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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO TRABALHO – AMATRA – SC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO E PREPARAÇÃO PARA A MAGISTRATURA DO TRABALHO O DIREITO CONSTITUCIONAL DE GREVE E SUA CRIMINALIZAÇÃO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA. UMA PONTE ENTRE O CONSENSO FABRICADO E A TEORIA DO ETIQUETAMENTO. JOSÉ LUCAS MUSSI Florianópolis, 10 de Abril de 2016 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI PRO-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENÇÃO E CULTURA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO TRABALHO – AMATRA – SC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO DO TRABALHO E PREPARAÇÃO PARA A MAGISTRATURA DO TRABALHO O DIREITO CONSTITUCIONAL DE GREVE E SUA CRIMINALIZAÇÃO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA. UMA PONTE ENTRE O CONSENSO FABRICADO E A TEORIA DO ETIQUETAMENTO. JOSÉ LUCAS MUSSI Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do título de especialista em Direito do Trabalho e Preparação para a Magistratura do Trabalho Orientador: Professora Ângela Maria Konrath Florianópolis, 10 de Abril de 2016. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Especialização e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Florianópolis, 10 de Abril de 2016. José Lucas Mussi Pós-Graduando PAGINA DE APROVAÇÃO O presente trabalho de conclusão de Curso, elaborado pelo pós-graduando José Lucas Mussi, sob o título “O direito constitucional de greve e sua criminalização pelos meios de comunicação de massa. Uma ponte entre o consenso fabricado e a teoria do etiquetamento”, foi aprovado com a nota 10 (dez). Florianópolis, 10 de Abril de 2016. Professora Ângela Maria Konrath Orientadora O DIREITO CONSTITUCIONAL DE GREVE E SUA CRIMINALIZAÇÃO PELOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA. UMA PONTE ENTRE O CONSENSO FABRICADO E A TEORIA DO ETIQUETAMENTO. JOSÉ LUCAS MUSSI SUMÁRIO Resumo; Introdução; Capítulo 1 – Direito de Greve no Brasil e a Antissindicalidade; 1.1. Conceito de greve; 1.2. Espécies ou modalidades; 1.3. Procedimento; 1.4. Caracterização da conduta antissindical; 1.5. Histórico da greve e da antissindicalidade no Brasil; Capítulo 2 – Mídia e manipulação midiática; 2.1. As relações públicas; 2.2. Rebanho desorientado; 2.3. Percepção seletiva e consenso fabricado; 2.4. Dez mandamentos da grande mídia; Capítulo 3 – Criminalizando o direito de greve; 3.1. A teoria do labelling approach; 3.2. Lombroso não morreu – etiquetamento nas greves; Considerações Finais. RESUMO A greve é um direito constitucionalmente protegido. No Brasil sua exposição pela mídia e pelos grandes meios de comunicação aparenta se dar por uma perspectiva viciada, maniqueísta e parcial, raramente expondo todos os atores sociais envolvidos. Este artigo busca demonstrar, sem pretensões de esgotar o tema, a possibilidade de existir um consenso fabricado na população, o rebanho desorientado, pela mídia, consenso este que desvirtuou os valores da greve, transformando um direito constitucionalmente protegido em tipos penais, criminalizando, etiquetando e estigmatizando os atores sociais que realizam a greve e precisam dela para lutar por melhores condições de trabalho, cerceando seus direitos fundamentais. Palavras chave: Greve. Consenso Fabricado. Teoria do Etiquetamento. INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objeto o direito constitucional de greve e a criminalização pelos grandes meios de comunicação. Nele pretendemos demonstrar a importância da greve como meio de luta por melhores condições de trabalho, o tratamento que a greve recebeu ao longo de décadas no país durante seus diversos períodos autoritários e democráticos e o papel dos meios de comunicação na cobertura de tal ato, realizando ainda uma ponte entre a teoria do consenso fabricado de Noam Chomsky e a teoria do etiquetamento abordada por Alessandro Baratta e Sandro C. Sell. O seu objetivo é, sem a pretensão de esgotar o amplo tema, deslocar o leitor de sua zona de conforto, desmistificando a pretensa imparcialidade midiática dos grandes meios de comunicação de massa mediante a exposição de largo histórico de combate direto e indireto ao direito de greve nacional e internacionalmente. Para tanto, o artigo está dividido em três capítulos. No primeiro tratando do direito de greve no Brasil e o fenômeno da antissindicalidade, passando pela conceituação de greve, espécies ou modalidades, seu procedimento, características da conduta antissindical e, concluindo, o histórico da greve e da antissindicalidade no Brasil. No segundo tratando a respeito da teoria do consenso fabricado de Noam Chomsky e sua aplicação no Brasil, analisando o nascimento relações públicas, o conceito de povo para Chomsky como rebanho desorientado, a percepção seletiva dos meios de comunicação e a teoria consenso fabricado, demonstrando, por fim, o que ao autor intitulou de „dez mandamentos da grande mídia‟. No terceiro, realizando uma interdisciplinaridade entre criminologia, direito do trabalho, direito constitucional e sociologia jurídica, tratamos sobre a teoria criminológica do Labelling Approach, ou teoria do etiquetamento, e sua possível aplicação ao terreno combativo das greves, apresentando a teoria do labelling approach ou etiquetamento e demonstrando a possibilidade de aplicação de tal teoria às greves e sua cobertura pelos meios de comunicação. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a criação de um consenso fabricado pelos grandes meios de comunicação e a aplicação da teoria do etiquetamento aos atores sociais das graves. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso no presente Artigo é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa Bibliográfica. 1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101. 2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104. 3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografiajurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26. 4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62. 5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31. 6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45. 9 CAPÍTULO 1 – DIREITO DE GREVE NO BRASIL E A ANTISSINDICALIDADE CONCEITO DE GREVE Antes de entrar no mérito do artigo, iniciaremos apresentando brevemente o que a Constituição, a Lei e a doutrina entendem como greve. A Constituição Federal de 1988 não explica o significado de greve, trazendo em seu art. 9º, §1º e §2º, apenas a sua proteção constitucional e a determinação de que uma lei regule e defina determinados aspectos do instituto. Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. Por sua vez, o conceito legal de greve no ordenamento jurídico brasileiro encontra-se na Lei 7.783 de 28.6.1989 em seu artigo 2º, que assim dispõe: “Art. 2º: Considera-se legitimo o exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacifica, total ou parcial, de prestação pessoal dos serviços a empregador” A doutrina, por sua vez, conceitua greve da seguinte maneira: Amauri Mascaro Nascimento: “A greve é, primeiro, suspensão temporária do trabalho; segundo, um ato formal condicionado à aprovação do sindicato mediante assembleia; terceiro, uma paralisação dos serviços que tem como causa o interesse de trabalhadores e não de 10 qualquer pessoa, o que exclui do âmbito da disciplina legal paralisações de pessoas que não sejam trabalhadores; quarto, um movimento que tem por finalidade a reivindicação e a obtenção de melhores condições de trabalho ou o cumprimento das obrigações assumidas pelo empregador em decorrência das normas jurídicas ou do próprio contrato de trabalho, definidas expressamente mediante indicação formulada pelos empregados ao empregador, para que não haja dúvidas sobre a natureza dessas reivindicações.” Maurício Godinho Delgado: “Paralisação provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando à defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos.”7 Contudo, entendemos mais contributiva e abrangente a definição de Arnaldo Süssekind8 a respeito do tema, senão, vejamos: Arnaldo Süssekind: “Depois de muitas lutas operárias, a greve se tornou um poderoso instrumento de caráter contestatório, de insubordinação concertada e, por vezes, até com finalidade revolucionária. Sob este prisma, a greve é um fato social, extrajurídico; „emerge da complexidade dos fenômenos econômicos, sociais e políticos com a força dos fatos que desrespeitam os sistemas jurídicos, assim como a caudal dos rios destrói o próprio contorno‟. A greve que se enquadra na ordem jurídica é deflagrada como meio de pressão para fazer com que os empregadores participem de boa-fé da negociação coletiva, visando à conquista de novas vantagens para os trabalhadores ou à revisão de condições de trabalho anteriormente ajustadas. Esta pode ser regulamentada por lei ou ato-regulamentada pelos atores da negociação coletiva, observadas as normas gerais inseridas na Constituição e no respectivo sistema legal, bem como os tratados internacionais ratificados.” 7 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho – 14 ed. – São Paulo: LTr, 2015. P. 1507 8 SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. Vol. II. 22. ed. atual. por Arnaldo Sussekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, 2005. 11 Face o conceito revolucionário atribuído a greve por Süssekind, com larga possibilidade de alteração do status quo posto na sociedade, pois com caráter contestatório e insubordinação concertada, verifica-se assim que tais características favorecem a existência de uma censura dos grandes meios de comunicação de massa com relação a apresentação das greves de forma imparcial, tendo em vista a possibilidade de subversão da ordem dominante. Deste modo, partir-se-á ao mérito do artigo. ESPÉCIES OU MODALIDADES Existe a greve e outros atos coletivos de conflitos que, para Nascimento9, não se confundem com a greve, tais como a boicotagem, a sabotagem, os piquetes, a ocupação do estabelecimento, os braços cruzados e o excesso de zelo. A boicotagem resume-se a obstrução ao negócio de uma pessoa, falta de cooperação. A sabotagem é entendida como destruição ou inutilização de máquinas e mercadorias pelos trabalhadores, na forma de protesto contra o empregador, pois de sua propriedade. Piquetes são a forma pela qual os trabalhadores pressionam outros trabalhadores para completar a greve, dissuadindo-os de trabalhar. Ocupação de estabelecimento, como a própria expressão já diz, é o ato de recusa dos trabalhadores de sair do local de trabalho, permanecendo sem trabalhar, ou seja, impedindo a continuação da produção por eles e por quaisquer outros. Por fim, braços cruzados seria a operação na qual o trabalho não é executado, pois os trabalhadores ficam de braços cruzados, e o excesso de zelo consiste na execução das funções pelo trabalhador de forma lenta ou com defeito. Amauri Mascaro Nascimento10 entende por estarem expungidas do conceito de greve tais figuras, de modo que não são mais consideradas espécies de greve. Por outro lado, mesmo não existindo mais diversas espécies de greves, existem modalidades, que são classificadas em legais ou 9 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. 39ª ed. – São Paulo: LTr, 2014. P.521-522. 10 Ob. Cit. P. 521-522. 12 ilegais, com ou sem abuso de direitos, conforme o ordenamento jurídico correspondente. Quanto a extensão, atingem uma categoria, mais de uma categoria, uma empresa, algumas empresas ou setores de uma empresa, e até todos os trabalhadores de um país. Quanto aos fins, podem ser de reivindicação e de cumprimento. A primeira busca obter novas condições de trabalho e a segunda objetiva o cumprimento das obrigações existentes por parte do empregador11. PROCEDIMENTO A greve possui um procedimento que divide-se em três fases: preparatória, assembleia sindical e aviso prévio. A fase preparatória consiste na tentativa de negociação prévia com o empregador. Por sua vez a fase de assembleia sindical consiste na deliberação se irá ter ou não greve em assembleia geral convocada por entidade sindical e de acordo com as formalidades que houver em seu estatuto. Na ausência de sindicato, uma assembleia será feita entre os trabalhadores interessados que escolheram uma comissão para representa-los,podendo, inclusive, representa-los na justiça do trabalho. Por último o aviso prévio é requisito presente na última fase procedimental que consiste na prévia comunicação de greve ao empregador, com antecedência mínima de 48 horas para as atividades comuns e 72 horas para as atividades essenciais, evitando a greve surpresa, tendo em vista todas as obrigações da empresa perante a sociedade e de suas naturais condições de atividade de produção. 12 A ordem jurídica infraconstitucional estabelece requisitos para validade do movimento grevista. Em seu conjunto não se chocam com o sentido de garantia magna; apenas civilizam o exercício de direito coletivo de tamanho impacto social.13 11 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 25ª ed. – São Paulo: LTr, 2010. P.1363. 12 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. 39ª ed. – São Paulo: LTr, 2014. P.525. 13 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª ed. – São Paulo: LTr, 2015. P. 1518. 13 Os requisitos, em ordem cronológica, seriam a real tentativa de negociação antes de se deflagrar o movimento grevista. Em seguida o segundo requisito é a respectiva aprovação feita pela assembleia de trabalhadores, respeitados critérios e formalidades de convenção e quórum do estatuto sindical. O aviso prévio à parte adversa em 48 horas para atividades comuns e 72 horas para atividades essenciais é o terceiro requisito procedimental. Por fim, quarto e último requisito, seria o respeito ao atendimento as necessidades inadiáveis da comunidade, em se tratando de greve em serviços ou atividades essenciais. Além dos requisitos formais citados acima, a greve, possui quatro momentos que vão além de tais requisitos, que podem ser compreendidos como atos preparatórios, ampliação do movimento, preservação da paralisação e saída da greve. O primeiro é o momento que abrande as articulações, conversações, assembleias, deliberações e a dita deflagração do movimento. Em segundo lugar encontra-se, após a deflagração, a adesão de novos setores e categorias, o aumento do apoio. Posteriormente vislumbra-se o momento da preservação da paralisação, o momento mais sensível da greve, consistindo nas negociações emperradas, a queda de adesão, o início das retaliações. Por fim, o momento da Saída da Greve envolverá negociações finais abrangendo dias parados, salários do período, as condutas antissindicais14. CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA ANTISSINDICAL A caracterização da conduta antissindical se faz com dois elementos: constatação de uma lesão a direitos de liberdade sindical e a imputação dessa lesão ao comportamento antijurídico de um sujeito qualquer, independentemente da demonstração de culpa. Para a hipótese estudada neste artigo a lesão seria contra a liberdade sindical de greve e o sujeito causador da lesão seria a mídia mediante diversos atos preconceituosos, estigmatizadores, etiquetadores, antidemocráticos, desrespeitosos ao diálogo 14 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: LTR, 2015, p. 1508. 14 sindical, ao contraditório e a ampla defesa em um sentido amplo aplicado ao debate social, entre outros. “Observe-se, entretanto, que a caracterização de uma conduta como antissindical dependerá fundamentalmente da natureza da lesão que afete o sujeito sindical. Diz-se isso porque somente as condutas geradoras de lesões antijurídicas, assim entendidas aquelas produzidas por um ato violador de direito ou interesse juridicamente relevante, poderão ser entendidas como suficientes a caracterização da antissindicalidade.”15 Martinez expõe que existem duas proposta de se analisar se uma conduta é antissindical ou não. A primeira seria um tanto positivista e apostaria que é conduta antissindical basicamente aquilo que a lei determinar como conduta antissindical passível de sanção. Todavia, tal forma apresenta- se um tanto ineficaz para o cotidiano brasileiro, pois excessivamente positivista, autorizando a qualquer sujeito realizar condutas antissindicais que não estejam tipificadas na lei. A segunda proposta consistiria em uma hipótese mais adequada a teoria dos direitos fundamentais, tendo em vista partir do pressuposto de que a liberdade sindical impõe tanto deveres especiais de conduta previstos em lei quanto dever de respeito geral à situação dos sujeitos sindicais. “Posta a questão sob essa perspectiva, não se pode admitir que qualquer lesão a direito ou a interesse sindical fique fora do âmbito protetivo, salvo se a própria lei, com o objetivo de salvaguardar outros direitos e interesse igualmente dignos de tutela e mediante motivos juridicamente aceitáveis, permitir a conduta lesiva e a converter, por conseguinte, em ato licito.” – (MARTINEZ, 2013) p. 218/219 O autor alerta que não somente regras jurídicas podem, com o objetivo de salvaguardar outros direitos e interesses igualmente dignos de tutela e mediante motivos juridicamente aceitáveis, permitir conduta lesiva a liberdade sindical, mas os princípios jurídicos também podem fazê-lo. 15 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. São Paulo: Saraiva, 2013. P. 217. 15 Entendemos que, para a hipótese da liberdade sindical, especificamente o direito de greve, dificilmente encontra-se regra jurídica ou princípio jurídico que justifique a criminalização feita contra os movimentos grevistas, bem como a não concessão de direito de resposta, a entrevista de apenas uma das partes da negociação, entre outros. HISTÓRICO DA GREVE E DA ANTISSINDICALIDADE NO BRASIL Em seu livro “Condutas Antissindicais” o autor Luciano Martinez esclarece que a atividade sindical e a antissindicalidade nasceram juntas. Trata-se do fenômeno da ação e reação. No exato instante que iniciou-se algo que poderia mudar o „status quo‟ do mundo, os setores da sociedade que seriam prejudicados pelas mudanças que começariam a ser reivindicadas se organizaram para extirpar tal fenômeno. Historicamente no Brasil as condutas antissindicais possuíram e possuem diversos atores, elencando-se principalmente o poder estatal, o poder privado e o poder midiático. Inicialmente pode-se pensar que os atores atuavam individualmente, porém, atualmente a sociedade organizou-se de tal forma que dificilmente tais atores não estejam atuando conjuntamente na busca pela limitação e posterior exterminação da atividade sindical no mundo ocidental capitalista e neo-liberal. “Houve um aumento do potencial lesivo com o transcurso da história e com o desenvolvimento da própria sociedade, bastando perceber que as lesões originariamente produzidas pelo exercício do poder estatal ou marcial passaram paulatinamente a emergir do poder privado ou econômico, especialmente do empresarial (...) Ademais, chega-se a admitir atualmente a antissindicalidade praticada pelo poder midiático ou comunicativo, que não precisa mais de coerção para convencer, porém, apenas de persuasão estratégica de 16 um canal informativo a serviço do poder estatal ou privado.” (Martinez, 2013) p. 172 Para Martinez a antissindicalidade pode ser dividida em três espécies: ostensiva, por controle direto e por controle indireto. A primeira seria uma forma explícita de antissindicalidade, com meios e formas de coibição agressivas e hostis, por intolerância e proibição. Exemplo desta categoria foram as leis decret d’Allarde e Le Chapelier,ambas do legislativo francês criadas em 1791, bem como o Combination Act, de William Pitt, na Inglaterra de 1800, e as Leis 1845 e 1854 da Alemanha, todas vedando associativismo laboral. Tais proibições iniciaram-se pelo próprio Estado criminalizando a organização sindical, e, com a conivência estatal as ingerências patronais tornaram-se comuns e alcançavam inclusive a incolumidade física dos trabalhadores. (Martinez, 2013) p. 172 “Na antissindicalidade ostensiva, portanto, o Estado aparecia como um protagonista, embora os empresários tivessem lugar de destaque, ainda que na condição de coadjuvantes.” (Martinez, 2013) p. 174 Cumpre salientar o aviso do autor de que, apesar do modelo ostensivo de antissindicalidade ter esmaecido após o reconhecimento do associativismo laboral nos principais países influentes, ainda existem sistemas jurídicos contemporâneos manifestamente inseridos no plano de uma antissindicalidade ainda extremamente ostensiva. A título exemplificativo cita- se Colômbia, China, República da Coreia, Camboja, Eritreia, Filipinas, Guatemala, Haiti, Zimbabué. (Martinez, 2013) p. 174 “[...] Essas manifestações antissindicais extremas, violentas e criminosas também acontecem no Brasil, não sendo raras as manchetes de jornais que noticiam atentados, inclusive assassinatos, praticados contra dirigentes sindicais ou genéricos ativistas sindicais.” (Martinez, 2013) p. 175 17 Antissindicalidade por controle direto pode ser compreendida como o ato do Estado absorver o conflito sindical buscando reduzi-lo até a sua eliminação. Busca-se a pacificação do conflito capital x trabalho em prol do progresso da nação. Muito presente em estados totalitários. O sindicato nesse modelo torna-se parte inalienável e básica do sistema político do Estado. Exemplos do modelo são o Estado Soviético stalinista, Itália mussolinista, Alemanha hitleriana e Espanha franquista. Na Itália, com a Carta del Lavoro e com a Lei n. 563, os sindicatos dependiam do reconhecimento estatal, e eram pessoas jurídicas públicas. Desnecessário mencionar que nestes estados a greve era terminantemente vedada. Os sindicatos esvaziavam-se de poder e autonomia, tornando-se meros reprodutores das ordens vindas de cima. (Martinez, 2013) p. 176 “Esses fatores impeditivos da plena liberdade, que têm a potência de inibir qualquer manifestação paralela de resistência, atuam de modo especialmente forte sobre as relações coletivas de trabalho e propiciam a cooptação das entidades que representam os trabalhadores e o seu envolvimento no aparato estatal. E não poderia ser diferente disso. Os governos, enfim, tendem a ver o movimento sindical como um perigo político, e, em face dele (se tiverem espaço em uma sociedade desestruturada) reagem para impedi-lo, limita-lo, organiza-lo e absorve-lo.” (Martinez, 2013). 179 A última espécie elencada pelo autor é a antissindicalidade por controle indireto ou antissindicalidade indireta. Tal antissindicalidade é encontrada nas limitações constitucionais e legais para criação dos sindicatos por território por exemplo. Deste modo, com diversas limitações constitucionais e legais, a liberdade sindical cai por terra, restando aos trabalhadores unirem- se aos sindicatos que existem ou lutar individualmente. “... uma das mais frequentes estratégias desse domínio mediato reside na restrição à liberdade sindical no seu momento genético por meio de variadas argúcias, sendo disso exemplo a proclamação legislativa da unidade sindical forçosa com o objetivo transversal de promover 18 concessões em favor de uma única entidade sindical em detrimento de outras tantas que legitimamente sequer conseguem existir formalmente, ou, ainda, a consagração da pluralidade sindical associada à exigência de um número mínimo de afiliados demasiadamente elevado, capaz, por isso, de impossibilitar a formação de grupos minoritários reagentes.”16 O autor elucida que o antissindicalismo indireto possui como sujeito principal o estado, mas os empresários e as próprias entidades sindicais muitas vezes atuam no mesmo sentido. (Martinez, 2013) ANTISSINDICALIDADE NO BRASIL A antissindicalidade é um fenômeno histórico que existe no Brasil desde a organização do trabalho livre. Martinez elenca quatro períodos de antissindicalidade, sempre esclarecendo que não há exatidão na mudança de um período a outro, alcunhando o primeiro período como “Fase de Resistência” (até 1934), seguida da “Fase de controle” (1934-1945), posteriormente vindo a “Fase de competição” ideológica (1945-1988), culminando no presente momento: “Fase de contemporização” (1988 – presente). (Martinez, 2013)17 Como tudo na história, as fases apresentadas no trabalho levam em consideração o que foi predominante nos eventos sindicais para cada momento elencado, não se tratando de fases estanques ou sucessivas. Os quatro períodos elencados são os de resistência, controle, competição ideológica e contemporização, que seria o período compreendido de 1988 até o presente momento. 18 Na primeira fase, fase de resistência, que contempla o tempo das organizações do trabalho livre até 1934, se fez patente a resistência 16 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. Ed. Saraiva – São Paulo: 2013. P. 180. 17 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. Ed. Saraiva – São Paulo: 2013. P.171-200 18 Ob. Cit. p.182 19 antissindical pelo legislativo, controlado pelos poderes econômico e estatal, que atuava criminalizando as condutas insurgentes dos obreiros. Desde o princípio da resistência o poder econômico e o estado, notadamente ocupado por membros nobres e da alta burguesia, minava as resistências do movimento obreiro frente injustiças e abusos. 19 Neste período destaca-se a proibição das corporações de ofício e de qualquer tipo de luta por melhores condições de trabalho. A proibição teve efeito reverso, instigando ânimos dos trabalhadores, gerando a publicação das primeiras leis sindicais brasileiras: Decreto n. 979/1903 e Decreto n. 1.637/1907. Posteriormente houve a greve geral de julho de 1917, paralisando totalmente a indústria e o comércio brasileiros, face grande crise pela qual passava a classe trabalhadora, com salários congelados, ganhos insuficientes para garantir mínimo existencial, e ações policiais truculentas. Neste período o empresariado e o estado caminhavam juntos. Após a greve, surgem leis e decretos que criminalizam ações „anarquistas‟, „pessoas nocivas à ordem públicas e a segurança nacional‟ – Decretos 4.247 de 1921 (lei dos indesejados) e 4.269 de 1921. A segunda fase, alcunhada de controle, aborda o período ditatorial do Brasil sob o governo de Getúlio Vargas. Tendo em vista o contexto mundial e as aspirações fascistas dos países de centro (europeus), percebe-se que a estratégia utilizada pelo governo para calar os sindicatos foi integrá-los ao Estado, pois assim seria muito mais fácil harmonizar conflitos e controlar os membros dos sindicatos. “Emergiam tanto os ideais democráticos, reverberados pelas Constituições de Weimar (1919) e da Espanha (1931), quanto cintilavam as ideias fáscio-corporativistas e intervencionistas econômicas estatais, que acabaram predominando durante um longo período”. 20 19 Ob. Cit. p.182 20 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. Ed. Saraiva – São Paulo: 2013. P.182 20 Na segunda fase a antissindicalidadetornou-se uma medida oficial de Estado, perdurando longos 11 anos. Com o final da segunda guerra e com ideais democráticos espalhando-se pelo mundo percebe-se que o Brasil não realizou nenhuma alteração estrutural radical no funcionamento e organização dos sindicatos, ou seja, os sindicatos possuem sua organização e estrutura inalteradas desde 1934, tendo assim uma organização e estrutura criada para controlar os sindicatos e harmonizar os conflitos criados para buscar melhorias nas condições de trabalho mantida até o presente.21 Dois exemplos marcantes do período que retratam com fidelidade o momento histórico são o artigo 521 da CLT que vedava “qualquer propaganda de doutrinas incompatíveis com as instituições e os interesses da nação, nem como de candidaturas a cargos eletivos estranhos ao Sindicato”, e o artigo 139 da Constituição de 1937, que declarava que a greve e o lockout eram recursos antissociais nocivos ao trabalhado e ao capital e incompatíveis com os interesses da produção nacional. Entre 1945 e 1988 encontra-se a fase de competição ideológica. O pós-guerra favoreceu o diálogo democrático para os movimentos sindicais, aproximando-os muitas correntes políticas distintas, a maioria delas com interesses no comando dos sindicatos, todavia, nenhuma obteve a hegemonia. De acordo com Martinez tal abertura fez com que os sindicatos se tornassem um fato político, ampliando suas frentes de batalha e avançando na luta por questões econômicas e sociais de caráter estrutural. 22 Ocorre, em 1947, a decretação da ilegalidade do “PCB - Partido Comunista Brasileiro”, fazendo com que todos os parlamentares do partido perdessem seus mandatos, deixando um congresso nacional livre para pautas conservadoras e liberais em face as tendências sociais que metade do mundo adotava a época. No tocante a greve, em 1946, houve sua autorização, limitada a atividades não essenciais, e mediante autorização do judiciário trabalhista, sob pena de desligamento por justa causa dos trabalhadores que 21 Ob. Cit. p. 183 22 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. Ed. Saraiva – São Paulo: 2013. P.183 21 simplesmente aderissem. Pouco tempo depois, ainda em 1946, ocorre o reconhecimento da greve como direito laboral, condicionada a publicação de norma regulamentadora. A norma regulamentadora só aconteceu 18 anos depois, em 1964, já no período ditatorial, quando da lei 4.330. A lei possuía diversas limitações de greves em serviços essenciais, públicos, entre outros, esvaziando-se, assim, o instituto. A presente fase, do final da década de oitenta até os anos atuais, alcunhada de fase de contemporização, iniciou-se com alguns avanços nas estruturas dos sindicatos, como a não interferência e a não intervenção estatal na organização sindical, bem como o respeito a liberdade sindical individual negativa. Por outro lado, a contribuição sindical obrigatória, o poder normativo do judiciário trabalhista e a unicidade sindical foram mantidos. 23 CAPÍTULO 2 – MÍDIA E MANIPULAÇÃO MIDIÁTICA Este capítulo irá apresentar resumidamente a teoria de Noam Chomsky em sua obra “Mídia, Propaganda Política e Manipulação” a respeito do consenso fabricado e a forma que os grandes meios de comunicação atuam na divulgação das notícias e seus aspectos similares com o oligopólio presente na atual mídia brasileira. Inicialmente Chomsky apresenta uma provocação ao demonstrar duas concepções de democracia distintas, na qual uma corresponde a democracia como deveria ser, e a outra corresponde a democracia como efetivamente é na maioria das vezes: a. Democracia: uma sociedade democrática é aquela em que o povo dispõe de condições de participar de maneira significativa na condução de seus assuntos pessoais e na qual os canais de informação são acessíveis e livres. b. Democracia: o povo deve ser impedido de conduzir seus assuntos pessoais e os canais de informação devem ser estreita e rigidamente controlados. 23 MARTINEZ, Luciano. Condutas Antissindicais. Ed. Saraiva – São Paulo: 2013. P.184 22 Segundo o autor a segunda opção é a predominante. O problema da mídia e da desinformação inserem-se nesse contexto para manter a segunda opção de democracia em vigor. Em uma democracia perfeita a mídia iria servir como importante ator na conjuntura política-econômica-social, exercendo com imparcialidade seu dever de informação para com a população. No Brasil sua imparcialidade e seu dever de informação para o aprimoramento da democracia deveriam ser mais rigorosamente observados, tendo em vista grande parte dos canais de comunicação de televisão aberta serem concessões públicas. Deste modo, tratando-se de concessões públicas, conceder um canal televisivo aberto com abrangência nacional, com poder de repassar uma informação para grande parcela da população, permitindo que tais concessionárias exerçam jornalismo parcial e medíocre, contrário aos interesses da população, configura um retrocesso enorme em se tratando de uma democracia de um Estado democrático de direito. Para compreender melhor como se dá esse tipo de democracia e o seu surgimento, se faz necessária a análise dos primórdios da histórica relação entre política e mídia. AS RELAÇÕES PÚBLICAS No início do século XX, durante a primeira guerra mundial, os Estados Unidos da América possuíam um conflito de interesses interno. Sua população era radicalmente contraria a participação no conflito bélico, mas seu presidente, Woodrow Wilson, havia se comprometido a entrar na guerra. Um conflito entre a vontade do povo e a vontade de uma minoria que possuía o poder político decisório nas mãos. (CHOMSKY, 2013). Destaque-se que a maioria da população não era favorável a entrada na Guerra, mas, um pequeno grupo iria obter benefícios e privilégios com a presença dos Estados Unidos no conflito bélico, e preferiu convencer a população do contrário a aceitar sua vontade inicial. (CHOMSKY, 2013). 23 A solução encontrada foi a criação de uma comissão de propaganda, a “Comissão Creel”, que possuía a função de convencer a população de que ela queria a participação na primeira guerra mundial, e que isso era necessário, honrável e vantajoso, por motivos e valores abstratos e sem sentido, que não trariam benefícios e privilégios para a população. (CHOMSKY, 2013). A “Comissão Creel”, utilizando métodos de propaganda, propagação de terror e indução a um fanatismo xenófobo, obteve êxito em sua tarefa, convertendo, em seis meses, uma população de pacifistas, em uma população histérica e belicosa. Criou-se um consenso, ou algo próximo a isso, capaz de legitimar algo que a população não queria, apenas com o poder da propaganda. (CHOMSKY, 2013). Nascia, a partir de então, as Relações Públicas, algo próximo a Hermes, mensageiro entre os Deuses e os humanos, os detentores do poder e a população, porém, um Hermes menos virtuoso. As relações públicas seriam um departamento do governo com a função exclusiva de manipular e controlar a população, mediante o uso da mídia e da propaganda, para que os interesses de um pequeno grupo sejam atendidos. (CHOMSKY, 2013). REBANHO DESORIENTADO Os bons resultados colhidos com a “Comissão Creel” em criar um consenso legitimador de uma política que não é interessante para a população intrigou diversos teóricos liberais que vislumbraram naquela forma de democracia uma revolução na forma de governar o povo. Para tais teóricos, dentre eles compreendidoWalter Lippmann24, a democracia deve funcionar 24 Walter Lippmann (1889-1974), desde a Primeira Guerra Mundial até os anos 60, figura líder do jornalismo norte-americano, também escritor e editor proeminente, um dos mais eminentes comentaristas de assuntos internacionais e um intelectual público de liderança. Também conhecido por seu trabalho sobre teoria democrática, opinião pública, política das massas, entre outros, realizado em sua maior parte nas décadas de 20 e 30. Foi um pensador liberal (no sentido norte-americano) altamente influente e advogado da causa do New Deal. Posteriormente manteve sua influência, mas ficou mais afastado de um particular espaço no espectro ideológico. Por Noam Chomsky. 24 distinguindo-se dois grupos: os especialistas e a população, alcunhada de rebanho desorientado. Os especialistas tratam da administração, gerenciamento, tomada de decisões, busca pelos interesses do país, mesmo parecendo contraditório buscar os interesses do país sem consultar e aplicar a vontade da população de um país, enquanto que o rebanho desorientado, incapaz de administrar seus interesses, apenas vive. “Ele (Lippmann) afirmava que numa democracia que funciona adequadamente existem classes de cidadãos. Em primeiro lugar existe a classe de cidadãos que têm de assumir um papel ativo na gestão dos assuntos de interesse público. Essa é a classe especializada. São as pessoas que analisam, executam, tomam decisões e administram as coisas nos sistemas político, econômico e ideológico. (...) Aqueles outros, que estão de fora do pequeno grupo, a grande maioria da população, são o que Lipmann chamava de „rebanho desorientado‟”. Chomsky cita que através dessa ótica há uma „premissa moral‟ evidente que consiste no fato deste pequeno grupo de especialistas achar a população estúpida demais para conseguir compreender as coisas, de modo que, caso tentem administrar seus próprios interesses, poderão apenas causar transtornos para a democracia. Tais premissas foram e são utilizadas inclusive para gerar um conflito entre setores distintos da população, por exemplo, entre trabalhadores de diferentes categorias, tornando ilegítimo um movimento grevista que busque melhores condições de trabalho, tendo em vista a mídia estar propagando e disseminando informações que propiciam a desaprovação da greve. Para tal estratégia o autor apelidou de Fórmula do Vale Mohawk: “Estava em curso uma greve importante, a greve da Steel, em Johnstown, no oeste da Pensilvânia. Os empresários tentaram uma nova técnica para quebrar o ânimo dos trabalhadores, que funcionou muito bem. Nada de capangas contratados nem violência contra os operários; essa tática já não vinha funcionando muito bem. Em vez disso, apelaram para os recursos mais sutis e eficazes da propaganda. O plano era imaginar formas de colocar a população contra os grevistas, apresentando-os como 25 desordeiros, nocivos à população e contrários ao interesse geral. O interesse geral é „nosso‟, o do homem de negócios, do trabalhador, da dona de casa. Todos esses somos „nós‟. Nós queremos ficar juntos e partilhar de coisas como harmonia e americanismo, e também trabalhar juntos. Ai vem esses grevistas malvados e desordeiros, criando confusão, quebrando a harmonia e profanando o americanismo.” (P. 25) Sob uma perspectiva nacional existem diversos casos que auxiliam na contextualização deste fenômeno de propaganda midiática negativa para deslegitimar greves e movimentos sociais, dos quais, citaremos apenas três artigos252627 que exploram a cobertura da mídia por perspectivas unilaterais e limitadas, que presam pela manutenção do status quo: “A greve do ponto de vista social: mídia x contra mídia”, “De onde veio esse lixo? Cotidiano, consumo e mídia a partir da greve dos garis no Rio de Janeiro” e “Os „espetaculares‟ conflitos capital versus trabalho: a greve e suas implicações nas narrativas televisivas”. No primeiro artigo citado, “A greve do ponto de vista social: mídia x contra mídia”, percebendo uma perspectiva viciada e antidemocrática dos meios de comunicação, a Universidade Estadual de Ponta Grossa, em 2008, adotou como projeto de extensão o „Portal Comunitário‟, um jornal laboratório no intuito de cobrir notícias por perspectivas alternativas e democráticas, apresentando os outros atores envolvidos, que não os apresentados pela mídia. Um dos focos do jornal é a cobertura das greves de diversas categorias, divulgando outros discursos ignorados pelos meios de comunicação convencionais. Tal iniciativa é muito incentivada por Chomsky nos Estados Unidos. “Nesse sentido, esse veículo informativo inverte as noções de “receptor e emissor” propostas pela mídia hegemônica. Grupos sociais não hegemônicos utilizam a pratica do jornalismo comunitário para tornarem-se 25 http://www.revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/view/ver.2011.25.59.02 26 http://sites.uepg.br/conex/anais/anais_2015/anais2015/678-3369-1-PB-mod.pdf 27 http://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2015/07/De-onde-veio-esse-lixo.doc.pdf 26 emissores, mantendo sua autonomia diante de interesses políticos de determinados surgimentos sociais. Tal cobertura possibilita a comunicação como um direito amplo à sociedade, democratizando e reproduzindo com veracidade discursos de todos os grupos sócias.” 28 Tal artigo destacou a greve dos professores de Curitiba em 29 de abril, a grande repressão estatal-policial a greve e aos simpatizantes, e a escolha da mídia de cobrir a greve justificando a o excesso de violência policial utilizado pelo estado contra alunos, professores e simpatizantes do movimento grevista. A conclusão apresentada é a seguinte: “A análise mostra-se pertinente no cenário de greve, onde vemos que os meios convencionais de mídia publicam matérias tendenciosas e não estendem sua cobertura ao discurso dos verdadeiros atores sociais envolvidos. Após o fatídico dia 29 de abril, a grande mídia volta-se a questionar os transtornos causados pela greve ao invés de noticiá-la como último recurso encontrado pelos trabalhadores envolvidos”. 29 “De onde veio esse lixo? Cotidiano, consumo e mídia a partir da greve dos garis no Rio de Janeiro” é o segundo artigo escolhido para contextualizar a cobertura parcial midiática existente no Brasil com relação ao direito constitucional de greve. Neste artigo é questionada principalmente a opção da cobertura midiática da greve dos garis sob uma perspectiva que critica o acúmulo de resíduos nas ruas, decorrência lógica de uma greve dos trabalhadores que recolhem o lixo urbano, sem sugerir ao telespectador um pensamento crítico a respeito do que leva a produção e descarte da grande quantidade de resíduos sólidos. Assim, além de deslegitimar o movimento grevista insuflando a população contra os trabalhadores que estão reivindicando direitos constitucionalmente protegidos, a mídia perde a oportunidade de instigar o telespectador a questionar a lógica do consumo pelo consumo e as consequências de tal modelo de vida para o meio-ambiente. Por fim, o artigo “Os „espetaculares‟ conflitos capital versus trabalho: a greve e suas implicações nas narrativas televisivas”, que, a 28 http://sites.uepg.br/conex/anais/anais_2015/anais2015/678-3369-1-PB-mod.pdf, p. 3. 29 http://sites.uepg.br/conex/anais/anais_2015/anais2015/678-3369-1-PB-mod.pdf, p. 5. 27 partir de uma notíciado Jornal Nacional da Rede Globo sobre a paralisação dos motoristas e cobradores da Grande Vitória (ES), analisa a construção das narrativas midiáticas a respeito do movimento grevista. Inicialmente o artigo traça a interessante comparação de um jornal como uma empresa, concluindo que a dinâmica do jornal segue o modelo de origem fordista da “linha de produção”. „A notícia respeita padrões de manufatura e tem sido explorada nos mesmos moldes de um negócio’ (p.2.). Em seguida o artigo menciona o contrassenso existente no fato do jornalismo brasileiro se auto intitular imparcial e seguidor da escola americana. A raiz do problema consistiria na política cultural vigente no Brasil da notícia como única janela pedagógica produtora e transcritiva da realidade. As autoras do artigo advertem que o argumento de autoridade de uma notícia ter sido transmitida pela televisão, principalmente pela hegemônica rede globo, passa uma validade realística quase incontestável para uma notícia, mesmo sabendo que uma notícia nunca transmite imparcial e integralmente a realidade do que se quer transmitir. “Ao transferirmos essa discussão à plataforma midiática que norteará este artigo – a televisão e, sobretudo, à Rede Globo, hegemônica no país, este fenômeno promete ganhar contornos ainda mais singulares. As imagens por ela disseminadas têm o poder de reiterar a ilusão de que o mundo está sendo representado tal como ele é. Formas narrativas como o „ao vivo” tendem a dilatar o efeito de onipresença e de realidade. Aliás, não raro, ouve-se a expressão „deu na televisão‟ (inclusive, nos redutos altamente eruditos, produtores de ciência e conhecimento, como a academia), como estratégia de validade de um acontecimento”. 30 Partindo para a relação da cobertura midiática com as greves, as autoras inicialmente questionam quando uma greve se torna notícia, tendo em vista a atual complexidade das relações humanas e do sistema econômico ter tornado a dinâmica da seleção do que se tornará notícia algo 30 http://www.revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/view/ver.2011.25.59.02, p. 4. 28 muito mais difícil de ser escolhido. Segundo as autoras31 a notícia é escolhida pela importância do indivíduo (hierarquicamente), influência da notícia sobre o interesse nacional, número de pessoas envolvidas e a sua relevância quanto à evolução futura, todavia, qualquer greve se encaixaria nestes requisitos, levando a outros dois requisitos para que uma greve se torne notícia: transgressão ou ruptura aos ditames organizacionais mercadológicos. Ao final, a notícia deve possuir um ar de novidade e atingir o emocional coletivo.32 De forma clara e precisa o artigo analisa a reportagem do jornal nacional acerca da greve de trabalhadores, mostrando como do início ao fim da reportagem a greve é abordada sob uma perspectiva dicotômica- maniqueísta, postando de um lado da „batalha‟ os trabalhadores „bandidos‟, de outro a população, os policiais e o Estado, „mocinhos‟.33 “Por fim, a notícia do JN a respeito do movimento grevista dos trabalhadores rodoviários de Vitória honrou a cada uma das condições que pudessem convertê-la em uma verdadeira e literal ocorrência do „real‟. O entorno cognitivo compartilhado com os telespectadores sobre esse tema não deixa outra saída: os personagens, o narrador, o texto (de cunho dramático e que em alguns momentos, priorizou inúmeros, informações „duras‟, na interação de alargar o efeito de veracidade) das imagens... Tudo isso foi operacionalizado de maneira que as greves, simbolicamente, soassem como balbúrdias urbanas”.34 Assim, as técnicas de propaganda são as mais variáveis, presentes tanto nos Estados Unidos quanto o Brasil, utilizando-se slogans e frases de efeito sem sentido, como „Você está contra ou a favor do Brasil‟ ou „Você quer um Brasil melhor‟, separando o mundo em um simples modelo dicotômico maniqueísta no qual existem as opções de se estar contra ou favor do que a maioria segue. 31 Artigo citado, p. 4 32 http://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2015/07/De-onde-veio-esse-lixo.doc.pdf, p. 5. 33 Artigo citado, p. 5-6. 34 Artigo citado, p.7. 29 Aplicada ao tema do presente artigo, é perceptível um modo dicotômico, maniqueísta e viciado, utilizado pelos grandes veículos de comunicação brasileiros, quando abordam o direito de greve em exercício dos trabalhadores. Inobstante, tal análise será no próximo capítulo. PERCEPÇÃO SELETIVA E CONSENSO FABRICADO A Percepção seletiva é constatada no oligopólio midiático, retratando notícias sob perspectivas iguais, em canais televisivos distintos, e não apresentando versões distintas ou contrárias aos fatos apresentados. Não há qualquer observância aos pilares do jornalismo sério e ético. Há uma exibição de versões unilaterais dos fatos, apresentação das consequências sem análise séria das causas e das conjunturas. Quando concernente as greves, a abordagem midiática passa a mensagem de que os trabalhadores suspenderam seus trabalhos como se fosse a primeira opção, sem permitir que os representantes dos sindicatos apresentem todos os esforços para negociações coletivas frustrados pelos empregadores. Todo este comportamento favorece a criação de um consenso fabricado35 capaz de fazer com que uma população desorientada aceite políticas desfavoráveis à si. A título exemplificativo, no ano de 1986, nos Estados Unidos, Chomsky expõe um caso clássico de percepção seletiva, no qual a grande mídia convenientemente escolheu divulgar as memórias de Armando Valladares, prisioneiro libertado de Cuba, que relatavam um vasto sistema de tortura e prisão por meio do qual Castro punia e eliminava sua oposição política. No mesmo ano o Grupo de Direitos Humanos de El Salvador, constituído em sua grande maioria por advogados, colheu o depoimento de 432 pessoas presas, que relataram e descreveram, sob juramento, a tortura que haviam sofrido, sendo que um deles havia sido torturado por um major americano uniformizado. O relatório de 160 páginas foi retirado da prisão e distribuído pela Força-Tarefa Interconfessional para as Américas da Comarca de Marin. Com relação as torturas de El Salvador a imprensa nacional 35 CHOMSKY, Noam. O lucro ou as pessoas? O autor explica os primórdios desta teoria com Frances Hutcheson e Francis Henry Giddings brilhantemente no intervalo das páginas 23-34. 30 estadunidense recusou-se a cobrir a matéria, as emissoras de televisão recusaram-se a reproduzi as gravações. Ninguém mencionou o assunto. Em se tratando de âmbito regional é possível exemplificar a percepção seletiva midiática com a greve no transporte público na grande Florianópolis. Os grandes meios de comunicação de Santa Catarina representados pela RBS TV, RIC RECORD, Band, SBT, costumam divulgar a greve do transporte público sob a perspectiva do prejuízo que a greve causa a sociedade. Apenas a título exemplificativo iremos expor coluna do Diário Catarinense (Grupo RBS), de fácil acesso à qualquer leitor, que não deixa dúvidas a respeito da adoção de uma perspectiva seletiva do jornal: “A população da região da Grande Florianópolis e os mais de 400 mil passageiros que usam o sistema de transporte coletivo ficam devendo ao Tribunal Regional do Trabalho o fim da greve dos motoristas. [...] Muito melhor: o desembargador deixou claro que o tribunal não será mais conivente com greve deônibus, sem a manutenção de frota mínima. Está a merecer, por isso, os aplausos da população que sofre há seis anos consecutivos, que penou durante dois dias e que respira aliviada com a volta da normalidade.36” No mesmo sentido a seguinte notícia do Diário Catarinense37: “[...] 13 mil crianças deixaram de ser atendidas nas escolas da Grande Florianópolis. 4 mil procedimentos de saúde não foram realizados por causa da paralisação do Sintraurb. 92% dos funcionários que conseguiram comparecer aos seus locais de trabalho chegaram após o início da jornada”. Apenas destas duas notícias se faz possível extrair a fabricação de uma notícia teoricamente imparcial e preocupada com o bem 36 PEREIRA, Moacir. Diário Catarinense, Florianópolis, 13/06/2013. 37 Diário Catarinense, Florianópolis, 12/06/2013. 31 estar da sociedade, que, todavia, pretende insuflar a população contra o movimento grevista. Percebe-se uma notícia que ignora todas as fases da greve mencionadas na introdução deste artigo, ignorando causas e preocupando-se apenas com as consequências, passando a imagem de que trabalhadores organizados na luta por melhores condições de trabalho e manutenção de direitos básicos são egoístas, baderneiros, vândalos e despreocupados no que se refere aos direitos da coletividade. Ambas as notícias apresentadas são do mesmo jornal, o de maior circulação em Santa Catarina, todavia, estas notícias poderiam ter sido extraídas de qualquer outro grande jornal, rádio, site ou noticiário. Resta cristalina assim a lógica da fabricação do consenso mediante a técnica da percepção seletiva utilizada pelos grandes meios de comunicação, presente tanto nos Estados Unidos, como no Brasil. DEZ MANDAMENTOS DA GRANDE MÍDIA Após anos de estudos sociológicos e observações do modus operandi da mídia convencional Noam Chomsky elaborou resumidamente em um breve artigo38 as dez técnicas da mídia para manipulação da sociedade. As dez técnicas39 consistem em distração, princípio do problema-solução do problema, gradualidade, adiamento, comunicar-se com o público de modo infantil, preferir emoção a reflexão, manter o público ignorante e medíocre, impor modelos de comportamento, autoculpabilizar a população, partir da premissa de que os meios de comunicação possuem mais conhecimento a respeito de sua vida que você mesmo. Cada uma delas será exposta de modo sucinto a seguir. 38 CHOMSKY, Noam. “Ecco 10 modi per capire tutte le bugie che ci raccontano”, em Latinoamerica e tutti i sud del mondo, números 128/130. Roma: GME Produzioni, 2014/2015, páginas 146-147. 39 CHOMSKY, Noam. “Ecco 10 modi per capire tutte le bugie che ci raccontano”, em Latinoamerica e tutti i sud del mondo, números 128/130. Roma: GME Produzioni, 2014/2015, páginas 146-147. 32 A estratégia da distração40 consiste em manter a atenção do público voltada para matérias de pouca relevância, mantendo o cidadão comum interessado em fatos insignificantes. O princípio do problema-solução41 do problema é uma técnica utilizada pela mídia na qual, a partir de dados incompletos, manipulados ou incorretos, um grande problema é criado no intuito de obter determinada reação do público, com objetivo de que o público solicite uma determinada providência para um problema inventado, ou seja, legitima-se algo ilegítimo, pois a voz do povo pede determinada providência. A gradualidade42 pode ser constatada diariamente nos jornais, revistas, sites de informação e noticiários televisivo. Ela ocorre quando, para fazer a população se submeter a algo inaceitável, a mídia começa a noticiar a população de forma gradual, a conta-gotas, conseguindo, deste modo, introduzir duras condições sócio-econômicas, cortes em gastos sociais, redução de investimento em programas assistencialistas, evitando-se assim uma insurreição. Para fazer com que a população aceite uma mudança que ela normalmente não aceitaria e mídia divulga tal mudança como algo doloroso e necessário, sem alternativas possíveis. Tratar os espectadores, leitores e internautas de forma infantil43 é a quinta técnica citada pelo autor em seu artigo. Segundo Chomsky, ao pretender enganar o público utilizando tom infantil, o público tende a responder geralmente com seu senso crítico reduzido. A sexta técnica observada em anos de estudo sociológico é a de explorar a emotividade44 em detrimento da reflexão sobre o tema. Explorando a emotividade de determinados assuntos, a perspectiva racional tende a ser ignorada, tornando o público influenciável. 40 CHOMSKY, Noam. “Ecco 10 modi per capire tutte le bugie che ci raccontano”, em Latinoamerica e tutti i sud del mondo, números 128/130. Roma: GME Produzioni, 2014/2015, páginas 146-147. 41 Ob. Cit. p. 146-147. 42 Ob. Cit. p. 146-147. 43 Ob. Cit. p. 146-147. 44 Ob. Cit. p. 146-147. 33 Manter o público ignorante e medíocre45 é um dos pilares para o controle do rebanho desorientado, é a sétima técnica apontada pelo autor em seu artigo. No mesmo sentido, impor modelos de comportamento46 aparece como oitava técnica, e consiste no controle de indivíduos medíocres e enquadrados, pois tais indivíduos não são pensantes. A publicidade atua fortemente no controle comportamental da sociedade. Por fim cita-se a autoculpabilização47 e a propagação da ideia de que os meios de comunicação sabem mais você a respeito de sua própria vida48. Autoculpabilização é fazer com que o indivíduo acredite que ele é fracassado apenas por mérito próprio, evitando rebeliões contra o sistema sócio econômico vigente que marginaliza a maioria da sociedade, assim, o desemprego, baixo salário e as péssimas condições de trabalho são causadas pelo próprio indivíduo, e não pela estrutura do sistema em que ele está inserido. Sob outro vértice, utilizando-se de pesquisas, sondagens, diagramações das inclinações políticas e ideológicas de cada indivíduo, a mídia possui um grande conhecimento sobre o público, possuindo enorme poder de controle e manipulação. CAPÍTULO 3 – CRIMINALIZANDO O DIREITO DE GREVE Neste capítulo tentaremos elaborar uma relação entre o direito de greve, a teoria sociológica de Noam Chomsky sobre a mídia e a teoria criminológica do labelling approach, conhecida como teoria do etiquetamento, um sinônimo para uma estigmatização e criminalização de indivíduos por questões principalmente étnicas, sociais e econômicas, anteriormente ao cometimento de crimes. Tendo em vista o já exposto, a greve é uma paralisação realizada pelos trabalhadores de um setor, empresa, categoria ou categorias, após o cumprimento de todos os requisitos legalmente previstos, bem como a todas as tentativas de negociação extrajudicial existentes. 45 Ob.cit. p. 146-147. 46 Ob. Cit. p. 146-147. 47 Ob. Cit. p. 146-147. 48 Ob. Cit. p. 146-147. 34 Não é razoável considerar que um determinado grupo de trabalhadores escolha por suspender suas atividades na luta por melhores condições de trabalho, correndo o risco de serem demitidos por justa causa, entre outras sanções, sem antes buscarem meios alternativos de resolução de controvérsias, tais como mediação, negociação, arbitragem. Com relação a sua divulgação midiática o direito de greve, direito constitucionalmente protegido no Brasil, e internacionalmente protegido pela OIT – OrganizaçãoInternacional do Trabalho em sua Convenção de 87, que protege a liberdade sindical, devido a sua importância na proteção do trabalhador e na luta por melhores condições de trabalho, é um direito que repetidamente tem sido ignorado, mal interpretado e mal veiculado pelos meios de comunicação. Conforme demonstrado no primeiro capítulo, a evolução histórica do direito de greve e da criação e manutenção dos sindicatos sempre foi acompanhada de conflitos, criminalização, proibição, limitação de seus poderes, entre outros. Elaborando um vínculo entre a histórica luta contra o direito de greve e existência dos sindicatos com a abordagem midiática etiquetadora, viciada e maniqueísta, tentaremos desenvolver uma conexão entre o que foi abordado, demonstrando a função exercida pelo sistema penal em conservar e reproduzir a realidade social perseguindo apenas determinados sujeitos que cometem determinados delitos. A TEORIA DO LABBELLING APROACH Inicialmente, previamente a explicação da teoria do etiquetamento, Sandro Sell49 tece algumas consideração: o conceito de criminoso e o criminoso são invenções da lógica distorcida do sistema de repressão; existe uma cifra oculta, que consiste no fato de haver muito mais condutas praticadas contra o direito criminal do que o sistema penal possui condições de investigar e processar, donde se pode concluir que apenas alguns tipos penais e, por consequência, determinados grupos que possuem o 49 SELL, Sandro César. A etiqueta do crime - Considerações sobre o Labbelling Approach. 2007. Site jusnavigandi. 35 habito de cometê-los, serão perseguidos pelo sistema penal; há, proporcionalmente, mais pobres na cadeia que qualquer outra classe social; Exposto isto, tentaremos explanar sinteticamente a respeito da teoria etiquetamento, empreitando posteriormente na tentativa de adequá-lo ao direito constitucional de greve e sua exposição midiática negativa. A teoria do etiquetamento surgiu nos EUA na década de 60, influenciada principalmente pelo interacionismo simbólico, corrente sociológica que sustenta que a realidade humana não é tanto feita de fatos, mas da interpretação que as pessoas coletivamente atribuem a esses fatos. Assim, algo só será crime se os mecanismos de controle social se dispuserem a classifica-lo como tal. “É possível, como bem sabemos, infringir as normas penais sem que se seja criminalizado. Pense-se, sobretudo, nas milhares de condutas presumivelmente delituosas das elites brasileiras, não investigadas por falta de "vontade" das autoridades competentes. Também não é incomum haver processos de criminalização sem que haja certeza acerca da autoria da conduta típica – pense nas investigações apressadas, nas exposições abusivas da imprensa, e nos processos judiciais mal conduzidos contra suspeitos miseráveis. Não, o crime não é algo que se faz, mas uma determinada resposta social a um algo supostamente feito.” Sandro C. Sell – A etiqueta do crime50 Para tal teoria o desvio seria consequência visível da reação social a um dado comportamento, de modo que, ser desviante seria resultado de um etiquetamento social, e não corolário lógico da conduta praticada. Sell ilustra a teoria com um exemplo interessante na qual duas mulheres cometem o mesmo ato de subtrair uma joia de uma joalheria de um centro comercial e o alarme da loja é acionado. Uma das mulheres é uma madame, e a outra é a faxineira do centro comercial. No mundo em que vivemos qualquer tese pode ser apresentada para a madame, diferentemente, para a funcionária do centro comercial a única hipótese encontrada será 50 SELL, Sandro César. A etiqueta do crime - Considerações sobre o Labbelling Approach. 2007. Site jusnavigandi. 36 enquadrá-la na tentativa de furto puro e simples. Extrai-se da ilustração o etiquetamento. “Na perspectiva da criminologia crítica a criminalidade não é mais uma qualidade ontológica de determinados comportamentos e de determinados indivíduos, mas se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos, mediante uma dupla seleção: em primeiro lugar, a seleção de bens protegidos penalmente, e dos comportamentos ofensivos destes bens, descritos nos tipos penais; em segundo lugar, a seleção dos indivíduos estigmatizados entre todos os indivíduos que realiza infrações a normas penalmente sancionadas. A criminalidade é – segundo uma interessante perspectiva já indicada nas páginas anteriores – um bem negativo, distribuído desigualmente conforme a hierarquia dos interesses fixada no sistema sócio-econômico e conforme a desigualdade social entre os indivíduos.”51 Em seguida parte-se para a desconstrução dos conceitos de crime e criminoso. Para o modelo dogmático crime trata-se de conduta proibida praticada por agente imputável. Etiologicamente falando, crime seria resultado direto de conduta praticada por ser antissocial. No modelo interacionista simbólico ou de etiquetamento o crime é o resultado de interpretação que conclui que determinado ato cometido por determinado tipo de pessoa merece a classificação de crime. Aplicado a teoria do etiquetamento o conceito de criminoso se resumiria no indivíduo que, devido a sua conduta e algo mais, a sociedade conseguiu atribuir satisfatoriamente o rótulo de criminoso. Para tal teoria a concepção do conceito de criminoso prima pelo algo mais em detrimento da conduta do indivíduo. O „algo mais‟ mencionado consiste na maioria das vezes no índice de marginalização para Sell. Assim, enquadrando- se o indivíduo em diversas posições estigmatizadas (negro, pobre, nordestino, gay, desempregado), aumenta-se proporcionalmente sua chance de ser criminalizado e preso. 51 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002. p.161. 37 Em outras palavras, por tal teoria, facilmente pode-se ter sua liberdade de ir e vir cerceada motivado por julgamento prévio das características do indivíduo do que propriamente pela conduta cometida pelo indivíduo. Então, a consequência lógica do sistema penal será a de que ele não luta contra o crime, mas atribui aos já marginalizados o rótulo de criminoso, tal qual um controle de castas sociais inferiores. “Um estigma predispõe ao outro. É como uma ladeira escorregadia: uma vez tendo descido o primeiro degrau da exclusão (ser pobre, desempregado, bicha, preto ou prostituta) é preciso ter muito cuidado para não descer mais outro e outro, até chegar ao final do processo excludente, sintetizado no rótulo de criminoso. É assim que comentários aparentemente causais-explicativos são dados na mídia quando se descobre, por exemplo, que o assassino era homossexual. Na leitura popular há um continuum do tipo: homossexual, pervertido, criminoso. Já se esperava. Da mesma forma, tudo parece estar esclarecido quando se descobre na casa do acusado de assassinato uma coleção de filmes pornográficos – que a autoridade exibirá como se fosse de relevância crucial à prova que lhe cabe buscar. A mente cozida em folhetins policiais, amiúde, segue uma nefasta lógica do tipo: gosto por pornografia = perversão = a predisposição assassina. Esse é um expediente que encanta a platéia, ávida por curiosidades e aberrações, e permite disfarçar a ausência de competência probatória do espetáculo”. Sandro Sell – A etiqueta do crime52. “As maioreschances de ser selecionado para fazer parte da „população criminosa‟ aparecem, de fato, concentradas nos níveis mais baixos da escala social (subproletariado e grupos marginais). A posição precária no mercado de trabalho (desocupação, subocupação, falta de qualificação profissional) e defeitos de socialização familiar e escolar, que são características dos indivíduos pertencentes aos níveis mais baixos, e que na criminologia positivista e em boa parte da criminologia liberal contemporânea são indicados como as causas da criminalidade, revelam ser, antes, conotações sobre a 52 SELL, Sandro César. A etiqueta do crime - Considerações sobre o Labbelling Approach. 2007. Site jusnavigandi. 38 base das quais o status de criminoso é atribuído”. Baratta, p. 165 Existe um processo de criminalização divido em dois grandes momentos, duas grandes distorções, chamadas de criminalização primária e criminalização secundária. A criminalização primária é aquela realizada pelo legislador penal53, ao escolher condutas que serão consideradas criminosas, não pelo seu dano social produzido, mas pela origem habitual dos praticantes das referidas condutas. No mesmo sentido, a criminalização secundária tem como seus atores principais os órgãos de controle social, neles compreendidos a polícia, o judiciário e a imprensa, que priorizam investigações nas parcelas da sociedade que acumulam os maiores índices de marginalização, achando, assim, maior numero de condutas criminosas entre eles. Alessandro Baratta, expoente da criminologia, elucida: “O momento crítico atinge a maturação na criminologia quando o enfoque macro-sociológico se desloca do comportamento desviante para os mecanismos de controle social dele e, em particular, para o processo de criminalização. O direito penal não é considerado, nesta crítica, somente como sistema estático de normas, mas como sistema dinâmico de funções, no qual se podem distinguir três mecanismos analisáveis separadamente: o mecanismo da produção das normas (criminalização primária), o mecanismo de aplicação das normas, isto é, o processo penal, compreendendo a ação dos órgãos de investigação e culminando com o juízo (criminalização secundária) e, enfim, o mecanismo da execução da pena ou das medidas de segurança“54 No mesmo sentido a exemplificação de Sandro C. Sell a respeito do tema: 53 Exemplo do tipo penal do artigo 176 do Código Penal que incrimina quem toma refeições em restaurante sem dispor de recursos para efetuar pagamento. Há crime se a pessoa se alimentou sem ter dinheiro. Se ela tiver dinheiro e não pagar, não há crime. Ou seja, apenas o pobre pode ser culpado. 54 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002, p. 161. 39 “O que serve como explicação sociológica da entrada facilitada dos marginalizados no mundo crime, não serve como recurso simplificador dos procedimentos de investigação criminal. A conclusão de uma investigação criminal não pode se apoiar em máximas do tipo: "Dentre os acusados, é criminoso aquele que possuir o maior índice de marginalização." Assim, é um absurdo que certos delegados diante de uma morte violenta e incerta numa favela, sem saber quem é a vítima e seu autor, sem nada saber daquele crime especificamente, digam com estúpida convicção ao repórter da TV: "provável envolvimento com o tráfico de drogas", como se a morte dos que vivem em favelas não pudesse decorrer de motivos passionais, vingança pessoal, motivos fúteis, crimes patrimoniais, familiares etc. para acontecer; ali se morre apenas por ação do tráfico. A platéia social novamente gosta e o espetáculo pode ser conduzido de qualquer forma, pois quem se importa com tão desqualificado morto? Agora, diante da morte do político que ia depor num processo criminal no dia seguinte, alardeando que entregaria muitos nomes de pessoas importantes, o mesmo delegado seria pateticamente cauteloso: "Todas as hipóteses, inclusive de crime por motivações políticas, estão sendo averiguadas". É que, particularmente no Brasil, ricos podem morrer de muitas formas; pobres apenas da forma que menos trabalho der à investigação”. Sandro Sell – A etiqueta do crime55 Alessandro Baratta adverte que existia um mito de que o direito penal era igual para todos. Tal mito era sustentado principalmente por duas preposições, que consistiam na ideia de que “o direito penal protege igualmente todos os cidadãos contra ofensas aos bens essenciais, nos quais estão igualmente interessados todos os cidadãos (princípio do interesse social e do delito natural)” e, que “A lei penal é igual para todos, ou seja, todos os autores de comportamentos anti-sociais e violadores de normas penalmente sancionadas têm iguais chances de tornar-se sujeito, e com as mesmas consequências, do processo de criminalização (princípio da igualdade)”. 55 SELL, Sandro César. A etiqueta do crime - Considerações sobre o Labbelling Approach. 2007. Site jusnavigandi. 40 O mito, quando confrontado com o resultado de anos de pesquisas criminológicas, resultou nas seguintes proposições: a. O direito penal não defende todos e somente os bens essenciais, nos quais estão igualmente interessados todos os cidadãos, e quando pune as ofensas aos bens essenciais o faz com intensidade desigual e de modo fragmentário b. A lei penal não é igual para todos, o status de criminoso é distribuído de modo desigual entre os indivíduos c. O grau efetivo de tutela e distribuição do status de criminoso é independentemente da danosidade social das ações e da gravidade das infrações à lei, no sentido de que estas não constituem variável principal da reação criminalizante e da sua intensidade Percebe-se do resultado das pesquisas trazidas de modo sucinto por Baratta uma falsa ideia de proteção da ordem social, com uma clara seletividade do aparelho de repressão penal, onde independe o real perigo apresentado pelo delito, mas sim as características estigmatizadas acumuladas pelo sujeito infrator. Evidencia-se uma contradição, que pode ser percebida desde o momento no qual se presume a lei penal ser igual para todos e tratar todos com igualdade, quando, na realidade, a igualdade formal não é encontrada no cotidiano, permeado de desigualdades subjetivas. “O sistema penal de controle do desvio revela, assim como todo o direito burguês, a contradição fundamental entre igualdade formal dos sujeitos de direito e desigualdade substancial dos indivíduos, que, nesse caso, se manifesta em relação as chances de serem definidos e controlados como desviantes. Em relação a este setor do direito a ideologia jurídica da igualdade é ainda mais radicada na opinião pública, e também na classe operária, do que ocorre com outros setores do direito.”56 56 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2002, p. 164. 41 A função de controle das camadas sociais menos favorecidas se faz presente nesta seletividade do aparato de controle penal, servindo, inclusive, como meio para criação de um contingente de reserva de trabalhadores que estarão sujeitos a quaisquer tipos de serviços, tendo em vista estarem com o máximo de estigmas alcançável
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