p. 165 
 
Existe um processo de criminalização divido em dois 
grandes momentos, duas grandes distorções, chamadas de criminalização 
primária e criminalização secundária. A criminalização primária é aquela 
realizada pelo legislador penal53, ao escolher condutas que serão consideradas 
criminosas, não pelo seu dano social produzido, mas pela origem habitual dos 
praticantes das referidas condutas. No mesmo sentido, a criminalização 
secundária tem como seus atores principais os órgãos de controle social, neles 
compreendidos a polícia, o judiciário e a imprensa, que priorizam investigações 
nas parcelas da sociedade que acumulam os maiores índices de 
marginalização, achando, assim, maior numero de condutas criminosas entre 
eles. Alessandro Baratta, expoente da criminologia, elucida: 
“O momento crítico atinge a maturação na criminologia 
quando o enfoque macro-sociológico se desloca do 
comportamento desviante para os mecanismos de 
controle social dele e, em particular, para o processo de 
criminalização. O direito penal não é considerado, nesta 
crítica, somente como sistema estático de normas, mas 
como sistema dinâmico de funções, no qual se podem 
distinguir três mecanismos analisáveis separadamente: o 
mecanismo da produção das normas (criminalização 
primária), o mecanismo de aplicação das normas, isto é, o 
processo penal, compreendendo a ação dos órgãos de 
investigação e culminando com o juízo (criminalização 
secundária) e, enfim, o mecanismo da execução da pena 
ou das medidas de segurança“54 
 
No mesmo sentido a exemplificação de Sandro C. Sell a 
respeito do tema: 
 
53
 Exemplo do tipo penal do artigo 176 do Código Penal que incrimina quem toma refeições em 
restaurante sem dispor de recursos para efetuar pagamento. Há crime se a pessoa se 
alimentou sem ter dinheiro. Se ela tiver dinheiro e não pagar, não há crime. Ou seja, apenas o 
pobre pode ser culpado. 
54
 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3ª Edição. Rio de 
Janeiro: Editora Revan, 2002, p. 161. 
 
39 
 
 
 
“O que serve como explicação sociológica da entrada 
facilitada dos marginalizados no mundo crime, não serve 
como recurso simplificador dos procedimentos 
de investigação criminal. A conclusão de uma 
investigação criminal não pode se apoiar em máximas do 
tipo: "Dentre os acusados, é criminoso aquele que possuir 
o maior índice de marginalização." Assim, é um absurdo 
que certos delegados diante de uma morte violenta e 
incerta numa favela, sem saber quem é a vítima e seu 
autor, sem nada saber daquele crime especificamente, 
digam com estúpida convicção ao repórter da TV: 
"provável envolvimento com o tráfico de drogas", como se 
a morte dos que vivem em favelas não pudesse decorrer 
de motivos passionais, vingança pessoal, motivos fúteis, 
crimes patrimoniais, familiares etc. para acontecer; ali se 
morre apenas por ação do tráfico. A platéia social 
novamente gosta e o espetáculo pode ser conduzido de 
qualquer forma, pois quem se importa com tão 
desqualificado morto? Agora, diante da morte do político 
que ia depor num processo criminal no dia seguinte, 
alardeando que entregaria muitos nomes de pessoas 
importantes, o mesmo delegado seria pateticamente 
cauteloso: "Todas as hipóteses, inclusive de crime por 
motivações políticas, estão sendo averiguadas". É que, 
particularmente no Brasil, ricos podem morrer de muitas 
formas; pobres apenas da forma que menos trabalho der 
à investigação”. Sandro Sell – A etiqueta do crime55 
Alessandro Baratta adverte que existia um mito de que o 
direito penal era igual para todos. Tal mito era sustentado principalmente por 
duas preposições, que consistiam na ideia de que “o direito penal protege 
igualmente todos os cidadãos contra ofensas aos bens essenciais, nos quais 
estão igualmente interessados todos os cidadãos (princípio do interesse social 
e do delito natural)” e, que “A lei penal é igual para todos, ou seja, todos os 
autores de comportamentos anti-sociais e violadores de normas penalmente 
sancionadas têm iguais chances de tornar-se sujeito, e com as mesmas 
consequências, do processo de criminalização (princípio da igualdade)”. 
 
55
 SELL, Sandro César. A etiqueta do crime - Considerações sobre o Labbelling Approach. 
2007. Site jusnavigandi. 
 
 
40 
 
 
O mito, quando confrontado com o resultado de anos de 
pesquisas criminológicas, resultou nas seguintes proposições: 
 
a. O direito penal não defende todos e somente os 
bens essenciais, nos quais estão igualmente interessados 
todos os cidadãos, e quando pune as ofensas aos bens 
essenciais o faz com intensidade desigual e de modo 
fragmentário 
b. A lei penal não é igual para todos, o status de 
criminoso é distribuído de modo desigual entre os 
indivíduos 
c. O grau efetivo de tutela e distribuição do status de 
criminoso é independentemente da danosidade social das 
ações e da gravidade das infrações à lei, no sentido de 
que estas não constituem variável principal da reação 
criminalizante e da sua intensidade 
 
Percebe-se do resultado das pesquisas trazidas de modo 
sucinto por Baratta uma falsa ideia de proteção da ordem social, com uma clara 
seletividade do aparelho de repressão penal, onde independe o real perigo 
apresentado pelo delito, mas sim as características estigmatizadas acumuladas 
pelo sujeito infrator. Evidencia-se uma contradição, que pode ser percebida 
desde o momento no qual se presume a lei penal ser igual para todos e tratar 
todos com igualdade, quando, na realidade, a igualdade formal não é 
encontrada no cotidiano, permeado de desigualdades subjetivas. 
“O sistema penal de controle do desvio revela, assim 
como todo o direito burguês, a contradição fundamental 
entre igualdade formal dos sujeitos de direito e 
desigualdade substancial dos indivíduos, que, nesse 
caso, se manifesta em relação as chances de serem 
definidos e controlados como desviantes. Em relação a 
este setor do direito a ideologia jurídica da igualdade é 
ainda mais radicada na opinião pública, e também na 
classe operária, do que ocorre com outros setores do 
direito.”56 
 
 
56
 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3ª Edição. Rio de 
Janeiro: Editora Revan, 2002, p. 164. 
 
41 
 
 
A função de controle das camadas sociais menos 
favorecidas se faz presente nesta seletividade do aparato de controle penal, 
servindo, inclusive, como meio para criação de um contingente de reserva de 
trabalhadores que estarão sujeitos a quaisquer tipos de serviços, tendo em 
vista estarem com o máximo de estigmas alcançável

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